Introdução
A recomendação, dentro de uma dieta saudável, é que as calorias provenientes das gorduras não superem os 30% do total de calorias ingeridas. Geralmente, as calo-rias provenientes das gorduras superam os 40% e são geradas principalmente por gorduras saturadas, que estimulam a produção no fígado de lipoproteínas de baixa densidade (LDL, chamadas coloquialmente colesterol ruim)” aumentando o risco de provocar enfermidades cardiovasculares. A partir destas conside-rações, a demanda atual do mercado é a elaboração de alimentos com conteúdo graxo reduzido para minimi-zar seus efeitos negativos para a saúde. Um alimento de
consumo muito difundido, como o sorvete, pode ter um alto conteúdo em gordura, por isso o desenvolvimento de um produto de propriedades sensoriais agradáveis e livre de gordura é um desafio tecnológico.
O sorvete é um alimento de características coloidais complexas, devido a seus elementos estrutu-rais tais como gotas de gordura parcialmente fusiona-das, cristais de gelo e células de ar dispersas na fase de soro aquoso (Soukoulis y col., 2010). Os elementos estruturais dos sorvetes contribuem significativamente à percepção do padrão de textura, sabor e resistência à fusão, entre outros aspectos. A gordura, em particular, contribui sobremaneira às suas propriedades de palata-bilidade durante o congelamento e o batido.
Um dos objetivos nas formulações de sorvetes reduzidos em gordura é obter uma textura desejável. Isto representa um desafio importante para a tecnologia alimentar, já que a rede de glóbulos graxos se encontra ausente e isto pode ter um impacto negativo na textura final do produto (Aime y col., 2001). Recentemente, vêem se realizando diferentes estudos sobre fontes não gordurosas que ofereçam propriedades similares, cha-mados substitutos de gorduras, e sobre seu efeito sobre as propriedades sensoriais. Em investigações prévias têm se utilizado carboidratos e proteínas como substi-tutos na preparação de sorvetes reduzidos em gorduras (Aime y col., 2001; Li y col., 1997, Bayarri y col., 2010). Neste sentido, o polissacarídeo inulina vem sendo proposto como substituto de gordura em diversos produtos alimentícios. A inulina é um polissacarídeo não digestível que atua como fibra dietética, com
efei-Incorporação de inulina na matriz
de sorvete de baunilha livre
de gordura: efeito sobre as
propriedades texturais e físicas
Laura T. Rodriguez Furlán; Mercedes E. Campderrós
Facultad de Química, Bioquímica y Farmacia - Universidad Nacional de San Luis. San Luis, Argentina Instituto de Investigaciones en Tecnología Química (INTEQUI) - CCT-CONICET. San Luis, Argentina.
to prebiótico, composto por uma cadeia de moléculas de frutose com uma unidade ter-minal de glicose. Existem estudos recentes que investigam o efeito da adição de inuli-na sobre as propriedades reológicas e sen-soriais de sobremesas lácteas. Além disso, é um carboidrato não digestível, com um mínimo impacto sobre o açúcar sanguíneo e -diferente da frutose- não é insulinêmico e não eleva o triglicéride. Oferece uma melhor biodisponibilidade de cálcio e mag-nésio e melhora a absorção de ferro a nível intestinal. Inclusive, há evidências de sua atuação na redução do risco de câncer, reforço da resposta imune e proteção contra as desordens intestinais.
Neste trabalho foi investigado o efeito da inulina como substituto de gordura em uma matriz de sorvete livre de gordura e sua influência sobre as propriedades senso-riais e texturais das amostras elaboradas. Materiais e métodos
Matérias primas
Inulina (Orafti Chile S.A.). É um polissaca-rídeo usado como fonte de reserva presente em muitas plantas alimentícias, tais como bananas, cebolas, alho, alho-poró, alcacho-fras e chicória, esta última representa a principal fonte comercial .
Amido modificado (Matharch M 25, Mathiesen, Argentina). O amido modificado a partir de processos de hidroxipropilação e entrecruzamento consegue melhorar a quali-dade do amido nativo, apresentando menor
redução da viscosidade durante o aquecimento e a agita-ção, mostra uma baixa sinerese durante a armazenagem e boa estabilidade a baixas temperaturas (Wattanachant y col., 2003).
Preparação do sorvete
Para demonstrar o efeito da inulina como agente subs-tituto de gordura foram estudadas duas formulações: uma amostra controle não reduzida em gordura (NRG), com o objetivo de imitar suas propriedades físicas e texturais, e outra livre de gordura (LG) utilizando inu-lina e amido modificado como aditivos. A composição da amostra NRG foi 5% de gordura; 12% de sólidos
não gordurosos de leite; 18% de açúcares totais e 0,2% de estabilizante. Com o objetivo de não modificar a composição de sólidos totais, na amostra LG foi elimi-nado o conteúdo graxo e se incorporou amido modifi-cado a 3% (p/p) e inulina a 2% (p/p), de modo a subs-tituir o conteúdo gorduroso. O procedimento emprega-do na preparação emprega-do sorvete se mostra na figura 1: foram misturados os diferentes ingredientes (sem incorporar o corante e saborizante) com água a 50°C durante 10 min, utilizando uma agitadora planetária. As misturas foram pasteurizadas a 75°C durante 15 min. em um banho a 95°C. Posteriormente foi realizada a desintegração dos componentes da mistura por meio da Figura 1 - Diagrama de blocos do processo de elaboração
aplicação de uma homogeneização. Depois as misturas foram rapidamente resfriadas a 4°C e conservadas 20 horas com agitação lenta e constante (etapa de maturação).
As amostras maturadas foram congeladas a –5°C agitando constantemente. Finalmente foram embaladas e armazenadas a –20°C durante 1 semana. Análises
Análises de textura. Foi realizada por quintuplicado depois de um tempo de armazenamento das amostras de sorvete de duas semanas e a uma temperatura de -10°C, com um analisador de textura TMS-Touch (Food Technology Corporation, DASTEC). Foi praticado um teste de penetração a uma velocidade de penetração de 120 mm/min. e uma distância de 10 mm, corresponden-te com um corresponden-terço da altura das amostras, utilizando um tubo de ensaio cilíndrico de um diâmetro de 10 mm. A dureza (N) das amostras foi avaliada como a força máxima no pico de compressão durante a penetração (Soukoulis y col., 2010).
Provas de fusão. As amostras foram previamente armazenadas a -20°C. Para a realização deste teste, as amostras foram removidas do pote e pesadas. Posteriormente colocadas sobre uma malha metálica (diâmetro de poro: 1 mm) e mantida a temperatura ambiente (T=20°C). Registrou-se regularmente o peso do material que atravessava a malha, ou seja, o material que gotejava, durante um período de 80 min., determinando a velocidade de derretimento: [(g amostra derretida/g totais) x100 (tempo-1)] (Bolliger y col., 2000).
Análise sensorial. Neste estudo foi apresentada a cada avaliador uma série de amostras codifica-das e lhes foi pedido que as avaliassem através de um exame visual, olfativo e gustativo, e clas-sificassem através de uma escala hedônica a aceitabilidade. Para isso, se identificou cada amostra com um código de três dígitos. As amostras foram testadas a uma temperatura de -15°C, em um ambiente iluminado uniformemen-te, por um painel de 40 panelistas não treinados que julgaram as amostras através de uma escala hedônica de nove pontos, indicando quanto lhes agradava ou desagradava o produto (9 = gosta muito, 5 = nem gosta, nem desgosta, 1 = des-gosta muito). Foram avaliados o sabor, aroma,
cor e textura. Foi proporcionada água entre as amostras para limpar o paladar.
Análise estatística.Os dados obtidos foram estatistica-mente avaliados através do teste de comparações múl-tiplas de Tukey-Kramer ao considerar o caso de duas ou mais comparações. Por outro lado, se utilizou o T-test, assumindo estatisticamente significativa um P<0,05 e utilizando um software de estatística Graph Pad In Stat (1998).
Resultados
Dureza. Os valores instrumentais de dureza dos sorve-tes são um parâmetro importante, já que se encontram relacionados com outros parâmetros tais como over-rum, conectividade dos cristais de gelo, propriedades térmicas, entre outros. A dureza instrumental pode ser relacionada com o crescimento dos cristais, já que um aumento no tamanho dos cristais no sorvete se encon-tra acompanhado por variações nos valores de dureza. Além disso, a dureza instrumental pode ser utilizada para analisar o impacto dos diferentes ingredientes (gordura, açúcares, proteínas e hidrocolóides) sobre o produto final (Soukoulis y col., 2008). Os resultados do estudo de perfil de textura revelaram que a adição de inulina permitiu obter um valor de dureza (8,9±1.0N) similar à amostra controle (10,0±1.6N), não havendo diferença estatisticamente significativa entre ambos
Figura 2 -Influência da substituição da gordura por inulina nas amostras de sorvete livre de gordura sobre a
(P>0,05). Estudos realizados previamente por Soukoulis y col. (2010) mostraram que a incorporação de inulina em sorvetes reduzidos em sacarose permitiu aumentar a dureza instrumental do sorvete , isto pode significar que a inulina aumenta o valor de Tg (tempe-ratura de transição vítrea) da amostra e isto permite uma maior uniformidade dos cristais de gelo. Além disso, a incorporação de hidrocolóides produz o aumento da dureza, já que atuam como crioprotetores devido a sua habilidade de controlar a difusão da água e o crescimento dos cristais de gelo. O efeito crioprote-tor de inulina e o aumento dos valores de Tg que geram em soluções protéicas, foi demonstrado recentemente por Rodriguez Furlán y col. (2012), os resultados são comparáveis com a matriz de sorvete, devido seu ele-vado conteúdo proteico proveniente de seu ingrediente majoritário, o leite.
Fusão. A fusão do sorvete se produz devido a fenôme-nos de transferência calor. O calor penetra gradualmen-te no ingradualmen-terior da matriz do sorvegradualmen-te produzindo a fusão dos cristais de gelo. A água produzida difunde pelo sor-vete e finalmente goteja. Os hidrocolóides, devido a sua capacidade de retenção de água e de formar gelos, modificam a velocidade do derretimento do sorvete. Na figura 2 estão demonstrados os resultados obtidos para
a velocidade de derretimento das amostras NRG e LG. Este ensaio permitiu revelar uma menor velocidade de derretimento da amostra LG (0,57% de to/min.), que a amostra NRG (1,23% de derretimen-to/min.), (P<0.001), retendo sua forma original por maior tempo (LG=30 min.; NRG=20 min., figura 3), aumentando o tempo necessário para o colapso da estrutura. Este comportamento poderia explicar-se considerando que os hidrocolóides aumentam a visco-sidade da amostra e portanto, é necessário um maior Figura 3 -Derretimento no tempo de sorvete não livre (A-B)
e livre de gordura com a incorporação de inulina e amido modificado (C-D) A C D t= 0 t= 0 t= 30 t= 20 B
tempo para que a água difunda do interior ao exterior do sorvete . Resultados similares foram encontrados por Soukoulis y col. (2008), que descobriu que a incor-poração de hidrocolóides diminui a velocidade de der-retimento do sorvete.
A análise sensorial, utilizando uma escala hedônica de nove pontos, revelou que não houve dife-rença estatisticamente significativa nos diferentes atri-butos sensoriais avaliados (cor, aroma, textura e sabor) ao comparar as amostras NRG e LG (Tabela 1), com-provando a efetividade da inulina como agente substi-tuto de gordura e do amido modificado como agente texturizante.
Conclusões
Foi estudada a substituição da gordura por agentes tais como inulina e amido modificado. Pode-se observar que a incorporação destes componentes ao sorvete livre de gordura permitiu igualar as propriedades texturais e sensoriais do sorvete não reduzido em gordura. Além disso, a incorporação destes hidrocolóides permitiu diminuir a velocidade de derretimento e aumentou o tempo de retenção da forma do sorvete em comparação com a amostra NRG. Isto pode significar que estes com-ponentes aumentam a viscosidade da amostra e portanto aumentam o tempo de difusão da água através do produ-to, além disso por suas propriedades de hidrocolóides contribuem para a retenção da água.
Os resultados demonstraram a efetividade dos aditivos empregados, conseguindo uma formulação de sorvete livre de gordura com características físicas e sensoriais muito similares à amostra controle, com
características funcionais pela incorporação de um componente prebiótico, como inulina.
Referências
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Bayarri, S., Chuliá, I., &Costell, E. (2010).Comparing •-carragee-nan and an inulin blend as fat replacers in carboxymethyl cellulose dairy desserts. Rheological and sensory aspects. Food Hydrocolloids, 24, 578-587.
Bolliger, S., Kornbrust, B., Goff, H.D., Tharp, B.W., &Windhab, E.J. (2000). Influence of emulsifiers on ice cream produced by con-ventional freezing and low-temperature extrusion processing. International Dairy Journal, 10(7), 497-504.
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Rodriguez Furlán, L. T., Lecot, J., Pérez Padilla, A., Campderrós, M., &Zaritzky, N. (2012). Stabilizing effect of saccharides on bovi-ne plasma protein: a calorimetric study.MeatScience, 91, 478-485. Soukoulis, C., Chandrinos, I., &Tzia, C. (2008).Study of the func-tionality of selected hydrocolloids and their blends with k-carragee-nan on storage quality of vanilla ice cream. LWT - Food Science and Technology, 41, 1816-1827.
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