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O DESENVOLVIMENTO CONCEITUAL DA INDISCIPLINA

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O DESENVOLVIMENTO CONCEITUAL DA INDISCIPLINA

SIMON, Ingrid – FADEP ingrid@fadep.br

DAMKE, Anderleia Sotoriva- UFMS anderleiadamke@hotmail.com

Eixo Temático: Violência nas escolas Agência Financiadora: Não contou com financiamento

Resumo

Este artigo apresenta uma investigação sobre o conceito de indisciplina escolar a partir de um conjunto de estudos sobre autoridade. Optamos por uma investigação de Desenvolvimento

Conceitual, uma modalidade de pesquisa da Análise Conceitual, não com o propósito de

chegar a um conceito universal de indisciplina escolar, mas com o objetivo de desenvolver o conceito de indisciplina a partir de estudos sobre autoridade. Esse método se desdobra da investigação filosófica-analítica, de acordo com Coombs e Daniels (1991). Ainda, o

Desenvolvimento Conceitual propõe-se a desenvolver e sustentar um conceito ou uma

estrutura conceitual (GARCIA, 2003). Tivemos como principal referência a obra Autoridade, de Richard Sennett (2001). As concepções desse teórico foram importantes para entendermos a noção de autoridade e, por meio dela, desenvolvermos o conceito de indisciplina escolar. Através do Desenvolvimento Conceitual procuramos desenvolver a indisciplina escolar como uma ruptura com uma autoridade ilegítima. Dividimos nossa análise em três etapas. Primeiramente examinamos a indisciplina a partir do conceito de autoridade como “uma expressão emocional do poder”. Na sequência desenvolvemos a indisciplina com base no conceito de autoridade como “um vínculo entre pessoas desiguais”, e, ao final, analisamos a indisciplina a partir do conceito de autoridade como “uma tentativa de interpretação do poder”. Entre os resultados obtidos podemos destacar a noção de indisciplina escolar como uma ruptura, uma desvinculação com o vínculo de autoridade docente, a indisciplina seria uma tentativa de reinterpretar o poder e as condições de controle e influência dos professores em sala de aula, redefinindo uma imagem de força e fraqueza na escola.

Palavras-chave: Educação. Desenvolvimento Conceitual. Indisciplina escolar. Introdução

Este artigo apresenta uma investigação sobre o desenvolvimento do conceito de indisciplina escolar a partir de um conjunto de estudos sobre autoridade em que expõe um recorte de uma pesquisa desenvolvida no Mestrado em Educação. Optamos por uma

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investigação de Desenvolvimento Conceitual, uma modalidade de pesquisa da Análise

Conceitual, não com o propósito de chegar a um conceito universal de indisciplina escolar,

mas com o objetivo de desenvolver o conceito de indisciplina a partir de estudos sobre autoridade.

O Desenvolvimento Conceitual, conforme Garcia (2003), propõe-se a desenvolver e sustentar um conceito ou uma estrutura conceitual. Segundo o mesmo autor, “o desenvolvimento de conceitos ocorre quando modificamos ou reconstruímos aspectos de nossas atuais estruturas conceituais” (p. 4), e ainda, “o desenvolvimento conceitual, ao desdobrar novas estruturas conceituais nos permite realizar tarefas para as quais nossos antigos conceitos parecem inadequados” (p. 4).

Em nosso percurso de estudos sobre indisciplina escolar, deparamo-nos com seus diversos significados, complexos e, muitas vezes, ambíguos. A indisciplina escolar apresenta distintas expressões e diferentes significados, assim como pode ser analisada levando em conta muitas variáveis, que podem envolver a escola, a mídia, a família, a cultura, o currículo, a relação entre os sujeitos escolares, entre outras.

Nessa diversidade conceitual percebemos o conceito de autoridade docente, que se faz presente entre as discussões sobre indisciplina escolar. Procuramos, assim, compreender a autoridade, com base nos estudos de Richard Sennett (1980). As concepções desse teórico foram importantes para entendermos a noção de autoridade e, por meio dela, desenvolvermos o conceito de indisciplina escolar.

Através do Desenvolvimento Conceitual procuramos desenvolver a indisciplina escolar em três etapas. Primeiramente examinamos a indisciplina a partir do conceito de autoridade como “uma expressão emocional do poder”. Na sequência desenvolvemos a indisciplina com base no conceito de autoridade como “um vínculo entre pessoas desiguais”, e, ao final, analisamos a indisciplina a partir do conceito de autoridade como “uma tentativa de interpretação do poder”.

Indisciplina e expressão emocional do poder

A indisciplina, neste item, é compreendida como uma ruptura com a autoridade. Essa autoridade é entendida como uma expressão emocional do professor.

Entendemos, com base em Sennett (2001, p. 16), que “através de suas emoções as pessoas expressam plena consciência umas das outras. Através das emoções, elas tentam

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expressar o sentido moral e humano das instituições em que vivem”. Uma das características singulares da indisciplina escolar, enquanto um rompimento com uma expressão emocional do poder, estaria em conseguir demonstrar as emoções dos alunos, suas relações com a instituição escolar e com a autoridade docente. Assim, a indisciplina poderia expressar as emoções, os sentimentos e a consciência dos alunos, sobre si, das relações com os outros, do modo como articulam as relações em sala de aula e suas experiências naquele espaço.

A indisciplina romperia com a expressão emocional do poder que define a autoridade, pois poderia demonstrar que essa autoridade não é legítima. Dessa maneira, ela romperia com uma expressão emocional do poder, que definia a autoridade, por não considerar um poder legítimo. A indisciplina escolar poderia ser uma expressão emocional singular do aluno, ou até mesmo, uma máscara, ou seja, um modo que o aluno busca para se proteger da influência da autoridade do professor.

Então, os alunos poderiam utilizar máscaras para se proteger das influências de uma autoridade. Dessa forma, uma máscara seria utilizada na sala de aula pelos alunos e possibilitaria uma desvinculação com a autoridade que não fosse reconhecida. A indisciplina seria uma máscara que serve de instrumento para romper com a autoridade e poderia revelar um descuido na relação entre professor e aluno. A indisciplina, ainda, poderia ser um sinal de que a autoridade não estaria demonstrando interesse pelo outro.

A indisciplina, como um rompimento com a expressão emocional do poder, também poderia ser uma demonstração de desinteresse do aluno “indisciplinado” pelo conhecimento, pela escola, pelas relações e por si mesmo. Um exemplo disso é a obrigatoriedade com que ele vai para a escola, em troca de algum auxílio financeiro. Vai para aula porque o ensino é obrigatório e pode, por meio dele, contribuir para o sustento de sua família. Entretanto, o aluno não tem garantias de um futuro melhor, de que esses anos na escola lhe tragam conhecimento ou uma vida melhor no futuro. Entendemos que a indisciplina poderia significar desinteresse dos alunos sobre a escola.

A máscara proporciona os poderes de desvinculação com a autoridade, pois estabelece uma distinção entre “a figura externa obediente” e o “observador interno” (SENNETT, 2001, p. 183-184). Entretanto, o “eu interno”, indisciplinado, não acredita no que deve ser feito e internamente nega tudo aquilo que é proposto ou imposto para ser feito, ou simplesmente age com indiferença (SENNETT, 2001, p. 183-184).

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Na relação entre professores e alunos, uma máscara poderia ser utilizada para que o vínculo entre eles seja rompido, uma vez que o aluno reage à autoridade do professor, negando-a ou agindo de maneira indiferente. A indisciplina serviria como uma máscara para romper com a autoridade docente.

A purgação, no processo de desvinculação com a autoridade, para Sennett (2001, p. 85), “é um ato que as pessoas praticam por temerem que o perigo seja interno, que elas tenham sido seduzidas por uma figura de autoridade”. Segundo o autor, a purgação visa lidar com o fato de que a pessoa reage diante do controle e da influência da autoridade. Nesse sentido, comparamos a indisciplina com a purgação, uma vez que, através dela, os alunos reagiriam e romperiam com o controle e com a influência de uma autoridade.

A indisciplina escolar indicaria mudanças do aluno, a respeito da sua identidade, de seu caráter, da cultura em que ele vive e seu crescimento fisiológico e psicológico. Os alunos estão em processo de crescimento e mudança constante, não estarão sempre quietos, inertes ou sempre agitados, nem iguais em todos os momentos na sua vida escolar. Assim, a indisciplina poderia ser compreendida como uma expressão de crescimento e de mudança dos alunos.

Compreender a indisciplina como um rompimento com a autoridade, sendo esta uma expressão emocional do poder, que está ligada às mudanças, não é “culpar” essas mudanças pelas quais os alunos passam durante sua vida pessoal, familiar e social, nem apenas pensar na culpa do aluno. Entretanto, podemos reinterpretar nossas noções sobre indisciplina, e “pensar” sobre essas mudanças e procurar nelas subsídios que sejam úteis para o dia-a-dia escolar com maior entrosamento e empenho dos alunos e dos professores, nos vínculos que eles possuem.

A indisciplina poderia ser compreendida de maneira mais ampla, como uma oportunidade de revisão, de repensar dos sujeitos escolares sobre eles, seus papéis na escola, sobre as responsabilidades e sobre o processo educativo em que estão envolvidos, superando, assim, a visão de que a indisciplina é um problema na sala de aula. A indisciplina demonstraria o que o aluno sente e pensa, sobre como ele vive e aprende dentro do processo de escolarização. A indisciplina poderia ainda, indicar crescimento, mudança dos alunos sobre eles mesmos, as relações que estabelecem e sobre a autoridade docente.

A noção de indisciplina escolar, entendida como um rompimento com a expressão emocional do poder, revelaria uma ligação entre força e tempo. Esse rompimento indicaria

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que nenhuma autoridade é onipotente ou dura para sempre. A indisciplina seria um sinal de que a autoridade não se mantém na relação entre professor e aluno pela imposição, mas ela é construída, interpretada naquela relação, rompendo assim com a naturalidade que é esperada na relação de autoridade, ou seja, com a autoridade imposta e sem legitimidade.

A crise de autoridade que abordamos anteriormente indica que o indivíduo rompe com o sentido de ser servo, obedecer àqueles que mandam, há, pois, uma ruptura com a dominação. A indisciplina, então, seria uma ruptura com a naturalidade da obediência e da servidão em relação à autoridade como uma expressão emocional do poder.

A indisciplina, também poderia ser entendida como uma espécie de parâmetro para a dependência desobediente em que o personagem central da indisciplina é o outro – a autoridade. Essa dependência desobediente, para Sennett (2001, p. 44), é um vínculo de rejeição com a autoridade que admite a necessidade de autoridade e liga-se ao medo da força da autoridade. Nesse sentido, a indisciplina escolar seria um vínculo de rejeição, uma transgressão, pois envolve mais do que dizer “não” e “implica propor uma alternativa inaceitável para o outro” (SENNETT, 2001, p. 52).

A indisciplina escolar poderia ser compreendida como uma dependência desobediente que reconheceria a autoridade para então desobedecer, por isso desenvolveria uma atenção maior sobre o que o professor está fazendo ou pedindo para que seja feito. Entretanto, a indisciplina, nesse caso, “envolve mais do que dizer não”, justamente porque o aluno age de forma contrária ao que o professor espera.

O professor, neste contexto, poderia romper com esse vínculo de dependência desobediente, não apenas contrariando aquilo que o aluno se propõe a fazer, mas reconhecendo que esse aluno tido como “indisciplinado” estaria demonstrando que aquele sistema instituído pelo professor seria falho. Então, a indisciplina seria compreendida como uma dependência desobediente a exigir reconhecimento de si, assim como o conhecimento do outro, do professor como autoridade.

Nesta seção avançamos no entendimento da noção de indisciplina escolar, tendo por referência o conceito de autoridade como uma expressão emocional do poder, de acordo com Sennett (2001). Por um lado, a indisciplina poderia ser uma máscara dos alunos, que tentam “passar despercebidos”. Por outro lado, poderíamos compreender a indisciplina como um rompimento com a expressão emocional do poder, que demonstraria o que os alunos pensam, acreditam e transgridem. Podemos compreender a indisciplina dentro de um processo de

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desvinculação com a autoridade, que seria capaz de romper com a autoridade ilegítima do professor. A indisciplina romperia também com as noções que os professores possuem tanto de autoridade quanto da própria indisciplina. Além disso, ela seria um instrumento capaz de avaliar e romper com uma expressão emocional do poder, fazendo com que a autoridade docente seja revista.

Indisciplina e vínculo entre pessoas desiguais

Nesta seção, vamos analisar a indisciplina como rompimento com um vínculo ilegítimo de autoridade. Partimos do entendimento de autoridade como “um vínculo entre pessoas desiguais” (SENNETT, 2001, p. 22) para desenvolver o conceito de indisciplina escolar.

A autoridade pode ser compreendida como um vínculo, uma relação entre pessoas desiguais. De um lado dessa relação estão aqueles que precisam da autoridade para que sejam guiados, por diversos motivos. Do outro lado, estão aqueles que se realizam ao serem autoridades, pois é o modo de expressarem interesse por outrem; são eles os adultos (SENNETT, 2001, p. 27). Nessa demonstração de “interesse” e “necessidade” percebemos que o vínculo de autoridade se dá pela posição desigual entre as pessoas.

A relação entre desiguais na sala de aula é representada pelos sujeitos escolares, de um lado, o professor e, de outro, os alunos. Essa relação possibilitaria a formação de um vínculo de autoridade que atenda à necessidade e ao interesse daqueles sujeitos. Entretanto, quando temos a indisciplina nessa equação, observamos que ela poderia representar uma ruptura na formação do vínculo de autoridade, seja pelo não-reconhecimento da necessidade, seja pela falta de interesse demonstrada pelas partes nessa relação.

A indisciplina escolar romperia com a autoridade docente, não apenas com as regras que ela constitui ou segue, mas como uma possibilidade de rever, de discutir a relação entre professor e aluno. No contexto escolar podemos afirmar que a indisciplina romperia com esse vínculo, ainda que necessário, e por isso oportunizaria que ele fosse reinventado. Ela não estaria associada à presença de maior ou menor pulso de uma autoridade. A indisciplina indicaria possibilidades de rever a formação do vínculo de autoridade entre alunos e professores em sala de aula, se aquele tiver como base relações de poder estabelecidas arbitrariamente.

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O medo da autoridade, segundo Sennett (1980), que nos afeta, é o medo por não conseguirmos viver a experiência de autoridade, “seja por sentirmos ameaça quanto a nossa liberdade ou por passarmos a acreditar em autoridades que são na verdade sedutores” (p. 15), o que pode dificultar a experiência de autoridade das pessoas. Hoje em dia, segundo o mesmo autor, existe outro medo, que é o medo de quando a autoridade existe. Entretanto, ele afirma que o desejo de orientação, segurança e estabilidade não desaparece pelo fato de não ser satisfeito pela autoridade (1980, p. 15). A indisciplina seria um meio de perder o medo da autoridade, seria uma tentativa de romper com aquele medo da autoridade, que é o medo de quando ela existe. Podemos entender que a indisciplina seria uma tentativa de redução do medo da autoridade, procurando criar outros limites, outro vínculo de autoridade, pois romperia com aquele existente.

A indisciplina poderia ser compreendida como uma expressão do desejo de orientação, segurança e estabilidade, que não estaria sendo satisfeito pela autoridade e, por isso, provocaria o rompimento com a autoridade. A ruptura poderia acentuar a não formulação de vínculos com o docente ou com as demais pessoas no ambiente escolar. Como consequência desse rompimento, poderia surgir um sentimento de exclusão dos próprios alunos. Eles se sentiriam excluídos por sentirem falta de autoridade, da formação de vínculos de autoridade, com o professor na sala de aula.

De acordo com Sennett (2001, p. 225), para “levar a sério os ideais que, da boca pra fora, a maioria das sociedades do Ocidente afirma alimentar”, precisamos estabelecer uma estrutura de poder receptiva àqueles que lhe estiverem submetidos, uma estrutura disponível à discussão e à reformulação. Pensando na indisciplina, afirmamos que ela poderia demonstrar que a receptividade na relação entre professor e aluno para a formação de um vínculo de autoridade, não estaria sendo suficiente. Também, a indisciplina poderia não reconhecer a desigualdade num vínculo de autoridade, que enseja um vínculo entre pessoas desiguais, por isso ele seria rompido pela indisciplina. Dessa maneira a indisciplina indicaria falta de receptividade e da experiência da relação de autoridade entre os sujeitos escolares.

Os sentimentos de inferioridade ou passividade, e até mesmo revolta, também podem ser compreendidos como vínculos de rejeição da autoridade, em que o medo relaciona-se ao que o superior seria capaz de fazer com esse poder (SENNETT, 2001, p. 44). A indisciplina como um rompimento com a autoridade também poderia ser entendida como um sentimento de inferioridade, passividade ou revolta. Poderia ser um vínculo de rejeição da autoridade, por

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medo do que ela possa fazer, refletindo o distanciamento e a falta de receptividade na relação entre professor e aluno, ou, no mínimo, experiências passadas que foram catastróficas com o vínculo de autoridade. A indisciplina continuaria ligada à autoridade pelos vínculos de rejeição, que mantêm a necessidade de autoridade, mas seria uma aproximação com a autoridade na tentativa de romper com ela.

Para que o vínculo de autoridade seja formado é preciso “identificar, definir e interpretar diferenças de forças”, pois “o sentimento de autoridade é justamente o reconhecimento de que essas diferenças existem, e, noutro sentido, trata-se de levar em conta as necessidades e desejos tanto dos fracos quanto dos fortes, depois de reconhecidas essas diferenças” (SENNETT, 2001, p. 170). A força como algo essencial para a formação do vínculo de autoridade deve ser usada a serviço de um ideal mais elevado ou da proteção às pessoas. A indisciplina escolar poderia ser compreendida como um rompimento com essas diferenças de forças na relação entre os alunos e professores, que, dessa maneira, refletiria dificuldades de interpretar e formar o vínculo de autoridade.

A indisciplina escolar poderia refletir algo sobre a relação entre professor e aluno. Ela poderia demonstrar que os alunos querem participar de algum modo no cotidiano escolar e na formulação da autoridade. Suas expressões são variadas e aproximam os sujeitos escolares, atravessando os relacionamentos entre esses sujeitos, o que se refletiria na forma como eles estariam interpretando as condições de poder da autoridade. A indisciplina seria uma força de transformação no relacionamento entre professores e alunos e seus diversos sentidos se atualizariam.

Por essa razão, a indisciplina romperia e poderia transformar o modo como a autoridade seria construída e interpretada.

Pensamos a indisciplina escolar como uma possibilidade, um meio, pelo qual, a interpretação e a construção da autoridade do professor em sala de aula seriam transformadas. Procuramos, na próxima seção, analisar a indisciplina escolar e tendo em vista a autoridade como uma tentativa de interpretar as condições de poder, de dar sentido às condições de controle e influência, de acordo com Sennett (2001, p. 33).

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Nesta seção analisamos o conceito de indisciplina escolar como uma ruptura com o vínculo de autoridade. A autoridade é entendida como uma tentativa de interpretar o poder, dar sentido ao controle e à influência (SENNETT, 2001, p. 33).

Para Sennett (2001, p. 30-33) a “autoridade, no sentido mais geral, é uma tentativa de interpretar as condições de poder e de dar sentido às condições de controle e influência, definindo uma imagem de força”. A autoridade, para o autor, não é uma coisa, é um processo interpretativo que busca a solidez de algo, é a busca pelo poder.

Entendemos que a indisciplina escolar representaria uma falta de um processo interpretativo constante do poder, para a formulação do vínculo de autoridade. Ainda, a indisciplina, poderia demonstrar a importância de revermos o sentido dado pela autoridade ao controle e à influência na definição de uma imagem de força. Por esse motivo, a indisciplina romperia com a autoridade, com a imagem de força, mostrando a necessidade de reinterpretar as condições do poder e redefinição dessa imagem.

A percepção das diferenças de força define a legitimidade da autoridade para Sennett (2001, p. 206). Se o vínculo da autoridade é capaz de julgar e tranquilizar, com base no autor, é porque o vínculo de autoridade é formado por uma ligação entre pessoas desiguais, interpretando diferenças de força e dando sentido às condições de controle e influência; sendo assim, seria considerado um vínculo de autoridade legítimo. De acordo com Sennett (2001, p. 206), parece que “há algo de inatingível no caráter da autoridade. Há um poder, uma segurança ou um segredo, possuídos pela autoridade que o subalterno não consegue desvendar”. Sennett (2001, p. 206) afirma que “a autoridade é considerada legítima quando sua força faz dela um Outro, uma pessoa que habita um campo diferente de força”.

A indisciplina poderia romper com essa diferença de forças mostrando a necessidade de reinterpretar as condições de poder. A questão da legitimidade da autoridade na escola também seria demonstrada pela forma como entendemos a indisciplina, pois ela evidenciaria as ilegitimidades e a importância de se rever o que legitima a autoridade. A indisciplina romperia com a legitimidade da autoridade e poderia ser entendida como uma busca por outra legitimidade. Ainda, a indisciplina escolar poderia ser entendida como a vontade e a necessidade de viver uma experiência de autoridade legítima, assim como poderia demonstrar a existência de uma autoridade ilegítima. Consideramos que a indisciplina reforçaria a necessidade de uma postura interpretativa para as condições de poder que determinam a autoridade e também a importância de uma postura interpretativa diante dela.

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A indisciplina também poderia ser compreendida como capaz de romper com a da autoridade, o com “o poder, a segurança e o segredo” possuídos pela autoridade, conforme Sennett (2001, p. 206). Entendemos, então, que a indisciplina romperia com a autoridade e conseguiria desvendar o poder, a segurança e o segredo que aquele que estava submetido à autoridade não conseguiria desvendar.

A indisciplina escolar poderia ser compreendida como um rompimento com imagens de autoridades ilegítimas, tais como a autoridade paternalista e a autoridade autônoma na sala de aula. Ela mostraria os efeitos de uma autoridade destrutiva ilegítima, por isso a importância de interpretar as manifestações de indisciplina e perceber como ela auxiliaria no processo de interpretação do poder que define a autoridade e a legitimidade. Podemos afirmar que o autoritarismo representa um sistema repressivo, com base na punição e na opressão, tal como sugere Sennett (2001). A indisciplina, portanto, também seria uma ruptura com o autoritarismo.

A autoridade também é compreendida como uma propriedade da interação constituída pela atividade de todos os sujeitos escolares (MULLOOLY e VARENNE, 2006, p. 63). Nesse sentido, a autoridade é propriedade de uma interação construída entre os sujeitos escolares, que permitiria diferentes interpretações do que seja autoridade entre eles, bem como a formulação de um vínculo. Nesse aspecto, a indisciplina escolar seria uma possibilidade de romper com o envolvimento, com o vínculo de autoridade e buscar outro vínculo de autoridade.

Com base no que analisamos nesta seção, pensamos que a indisciplina seria um rompimento com a interpretação do poder, com o sentido dado às condições de controle e influência da autoridade. Entendemos que a indisciplina poderia demonstrar a falta de um processo constante de interpretação do poder. Mas seria, também, uma tentativa de reinterpretar as condições de poder, do controle e da influência que definem a autoridade.

Considerações Finais

O objetivo deste artigo foi apresentar o desenvolvimento conceitual de indisciplina escolar por meio de um método de Desenvolvimento Conceitual e a partir de um conjunto de estudos sobre autoridade, tendo como principal fonte a obra Autoridade de Sennett (2001).

O conceito de indisciplina escolar pode ser entendido como um rompimento com o vínculo de autoridade docente em sala de aula. A indisciplina seria uma ruptura, uma

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desvinculação com uma autoridade docente ilegítima, não reconhecida pelos alunos. Nesse sentido, ela romperia com aquilo que define a autoridade. Essa ruptura demonstraria um sentimento de liberdade por parte dos alunos, e poderia mostrar quem eles são, o que eles querem e, também, a necessidade que eles possuem de uma figura de autoridade.

Outro aspecto destacado na pesquisa, tomando a indisciplina como um rompimento com a autoridade docente, refere-se à indisciplina como uma sinalização de que a autoridade não dura para sempre, nem seria algo pronto, natural na relação entre professor e aluno. A indisciplina seria uma força de transformação no relacionamento entre eles e na maneira como ambos constroem e interpretam o vínculo de autoridade. Ela, por um lado, poderia indicar a falta da experiência de autoridade entre os sujeitos escolares e a falta de interesse na formulação de vínculos. Por outro lado, a indisciplina oportunizaria que o vínculo de autoridade fosse reinventado. Seria uma expressão do desejo de orientação, segurança e estabilidade, que não estaria sendo satisfeito pela autoridade dos professores.

A indisciplina poderia expressar uma falta do processo constante de interpretação do poder para a formulação do vínculo de autoridade seria uma possibilidade de reinterpretar o poder, de dar novo sentido às condições de controle e influência da autoridade. A indisciplina poderia, ainda, ser uma máscara e uma purgação, uma demonstração de descuido na relação entre professor e aluno, uma indiferença ou uma negação, com relação à autoridade.

A indisciplina escolar seria uma estratégia de colocar em crise a autoridade do professor, de questionar a maneira como os sujeitos escolares estão interpretando as condições de poder. Ainda, as expressões de indisciplina poderiam ser uma tentativa de reduzir o medo da autoridade, procurando criar outros limites, outro vínculo de autoridade.

Em nossa trajetória de pesquisa constatamos que a indisciplina escolar poderia ser uma tentativa de reinterpretar as condições de poder e redefinir as imagens de força e fraqueza que transmitem os professores. Ela buscaria por outra legitimidade para a autoridade, uma vez que poderia demonstrar a existência de uma autoridade ilegítima na sala de aula. Além disso, ela seria uma possibilidade de revisão da relação entre professor e aluno, destacando o aspecto emocional do poder no vínculo que eles possuem, assim como a interpretação dos sujeitos em razão da autoridade. Por fim, a indisciplina expressaria a vontade e a necessidade de viver uma experiência de autoridade legítima.

Os estudos sobre indisciplina escolar poderiam avançar na direção de buscar novos conceitos, novos olhares, novas possibilidades de investigação. O Desenvolvimento

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Conceitual possibilitou outro olhar sobre o conceito de indisciplina escolar. Convém ressaltarmos que o estudo realizado, pela via do Desenvolvimento Conceitual, não esgota todas as possibilidades de investigações da Análise Conceitual e sobre indisciplina escolar e autoridade. Ainda, há muitos caminhos a serem inventados e investigados sobre essa temática. Como, por exemplo, pesquisar a relação entre as noções de autoridade e indisciplina para os sujeitos escolares, assim como compreender as práticas pedagógicas dos professores em razão da sua concepção de autoridade docente e indisciplina escolar. Outra investigação interessante, entre outras inúmeras possibilidades a serem consideradas, seria pesquisar a relação e a interação dos sujeitos escolares na formulação do vínculo de autoridade em sala de aula. Em cada uma dessas possibilidades teríamos avanços nos estudos sobre indisciplina escolar que trariam novos horizontes para pensarmos questões educacionais relevantes, assim como, redesenhar práticas pedagógicas.

REFERÊNCIAS

COOMBS, J. R.; DANIELS, L. R. B. Philosophical inquiry: conceptual analysis. In: SHORT, E. (Ed.). Forms of curriculum inquiry. Albany: Suny, 1991. p. 27-41.

GARCIA, J. Análise conceitual: uma introdução. Notas de Aula. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2003. 12 p.

MULLOOLY, J.; VARENNE, H. Playing with pedagogical authority. In: PACE, J. L.; HEMMINGS, A. (Eds.). Classroom authority. Theory, research, and practice. New Jersey: LEA, 2006. p. 63-86.

SENNETT, R. Autoridade. Rio de Janeiro: Record, 2001.

SENNETT, R. Authority. New York: W. W. Norton, 1980.

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