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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA MAYGON ANDRÉ MOLINARI

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(1)1. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA MAYGON ANDRÉ MOLINARI. WITTGENSTEIN, O SILÊNCIO ACERCA DE DEUS E O DESTINO. Curitiba 2012.

(2) 2. MAYGON ANDRÉ MOLINARI. WITTGENSTEIN, O SILÊNCIO ACERCA DE DEUS E O DESTINO. Dissertação apresentada ao Curso de PósGraduação em Filosofia, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Orientador: Professor Dr. Bortolo Valle. Curitiba 2012.

(3) Dados da Catalogação na Publicação Pontifícia Universidade Católica do Paraná Sistema Integrado de Bibliotecas ± SIBI/PUCPR Biblioteca Central. M722w 2012. Molinari, Maygon André Wittgenstein, o silêncio acerca de Deus e o destino / Maygon André Molinari ; orientador, Bortolo Valle. ± 2012. 114 f. : il. ; 30 cm. Dissertação (mestrado) ± Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2012. Bibliografia: f. 111-114. 1. Filosofia. 2. Silêncio. 3. Deus. 4. Destino e fatalismo. 5. Wittgenstein, Ludwig, 1889-1951. I. Valle, Bortolo. II. Pontifícia Universidade Católica do Paraná.Programa de Pós-Graduação em Filosofia. III. Título.. CDD 20. ed. ± 100.

(4) 3.

(5) 4. A essência do sentimento religioso não se enquadra em nenhum juízo... Fiódor Dostoiévski.

(6) 5. Agradecimentos Manifesto minha gratidão ao professor Bortolo Valle pelo incentivo e pelo acompanhamento, e também por tornar a pesquisa uma busca amigável do saber; Aos professores Kleber Bez Birolo Candiotto, Marciano Adílio Spica e Horácio Luján Martínez, pelas sugestões e pela leitura atenta. À minha companheira, Cristiane, à minha filha Natália, aos meus pais, Gilmar e Maria Madalena, e à minha irmã Flávia, que muitas vezes fizeram comigo a viagem, não somente de Irati para Curitiba, mas também a viagem da espera, pelos dois anos de muita ausência da minha parte; Por fim, agradeço a Deus, ciente de que minha gratidão não passa ± e não passará ± de um profundo silêncio..

(7) 6. SUMÁRIO. RESUMO.................................................................................................................................09 ABSTRACT.............................................................................................................................10 INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11. 1 DO MUNDO AO MÍSTICO: UM PERCURSO DE COMPLEMENTARIDADE..................................................................................................18 1.1. O MUNDO....................................................................................................................18. 1.2. DIZER O MUNDO.......................................................................................................20. 1.3. O SUJEITO...................................................................................................................30. 1.4. O SILÊNCIO SOBRE O SUJEITO..............................................................................35. 1.5. O MÍSTICO...................................................................................................................39. 2. A. RELIGIÃO. E. O. SILÊNCIO. ±. ALÉM. DA. VERDADE. E. DA. FALSIDADE............................................................................................................................52 2.1. ,03266,%,/,'$'('(µ',=(5¶(05(/,*,­2................................................52. 2.2. $5(/,*,­2µ02675$'$¶...............................................................57. 2.3. IMPORTÂNCIA DE UMA VIDA RELIGIOSA........................................................63. 2.4. DIFERENÇA ENTRE DIZER E FALAR....................................................................67. 2.5. A FALA COMO PARTE DE UMA PRÁTICA...........................................................70. 2.6. PRÁTICA RELIGIOSA SEM PRETENSÕES DE VERDADE ±. VIDA VERDADEIRA, VIDA FELIZ......................................................................................74.

(8) 7. 2.7. VIDA. RELIGIOSA. SEM. RELIGIÃO. E. RELIGIÃO. SEM. VIDA. RELIGIOSA?............................................................................................................................80. 3. O SILÊNCIO ACERCA DE DEUS E A QUESTÃO DO DESTINO ..........................86. 3.1. DEUS FORA DO MUNDO ± ALÉM DOS FATOS....................................................87. 3.2. DEUS COMO DESTINO.............................................................................................91. 3.3. DEUS INEFÁVEL........................................................................................................97. 3.4. O SILÊNCIO COMO SENTIDO DA VIDA..............................................................102. CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................106 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................111 SITES CONSULTADOS......................................................................................................114.

(9) 8. Lista de abreviaturas das obras de Wittgenstein utilizadas nesta pesquisa:. TLP: Tractatus Logico-Philosophicus IF: Investigações Filosóficas CV: Cultura e Valor NB: Notebooks 1914-1916 CE: Conferência sobre ética.

(10) 9. RESUMO. A pesquisa se propõe a realizar uma investigação, a partir da filosofia do Tractatus LogicoPhilosophicus, de Wittgenstein, sobre o que caracterizaria o inefável, relacionando-o à questão de Deus e do destino. Parte-se de uma análise da figuração do mundo, ou linguagem proposicional, a qual representa o isomorfismo entre o que se afigura e a figuração. Para tanto, faz-se necessário, primeiramente, analisar o que caracterizaria, para Wittgenstein, o mundo. Entendendo que o mundo é composto por fatos ou estados de coisas, compreende-se que a figuração do mundo caracteriza a possibilidade de se dizer (figurar) os fatos que o compõem. Feita tal consideração, compreende-se o que pode ser dito, e aquilo que apenas pode ser mostrado, o que caracterizaria, para o filósofo, o Místico ou inefável. A partir de tal noção, propõe-se uma análise acerca do modo como a religião pertenceria ao Místico, caracterizando, para o filósofo, não uma investigação acerca da substância de Deus, mas uma determinada maneira de ver o mundo e de se viver. Não se tratando, portanto, de pensar a religião como uma investigação sobre Deus, busca-se com tal pesquisa uma compreensão da maneira como Deus relaciona-se ao sujeito transcendental. Enquanto pertencente à esfera inefável, e não pertencente, portanto, ao mundo dos fatos, Deus representaria uma possibilidade de sentido (significado) para o sujeito que vê o mundo e nele vive, o que significa que Deus se relacionaria, desta forma, também à questão do destino. Palavras-chave: Wittgenstein, mundo, silêncio, Deus, destino..

(11) 10. ABSTRACT. The research proposes to perform an investigation from the philosophy of Tractatus LogicoPhilosophicus, by Wittgenstein, about what characterizes the ineffable, related to the matter of God and destiny. It starts with an analysis of figuring out the world, or propositional language, which represents the isomorphism between what figures by itself and figuration. 7KXV LW¶V ILUVWO\ QHHGHG WR DQDO\]H ZKDW FKDUDFWHUL]H WKH ZRUOG DFFRUGLQJ :LWWJHQVWHLQ Comprehending that the world is composed by facts or state of affairs, we can comprehend figuring out the world characterizes the possibility to say (figure) the facts that compose it. Taking it into account, we can comprehend what can be said, and what can be shown, and to a philosopher, what characterizes the Mystics or ineffable )URP WKLV FOXH LW¶V SURSRVHG DQ analysis about the way the religion could belong to the Mystics, characterizing to the philosopher, not an investigation about the substance of God, but a determined way to see the world and how to live in it. Therefore, not thinking about the religion as it were an investigation about God, but such research is supposed to comprehend the way how God relates to the transcendental subject. While belonging to an ineffable sphere, and therefore no belonging to the world of facts, God would represent a possibility of sense (meaning) to the subject that sees the world and live in it, what means that God would relate, this way, as well as the matter of destiny. Key words: Wittgenstein, world, silence, God, destiny..

(12) 11. INTRODUÇÃO. O significado da vida, ou seja, o significado do mundo, nós podemos chamá-lo Deus. Wittgenstein A convicção que subjaz nesta investigação pode ser assim apresentada: o silêncio, surgido na obra de Wittgenstein, se aproxima, em última instância, da questão de Deus, sendo este entendido como destino. A questão religiosa QRFKDPDGR³SULPHLUR´1 Wittgenstein, objeto desta pesquisa, não encontra-se demarcada, em seu trabalho, como um conjunto de preceitos e reflexões. Dado que analisaremos esta questão tendo em vista, sobretudo, a obra Tractatus LogicoPhilosophicus2, não é correto afirmar que, de tal escrito, emerge a religião como um sistema de princípios e dogmas. Tampouco se pode afirmar que o Tractatus contém alguma espécie de análise sobre o discurso religioso, ou ainda sobre Deus. Evidente que isto pode parecer um obstáculo à nossa pesquisa. No entanto, não procuramos em Wittgenstein elementos que digam conclusivamente o que a religião é, ou ainda o que Deus poderia (ou deveria) ser. O 1. $GLVWLQomRHQWUHXP³SULPHLUR´:LWWJHQVWHLQHXP³VHJXQGR´VHUHIHUHrespectivamente, às obras Tractatus Logico-Philosophicus e Investigações Filosóficas. A preocupação do autor, no primeiro período de suas reflexões, referia-se a uma abordagem da isomorfia entre mundo e linguagem, a qual se notaria por meio da lógica. No segundo período, com as noções de jogos de linguagem e formas de vida, Wittgenstein aborda o problema da linguagem de outra maneira, não mais se perguntando acerca do que permitiria à linguagem figurar o mundo, mas acerca de como ela é, efetivamente, utilizada nas práticas humanas. 2 Utilizaremos, nesta dissertação, a edição: WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus logico-philosophicus. Tradução de Luiz Henrique Lopez dos Santos. São Paulo: UNESP, 2001. Nas referências, as citações desta obra serão destacadas da seguinte maneira: TLP = Tractatus lógico-philosophicus, e em seguida o número do aforismo. Convém esclarecer que o trabalho de Wittgenstein, ao qual nos referimos, e que utilizaremos em nossa pesquisa, não se limita apenas ao Tractatus, pois consultamos também obras que apresentam a mesma perspectiva, por assim dizer, das reflexões tractatianas. A obra Notebooks, por exemplo, que é um conjunto de anotações feitas por Wittgenstein, sobretudo no período em que o filósofo serviu ao exército austríaco durante a primeira grande guerra, é um trabalho que lança certa luminosidade ao Tractatus. Isto no sentido de que muitas afirmações contidas no Tractatus Logico-Philosophicus encontram-se esboçadas nos Notebooks, contendo, algumas vezes, explicações mais desenvolvidas do que no Tractatus, que é uma obra de maior concisão..

(13) 12. problema a ser investigado é, sobretudo, um problema de linguagem, ou seja, de que maneira, por meio do conteúdo do Tractatus, se pode pensar em algo que nele não está contido como objeto de análise. As interpretações do Tractatus Logico-Philosophicus, feitas pelos membros do Círculo de Viena, e também por Bertrand Russell, sobretudo na Introdução que este fez ao livro, não nos permitem afirmar que existe um problema religioso ou referente a Deus na mencionada obra de Wittgenstein. Ora, isto deve-se ao fato de tais interpretações localizarem no Tractatus principalmente um problema de lógica, o qual refere-se, sobretudo, à linguagem. Após considerar o aspecto lógico do Tractatus, o Círculo de Viena elaborou sua concepção científica do mundo, e a própria filosofia passou a ser concebida como filosofia científica, tendo, desta forma, seu ³fim´SURSDODGo. Isto porque não permitia incursões que não fossem devidamente avalizadas pela ciência da época. Logo, a filosofia, na perspectiva do Círculo de Viena, estava atrelada à visão científica. Não há, deste modo, na visão do Círculo, a abordagem de um problema religioso ou referente a Deus no Tractatus. Para Russell, igualmente, o Tractatus era um livro que discutia, sob a luz da lógica, os problemas da linguagem, e em tal abordagem não haveria um problema sobre Deus ou religião. O fato de Deus e a religião não serem analisados, no Tractatus, significa que não é possível analisá-los, no sentido de não poderem ser apreendidos como objetos do mundo. Ora, de que maneira, então, podemos elaborar uma investigação sobre algo que Wittgenstein não analisou e, mais ainda, sobre algo que, na perspectiva tractatiana, não se pode analisar? Nossa proposta é, antes, apontar para religião e, por conseguinte, para o tema de Deus, sem dizer o que são Deus e a religião, mas porque foram silenciados no Tractatus. Pode parecer um paradoxo o fato de no Tractatus não se analisar Deus e a religião, e nós buscarmos tal problema nessa obra. Contudo, o que nos parece possível, por meio de uma análise, é não.

(14) 13. somente localizar o problema, como abordá-lo numa perspectiva de complementaridade à lógica. Em nossa pesquisa, fundamentamos nossas reflexões na obra de certos autores que analisaram a questão religiosa e de Deus na filosofia de Wittgenstein, como Cyril Barrett, Marciano Spica, Rocco Pititto, Patrizia Manganaro, Brian Clack, Horácio Martínez, Jaques Poulain, entre outros. Nossa intenção é demonstrar que, não somente parece existir um problema referente a Deus e à religião em Wittgenstein, mas que tal problema nos serve para compreender melhor as questões de lógica e de linguagem do Tractatus. Neste sentido, o tema de nossa pesquisa será o silêncio acerca de Deus, e o objeto de nossa análise será a esfera religiosa, possível de ser vislumbrada em Wittgenstein, principalmente na filosofia tractatiana. Analisaremos o silêncio sobre Deus, no sentido de este representar o inefável apontado pelo Tractatus, relacionando tal silêncio ao Místico. Tendo em consideração tal tema e tal objeto de pesquisa, nosso problema será investigar de que maneira a questão religiosa está presente na base do trabalho de Wittgenstein, constituindo, assim, um aporte para o surgimento do inefável, o qual representa a inviabilidade de se discursar filosófica ou cientificamente sobre a religião e sobre Deus. Apresentamos os resultados da nossa pesquisa em três capítulos. No primeiro, esboçamos o que seria um possível desenvolvimento, ou percurso, apresentado pelo filósofo, que segue do mundo ao Místico, demonstrando de que maneira existe complementaridade entre a linguagem figurativa (aquilo que pode ser dito) e o inefável (aquilo que só pode ser mostrado). Em seguida, passamos a uma análise acerca do que significa dizer o mundo, e de quais seriam os limites desse mundo que é dito..

(15) 14. A partir de tais considerações, notamos o aparecimento do sujeito na filosofia tractatiana, como uma figura que encontra-se nos limites do mundo. Isto significa que o sujeito não encontra-se no mundo como um objeto entre objetos, mas como aquele que dá sentido ao que, por si mesmo, não apresenta sentido algum. O sujeito não é uma referência, na filosofia de Wittgenstein, que se encontra nos fatos do mundo, pelo motivo de que ele constitui a condição de limite da esfera fatual. Deste modo, o sujeito não pode ser dito da maneira como se diz o mundo. Da reflexão acerca do sujeito, passamos a uma análise do que o autor entende por Místico. Por certo este tema, aparentemente tão controverso, não nos permite tratá-lo do modo como o mundo é tratado, ou seja, do modo como se aborda a esfera dos fatos. O Místico surge como aquilo que a linguagem não é capaz de figurar ou, em outras palavras, como aquilo que a linguagem não é capaz de dizer, por faltar-lhe sentido, em termos da linguagem proposicional. 1R VHJXQGR FDStWXOR LQWLWXODGR ³$ UHOLJLmR H R VLOrQFLR ± além da verdade e da falsidade´UHIOHWLPRVVREUHDLPSRVVLELOLGDGHGHse dizer ou figurar, por meio de proposições, HPUHOLJLmRHSRUFRQVHTXrQFLDDSRVVLELOLGDGHGHDUHOLJLmRVHUDSHQDV³PRVWUDGD´,VWRQRV remete à relevância de uma vivência religiosa, no sentido de se ver as coisas de uma perspectiva religiosa, de acordo com o próprio Wittgenstein. Em tal vivência religiosa, as palavras não são meramente abolidas, mas utilizadas sem a necessidade da verificação lógica. A fala, nesta perspectiva, se torna parte de uma prática. A linguagem não constitui, deste modo, um meio capaz de fornecer provas sobre a verdade de um credo ou sobre a existência de Deus. Ela é parte de uma ação, no que se refere a constituir-se, por exemplo, em apelos à divindade, e em se tornar uma maneira de dar conforto e pedir perdão. Ou seja, Wittgenstein não estabelece que a linguagem não deva ser utilizada pelas religiões. O filósofo entende que.

(16) 15. não se deve utilizar a linguagem, para tratar daquilo que não se encontra no mundo, da mesma forma como ela é utilizada para descrever um fato ou um estado de coisas. A noção de linguagem, enquanto parte de uma prática religiosa, nos remete a algo que é essencial no pensamento de Wittgenstein. Não se trata de buscar um discurso verdadeiro acerca de Deus ou da religião, mas, sim, de demonstrar que uma vida religiosa não estaria pautada por argumentações e/ou provas científicas, que comprovariam a verdade de uma crença, ou ainda, que garantiriam a existência de Deus. Encerramos o segundo capítulo com a seguinte reflexão: é possível haver vida religiosa sem religião, e haver religião sem vida religiosa 3? Wittgenstein afirmou, certa vez: ³1mR VRX XP KRPHP UHOLJLRVR PDV QmR FRQVLJR GHL[DU GH YHU WRGR SUREOHPD GH XPD SHUVSHFWLYDUHOLJLRVD´ 5+((6S

(17) 4. Como interpretar esta aparente contradição? Para Wittgenstein, a religião representaria, mais do que algo institucionalizado, algo presente no dia-a-dia, capaz de mudar a vida das pessoas. Assim, suas reflexões acerca da religião não se referem a investigações sobre a substância de Deus, ou sobre determinadas práticas ritualísticas. A religião surge como uma maneira de estar e ver o mundo. Até porque, Wittgenstein, em alguns de seus escritos (sobretudo na obra Observações sobre O Ramo de Ouro de Frazer), combate uma determinada tentativa de ver a religião como ciência, ou seja, como algo passível de verificação. A partir da concepção wittgensteiniana de que a religião não é passível de verificações científicasDQDOLVDPRVQRWHUFHLURFDStWXORQRPLQDGR³2VLOrQFLR acerca de Deus e a questão do destino´ GH TXH PDQHLUD 'HXV p VLWXDGR QDV UHIOH[}HV GR Tractatus. A consequência lógica, por assim dizer, de uma linguagem figurativa, como a apresentada pelo Tractatus, é de 3. Por religião não entendemos um sistema institucional, mas um conjunto de atitudes que se referem a uma determinada prática de vida, que poderia ser considerada religiosa. Ou seja, aquilo que as religiões em geral pregam, não aquilo que em geral elas são. 4 (VWDIUDVHIRLGLWDSRU:LWWJHQVWHLQDRVHXDPLJR02¶&'UXU\HHQFRQWUD-se na obra editada por Rush Rhees, chamada Recollections of Wittgenstein..

(18) 16. situarmos Deus fora do mundo dos fatos. Deste modo, Deus não pode ser dito, o que não quer dizer, por certo, que Deus não existe. Até porque, como expressou Paul Helm, em relação ao pensamento de Wittgenstein sobre Deus: ³Numa compreensão realista acerca da existência de Deus, Deus existe (ou não) independentemente do nosso discurso sobre ele´ +(/0 p.112)5. Para Wittgenstein, portanto, Deus não pertence à esfera do dizível ± pertence, antes, à esfera do sentido da vida. Deus caracterizaria, deste modo, o sentido da vida e também do mundo. Wittgenstein também refere-se a Deus enquanto destino, no sentido de Deus ser aquilo de que dependemos (NB, 1969, p.74)6. Não se trata, no entanto, de submissão ou resignação perante a vida. Antes, trata-se daquilo que não depende da ação do sujeito. Em outras palavras, onde não existem senão fatos do mundo, existirá o destino, compreendido por Wittgenstein como sendo Deus. A esfera fatual não é a esfera do sujeito, e por este não pode ser alterada. Tal esfera, portanto, refere-se ao destino. O fato de o Tractatus não abordar, ao menos não analiticamente, a questão da religião e de Deus, não nos impede de identificar, nessa obra, um tratamento dispensado à questão. É possível conjecturar que o fato de não se poder falar (figurativamente) de Deus, é uma forma também de preservá-lo de incursões indevidas por parte da ciência, da filosofia, e até mesmo da teologia. Estabelecemos uma comparação que, acreditamos, nos ajudará a compreender de que maneira, mesmo sem tratar diretamente da questão religiosa, tal questão emerge da filosofia do Tractatus. A comparação é a seguinte: imaginemos que um homem, com uma vela,. 5. ³2QWKHUHDOLVWXQGHUVWDQGLQJRIWKHH[LVWHQFHRI*RG*RGH[LVWV RUQRW

(19) LQGHSHQGHQWO\RIRXUGLVFourse about KLP´ 6 Utilizaremos, nesta dissertação, a edição: WITTGENSTEIN, L. Notebooks, 1914-1916. Oxford: Blackwell, 1969. Nas referências, as citações desta obra serão destacadas da seguinte maneira: NB = Notebooks, e em seguida o ano da publicação e o número da página. O mesmo procedimento será tomado para com as obras Cultura e Valor (CV), Investigações Filosóficas (IF) e Conferência sobre Ética (CE)..

(20) 17. acende-a em um lugar desconhecido e em completa escuridão. O que tal homem quer, por certo, é orientar-se devidamente por um caminho, para saber onde seus pés pisam. Quando acende a vela, o homem não pressupõe tudo o que será clareado com a chama. Assim, se num primeiro momento ele ilumina o chão em que está pisando, em seguida percebe que outras coisas também foram iluminadas, como as pedras da estrada, as curvas, e também as placas na margem do caminho, que apontam seu sentido. Desta forma, o homem, que buscava apenas clarear ao seu redor, se surpreende com as outras coisas que foram reveladas pela pequena chama. A filosofia do Tractatus, portanto, pode ser considerada como a luz de uma vela. Se ela ilumina o mundo, para que o vejamos claramente, não deixa, por certo, de clarear também aquilo que está na margem, como a esfera do sujeito e tudo aquilo que lhe diz respeito, como a ética, a estética e a religião. Percebemos, deste modo, com a luminosidade do Tractatus, outras imagens além da lógica e da linguagem figurativa. O mundo, portanto, que nos é revelado, não pode mostrar seu próprio sentido ± pois, se o seu sentido estivesse no próprio mundo, seria apenas parte dele, e teria o mesmo valor que possuem todos os fatos ± logo, não teria valor nenhum. O sentido do mundo, desta forma, deve estar fora do mundo, como a placa que está na beira da estrada, em nosso exemplo do homem que procura clarear seu caminho. Como afirmRX:LWWJHQVWHLQ³2VHQWLGRGRPXQGRGHYHHVWDUIRUDGHOH´ 7/3

(21)  E, pelo motivo de a placa estar fora da estrada, não significa que ela não exista. Ao contrário: é ela que mostra o caminho e nos apresenta seu sentido. Aquilo, portanto, que foi considerado como estando fora do mundo, pelo Tractatus, é o que pode revelar seu sentido. Tal sentido, todavia, não poderá ser exposto por meio de proposições, porque, estando fora da esfera dos fatos, pertence ao inefável..

(22) 18. 1. DO. MUNDO. AO. MÍSTICO:. UM. PERCURSO. DE. COMPLEMENTARIDADE. Esta pesquisa inicia apresentando alguns temas, presentes no Tractatus LogicoPhilosophicus, de Wittgenstein, que nos permitirão considerar aquilo que se refere ao mundo ± o que pode ser dito proposicionalmente ±, e aquilo que está fora do mundo ± o que não pode ser dito por meio da linguagem figurativa, e que caracterizaria o inefável. Para que a noção de inefável seja analisada, é necessário que compreendamos, primeiramente, aquilo que pode ser expresso por meio da linguagem. Dizendo de outro modo: antes de compreendermos o motivo porque devemos nos calar diante de algo, devemos compreender aquilo que pode ser expresso com palavras. Desta forma, conjecturamos que, de acordo com Wittgenstein, a noção de silêncio é, em certo sentido, posterior à noção de linguagem. O inefável perpassa a linguagem, no sentido de que caracteriza aquilo que a linguagem atinge, quando tem definidos e demonstrados os seus limites. Ou seja, se compreendemos claramente o que a linguagem pode dizer, compreendemos que há algo sobre o que ela deverá se calar. Deste modo, o percurso deste capítulo apresentará, inicialmente, uma abordagem sobre o mundo, tratando daquilo que caracteriza o que pode ser expresso por meio de proposições, de acordo com o filósofo.. 1.1 O MUNDO. :LWWJHQVWHLQpHQIiWLFR³2PXQGRpDWRWDOLGDGHGRVIDWRVQmRGDVFRLVDV´ 7/3

(23)  Isto significa que o mundo não é constituído por objetos, separadamente. A perspectiva wittgensteiniana é a da relação das coisas, podemos assim expor. Tal relação configura o que.

(24) 19. :LWWJHQVWHLQHQWHQGHSRU³IDWR´2XVHMDRTXHFDUDFWHUL]DRPXQGRSDUDRILOyVRIRQmRVmR RVREMHWRVPHUDPHQWHDJUXSDGRVPDVRHVWDGRGHFRLVDV³eHVVHQFLDOSDUDDFRLVDSRGHUVHU SDUWHFRQVWLWXLQWHGHXPHVWDGRGHFRLVDV´ 7/3011). Não podemos pensar o mundo como um campo de objetos, como um lugar onde existam coisas isoladas e independentes, que existiriam, por assim dizer, por si mesmas, sem qualquer relação umas com as outras. O que permite que se identifique o mundo é a existência de um estado de coisas, ou seja, o mundo é caracterizado pelos fatos. A noção de relação, aqui presente, auxilia-nos a pensar que, assim como os objetos não formam, por si mesmos, o mundo, um signo linguístico não formará, por si só, a linguagem. Esta concepção de que o mundo é constituído por fatos representa uma ruptura na visão tradicional da filosofia. A tese wittgensteiniana de que o mundo é a totalidade dos fatos inaugura um novo posicionamento filosófico. Para Margutti Pinto,. Essa tese se choca com mais de dois mil anos de tradição filosófica. O mundo tem sido entendido, desde Tales de Mileto, como o conjunto de todas as coisas. Cada período da história da filosofia acentua determinado aspecto desse conjunto. Os gregos, por exemplo, enfatizam a ordem do conjunto, HQWHQGHQGRRPXQGRFRPRµNRVPRV¶RVPHGLHYDLVSRUVXDYH]HQIDWL]DPD FRQWLQJrQFLD GR FRQMXQWR HQWHQGHQGR R PXQGR FRPR µFULDomR GLYLQD¶ H assim por diante. Em todos os casos, porém, permanece constante a idéia de que o mundo é o conjunto de todas as coisas (MARGUTTI PINTO, 1998, p.276-7).. A noção de que o mundo é constituído por fatos é fundamental para compreendermos, não somente o mundo, mas o sujeito, a linguagem e, posteriormente, aquilo que pertence ao inefável. Consideremos o seguinte: as coisas, por si mesmas, seriam como pontos isolados, sem conexão umas com as outras. Os fatos caracterizariam, portanto, a existência de um estado de coisas. Exemplifiquemos isto da seguinte forma: em uma sala há um homem, uma mesa, uma cadeira e um livro. Cada um destes elementos, separadamente, não constitui um.

(25) 20. HVWDGRGHFRLVDV3RLVGL]HU³KRPHP´DSHQDVQmRpGL]HURHVWDGRHPTXHHOHVHHQFRQWUD Todavia, um homem que senta-se em uma cadeira e abre um livro sobre uma mesa constitui um fato. Compreendemos, portanto, o motivo pelo qual Wittgenstein afirmou (TLP, 1.1) que o mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas. O mundo não será compreendido, por exemplo, meramente como um planeta ou como o universo. O mundo é constituído pela totalidade daquilo que acontece no planeta e no universo, que são os fatos ou estados de coisas. Analisamos, em seguida, de que maneira tais fatos podem ser ditos, ou, em outras palavras, de que maneira podemos dizer o mundo.. 1.2 DIZER O MUNDO. Sendo o mundo, para Wittgenstein, constituído por estados de coisas, e não pelas coisas isoladas, e sendo tais estados aquilo que constitui o que ele chama de fatos, então dizer o mundo equivale a dizer tais fatos. A relação feita pelo filósofo entre linguagem e mundo é tal que, aquilo que está fora do mundo também está fora do alcance da linguagem. E, assim FRPR R PXQGR QmR p FRQVWLWXtGR SRU µFRLVDV¶ PDV SHOR FRQMXQWR GRV HVWDGRV GH FRLVDV também a linguagem não é constituída, por assim dizer, por signos, mas por aquilo que seria o seu fato, ou seja, por proposições. A linguagem considerada pelo Tractatus, portanto, é chamada de linguagem proposicional ou figurativa, por ser capaz de figurar um estado de coisas. O signo linguístico está para a proposição elementar da mesma forma como o objeto está para o estado de coisas. 'H DFRUGR FRP :LWWJHQVWHLQ ³D SURSRVLomR p D GHVFULomR GH XP HVWDGR GH FRLVDV´ 7/3 4.023). Mundo e linguagem não se compõem de objetos ou signos independentes: é.

(26) 21. necessário compreender que há sempre uma relação que garante a existência de ambos, seja uma relação entre coisas (fatos do mundo), seja uma relação entre os signos linguísticos (proposição). E, se a linguagem é constituída por proposições, então será a proposição que dirá o mundo, ou seja, será a proposição que dirá um fato ou um estado de coisas. :LWWJHQVWHLQ GL] TXH ³1RPHV VmR FRPR SRQWRV SURSRVLo}HV VmR FRPR IOHFKDV HODV WrP VHQWLGR´ 7/3

(27) H³6yDSURSRVLomRWHPVHQWLGRpVyQRFRQWH[WRGDSURSRVLomRTXHXP QRPHWHPVLJQLILFDGR´(TLP 3.3). Não há, desta maneira, sentido em um signo desvinculado de uma proposição, de acordo com o Tractatus. Pois, se somente a proposição tem sentido, então significa que a maneira de dizer o mundo, ou de figurá-lo, é a linguagem (ou símbolo) proposicional. Lopes dos Santos, ao se referir a tal questão, expressa que. Para que o símbolo proposicional tenha sentido, é necessário e suficiente que resulte da concatenação adequada de símbolos para coisas suscetíveis, em princípio, de entrelaçamento real (LOPES dos SANTOS, 2008, p.21).. A proposição, ao figurar um fato de modo adequado, o faz logicamente, de acordo FRP :LWWJHQVWHLQ 3RLV ³VH D OLQJXDJHP SRGH ILJXUDU D UHDOLGDGH p SRUTXH FRPSDUWLOKDP D PHVPD IRUPD OyJLFD´ 9$//(  S

(28)  A linguagem, por meio do símbolo proposicional, relaciona-se a algo existente no mundo, ou, em outras palavras, a algo suscetível, como menciona Lopes dos Santos. Tal relação representa, portanto, a noção de linguagem como figuração do mundo. Explicar uma figuração é tanto explicar uma proposição dotada de sentido, como o pensamento que a ela se relaciona. Segundo Lopes dos Santos ³a proposição é o sinal proposicional em sua relação projetiva com o mundo; é nessa relação, no pensamento, que se deve buscar o que faz da proposição uma figuração lógica do mundo´ (LOPES dos SANTOS, 2008, p.70). O vínculo entre a proposição e o mundo é estabelecido, portanto, pelo.

(29) 22. pensamento, e isto porque a estrutura do pensamento seria, por assim dizer, a mesma estrutura do mundo. De acordo com Lopes dos 6DQWRV³VHRPXQGRSRGHVHUSHQVDGRXPDWDOUHIOH[mR SRGHUiUHYHODUWUDoRVHVVHQFLDLVGDHVWUXWXUDGRPXQGR´ LOPES dos SANTOS, 2008, p.16). A estrutura do que se pensa e, portanto, da proposição por meio da qual se diz algo, seria a mesma daquilo que é dito ± isto é, a mesma estrutura do fato do mundo que se representa linguisticamente. No que se refere ao pensamento relacionado a uma proposição, precisamos compreender que, na filosofia tractatiana, aquilo que é pensável é também exprimível SURSRVLWLYDPHQWH 6HJXQGR :LWWJHQVWHLQ ³µ8P HVWDGR GH FRLVDV p SHQViYHO¶ VLJQLILFD podemos figurá-OR´ 7/3

(30) $VVLPDSRVVLELOLGDGHGRVHVWDGRVGHFRLVDVMiVHHQFRQWUD QRSHQVDPHQWRRTXHVLJQLILFDTXH ³2SHQVDPHQWRFRQWpPDSRVVLELOLGDGHGDVLtuação que HOH SHQVD 2 TXH p SHQViYHO p WDPEpP SRVVtYHO´ 7/3 

(31)  ,VWR GHWHUPLQD RV OLPLWHV GR SHQViYHOHGRH[SULPtYHOGHWDOIRUPDTXHSRGHPRVGL]HUFRP6SLFDTXH³RPDLRUREMHWLYR do Tractatus é delimitar o campo do exprimível e, por consequênciaGRSHQViYHO´ 63,&$  S

(32)  1RVVR SHQVDPHQWR p SDXWDGR SHOD SRVVLELOLGDGH OyJLFD H GHVWD PDQHLUD ³QmR SRGHPRVSHQVDUQDGDGHLOyJLFRSRUTXHGRFRQWUiULRGHYHUtDPRVSHQVDULORJLFDPHQWH´ 7/3 3.03). O que podemos pensar em relação aos fatos do mundo, podemos também expressar linguisticamente, e isto se dá por meio da lógica. Todos os estados de coisas possíveis a um REMHWRVHULDPSRUWDQWRSRVVtYHLVGH VHUHPSHQVDGRV$VVLP ³DWRWDOLGDGHGRVSHQVDPHQWRV YHUGDGHLURVpXPDILJXUDomRGRPXQGR´ 7/P 3.01). Tendo compreendido que a figuração do mundo é caracterizada pela totalidade dos pensamentos verdadeiros, como poderemos dizer se um pensamento é verdadeiro ou não? O que pode garantir, por assim dizer, sua veracidade? Wittgenstein esclarece que, para.

(33) 23. reconhecermos se a figuração é verdadeira ou falsa, devemos compará-la com a realidade (TLP 2.223). E é neste sentido que a linguagem obedece a princípios lógicos de figuração. Uma proposição figura o mundo por meio da lógica. A figuração, caracterizada, por um lado, pelo objeto, e por outro, pelo signo, é possibilitada por princípios lógicos. De acordo com Wittgenstein, o que o signo figura é um objeto que pertence à realidade. Parece um tanto simples, mas abre-nos um novo problema: o que seria a realidade? Ou seja, a que realidade deveremos comparar a figuração? Margutti Pinto afirma que a crítica tractatiana [...] nos mostra que a realidade é o conjunto de todos os estados de coisas possíveis, e o mundo, o conjunto de todos os estados de coisas existentes ou fatos. O conjunto de todas as proposições possíveis constitui a linguagem como capaz de descrever a realidade; o conjunto de todas as proposições YHUGDGHLUDV FRQVWLWXL R GRPtQLR GD OLQJXDJHP TXH GHQRPLQDPRV µFLrQFLD¶ (MARGUTTI PINTO, 1998, p. 235).. A realidade é constituída por todos os estados de coisas possíveis. Desta forma, a realidade está relacionada não à existência de objetos, mas à existência de uma relação entre tais objetos. Dizer que um homem pegou uma enxada para preparar um canteiro é expressar algo possível, algo real, que faz parte do mundo dos fatos. Dizer, no entanto, que uma enxada tornou-se viva e tomou um homem para fazer um canteiro, fere a noção de realidade e de lógica e, desta forma, isto não pode ser dito por meio de proposições com sentido. Para :LWWJHQVWHLQ ³QmR VHUtDPRV FDSD]HV GH GL]HU FRPR SDUHFHULD XP PXQGR µLOyJLFR¶´ 7/3 

(34)  RX VHMD QmR VDEHUtDPRV µGL]HU¶ XPD VLWXDomR FRPR HVWD 1RWDPRV TXH RV REMHWRV mencionados nas duas frases, utilizadas como exemplo, são os mesmos, no entanto, o conteúdo de cada frase é diferente, de tal maneira que poderíamos dizer que a primeira possui um sentido, e a segunda não. A primeira frase constituiria, de acordo com Wittgenstein, um pensamento possível de ser enunciado, enquanto a segunda caracterizaria um pensamento destituído de sentido, ou seja, sem conexão com a realidade. Considerando o enunciado de.

(35) 24. Wittgenstein, não saberíamos dizer algo assim ilógico, ao menos não com proposições, da maneira como temos dito. Evidente que, em linguagem metafórica, a segunda frase pode fazer sentido. Ou seja, em um poema não pareceria ilógico expressar que uma ferramenta inanimada tomou o lugar de um homem. Mas é preciso atentarmos para o fato de que o pensador austríaco se refere à linguagem que pode ser comparada à realidade, que seria a linguagem isomórfica, ou seja, Wittgenstein refere-se à linguagem proposicional ou figurativa. Dizendo de outra maneira: a figuração lógica possibilita enunciados que podem ser passíveis de verificação, logo, a figuração não se refere a uma linguagem poética. Para o filósofo, a linguagem proposicional refere-VH DRV HQXQFLDGRV FLHQWtILFRV ³$ WRWDOLGDGH GDV SURSRVLo}HV YHUGDGHLUDV p WRGD D FLrQFLDQDWXUDO RXDWRWDOLGDGHGDVFLrQFLDVQDWXUDLV

(36) ´ 7/3

(37)  Não quer dizer que o filósofo não tivesse apreço pela poesia, por exemplo, apenas que, diante do fato de que a linguagem poética não tem a pretensão de dizer o mundo com pretensão de verdade, e a ciência o tem, logo, é à linguagem proposicional da ciência que o filósofo se refere. A arte, a ética e a religião não podem cumprir o papel de dizer o mundo com proposições verdadeiras, apenas a ciência pode cumprir este papel. Ainda em relação à realidade, notemos que ela seria caracterizada não somente pelos fatos que existem, mas também pelos fatos possíveis de acontecerem (LOPES dos SANTOS, 2008, p. 22). Assim, não apenas o que é fato, mas o que poderia tornar-se um fato. Podemos depreender disto que a realidade seria caracterizada da seguinte forma, de acordo com o Tractatus: um fato acontece, mas muitos outros poderiam ter acontecido, na mesma situação. Um homem que caminha, por exemplo, pelos trilhos do trem, depara-se com cruzamentos e decide por quais trilhos continuará a seguir, ou mesmo se abandonará a linha férrea e seguirá por uma estrada de chão, ou adentrará uma mata ou uma lavoura, ou.

(38) 25. simplesmente irá parar para descansar, entre tantas outras possibilidades. É certo que ele fará uma coisa apenas, independente do que seja, e a sua ação faz parte da realidade. Porém, aquilo que o homem poderia também ter feito, ou seja, tudo aquilo que poderia tornar-se um fato, porque era possível de ocorrer, também faz parte da realidade e, neste sentido, poderia ser descrito pela linguagem figurativa, em termos proposicionais, o que caracterizaria, portanto, um enunciado verdadeiro. Observemos a seguinte ilustração, feita por nós, em que: FO (fato ocorrido) e FP (fato possível de acontecer):. FP. FP. FP. FP. FP. FP. FP. FP. FO. FP. FP. FP. FP. FP. FP. FP. FP. FP. Podemos afirmar que o que o homem faz é o fato ocorrido, e as outras possibilidades são os fatos possíveis. Evidentemente, não significa que para cada fato que pode acontecer haverá exatamente um determinado número de fatos que não ocorrerão. Nossa tabela enfatiza que o que torna-se real é apenas um fato (FO), restando os outros como fatos possíveis (FP), mas que não aconteceram. É certo que nós poderíamos descrever um por um desses fatos possíveis. De acordo com a filosofia tractatiana, seria possível figurar os fatos que não aconteceram, mas que poderiam ter acontecido. No entanto, é certo que, se pretendemos descrever o que tornou-se fato, não nos deteremos a dizer tudo aquilo que não existiu. Neste VHQWLGR ³WRGD SURSRVLomR GHVFUHYH XPD VLWXDomR SRVVtYHO TXH VH H[LVWLU, se for um fato, a tRUQD YHUGDGHLUD´ 0$&+$'2  p.41). Ou seja, a proposição poderia descrever cada.

(39) 26. situação, se ocorresse, mas descreve apenas a que aconteceu, a que tornou-se fatual. Nossa ilustração não representa, entretanto, qualquer espécie de limitação dos fatos. Isto é, a variedade na possibilidade de ocorrências extrapola nosso modelo explicativo. 7 Considerando aquilo que foi proposto por Wittgenstein, quando afirma que, para reconhecermos se a figuração possui sentido ou não, e se é verdadeira ou falsa, devemos compará-la com a realidade (TLP 2.223), podemos, num caso assim, como do nosso exemplo, descrever a ação do homem, ou seja, figurá-la, de acordo com aquilo que ele fez. Se o homem abandonou a estrada de ferro, diremos apenas isto e, dHVWD IRUPD µILJXUDUHPRV¶ R IDWR GH acordo com a realidade. Ao serem analisadas apenas as questões da figuração, em referência àquilo que pode existir, ignorando aquilo que seria possível apenas metaforicamente, alguém poderia supor que existe uma espécie de defesa da linguagem científica e, por conseguinte, da ciência. Mas, ao longo deste trabalho, apresentaremos argumentos para supor que a ciência não é apresentada como se possuísse uma espécie de superioridade, no Tractatus. Ao compreendermos que a realidade é constituída por todos os estados de coisas possíveis, e que seria possível descrever tais estados, podemos pensar que tudo isto é muito simples e bastante óbvio, mas é preciso compreender de que maneira a linguagem se relaciona com tais estados, a fim de que possa descrevê-los. Existe, aqui, uma relação com o que significaria a redutibilidade de tais estados. Margutti Pinto expressa, em relação a este problema:. 7. Recordamos, aqui, por nos parecer oportuno, o conto O jardim dos caminhos que se bifurcam, de Borges, que serviria também como exemplo. Em tal conto, o autor menciona uma história que descreve uma série de caminhos possíveis para um personagem, e da maneira como seria se cada possibilidade tivesse acontecido (BORGES, 1998, p.531)..

(40) 27. Desse modo, se as proposições da nossa linguagem têm um sentido determinado, elas devem ser redutíveis, pela análise lógica, a combinações de proposições elementares, que nada mais são que signos simples em ligação imediata. Embora não tenhamos condições de estabelecer a priori quais são os signos simples e, portanto, qual a forma das proposições elementares, temos certeza da necessidade deles (MARGUTTI PINTO, 1998, p.156).. A realidade e a maneira como a descrevemos possuem a mesma forma lógica. Sendo redutível uma proposição a combinações de proposições elementares, chegamos ao que seriam os signos simples. 8 Evidente que, a priori, não podemos dizer quais são os signos simples e, se não é possível determinar, aprioristicamente, o que são os signos simples, podemos fazer isto numa relação com aquilo que faz parte da realidade. Desta forma, é preciso chegar a um signo simples para se enunciar uma proposição, e não podemos, por exemplo, cair numa espécie de redução ao infinito do signo. Pois, ³>@VHR significado dos signos simples não for fixado definitivamente em algum ponto, cairemos num regresso ad infinitum H QmR SRGHUHPRV GHVFUHYHU R PXQGR PHGLDQWH SURSRVLomR DOJXPD´ (MARGUTTI PINTO, 1998, p.184). Nesse sentido, um signo fixa um ponto para que a proposição possa dizer algo e figurar o mundo. Ao fixarmos um ponto, é como se nos bastassHSRUH[HPSORGL]HUµPHVD¶HFRPHVWH signo elaborar proposições, ao invés de dizer que esta mesa na qual escrevo é um objeto com estas e aquelas características, feita de madeira, que é composta por átomos, que por sua vez são constituídos por prótons, elétrons, nêutrons etc. Não haveria, podemos dizer, a possibilidade de comunicação, e nada poderia ser dito, porque não haveria pontos de referência, ou seja, pontos fixados para a elaboração de uma proposição. O estabelecimento desse ponto é, portanto, uma forma de se organizar a 8. A diferença entre a abordagem de Wittgenstein e a abordagem de Russell, por exemplo, refere-se a que Russel pensa os signos na perspectiva da sua Teoria dos Tipos, a qual, em resumo, diz respeito a uma espécie de hierarquia na linguagem. Wittgenstein não pensa a linguagem GHVWDIRUPD6XDSHUVSHFWLYDpDGR³IDWR´/RJR sua preocupação não é se um signo pertence a esta ou àquela classe, mas se um signo refere-se a um objeto situado num estado de coisas. Em outras palavras, Wittgenstein, ao invés de pensar a linguagem na perspectiva de uma hierarquia de signos, a pensa em relação aos fatos do mundo..

(41) 28. linguagem e possibilitar o entendimento daquilo que se diz, ou seja, daquilo que é figurado por meio da proposição 9. No que se refere à questão de figurarmos o mundo linguisticamente, notamos que Wittgenstein parte da linguagem do modo como ela existe. Sua preocupação não é com a arbitrariedade dos signos (e de toda a linguagem, por conseguinte) 10. Para o filósofo, o sentido do que se diz não estaria no signo, por si mesmo, mas em sua relação com outros signos, no âmbito de uma proposição. Não há sentido em um signo isoladamente, e o que ele significa só será vislumbrado por meio de uma proposição, a qual, por sua vez, remete a uma relação. Tendo claro, desta forma, que o sentido de um signo se dá dentro (ou no contexto) da proposição, compreendemos melhor a analogia feita por Wittgenstein entre proposições e flechas: existe um sentido na flecha pronta e atirada. Não é um mero pedaço de madeira com uma ponta de pedra, por exemplo, que terá uma espécie de sentido e de significado por si mesmo. O sentido se dá quando tudo aquilo que forma uma IOHFKDDSRQWDSDUDDOJRHpILQDOPHQWHµDWLUDGR¶ Isto nos remete à compreensão de que um signo, ou nome, só existe no contexto proposicional. Segundo Lopes dos Santos, Se um sinal apenas se converte em nome quando suas combinações com outros sinais simbolizam combinações possíveis do nomeado com outras coisas, pode-se dizer que o nome só é nome no contexto de uma proposição (LOPES dos SANTOS, 2008, p.72).. 9. É possível notar algumas semelhanças entre a abordagem feita por Wittgenstein no Tractatus, e a abordagem feita nas Investigações Filosóficas. Ora, é evidente que não queremos dizer que seria a mesma abordagem, apenas que, já no Tractatus, existe a preocupação em não deixar que a linguagem se perca, por assim dizer, em descrições desvinculadas da realidade, ou seja, descrições sem sentido, o que caracterizaria uma das grandes preocupações das Investigações, e que se nota SRU H[HPSOR QD VHJXLQWH DILUPDomR ³Nós reconduzimos as SDODYUDVGRVHXHPSUHJRPHWDItVLFRSDUDVHXHPSUHJRFRWLGLDQR´ ,)S

(42)  10 A abordagem de Wittgenstein acerca da linguagem difere da abordagem feita, por exemplo, por Saussure (em Curso de Linguística Geral), e por Nietzsche (em Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral), que pensam (e apontam para) a arbitrariedade do signo e de toda a linguagem. Desta forma, seria como se Saussure e Nietzsche voltassem suas atenções para a questão das possibilidades de verdade na própria linguagem, ou de uma espécie de justiça de um signo referir-se a alguma coisa, enquanto Wittgenstein volta sua atenção para a relação do signo com o objeto referido..

(43) 29. O sinal proposicional não seria, desta forma, uma mera junção de nomes, assim como o motor de um automóvel não é uma mera junção de peças, cabos, parafusos etc. Isoladamente, um chicote elétrico não significa nada, bem como um par de velas, fora do motor, não tem funcionamento. Mas na articulação, por assim dizer, dos cabos e das peças, o motor funciona, e então o sentido de cada peça se revela no sentido total do motor. Pois tal sentido é o funcionamento da máquina, do mesmo modo como o sentido de uma proposição é a figuração do mundo. De acordo com Lopes dos 6DQWRV³o nome não é, pois, o elemento do fato figurativo isoladamente considerado, mas é esse elemento mais suas possibilidades FRPELQDWyULDVORJLFDPHQWHUHOHYDQWHV´ LOPES dos SANTOS, 2008, p.70). As possibilidades de combinação podem encontrar-se no nome, assim como em uma peça do motor existe um encaixe para outra peça. Todavia, sem efetivar a união entre as peças, e sem efetivar a relação entre os nomes, não existirá sentido no motor, e tampouco haverá sentido na proposição. O mundo, deste modo, é dito por proposições que apontam para algo, ou seja, proposições dotadas de sentido. Aquilo que está fora do mundo, está também fora da linguagem e, por consequência, não poderá ser revelado por meio de proposições. O que pode parecer, quiçá, um incômodo na questão de se descrever (dizer) o mundo, é a tendência em se considerar isoladamente os objetos, e querer, apenas assim, encontrar um VHQWLGR3RUH[HPSORGL]HUµFDVD¶µYHQWR¶µVRO¶µKRPHP¶HWFpGHDFRUGRFRPRTractatus, não dizeU DEVROXWDPHQWH QDGD 2X WDOYH] IRVVH PHOKRU H[SRU DVVLP p VLPSOHVPHQWH µQmR GL]HU¶ QR VHQWLGR GD SURSRVLomR ILJXUDWLYD WHQGR HP FRQVLGHUDomR TXH QRPHV VmR FRPR pontos, não possuem sentido algum (TLP 3.144). Quando temos clara a noção de relação, advinda das reflexões do Tractatus, compreendemos que o mundo não se dá pela existência de objetos isolados, que não é um homem solto, apartado de todas as coisas, que caracterizaria um fato, por exemplo, mas o que.

(44) 30. tal homem faz, em que lugar etc. Notamos que o peso dos objetos e das coisas diminui. Não é o fato de descrevê-los em si mesmos, numa redução ao infinito, que nos fará atingir qualquer espécie de verdade sobre eles. É necessário atentar para o fato que os caracteriza. Atentar para o fato que garante o sentido de uma proposição é estabelecer um vínculo entre o mundo e a linguagem. Expressões sem sentido não referem-se a fatos do mundo. Podem referir-se a construções poéticas, mas não a construções da ciência. A esfera que pode abrigar descrições sem sentido, ou, em outras palavras, descrições não verificáveis, é a esfera do sujeito metafísico ou transcendental. No entanto, Wittgenstein levanta a seguinte questão: ³2QGH no PXQGR VH Ki GH QRWDU XP VXMHLWR PHWDItVLFR"´ 7/3 

(45)  2 PXQGR p GLWR SRU proposições que possuem sentido. A esfera do sujeito metafísico, mencionado por Wittgenstein, não possibilita proposições com sentido, por não ser o sujeito um mero fato do mundo. Passamos, portanto, das reflexões acerca do mundo e da possibilidade de dizê-lo, para a questão do sujeito na filosofia do Tractatus.. 1.3 O SUJEITO. As proposições figurativas podem dizer o mundo, mas não podem dizer, da mesma forma, o sujeito, pelo motivo de não ser o sujeito um fato do mundo. E parece-nos que é aqui, quando se insere a noção de sujeito no Tractatus, que ocorre, por assim dizer, um início de separação entre o que pode ser dito e aquilo que é inefável. Ora, e de que maneira aparece o sujeito na filosofia tractatiana? Segundo Spica, Não há nada no mundo que permita dizer que exista um sujeito. O sujeito é o olho que tudo vê, mas que não pode ver-se a si próprio. Porém que há algo que vê, que representa, mostra-se na linguagem (SPICA, 2011, p.51)..

(46) 31. Ao falarmos apenas do mundo, dos fatos e estados de coisas, não notamos a presença do que poderia ser considerado o sujeito. Não há nada no mundo que permita que se faça esta afirmação. É quando abordamos a questão da figuração que aparece o sujeito considerado por :LWWJHQVWHLQ³)LJXUDPRVRVIDWRV´ 7/3

(47) 1RWDPRVTXHRVXUJLmento do sujeito se dá na figuração &RQVLGHUHPRV WDPEpP R VHJXLQWH D ILJXUDomR SHUWHQFH DR PXQGR SRLV ³D ILJXUDomRpXP IDWR´ 7/3

(48) $VVLPWDQWRpXP IDWRH[LVWLUXPDiUYRUHTXHGi IUXWRV quanto a figuração de que uma árvore dá frutos ± logo, DSURSRVLomRDVHQWHQoD(³VHSRLV uma figuração é um fato, então afigurar é usar fatos para figurar outros fatos ou estados de FRLVDV´ 0$&+$'2  S

(49)  2 VXMHLWR TXH ILJXUD XVD XP ³IDWR´ SDUD GL]HU DOJR 1R entanto, o sujeito, apontado por Wittgenstein, não se encontra no mundo em meio aos estados de coisas. De que maneira resolver este possível paradoxo? Wittgenstein diz que o sujeito está para o mundo assim como o olho está para seu campo visual (TLP 5.633), logo, é possível pensar que o sujeito não existe, efetivamente, no mundo. Existe, por certo, o corpo de um homem, e existe o olho. Mas o olho não é visto por si mesmo, e um corpo, por si só, não é sujeito. Podemos considerar, a partir disto, que Wittgenstein parte do mundo para chegar ao sujeito. Dito de outro modo: o filósofo trata, a princípio, da figuração do mundo, com a noção de proposição, e posteriormente trata do sujeito, considerando-o limite do mundo, e não um fato qualquer entre outros fatos, passíveis de descrição linguística. Alguém poderia pensar que é como se ele partisse das margens para o centro, como se o sujeito fosse uma espécie de figura central. Mas, ao prosseguirmos nossa investigação, observamos que ele não está no mundo, e sim nos limites do mundo. Poderíamos dizer, em outras palavras, que o sujeito é excêntrico por natureza, no sentido de não estar em meio aos estados de coisas. Sendo o sujeito o limite do mundo, significa que não é o mundo e dele não.

(50) 32. faz parte, ou no mundo não existe, não sendo abrigado, portanto, pelas mesmas possibilidades linguísticas de descrição. Segundo Machado, >«@GL]HUTXHRVXMHLWRQmRH[LVWHVLJQLILFDGL]HUTXHRVXMHLWR não está no mundo, pois só do que está no mundo se pode dizer que existe (como complexo ou como elemento de um complexo). O sujeito que pensa (aquele UHIHULGR SHOR SURQRPH ³HX´

(51)  p R VXMHLWR PHWDItVLFR R OLPLWH GR PXQGR (MACHADO, 2007, p.240).. Não estando o sujeito no mundo, não podemos falar dele como falamos de um fato. Pode-VHREMHWDU³0DV QmRVHSRGH IDODU ± µXP KRPHPXVDXPDHQ[DGD¶SRUH[HPSOR"(OH QmR p XP µVXMHLWR¶ HQWmR"´ 1HVWH VHQWLGR QmR 3RGHPRV YHU XP KRPHP TXH XWLOL]D XPD enxada, ou seja, um homem que age, e isto constitui um fato, mas esse homem que é afigurado não é um sujeito da maneira como é pensado no Tractatus, que seria o chamado sujeito metafísico ou transcendentalRXDLQGDR³HXILORVyILFR´ 11. De acordo com Lopes dos Santos, O eu da filosofia não é imanente nem transcendente. Ele está nos limites do mundo e do pensamento, em sua forma essencial comum. É condição de existência do mundo e do pensamento. É transcendental. (LOPES dos SANTOS, 2008, p.106). O que caracteriza de fato o sujeito não pertence à esfera dos nossos sentidos, e da representação que temos por meio deles. O sujeito metafísico apontado por Wittgenstein é a condição de existência do mundo e, como tal, não encontra-se em meio aos objetos do mundo.. 11. Distinguimos, desta forma, o sujeito transcendental do sujeito empírico, pois, se um sujeito empírico poderia referir-se à esfera fatual, dos estados de coisas, tal sujeito caracterizaria, também, um fato do mundo. Por não tratar-se meramente de um corpo, o sujeito tractatiano refere-se à metafísica, ou seja, ele não é apreendido por meio dos sentidos. Tal VXMHLWR GHVWH PRGR VHULD R ³HX ILORVyILFR´ FDUDFWHUL]DGR também como sujeito transcendental..

(52) 33. Não podemos falar de nenhum sujeito, por meio de proposições, embora expressemos, como em nosso exemplo, que um homem utiliza uma enxada. Tal consideração diferencia aquilo que pertence ao sujeito daquilo que pertence ao mundo. Se as esferas são distintas, não podem ser analisadas da mesma maneira. Até porque, ³>@QRVVDYLGDHQTXDQWRIDWRGRPXQGRpWRWDOPHQWHDUELWUiULDHQTXDQWRFontemplada pelo VXMHLWRWUDQVFHQGHQWDO SRVVXL XP VLJQLILFDGR pWLFR QHFHVViULR´ 0$5*877, 3,172  p. 236). O sentido da vida e do mundo só pode ser conferido pelo sujeito, que justamente está nos limites do mundo. Tal concepção fica mais clara nas palDYUDVGH:LWWJHQVWHLQ³2VHQWLGR do mundo deve estar fora dele. No mundo, tudo é como é e tudo acontece como acontece; não há nele nenhum valor ± H VH KRXYHVVH QmR WHULD QHQKXP YDORU´ 7/3 

(53)  Logo, não há valor nos fatos, considerados por si mesmos. O valor está no sujeito que atribui valor a uma situação fatual. Para Spica (2011, p.82), é intrínseco ao sujeito indagar acerca do significado do mundo e da vida. Como o sentido não existe no mundo, o sujeito, então, confere sentido àquilo que representa o âmbito fatual. Dito de outra forma, os fatos do mundo acontecem sem sentido, e a atribuição de valores é realizada pelo sujeito transcendental ou metafísico. Seria como se a vida e o mundo impusessem ao sujeito uma espécie de dever, no que se refere a atribuir um sentido a ambos, que justifique, ou busque justificar, de alguma forma, sua existência como sujeito. Ou seja, seria como se o sujeito se recusasse a viver sem motivo, sem a noção de um significado. Ele não pode viver se a vida não lhe representar algo de mais alto, algo de valioso. A questão do sentido, como se pode depreender de tal interpretação, está vinculada à questão dos valores. Da mesma forma como os valores não se encontram no mundo, não se encontra nele o seu próprio sentido. Significaria dizer que não existe valor algum no mundo,.

(54) 34. de acordo com Wittgenstein? Exatamente. Repudiamos um assassinato, no entanto, o motivo do repúdio está contido no sujeito, e não no assassinato de um homem, na ação em si mesma. Segundo Barrett, ³a bondade ou maldade da ação está fora da ação´ BARRETT, 1994, p.62)12. Não podemos dizer um valor, porque não podemos aplicar a ele a linguagem figurativa. Valores não são fatuais, não pertencem a um estado de coisas do mundo. Percebemos melhor esta concepção na afirmação de Spica: Tudo o que pode ser dito está reduzido ao campo da linguagem figurativa. Assim, só têm sentido as proposições que representam o mundo. Neste só há fatos e na linguagem com sentido só há proposições que figuram os fatos. µ3URSRVLo}HVILORVyILFDV¶QmRILJXUDP R PXQGRFRPRWDOQmRWrPVHQWLGR 'D PHVPD IRUPD µSURSRVLo}HV¶ GD pWLFD GD HVWpWLFD H GD UHOLJLmR QmR figuram o mundo. Portanto, elas não podem ser ditas. Elas tratam do que possui valor e no mundo nada possui valor (SPICA, 2011, p.36).. 2VXMHLWRPHWDItVLFRRX³HXILORVyILFR´UHSUHVHQWDDFRQGLomRGHYDORUDomRGRVIDWRV do mundo. Se pertencesse ao mundo, teria o mesmo valor que qualquer fato e, desta forma, não poderia valorar. Em outras palavras, se o sujeito transcendental pertencesse à esfera fatual, não teria valor algum, e nem condição de conceder valor, porque estaria numa situação de igualdade para com o mundo. Ao representar o limite, representa também a possibilidade de atribuir um sentido, e não somente ao mundo, mas também à sua própria vida. Tendo, portanto, tratado do sujeito como sendo distinto do mundo e da esfera dos fatos, compreendemos o motivo pelo qual não pode ser abordado da mesma forma, linguisticamente. Em outras palavras: o sujeito não pode ser dito por meio de proposições. Isto caracteriza a possibilidade de pensarmos o sujeito como pertencente à esfera do inefável, o que trataremos, doravante, em nossa pesquisa. 12. ³/DERQGDGRPDOGDGGHODDFFLyQHVWifuera GHODDFFLyQ´.

(55) 35. 1.4 O SILÊNCIO SOBRE O SUJEITO. Sendo as esferas do mundo e do sujeito distintas, é necessário que tenhamos bastante claro que as possibilidades (ou impossibilidades) de descrição também não podem ser as mesmas. Ao considerarmos a linguagem figurativa, temos em conta que a ligação, por assim dizer, de um signo com a coisa representada (sendo tal coisa pertencente a um estado de coisas, ou fato), é que determinará sua verdade ou falsidade. Não basta haver um signo, segundo o Tractatus, para que o mesmo, por si só, seja verdadeiro. Se consideramos que a linguagem só poderá se referir a estados de coisas e, mais precisamente, de coisas que pertencem ao mundo, parece-nos evidente que, ao abordarmos a figura do sujeito, não poderemos abordá-lo da forma como nos referimos aos estados de coisas. E a esta impossibilidade linguística referente ao sujeito, podemos, neste trabalho, chamar de silêncio sobre o sujeito. Em que consiste tal silêncio? É preciso considerar que o silêncio é abordado em função de ser oposto às descrições possíveis aos estados de coisas. Não significa que o sujeito seja inabordável, linguisticamente, apenas que não pode ser tratado da mesma forma como são tratados os fatos do mundo, ou seja, não pode ser tratado por meio da linguagem figurativa. A noção de figuração 13 é relevante para a compreensão daquilo que pertence à esfera do sujeito. Não é possível pensar a linguagem, no Tractatus, sem entendê-la no sentido da proposição. Afinal, é propositivamente que figuramos o mundo. Os fatos, portanto, são figurados por proposições. Uma sentença é a imagem especular de um fato, de um acontecimento do mundo. É a noção de linguagem como espelho da realidade (isomorfia), na. 13. Abordamos melhor a noção de linguagem figurativa em 1.2 ± Dizer o mundo..

(56) 36. qual os fatos encontram-se representados, proposicionalmente. E, se é verdade que apenas os fatos podem ser figurados, então o sentido do mundo, pertencente à esfera ética e, por conseguinte, à esfera do sujeito, não poderá ser definido por proposições. De acordo com Barrett, As proposições versam acerca dos fatos, do que acontece, o acidental. Os valores ± e aqui Wittgenstein está pensando nos valores éticos, ainda que, como veremos, o que disse se aplica igualmente aos valores estéticos e religiosos ± não têm (diretamente) nada a ver com os fatos, com o que DFRQWHFH FRP R DFLGHQWDO ³$ pWLFD p WUDQVFHQGHQWDO´ 7/3 

(57) 7rP D YHUFRP RTXH:LWWJHQVWHLQ GHQRPLQD³RVHQWLGR GRPXQGR´ der Sinn der Welt). O sentido do mundo não pode estar no mundo, não pode ser um fato entre outros fatos que compõem o mundo, não pode ser algo acidental. O sentido do mundo tem que estar fora do mundo, como disse Wittgenstein (TLP 6.41) (BARRETT, 1994, p. 43).14. Pelo motivo de estar o sentido do mundo fora do mundo, podemos, de acordo com Wittgenstein, situar tal sentido na esfera do sujeito. Estaria, por assim dizer, nos limites do mundo o sentido, tanto da vida quanto daquilo que não é mero fato acidental, ou seja, daquilo que não é um fato do mundo. Barrett expressa que os valores aos quais Wittgenstein se refere são os valores éticos, mas também os estéticos e os religiosos. Mais do que estarem contidos no sujeito os valores, o que no sujeito está contida é a valoração. O valor não está no fato, em si mesmo. Não significa, e nem pode significar, de acordo com o Tractatus, uma mera relativização das ações. Ou seja, pelo fato de não haver valor nas ações, por si mesmas, não significa que todas as ações têm o mesmo valor para o filósofo. Não é disto que se trata, e Wittgenstein não aborda a questão desta maneira. Sua preocupação 14. Las proposiciones versan acerca de los hechos, de lo que acaece, lo accidental. Los valores ± y aquí Wittgenstein está pensando en los valores éticos, aunque, como veremos, lo que dice se aplica igualmente a los valores estéticos y religiosos ± no tienen (directamente) nada que ver con los hechos, con lo que acaece, con lo DFFLGHQWDO ³/D pWLFD HV WUDQVFHQGHQWDO´ 7/3 

(58)  7LHQHQ TXH YHU FRQ OR TXH :LWWJHQVWHLQ GHQRPLQD ³HO sentidR GHO PXQGR´ der Sinn der Welt). El sentido del mundo no puede estar en el mundo, no puede ser un hecho entre otros hechos que componen el mundo, no puede ser algo accidental. El sentido del mundo tiene que quedar fuera del mundo, como dice Wittgenstein (TLP 6.41)..

(59) 37. é mostrar que, feita uma distinção entre mundo e sujeito, não é possível situar o valor de um fato no próprio fato, ou seja, fora da esfera do sujeito transcendental. O sujeito é a esfera à qual o valor e a valoração pertencem. E aqui pode parecer existir um paradoxo: se é o sujeito que valora, e o mesmo sujeito é, por assim dizer, silenciado pelo Tractatus, como será possível D YDORUDomR"6HUi IHLWDµVHPSDODYUDV¶"eFODURTXHHVWDVHULD uma interpretação incoerente da obra de Wittgenstein. É por isso que a noção de linguagem figurativa ou proposicional é fundamental para se pensar a linguagem para o Tractatus. A linguagem da figuração, que estabelece se algo possui ou não possui sentido, e que pertence ao domínio da ciência, difere do que seria uma linguagem do sujeito 15. Apesar de compreendermos que é ao sujeito que os valores pertencem, não podemos afirmar de que maneira os valores são atribuídos ao mundo pelo sujeito, pois Wittgenstein não falou de que maneira se dá a valoração. A preocupação do Tractatus é fazer a distinção entre o que pode ser dito propositivamente, e aquilo que não é abrigado por esta possibilidade de descrição. Por este motivo, é necessário compreender a questão da diferença de esferas, e a importância da proposição para a figuração do mundo, realizada pela linguagem, a qual pertence ao domínio da ciência (TLP, 4.11). Uma questão científica é, por conseguinte, diferente de uma questão do sujeito, no sentido de que as questões do sujeito não são figuradas propositivamente. Tais questões não apresentam, portanto, um sentido, porque não podem ser expressas de maneira que possam ser consideradas como verdadeiras ou falsas.. 15. Por certo que Wittgenstein não fala de uma linguagem do sujeito no Tractatus8VDPRVRWHUPRµOLQJXDJHP do sujeito¶, aqui, para mostrar que o problema, justamente, não é a utilização de palavras, mas aquilo a que a linguagem será referida. Ou seja: se a linguagem figura os fatos, ela não figurará um valor, porque um valor não se encontra no espaço em que se dá a figuração, e que é o mundo..

Referências

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