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PSIQUIATRIA CL E PERTURBAÇÕES PSÍQUICAS ASSOCIADAS AO PUERPÉRIO: A PSICOPATOLOGIA NO FEMININO

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PSIQUIATRIA CL E PERTURBAÇÕES PSÍQUICAS ASSOCIADAS AO PUERPÉRIO:

A PSICOPATOLOGIA NO FEMININO

Serafim Carvalho*, Ilda Murta **, Manuel Pitorra Monteiro ***

* Assistente Hospitalar Graduado de Psiquiatria - Hospital do Conde Ferreira, Porto ** Assistente Hospitalar de Psiquiatria do Hospital Sobral Cid, Coimbra

***Assistente Hospitalar de Obstetrícia na Maternidade Bissaya Barreto, Coimbra

Resumo

O presente artigo aborda os quadros psiquiátricos relacionados com o período pós-parto: disforia, depressão, psicose e perturbações de ansiedade. A nossa experiência em psiquiatria consiliar/ligação (CL) no vasto campo da ginecologia/obstetrícia, que inclui para além das síndromas referidos, os aspectos psicopatológicos ligados à gravidez, à menopausa primária e secundária, bem como à reprodução medicamente assistida (RMA), permite-nos verificar um conjunto de dificuldades a vários níveis, bem como um leque de soluções que se consideram eficazes para diminuir a morbilidade psíquica nestas situações. Entendemos que a primeira etapa passa, não só pelo reconhecimento das mulheres em risco, mas também pela rápida detecção dos primeiros eventos psicopatológicos das perturbações psíquicas que ocorrem no período pós-parto.

Palavras-chave: perturbações pós-parto; psiquiatria CL; diagnóstico; prevenção

Introdução

Várias síndromas psiquiátricas estão tradicionalmente ligadas ao ciclo genital na mulher. No âmbito da psiquiatria CL podem dividir-se em três grandes grupos:

O primeiro engloba as síndromas associadas ao ciclo menstrual e inclui a perturbação disfórica pré-menstrual e as perturbações emocionais da menopausa com relevância para menopausa pós-cirúrgica. O segundo grupo é composto por síndromas psiquiátricos na gravidez e pelos quadros com precipitação típica no pós-parto: disforia, depressão, psicose e perturbações de ansiedade (Suri et al., 1997). O terceiro grupo de situações clínicas refere-se ao contexto peculiar da reprodução medicamente assistida (RMA).

Neste artigo, que é parte de uma trilogia, serão enfatizados os quadros clínicos psiquiátricos ligados ao pós-parto. No segundo artigo, serão abordados os problemas do tratamento farmacológico das perturbações mentais da mulher a amamentar. No terceiro, discute-se o planeamento dos tratamentos na mulher grávida com perturbações psiquiátricas.

A nossa experiência no âmbito da psiquiatria CL (Consiliar-Ligação) em ginecologia-obstetrícia e também em RMA, permite-nos verificar um grupo de dificuldades a vários níveis, bem como um

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conjunto de soluções que se consideram eficazes para diminuir a morbilidade psíquica, efectuar um diagnóstico precoce e estabelecer a continuidade na prestação de cuidados nestas situações.

A CLP divide-se em “Comissões” (aspectos organizacionais) e “Grupos de Trabalho” (aspectos clínico-investigacionais). Ao grupo de interesse, englobando clínicos da CLP com interesse na área da psiquiatria relacionada com a patologia ligada ao ciclo genital feminino, denominamos genericamente “Grupo de trabalho Ginecologia/Obstetrícia”. Em várias unidades hospitalares existem serviços de atendimento de psiquiatria CL especializados e vocacionados para os diversos aspectos psicopatológicos ligados ao ciclo genital feminino, ver Fig. 1.

Fig. 1 - Serviços especializados de atendimento

- Consulta de Risco, incluindo psico-oncologia ginecológica, HUC, Coimbra (Santos et al., 1993) - Consulta de grávidas e puérperas com patologia psiquiátrica (Consulta da UIP, Unidade de Intervenção Precoce), Maternidade Bissaya Barreto, Coimbra (Murta et al., 1998)

- Consulta de reprodução medicamente assistida (FIV) em “casais normais”, Centro Hospitalar de Gaia (Doellinger, 1998; Valente, 1999)

- Consulta de reprodução medicamente assistida em doentes paraplégicos, HGSA (Serviço de Fisiatria), Porto (Carvalho & Andrade, 1993)

- Unidade materno-infantil psiquiátrica, HSM (Serviço de Psiquiatria), Lisboa (Vieira, 1999)

Perturbações Pós-Parto

As perturbações psíquicas parto podem dividir-se em quatro grandes categorias: a disforia pós-parto, a depressão pós-pós-parto, as psicoses pós-parto e as perturbações de ansiedade pós-parto.

É sabido que o período pós-parto é uma época da vida da mulher de elevada incidência de perturbações psicológicas. Por outro lado a incidência de perturbações pós-parto é muito variável segundo a categoria, ver Fig. 2.

Fig. 2 – Incidência das perturbações pós-parto

- Disforia pós-parto, 26% a 85% (Stein, 1981; O´Hara et al., 1990) - Depressão pós-parto,10% a 15% (Wisner et al., 1994)

- Psicose pós-parto, 0.1% a 0.2% (Cohen et al., 1995)

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A taxa de admissões psiquiátricas no 1º mês após o parto é cerca de 7 vezes superior à taxa de admissões no período prévio à gravidez (Kendell et al., 1987). Por um conjunto de razões as perturbações psiquiátricas pós-parto são sub-diagnosticadas.

Muitas mulheres não estão preparadas, por vezes com poderosos factores de risco, desconhecem as possibilidades de sofrerem uma perturbação psiquiátrica pós-parto. Igualmente e também pelo motivo anterior, muitas mulheres desenvolvem sentimentos de vergonha e baixa auto-estima por estarem de tal modo em sofrimento, quando, como acreditam, deveriam estar no período mais importante das suas vidas. Por outro lado, muitos médicos de família/clínicos gerais bem como especialistas de obstetrícia e pediatria não fazem o diagnóstico destas perturbações (Millis et al., 1992; Suri et al., 1997). Por norma, as puérperas têm alta da maternidade entre o 3 º e 5 º dia, início do período de risco para o aparecimento de perturbação psíquica pós-parto, o que as afasta do contacto diário com a equipa e atrasa a formulação do diagnóstico.

A patologia psiquiátrica pós-parto pode rapidamente deteriorar a relação mãe/recém-nascido e ter um impacto negativo no desenvolvimento da criança a curto e a longo prazo. Pode colocar quer a mãe quer a criança num perigo real, bem como provocar um desequilíbrio familiar mais ao menos alargado (Holden, 1991). É fundamental identificar a mulher em risco para perturbação psiquiátrica pós-parto e reconhecer-lhe rapidamente os sinais e sintomas quando adoece.

O facto de existirem consultas de psiquiatria CL nesta área apresenta várias vantagens (Murta et al., 1998):

- Permite o diagnóstico precoce, uma vez que as puérperas de risco são acompanhadas pelo menos por um período de 6 meses.

- Diminui o número de urgências psiquiátricas durante o internamento, pois a maior parte das situações já são acompanhadas na gravidez.

- É uma porta aberta para o reconhecimento de novos casos que passam a estar referenciados. - Funciona como um espaço psico-educacional privilegiado no caso de medos e falsos conceitos. A Associação Americana de Psiquiatria no DSM-IV (APA, 1994) define o período pós-parto como as primeiras 4 semanas a seguir ao parto, limitando-se a não considerar diagnósticos de Perturbação Psicótica Breve ou Perturbação do Humor com características Psicóticas se os sintomas surgirem nesse período, remetendo para as referidas perturbações do pós-parto. Porém verifica-se, sobretudo por condicionamento hormonal, que os primeiros seis meses pós-parto são susceptíveis do aparecimento de patologia psíquica iniciada ou relacionada com o período pós-parto.

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1- Disforia Pós-Parto

A disforia pós parto é também conhecida como “Maternety Blues” ou “Postpartum Blues”. Não sendo uma entidade nosológica codificável segundo as classificações das perturbações mentais, é a mais frequente disfunção psicológica pós-parto. Ocorre em 26% (O´Hara et al., 1990) a 85% (Stein et al., 1981), das parturientes dependendo estes valores, da metodologia da avaliação (p.ex. dos critérios de inclusão) Fig. 2. O seu início ocorre em geral nos 3 ou 4 primeiros dias após o parto com um pico entre o 5º e o 7º dia durando cerca de 10 a 1 5 dias, ver Fig. 3 (Pitt, 1973; Millis et al., 1992). A sintomatologia caracteriza-se por labilidade emocional, ansiedade, choro fácil, irritabilidade, insónia, alterações do apetite e da memória.

Os factores de risco para disforia pós-parto incluem acontecimentos de vida recentes como a doença de um familiar, antecedentes pessoais ou familiares de depressão, sintomas depressivos na gravidez bem como síndroma pré-menstrual ou "perturbação disfórica pré-menstrual"(PDPM) (O´Hara et al., 1991), proposta em estudo no DSM-IV. Complicações no trabalho de parto, uso de anestesia, parto vaginal ou com recurso a cesariana não mostraram ser preditores de disforia pós-parto (Kendell et al., 1984).

Fig. 3 – Características clínicas da disforia pós-parto

- Início: 1ª semana do puerpério (pico no 5º-7º dia) - Duração: 10 a 15 dias

- Sintomas: labilidade emocional, ansiedade, choro fácil, irritabilidade, insónia e alterações do apetite e

da memória, ocorre desinteresse pelo recém-nascido e pelo companheiro

- Factores de risco: acontecimentos de vida recentes, antecedentes pessoais ou familiares de

depressão, sintomas depressivos na gravidez, PDPM

- Evolução: 80% resolvem na 2ª semana e 20% evoluem para depressão pós-parto

Esta ligação a quadros depressivos, ou a sintomatologia depressiva no próprio e em familiares, sugere uma ligação espectral à doença afectiva (O´Hara et al., 1991).

Um grupo de investigadores, avaliando o papel do sono na disforia verificou que, em conjunto, o trabalho nocturno e a história de perturbação do sono no período mais tardio da gravidez se associam com a perturbação disfórica pós-parto. Porém, a perturbação do sono durante as noites que se seguem ao parto não mostrou ter impacto no seu desenvolvimento (Wilkie et al., 1992). Como se referiu, a maior parte das situações de disforia resolve entre o 12º e o 15º dia sem deixar sequelas, todavia, aproximadamente 20% das mulheres com disforia desenvolvem depressão pós-parto (Stowe, 1996).

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2 - Depressão Pós-Parto

A depressão pós-parto inicia-se em 50 % dos casos na 1ª semana do puerpério, ver Fig. 4 (Kendell et al., 1976; 1981; 1987), contudo, em 80% dos casos o seu diagnóstico faz-se entre o 3º e 9º mês (Suri et al., 1997). A sintomatologia da depressão pós-parto, é muito próxima daquela que ocorre em qualquer depressão major noutro período da vida da mulher: humor deprimido, ansiedade e irritabilidade, sentimentos de culpa, anergia, alterações do sono, diminuição do interesse sexual bem como pelas actividades da vida diária, dificuldades de concentração e da memória, alterações do apetite, agitação ou inibição psicomotora e ideação suicida. Associado aos sintomas de depressão major ocorre uma preocupação obsessiva com a saúde da criança e com o seu bem-estar, bem como sentimentos de incapacidade de desempenho do papel de mãe (Barry, 1997).

Os factores de risco incluem a história anterior de depressão, que parece ser fundamental, o risco é de 10% se a mulher nunca teve depressão, porém se a mulher tem uma história de depressão major o risco para depressão pós-parto atinge os 25%. Se a mulher tem uma história de depressão pós-parto anterior o risco eleva-se a 50% (Garvey et al., 1983; O´Hara, 1995). Outros factores de risco são: história familiar de perturbações afectivas, companheiro abandónico, estado civil de solteira, gravidez não planeada, conflito conjugal, situação de perda ou luto e parto prematuro (Cox et al., 1983; Kumar et al., 1984).

Fig. 4 – Características clínicas da depressão pós-parto - Início: 50% na 1ª semana do puerpério

- Diagnóstico: 80% entre o 3º e 9º mês

- Sintomas: sintomas de depressão major, preocupação obsessiva com a saúde da criança e

sentimentos de incapacidade de desempenho do papel de mãe

- Factores de risco: Sintomatologia depressiva na gravidez, história de depressão ou de depressão

pós-parto, história familiar de perturbações afectivas, companheiro abandónico, conflito conjugal, gravidez não planeada, perda/luto, parto prematuro

O diagnóstico desta situação particular é fundamental devido à necessidade de manter uma interacção mãe/bebé equilibrada. A destruição desse tipo de relação pode ocorrer mesmo antes do início clínico da depressão pós-parto, nas primeiras fases da sua instalação, podendo até ser o seu primeiro sintoma.

Em certos contextos do puerpério, sem apoio de técnico de saúde mental, como no seguimento no centro de saúde por médico de família, ou nas avaliações por enfermeira especialista, pode ser útil a

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passagem de uma escala de detecção que utilize sobretudo sintomas não somáticos, como a Escala

de Depressão Pós-Natal de Edimburgo (Edimburgh Postnatal Depression Scale - Cox & Holden, 1987;

1994). Trata-se de uma escala de 10 itens com 4 possibilidades de resposta (0-3), referidos aos últimos 7 dias e demorando 5-10 minutos a passar.

O impacto da depressão materna na criança pode ser dramático. Vários estudos têm demonstrado o efeito negativo na criança, da depressão pós-parto durante os três primeiros meses. Comparando mães com depressão pós-parto e mães não deprimidas verifica-se que com maior facilidade as mães com depressão emitem sinais de indiferença e de desapego do que as mães não deprimidas. O temperamento futuro da criança e a sua personalidade têm sido fortemente associados a níveis elevados de depressão na mãe no período pós-parto. Em gravações vídeo observa-se que as interacções das mães com início recente de depressão pós-parto são menos responsivas aos sinais de interacção social emitidos pela criança. Pelos nove meses de idade estas crianças são menos desenvolvidas em certos tipos de tarefas do que crianças filhas de mães que não tiveram depressão pós-parto (Holden, 1991; Stein et al., 1991). Hoje sabe-se, que as crianças filhas de mães que tiveram depressão pós-parto estão também elas em risco para depressão (O´Hara, 1995; Wisseman et al., 1987).

3 - Psicose Pós-Parto

A psicose pós-parto é uma perturbação psiquiátrica grave que afecta uma a duas parturientes por mil. O início da psicose pós-parto é abrupto e ocorre pelo segundo ou terceiro dia do puerpério, sendo a sua duração de algumas semanas a vários meses, ver Fig.5. Os sintomas são típicos da perturbação bipolar mista ou maníaca com sintomas psicóticos: labilidade emocional, despersonalização, confusão mental, desorientação, agitação, comportamento bizarro, alucinações, delírios e alterações graves do sono. A flutuação dos sintomas pode ser típica dos quadros com ciclos rápidos. Podem associar-se pensamentos de agressão à criança sendo o risco de infanticídio elevado, ocorre 1 infanticídio em cada 50000 casos de psicose pós-parto (Rohde & Marneros, 1993). Uma mulher com história anterior de psicose ou perturbação depressiva major tem um risco para psicose pós-parto 2 vezes maior que uma mulher sem história psiquiátrica. Se a história anterior for de perturbação bipolar, o risco de psicose pós-parto estima-se em 20 a 50% (Cohen et al., 1995).

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Fig. 5- Características clínicas da psicose pós-parto - Início: em geral abrupto, 2º-3º dia do puerpério - Duração: semanas a meses

- Sintomas: sintomatologia típica da perturbação bipolar mista ou maníaca com sintomas psicóticos,

eventualmente com ciclos rápidos, associada a pensamentos de agredir a criança (infanticídio em 1/50000)

- Factores de risco: história psicose (> perturbação bipolar 20-50%), psicose pós parto (> nos últimos 2

anos), depressão, primiparidade, história familiar de doença bipolar

Este risco é consideravelmente maior se a mulher tiver uma história de perturbação bipolar ou de depressão major do que se tiver história de esquizofrenia.

História de psicose pós-parto, particularmente se nos últimos 2 anos, assim como história de depressão major, situação de primiparidade ou história de doença bipolar na família são outros tantos factores de risco. Cerca de 78% das situações de psicose pós-parto ocorrem no 1º parto, em geral isso verifica-se nas primeiras 2 semanas. Os acontecimentos de vida psicossociais tem aqui um papel menor do que na etiologia da depressão pós-parto. O risco de uma mulher ser hospitalizada por perturbação psicótica pós-parto nos 2 primeiros anos após o nascimento do seu filho é 3 vezes e meia maior do que em qualquer outro período da sua vida. O período pós-parto de aparecimento da psicose relaciona-se com o prognóstico, parece ser melhor se o início for nas 3 primeiras semanas (Rohde & Marneros, 1993). Muitos investigadores acreditam que a psicose pós-parto é uma variante da perturbação bipolar. Numa investigação, foram avaliadas 486 mulheres com o diagnóstico de admissão de psicose puerperal nos 3 meses seguintes ao nascimento da criança, 35% tinha diagnóstico anterior de perturbação bipolar e só 3% tinham diagnóstico anterior de esquizofrenia (Kendell et al., 1987).

4 - Perturbações de Ansiedade Pós-Parto

As perturbações de ansiedade pós-parto só recentemente têm sido descritas e a literatura disponível acerca destas situações é escassa, ver Fig. 6. Cerca de 20% das parturientes iniciaram uma perturbação de ansiedade nesse período. A perturbação de pânico, com ou sem agorafobia foi a situação mais frequente (Wisner et al., 1996). Por outro lado, tem sido descrita na literatura a perturbação obsessivo-compulsiva com precipitação no pós-parto (Metz et al., 1988).

No que toca a perturbação de pânico, embora não existam estudos prospectivos, os estudos retrospectivos existentes parecem demonstrar que este quadro é precipitado no pós-parto em 10% (Carvalho, 1999) a 27% (Wisner et al., 1996) dos casos. Exacerbação de perturbação de pânico

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anterior ocorre em 35% dos casos e 75% das mulheres ou mantiveram a situação anterior ou melhoraram (Cohen, 1994).

Fig. 6 – Características clínicas das perturbações de ansiedade pós-parto

Perturbação de pânico

- Início - 11% a 27% dos casos

- Exacerbação - 35% dos pacientes com pânico pioram no puerpério

- Sintomas: ataques de pânico, agorafobia e outros receios fóbicos (“medo de ficar só com a criança” e

“ medo de sair só de casa”), atitude hipocondríaca em relação ao próprio e à criança Perturbação obsessivo-compulsiva

- Início - (?) em 15 mulheres (Sichel et al. 1993)

- Sintomas: receio de contacto com a criança por pensamentos obsessivos relacionados com medo de

ferir ou mesmo matar, evitando dar banho, ter facas na cozinha, alimentar, asfixiar durante o sono

- Risco: Perturbação de ansiedade anterior (perturbação de pânico em 7 de 15 casos), PAG,

depressão.

A sintomatologia da perturbação de pânico, quer nos novos casos quer nas exacerbações, apresenta-se com ataques de pânico típicos, agorafobia, frequentemente medo de ficar sozinha com a criança ou de sair de casa só, atitude hipocondríaca marcada em relação à própria e em relação à criança (Suri et al., 1997). Um variado conjunto de factores parece contribuir para o início ou agravamento de um quadro de perturbação de pânico pós-parto. Acontecimentos de vida podem precipitar ataques de pânico como em qualquer outro período de vida em indivíduos susceptíveis. O stress que envolve o acolhimento e a responsabilidade de um recém-nascido pode precipitar uma perturbação de pânico pós-parto (Suri et al., 1997; Carvalho et al., 1999). As situações de risco para depressão pós-parto parecem sê-lo também para perturbações de pânico pós-parto. Alguns investigadores enfatizam a interferência de factores bioquímicos na etiologia da perturbação de pânico, referindo alterações do circuito noradrenérgico, particularmente ao nível dos receptores α2-adrenérgicos, que também parecem estar relacionados com disforia pós-parto. Por outro lado, parece que o declínio dos níveis de progesterona no período pós-parto poderão causar um aumento do CO2 circulante que pode contribuir

para o início dos sintomas de pânico em indivíduos vulneráveis (Metz et al., 1988; Klein, 1993; Cohen, 1994; Suri et al., 1997).

A perturbação obsessivo-compulsiva com início no pós-parto é uma situação clínica pouco estudada, sendo os trabalhos existentes de tipo retrospectivo. Num grupo de doentes com perturbação psíquica

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no puerpério, 15 apresentaram início de perturbação obsessivo-compulsiva. Tal como na perturbação de pânico parece existir uma susceptibilidade à exacerbação da sintomatologia em casos com diagnóstico anterior, bem como ao aparecimento de novos casos no pós-parto (Sichel, 1992). Os sintomas da perturbação obsessivo-compulsiva mais frequentemente observados são caracterizados por pensamentos obsessivos e muito raramente por ritualização. Os pensamentos obsessivos relacionam-se sobretudo com medos de ferir ou mesmo matar a criança, por isso a mãe com estes receios, não contacta com a criança, evita dar banho, ter facas na cozinha, alimentar, com medo que a criança se possa engasgar, asfixiar e igualmente toma certas medidas durante o sono com receio de poder tombar para cima da criança e asfixiá-la. O risco para perturbação de ansiedade pós-parto está relacionado com a existência de perturbações de ansiedade anterior, particularmente perturbação de pânico, perturbação obsessivo-compulsiva, perturbação de ansiedade generalizada (PAG) e depressão (Sichel, 1992, Sichel et al., 1993).

Psiquiatria CL e Prevenção das Perturbações Pós-Parto

O papel dos técnicos de saúde mental, enquadrando equipas intervenientes na saúde materno-infantil, quer em acções de tipo preventivo, quer na implementação das medidas terapêuticas parece-nos fundamental, ver Fig.7.

Fig. 7 - Perturbações puerperais que prevenção?

- Desenvolvimento de estratégias educacionais e psicoeducacionais (Ministérios da Saúde/Educação) - Formação específica pré/pós-graduada dos técnicos de saúde em cuidados primários e hospitalares - Avaliação puerperal/pós-puerperal médico/cirúrgica continuada

- Serviços CL de psiquiatria em cuidados primários e departamentos de ginecologia/obstetrícia e outros - Unidades de consulta/internamento de grávidas e puérperas com problemas psiquiátricos em serviços de psiquiatria, ou unidades médico-psiquiátricas independentes (psymed units) nos hospitais gerais - Avaliação e actuação ao nível da família

- Técnicos de saúde visitadores

Serviços de psiquiatria CL nos centros de saúde bem como nos diversos serviços específicos do hospital geral podem fazer a grande diferença nos cuidados prestados.

Outro aspecto relevante tem sido a exigência sentida, pelos técnicos dos diversos serviços e consultas de psiquiatria CL, de analisarem dificuldades, unificarem metodologias e discutirem resultados (Murta et al., 1998), ver Fig. 8

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Fig. 8-Objectivos do Grupo de Trabalho da CLP de Ginecologia/Obstetrícia em perturbações puerperais - Intercâmbio de experiências, permuta de informações, análise de resultados individuais: para melhoria das condições de investigação, diagnóstico precoce e tratamento.

- Aferição de critérios de avaliação, através de escalas validadas, divulgadas por agentes de saúde quer a nível de cuidados primários quer hospitalares, com fins preventivos: permitindo a identificação e referência dos casos para os centros especializados.

- Reflexão e discussão sobre utilização da maioria dos fármacos: o alargamento das prescrições já obtido, só foi possível devido a esse intercâmbio de experiências.

- Avaliação e discussão conjunta dos casos especiais: promoção de estratégias particulares de contracepção no pós-parto

Conclusões

O presente artigo, primeiro de três, revê os aspectos semiológicos mais relevantes das perturbações psiquiátricas que ocorrem no puerpério. Recorre para além da investigação internacional, a alguns dos resultados de trabalhos e modelos de intervenção utilizados entre nós. Desejamos que o Grupo de Trabalho de Ginecologia/Obstetrícia da CLP tenha um papel aglutinador de interesses comuns, para isso preparamos já o segundo artigo: Psiquiatria CL e perturbações psíquicas associadas ao ciclo menstrual: psicopatologia no feminino (II).

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Referências

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