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PEDAGOGIA DAS DIFERENÇAS NA SALA DE AULA

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Academic year: 2021

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PEDAGOGIA DAS DIFERENÇAS NA SALA DE AULA

O último capítulo do livro Pedagogia das diferenças na sala de aula, escrito por Maria Regina Guarnieri (2002), trata exatamente do que expõe seu título o professor iniciante e o trabalho com as diferenças dos alunos. Para tal, a autora nos apresenta dados da sua pesquisa desenvolvida no doutorado, sobre o professor em início de carreira, focalizando aspectos do processo de construção da profissão com base em seu exercício.

O objeto de análise do texto é uma professora iniciante alfabetizadora, em seu segundo ano de atuação numa escola pública. Os dados apresentados enfatizam as percepções e ações da professora ao dirigir o olhar para as situações apresentadas pelo contexto escolar e para as que ocorriam na sala de aula.

Focalizou-se, inicialmente, o que o “choque da realidade” provocava no agir e pensar da professora, que estava fortemente influenciada pelo ambiente escolar, nem sempre enxergando o próprio trabalho.

O movimento de distanciamento de algumas situações desse contexto e a sua aproximação com as questões da sala de aula foi ocorrendo à medida que a professora detectava diferenças de concepções, atitudes, valores, tanto no âmbito das situações oriundas do ambiente de trabalho quanto das da sala de aula.

Na percepção de avaliação do contexto escolar, o conhecimento do próprio trabalho (dessa professora iniciante) era proveniente da avaliação que fazia daquilo que experenciava do ambiente escolar, e não propriamente do que vivenciava em sala de aula.

Quando fez um balanço de seu primeiro ano de carreira, seu trabalho foi considerado positivo pelos colegas, porém sentia que ele estava “amarrado” aos das outras colegas, deixando-a insegura e confusa, pois não concordava plenamente com as mesmas.

A influência negativa das colegas (no que se refere às suas próprias concepções) foi um dos problemas mais preocupantes para a professora, e seu descontentamento se revelava na expectativa de realizar um trabalho diferenciado. Um desejo que refletia a necessidade de diferenciar-se de seus pares.

Segundo Veenman citado por Guarnieri (2002: 135), o professor em seu primeiro ano de trabalho, ao confrontar as idéias (geralmente mais progressistas e liberais) trazidas pelo curso de formação e a realidade escolar, tende a abandoná-las e tornar-se conservador.

O “choque da realidade” ou “curva do desencanto”, nessa fase de transição, não provocou na professora da pesquisa de Guarnieri (2002) um “abandono” de seus ideais; pelo contrário, provocou tentativas de reação. Mas foi perceptível uma oscilação de idéias quanto à sua prática pedagógica e à

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concepção de seus alunos, decorrentes de um olhar direcionado para o que diziam as colegas. Porém, quando se distanciou do grupo, mudanças foram verificadas.

A adversidade do ambiente de trabalho provocou reação de insegurança e confusão na professora, mas ao mesmo tempo contribuiu para o afastamento de ideais que não eram os seus, possibilitando-lhe um voltar-se para si, perceber com mais clareza dificuldades, falhas, aspectos positivos e limites, à medida que sua preocupação foi sendo direcionada para as reações dos alunos e sua aprendizagem.

Há também outras situações que costumam colaborar para o isolamento do professor iniciante: ausência de apoio para sanar dúvidas ou para partilhar dificuldades, avaliação negativa dos colegas etc. Por outro lado, esse “isolamento” provoca uma construção individual da profissão à medida que o professor vivencia individualmente sua profissão.

É importante que a prática pedagógica iniciante considere aspectos que possam direcionar o seu olhar para a própria situação de ensino, percebendo-a e avaliando-a. Sobre a professora iniciante da pesquisa foram considerados alguns desses aspetos:

Ao focalizar a atenção no que ocorria no interior da sala de aula, identificou as dificuldades que experimentava, provocando angústia e desejo de mudança, como, por exemplo:

• Os primeiros problemas identificados foram: organização e execução de atividades distintas para grupos diferenciados de alunos;

• Mostrou uma característica inesperada: trabalhar separadamente com os que possuíam maior dificuldade. Geralmente, o professor iniciante não consegue identificar as dificuldades dos alunos e prestar ajuda individual para consecução das atividades;

• Um avanço em seu desenvolvimento profissional foi identificado quando estabeleceu uma relação entre a prática pedagógica desenvolvida e a aprendizagem dos alunos; isso foi verificado ao avaliar seu trabalho com base nas atividades realizadas com êxito pelas crianças;

• O seu olhar também estava atento às dificuldades apresentadas pelas crianças. Diante da identificação das dificuldades mais pontuais, procurou saná-las adotando alguns procedimentos, o que demonstrou seu comprometimento com a aprendizagem dos alunos;

• No mesmo estudo, a professora constatou que a concepção que tinha de si mesma revelava uma pessoa insegura, ansiosa, sem iniciativa, rígida, que não admitia errar. Essas características pessoais pareciam impedila de arriscar-se no sentido de promover alterações em seu trabalho, contribuindo para a manutenção de atividades pouco atraentes para os alunos. No entanto, as características favoráveis à profissão,

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isto é, calma, paciência e bom humor, permitiam a ela ter um bom relacionamento em sala de aula e um clima adequado para a execução das tarefas.

Outro aspecto importante para a compreensão da maneira de ser e agir do professor está relacionado aos valores, crenças e atitudes que norteiam sua prática. São apontados no texto de Guarnieri (2002) alguns exemplos, que sugerem uma prática pedagógica pautada por princípios éticos, traduzidos por um senso de justiça, imparcialidade, igualdade e reciprocidade, os quais nortearam a conduta da professora iniciante “observada”, mas que são fundamentais para outras condutas iniciantes.

Há pistas no processo de aprender e ensinar. Este é um processo que vai consolidando-se no exercício profissional, ou seja, a prática docente fornece pistas fundamentais para a construção da função docente. Tal construção ocorre à medida que o professor vai efetivando a articulação entre o conhecimento teórico-acadêmico, dados do contexto escolar e da prática docente por meio de reflexão. Somente nesse movimento reflexivo é que os conhecimentos acerca da profissão docente podem ser construídos, permitindo-lhe, ao mesmo tempo, tornar-se professor.

Pudemos discutir a respeito de questões que perpassaram a teoria e as ações práticas a respeito da diversidade na sala de aula. As pesquisas encontradas nos diferentes textos do livro Pedagogia das diferenças na sala de aula, destacando-se os diários reflexivos, o erro, a construção da cooperação na sala de aula, a importância do projeto pedagógico nas escolas e os “viveres” do professor iniciante, deram-nos visões a respeito de como lidar com o dia-a-dia diversificado da profissão docente. É importante que não tenhamos, nesses exemplos, a segurança de um receituário, mas um elemento disparador de novas reflexões, constantes discussões e (re) construções possíveis de criação de uma prática profissional competente.

Encerrando, é fundamental um pouco mais de empenho da nossa parte para discutirmos um conceito “emprestado” de Herbert de Souza, o sociólogo Betinho, por Terezinha Azeredo Rios no seu livro Compreender e Ensinar: por uma docência da melhor qualidade. Trata-se do conceito de felicidadania.

Para entendê-lo e transpô-lo para a prática competente docente, pensemos nos termos que o compõem: felicidade + cidadania e no caráter multidimensional de ambos. “... cidadania com a participação eficiente e criativa no contexto social, o exercício concreto de direitos e a possibilidade de experiência da felicidade, e esta [...] entendida como concretização da vida, como realização – sempre buscada – do ser humano, algo que não se experimenta apenas individualmente, mas que ganha seu sentido mais pleno na coletividade.” (Rios, 2001: 112)

Tanto cidadania, quanto felicidade só podem, então, existir no espaço democrático. Mas o que é Democracia? É um diferente conceito para diferentes organizações concretas da vida social e, também, em diferentes contextos.

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Depende das relações e situações em que estão envolvidos historicamente os homens. Depende da política instaurada no espaço “entre homens”. É preciso distinguir entre democracia representativa (pelos votos, pelas decisões políticas) e democracia participativa.

Não é apenas no espaço do Estado que se exerce a Democracia, é preciso exercê-la também no espaço econômico, social, familiar, profissional, cultural, religioso. No espaço em que se dá a política: entre os homens. Para tal, há que se ampliar a cidadania de noção estatizante ou mercadológica (do direito de consumidor) para a noção da con-vivência onde não apenas pode-se “ser”, mas também, “aparecer”.

Cidadania é, então, a participação eficiente e criativa no contexto social, o exercício concreto de direitos e a possibilidade de experiência feliz, ou seja, é a participação de todos os cidadãos na organização do espaço social, de maneira responsável e efetiva independente da raça, gênero, credo.

Felicidade é a concretização da vida como realização de algo que ganha sentido não apenas individualmente, mas coletivamente, ou seja, no contexto social é a finalidade do agir e relacionar-se dos seres humanos. É a “vida boa vivida com dignidade”, na qual existe a possibilidade de todos participarem coletivamente.

“Cidadania e felicidade colocam-se como intercomplementares. Ganham sentido num espaço verdadeiramente democrático, em que as ações e as relações sustentam-se em princípios éticos: afirmam-se as identidades no diálogo, no respeito mútuo, na justiça e na solidariedade e buscam-se condições de uma vida digna.” (Rios, 2002: 124)

Este conceito de felicidadania é “emprestado” e “traduzido” para a profissão docente pela autora como algo que se coloca no horizonte de uma prática profissional que se quer competente, que se quer construir competente. Assim, para Rios (2002), construir a felicidadania na ação docente é:

1) Reconhecer o outro;

2) Tomar como referência o bem coletivo;

3) Envolver-se na elaboração e desenvolvimento de um projeto coletivo de trabalho;

4) Instalar na escola e na aula uma instância de comunicação criativa;

5) Criar espaço, no cotidiano da relação pedagógica, para a afetividade e a alegria;

6) Lutar pela criação e pelo aperfeiçoamento constante de condições viabilizadoras do trabalho de boa qualidade.

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Esta “lista” de exigência para a construção da felicidadania constitui-se apenas numa referência de questionamentos, análises e reflexões, ampliados nos novos e diferentes espaços a serem questionados, analisados e, sobre os quais devemos refletir. Educação, escola e trabalho docente, só terão função e serão competentes se pautados na felicidadania.

Bibliografia

ANDRÉ, Marli (org.). Pedagogia das Diferenças na sala de aula. São Paulo: Papirus, 2002.

RIOS, Terezinha Azeredo. Compreender e Ensinar – Por uma docência da melhor qualidade. São Paulo: Cortez, 2002.

Referências

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