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Diferentes formas de morar na metrópole: dinâmica demográfica e as possibilidades de moradia para baixa renda na Região Metropolitana de Campinas (RMC)

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Diferentes formas de morar na metrópole: dinâmica demográfica e as

possibilidades de moradia para baixa renda na Região Metropolitana de

Campinas (RMC).

*

Izabella Maria Zanaga de Camargo Neves† Palavras-Chave: Demografia, Planejamento Urbano, Assentamentos Urbanos, Favelas

Resumo

O presente trabalho insere-se numa linha de estudos que, ao reconhecerem o que vem sendo chamado de “heterogeneidade da pobreza urbana”, pretendem contribuir para uma melhor explicitação do significado, características e implicações das distintas formas de ser pobre em grandes centros urbanos. Parte-se do pressuposto que a composição e produção do espaço urbano e toda sua heterogeneidade - e desigualdade -, em particular os assentamentos populares é também, em parte, reflexo das características sócio-demográficas específicas da população residente. A partir da hipótese inicial de que poderia existir padrões de comportamento demográfico diferenciados por trás de certas categorias de assentamentos urbanos populares, a investigação tem como objetivo analisar uma possível relação entre características do perfil sócio-demográfico dos residentes, em especial as diferentes etapas do ciclo vital familiar e condição migratória, com as diferentes alternativas habitacionais desenvolvidas para/pela população de baixa renda. Bem como propor uma categorização de assentamentos populares, utilizando a Região Metropolitana de Campinas (RMC) como objeto de estudo. Para tal, são utilizadas duas dimensões consideradas centrais, e tradicionalmente abordadas em estudos nesse campo – as condições estruturais do domicílio e seu entorno e a situação fundiária do terreno e domicílio - complementadas por uma terceira dimensão, aqui considerada igualmente importante, a demográfica. O banco de dados utilizado é proveniente de um levantamento domiciliar realizado em mais de mil e oitocentos domicílios na Região Metropolitana de Campinas em 2007.

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Trabalho apresentado no XVII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú – MG – Brasil, de 20 a 24 de setembro de 2010.

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Diferentes formas de morar na metrópole: dinâmica demográfica e as

possibilidades de moradia para baixa renda na Região Metropolitana de

Campinas (RMC)

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Izabella Maria Zanaga de Camargo Neves4

Introdução

A escolha do tema deste artigo se deve à urgente necessidade de pesquisas acerca de questões urbanas tão atuais quanto históricas no Brasil, como a intensa expansão e adensamento de áreas habitacionais precárias, bem como sobre o caráter segregador da alocação sócio-espacial da população pobre.

Ao buscar articular algumas noções da demografia à tradição dos estudos urbanos, este trabalho pretende tratar da influência de alguns aspectos sócio-demográficos na conformação espacial de uma região metropolitana emergente, no caso, a Região Metropolitana de Campinas. Mais especificamente trata-se de identificar possíveis influências de certas características demográficas sobre a incidência de diferentes formas de se morar observadas na metrópole, com ênfase especial aos assentamentos precários5.

A idéia da presente linha de investigação foi também motivada por outra constatação feita em estudo anterior: a carência conceitual da literatura acadêmica referente aos assentamentos urbanos populares. Essa carência conceitual muitas vezes acaba por considerar como grupos “homogêneos” populações e tipos de assentamentos que, empiricamente, percebem-se bastante heterogêneos.

Grande parte das categorizações existentes leva em consideração basicamente a condição fundiária e ambiental destes assentamentos, pouco atentando para dimensões igualmente importantes, como as condições de habitabilidade do domicílio, da infra-estrutura de seu entorno e, especialmente a composição sócio-demográfica da população residente. Não é difícil imaginar como essa última questão teria impacto sobre os tipos de políticas e/ou ações a serem adotadas de forma a se atingir mais eficiência no atendimento às necessidades da população.

Tal simplificação é, na maioria das vezes, justificada pela carência de informações confiáveis e detalhadas sobre esses assentamentos (FERREIRA, 2007, p.3). O relatório sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) no Brasil, aponta claramente a necessidade de melhoria da quantidade e qualidade das informações existentes sobre o tema: “[...] as fontes disponíveis, como o Censo Demográfico e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, trazem um número limitado sobre esses quesitos, em especial no que se refere aos assentamentos precários” (ODM, 2007).

1. Segregação e a diferentes formas de morar

3 Trabalho apresentado no XVII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú –

MG – Brasil, de 20 a 24 de setembro de 2010.

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Doutoranda em Demografia, NEPO/UNICAMP.

5 Cabe esclarecer que, para assentamento urbano precário usaremos a definição proposta pelo UN Habitat: “um

grupo de indivíduos morando debaixo do mesmo teto que careça de pelo menos um (em algumas cidades dois ou mais) dos seguintes atributos: segurança da posse, qualidade estrutural e durabilidade da construção, acesso a água potável, acesso a esgotamento sanitário e espaço suficiente para morar.” (ODM, Relatório Nacional de Acompanhamento, 2007, p. 116).

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Parte-se da hipótese de que existe uma relação entre o perfil sócio-demográfico da população e o modo como esta equaciona a questão de moradia no meio urbano. Mais especificamente, acredita-se haver influência de certos atributos demográficos, como é caso do ciclo vital familiar e a condição migratória, sobre a trajetória e mobilidade residencial das camadas mais empobrecidas, dentro de uma região metropolitana. Sendo assim, pode-se também dizer que tais características influenciam os processos de segregação socioespacial. Embora estes processos sejam condicionados por questões estruturais, entre elas o comportamento dos mercados, em particular o fundiário, e a ação (ou não ação) do Estado apresentam também estreita relação com fenômenos e comportamentos demográficos como são a mobilidade territorial e a nupcialidade.

De fato, como mostram alguns estudos (Cunha, 1994, Caiado, 2004, Jakob, 2003 e Cunha et al. 2006), aos responderem a diferentes incentivos e/ou constrangimentos, o perfil demográfico das pessoas ou das famílias que ocupam o território tende diferenciar-se segundo o lugar que ocupam acirrando ainda mais o processo de diferenciação socio-demográfica que, como se sabe, são a base para da segregação socioespacial ao menos nos termos em que aqui consideramos.

Ou seja, a segregação urbana é entendida como manifestação espacial da forma como se organiza a sociedade, caracterizando-se por uma tendência de agrupamento no espaço de grupos sociais homogêneos, “[...] e seria também o resultado de uma desigualdade sócio-espacial expressando-se na organização territorial da cidade.” (PASTERNAK, 2004, p.92). Obviamente tal processo tem como um dos seus principais reflexos a heterogeneidade dos assentamentos humanos e, portanto, seu entendimento também pode levar à melhor compreensão da complexidade das formas de morar existentes nas grandes aglomerações urbanas. Segundo Lago (2003), o debate acadêmico e político no Brasil em torno do tema da segregação nas grandes cidades, tem a ilegalidade urbana como um dos parâmetros centrais na definição das “clivagens sócio-espaciais” em discussão (LAGO, 2003, p. 2, aspas do autor).

Alguns autores brasileiros apontam, por exemplo, certo descompasso entre as teorias urbanísticas internacionais, amplamente aceitas, e a realidade urbana nacional. Maricato (1996) coloca a expressão “idéias fora do lugar”. Refere-se ao ideário do planejamento urbano importado e fielmente reproduzido no Brasil, fazendo contraponto ao “lugar fora das idéias”, que consiste em grande parte da realidade urbana – ilegal, oculta, ignorada – apartada de teorias, leis, planos e gestão, e desse mesmo ideário estrangeiro (FERREIRA, 2000, p.09).

Assim, as cidades parecem “partidas” em duas porções (RIBEIRO, 2000), uma delas é a cidade formal destinada às classes média e alta, que se equipara a outras cidades do mundo desenvolvido no que concerne aos investimentos e qualidade da infra-estrutura, habitação, serviços. A outra é a chamada cidade informal, onde pobreza e invisibilidade persistem e avançam. (MARICATO, 1996)

A urbanização no Brasil, e particularmente em suas áreas metropolitanas, tem assumido um padrão definido pela segmentação e diferenciação social, demográfica, econômica e ambiental. Tal padrão caracteriza-se também pela baixa qualidade de vida urbana e pelo crescimento físico elevado, expansão periférica e todas as conseqüências que isso implica: deficiências na infra-estrutura urbana e nos equipamentos sociais, produção de vazios urbanos infra-estruturados, retenção especulativa de solo, entre outras.

Como mostram vários autores, o entendimento desse fenômeno e particularmente de uma de suas principais expressões, a segregação socioespacial, passa por uma compreensão de aspectos como a formação do preço do solo urbano, e a conseqüente geração de renda

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fundiária urbana. Mais que isso, há também que se ter em conta um debate mais contemporâneo sobre os “caminhos” da diferenciação socioespacial de nossas metrópoles. De fato, discussões e debates sobre a formação de uma cidade dual (Sassen, 1991, Castells, 1992), assim como os impactos da reestruturação produtiva sobre o urbano (Harvey, 2005, Castells, 1999) são questões que devem nortear qualquer estudo sobre fenômenos urbanos.

De fato não só internacionalmente, mas também no Brasil tem sido intensa a discussão, por exemplo, se o padrão “centro-periferia” como observado no passado, em particular nos anos 70, ainda seguiria vigente.

Na verdade, no debate acadêmico sobre o tema tal diferenciação não parece tão consensual, estudiosos alertam para a crescente dificuldade de considerara distinção centro-periferia. Ribeiro (2000) acredita que com as atuais transformações socioeconômicas, as cidades podem até estarem mais homogêneas quando examinadas em escala macro; porém, apresentam-se mais fraturadas, em escala micro.

Por outro lado, Marques e Torres (2005) argumentam que há diversidade em espaços homogêneos. Entretanto, a estrutura geral da metrópole continua a ser caracterizada por inúmeros espaços homogêneos social e espacialmente separados entre si, configurando uma intensa segregação entre áreas ricas e pobres. Ao mesmo tempo, entretanto, espaços igualmente pobres por vezes apresentam características muito diferentes entre si no que diz respeito a equipamentos públicos ou características relativas a diferentes intensidades de mazelas urbanas como desemprego e violência (MARQUES e TORRES, 2005).

Abramo (2003) chama a atenção para o fato das cidades brasileiras serem bastante segmentadas e heterogêneas no que diz respeito à composição e alocação da população e equipamentos em seu espaço geográfico, sendo a dificuldade ao acesso a terra, e conseqüentemente à moradia, um dos fatores causadores de tal realidade (ABRAMO, 2003, p.2).

Assim, podemos inferir que apesar do debate existente sobre a dificuldade atual de se manter a clássica dicotomia centro-periferia, dado um presumível crescimento da heterogeneidade de ocupação do tecido urbano, o fato é que a segmentação sócio-espacial ainda permanece bastante visível na maioria das aglomerações urbanas brasileiras.

Além disso, a despeito dos investimentos realizados pelo poder público na ampliação da cobertura da infra-estrutura urbana (como saneamento básico, iluminação pública entre outros), fato gerador de melhorias na qualidade do ambiente urbano e de sua população, observa-se o contínuo crescimento da segregação residencial. Ou seja, além das características físicas dos domicílios, a sua localização também deve ser levada em conta da forma a se ter um melhor diagnóstico da situação.

Dessa forma, confirma-se a afirmação anterior acerca da necessidade de novos olhares sobre a organização do espaço urbano e a formulação de pesquisas que resultem em dados mais eloqüentes sobre aspectos que ainda permanecem de certa forma pouco claros. Ou seja, a heterogeneidade das formas de assentamentos humanos deveria levar em conta também a qualidade dos serviços básicos segundo sua distribuição espacial no tecido urbano, a acessibilidade, enfim, elementos que se destacam cada vez mais com o aumento da segregação socioespacial.

1.1 Urbanismo e demografia: em busca de um novo olhar para o “morar na metrópole”

Os assentamentos urbanos populares constituem objeto de estudo principal deste artigo. A opção pelo estudo das formas de morar dos estratos socioeconômicos mais

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empobrecidos, se deve, em primeiro lugar por sua relevância social, haja visto o impacto que isso pode ter sobre políticas visando mitigar, reduzir ou, no melhor dos casos, eliminar o déficit habitacional existente em nossas cidades.

Em segundo lugar porque acredita-se que o maior poder aquisitivo ao implicar na ampliação do leque de alternativas habitacionais, também tem impactos sobre a estrutura de incentivos e/ou constrangimentos envolvidos nas decisões sobre onde morar. Como se pode constatar em estudos, por exemplo, sobre os condomínios fechados “[...] Além de serem distantes, segregados e seguros, supõe-se que os condomínios fechados seja universos autocontidos. Os moradores devem ter ao seu dispor quase tudo o que precisam para que possam evitar a vida pública da cidade.” (CALDEIRA, 2001, p.267).

Dessa forma, é muito provável que os elementos demográficos que por certo também terão sua influência – na verdade a máxima do “quem casa quer casa” provavelmente vale para qualquer estrato social – estarão mais diluídos e provavelmente não serão tão decisivos quanto no caso da população de mais baixa renda. Partimos da visão de Bourdieu (1982), para o qual os atores sociais estão inseridos espacialmente em determinados campos sociais, desta maneira, a posse de grandezas de certos capitais (cultural, social, econômico, político) condiciona seu posicionamento espacial e, na luta social, identifica-se com sua classe social: “[...] É na relação entre a distribuição dos agentes e a distribuição dos bens no espaço que se define o valor das diferentes regiões do espaço social reificado.” (BOURDIEU, 1982).

Contudo, além dessa questão primordial, que é o posicionamento socioeconômico, considera-se que os condicionantes da produção do espaço urbano, entre eles os mercados de trabalho e de terra, afetam diferencialmente o individuo ou família segundo o estágio do ciclo de vida, a composição por sexo e idade, a condição migratória etc. Portanto, em particular para os estratos sociais mais baixos6, deveriam ser considerados como fatores importantes que interfeririam sobre a definição de como e onde morar.

Na verdade, parte-se do pressuposto que os comportamentos demográficos, embora não possam ser considerados condicionantes centrais dos processos de produção do espaço urbano – estes claramente estruturais e ligados às dinâmicas dos mercados de terra e de trabalho -, são, no mínimo reflexos destes processos. Guardando uma relação muito estreita com os mesmos, inclusive podendo retroalimentá-los.

Um exemplo disso seriam os processos de formação das grandes áreas periféricas que são expressão, por um lado, do custo do solo urbano nas áreas mais centrais, mas também, por outro lado, da ação das redes ou movimento sociais que acabam por incentivar o adensamento de tais áreas. (WISNER, 2003)

Kowarick (1991) observa que indivíduos sós e casais jovens sem filhos mais freqüentemente se dispõem a “morar de aluguel” em favelas e cortiços, uma vez que sua localização geográfica mais central pode constituir aspecto facilitador da sua inserção e permanência no mercado de trabalho. Já casais jovens, com filhos ainda pequenos, não raro, ocupam cômodos cedidos por familiares, dividindo o lote paterno. Muitas vezes o passo seguinte para estes, entre as alternativas habitacionais possíveis, é o embrião de uma casa, construído numa periferia mais distante. “[...] Nele, a família, com ajuda de parentes, amigos e conterrâneos, no que ironicamente se chama de tempo livre, durante 25 ou trinta anos,

6 Cabe esclarecer que o caráter restrito do mercado de terra urbanizada e a inexistência de linhas de crédito para

população de baixa renda adquirir moradia constituem fatores centrais na alocação (e segregação) dos pobres no tecido urbano. Contudo, nesse momento, manteremos o foco nos aspectos sócio-demográficos da questão por se tratar do objetivo principal do estudo proposto.

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lentamente, vai ampliando ou reformando uma casa plena de significados”. (KOWARICK, 1991, p. 4). O autor demonstra assim, a intensa relação entre o acesso à moradia e as características pertinentes à dinâmica demográfica - particularmente os diferentes estágios do ciclo de vida familiar ou cursos de vida.

Em relação a outros aspectos da dinâmica demográfica e distribuição da população no tecido urbano, Pasternak (2001) observa a influência da composição etária populacional na ocupação espacial da cidade de São Paulo, exemplo que seguramente pode ser replicado para outras grandes cidades brasileiras: “[...] a estrutura etária varia por anel ocupado; há um nítido envelhecimento da população nas áreas centrais, enquanto que a proporção de jovens na periferia é maior que em outros anéis.” (PASTERNAK, 2001, p.3)

Pasternak também alerta para a necessidade de se pensar as novas formas de habitar, geradas por questões estritamente pertinentes ao campo demográfico como queda das taxas de fecundidade e maior esperança de vida, que se acentuaram a partir de meados dos anos 80. Segundo a autora, rebatimentos urbanos de tais indicadores são observados de forma inequívoca na maneira como alguns padrões de sociabilidade vem se alterando, como a redução do tamanho dos domicílios e o surgimento de novos arranjos familiares (PASTERNAK, 2001, p.3).

No que se refere à condição migratória vários estudos mostram os diferenciais existentes entre migrantes e não-migrantes no que se refere à inserção destes indivíduos no mercado de trabalho. Sobre essa situação Batista e Cacciamalli (2009) apontam: “A migração traz a necessidade de inserção em um mercado de trabalho no local de destino, onde os atributos pessoais e produtivos podem ter valores distintos daqueles verificados no local de origem. A existência de grandes distinções na estrutura ocupacional entre as regiões pode fazer com que homens e mulheres migrantes tenham acesso diferenciado ao mercado de trabalho local, quando comparados à população não-migrante”. (BATISTA, CACCIAMALI, 2009, p. 98).

Por exemplo, Cunha e Dedecca (2000) mostram que de fato existem diferenças significativas em termos da inserção destes na RM de São Paulo. Embora o estudo mostre que os migrantes encontravam-se, em geral, mais empregados que os não-migrantes. A face perversa dessa realidade era que os primeiros apresentavam um perfil ocupacional que apontava maior precariedade na formas dessa inserção. (CUNHA E DEDECCA, 2000)

1.2 A família como unidade de análise

Diversos estudos indicam que a localização residencial constitui um dos elementos mais importantes no universo familiar dos pobres urbanos (ABRAMO, 2003). Reconhecendo a importância de tal relação, colocamos a família como unidade básica de análise, por entendermos que é dentro desse núcleo que se determinam muitas das decisões relativas – e essenciais - à sobrevivência de seus atores.

Segundo estudo de Bilac (1977), a família e seus desdobramentos constituem clássico tema de estudo nas ciências sociais, particularmente no campo das migrações (BILAC, 1997, p. 177). Em outro texto, a mesma autora ressalta a importância da família enquanto esfera da produção e reprodução e a forma como esta é impactada por toda e qualquer intempérie sócio-econômica. Dentre esses fatores que impactam a família podemos citar a busca por moradia e o fato desta ser inacessível para muitos (BILAC, 2006, p.58).

Assim, entendemos que de acordo com as modificações ocorridas na composição familiar, entre outros fatores, pelas sucessivas etapas do ciclo vital, as necessidades habitacionais do grupo familiar se alterarão, o que pode se tornar fator de mobilidade espacial do grupo ou individual.

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Desta forma, embora os condicionantes dessa mobilidade residencial estejam ligados à dinâmica dos mercados de terra e de trabalho, não se pode deixar de considerar que as etapas do ciclo vital familiar, bem como a composição destas famílias possivelmente acabarão tendo peso significativo sobre a decisão final de mudança.

Ou seja, trata-se de resgatar para o âmbito intra-urbano a instigante proposta desenvolvida por Singer (1979) para explicar a migração rural-urbana que diferenciava as causas – estruturais – que afetavam grupos ou, em seus termos, classe sociais, dos motivos - estes individuais – que teriam impacto sobre a decisão final.

É bom lembrar que, especificamente no que se refere às “preferências habitacionais”, – se é que nossa população alvo tem esse poder garantido –, existem ao menos duas formas, não necessariamente contraditórias, que traduziriam certas opções. A primeira e talvez a mais comum não apenas no caso da RM de Campinas7, mas em outras RM’s do Estado de São Paulo, diz respeito ao custo da moradia expresso seja no preço dos terrenos ou nos aluguéis das áreas e municípios mais centrais das regiões; a segunda ligada à facilidade de acesso ao mercado de trabalho a partir do local moradia8.

Embora aparentemente contraditórias já que a primeira forma implicaria no distanciamento das pessoas das áreas mais centrais e a segunda poderia implicar em localizações mais centrais, mesmo que em condições mais precárias como são as favelas e ocupações, ambas guardam lógicas semelhantes.

Ou seja, tanto num caso como em outro a questão central seria buscar locais acessíveis para se morar, sendo tal acessibilidade traduzida tanto em termos do custo de moradia quanto na possibilidade de acesso a bens, serviços e, claro, ao trabalho. Na verdade mesmo no caso da formação das periferias, estas não se apresentam de forma aleatória no espaço metropolitano (Cunha,1994) já que não apenas dependem em boa medida das ofertas imobiliárias, mas também das ligações que tais zonas possuem com o resto da região, particularmente com aquelas áreas onde se concentram as atividades produtivas.

E assim, acreditamos que impulsionadas por transformações endógenas inerentes às etapas do ciclo vital, movimentos migratórios; e/ou por fatores exógenos como inserção ou exclusão do mercado de trabalho, influência de redes de relacionamento, ações públicas como remoção de áreas de risco; tais famílias movam-se na busca do lócus disponível que seja mais apropriado, ou condizente, com as intermitências de suas necessidades locacionais, traçando a trajetória da pobreza urbana nas metrópoles brasileiras.

1.3 Outra vertente demográfica: condição migratória - e direito à moradia

Ainda que o direito à moradia seja um consenso entre todas as esferas da sociedade, e para os brasileiros um direito constitucional desde 1988, a realidade urbana revela-se diversa. Segundo Maricato (1996), o uso ilegal do solo e a ilegalidade das construções atingem mais de 50% das construções nas grandes cidades brasileiras, o que gera total incompatibilidade entre a chamada cidade legal e a cidade real. (MARICATO, 1996)

Em conjunto com outras formas de assentamentos urbanos, estimuladas pelo Estado ou pela iniciativa privada, os espaços constituídos de forma irregular, por ocupação

7 Por exemplo, os dados da referida pesquisa mostram que 7,7% das famílias alegam motivos ligados ao custo

de morar para a mudança de domicílio.

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Em toda bibliografia levantada é notória a centralidade da influência do mercado de trabalho na vida e sobrevivência da população, “produção e reprodução” das esferas familiares, em especial para as camadas mais empobrecidas.

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espontânea ou mesmo por produção imobiliária fora dos moldes impostos pelas municipalidades, constituem um “mosaico” de situações dentro da cidade.

Segundo Ferreira et. al. a multiplicidade de tipos de assentamentos urbanos precários são, em grande parte, produto da falta de ações públicas habitacionais: “[...] as diversas soluções habitacionais precárias das quais a população de baixa renda com freqüência lança mão pela baixa oferta de programas públicos e por não dispor dos recursos necessários para acessar soluções via mercado” 9

. (FERREIRA et al, 2007)

Todavia, longe de uma característica da modernidade, essa parece ser uma questão histórica no Brasil. Segundo Maricato (1997), o fato de a terra ser inacessível às populações mais pobres remonta ao nosso passado mais longínquo, à época da abolição da escravatura, quando a propriedade da terra foi regulamentada pela Lei de Terras. A propriedade da mão-de-obra escrava foi substituída pela propriedade do meio de produção (terra), assegurando a hegemonia econômica e política à Coroa Portuguesa e elite branca, negando o acesso a terra às camadas mais empobrecidas da população.Já no século XX, no início da década de 1930, período efetivo do processo de urbanização brasileiro a segregação sócio-espacial surge, alocando negros, brancos pobres e migrantes nas franjas urbanas (MARICATO, 1997, p.37).

E o que se observa é que tal situação só se agravou com o passar do tempo. Como demonstram Patarra e Cunha, usualmente migrantes são vistos como pobres e excluídos socialmente, e também que tendem a atrair mais migrantes, em função das redes de relacionamento estabelecidas no local de origem (PATARRA e CUNHA, 1987).

Ainda, confirmando tal situação, Preteceille e Valladares (2000) explicitam o atual estigma de marginalidade sofrido pelos migrantes nos grandes centros: “[...] O favelado, o morador da favela, passou a simbolizar o migrante pobre, semi-analfabeto, biscateiro, incapaz de se integrar e se adaptar ao mercado de trabalho da cidade moderna, industrial.” (PRETECEILLE E VALLADARES, 2000, p.377)

Levando em conta que a dificuldade por parte das camadas mais empobrecidas ao acesso a terra tem origens bastante distanciadas dos dias atuais, como aponta Maricato (1997), o senso comum do migrante recém-chegado como principal gerador e replicador dessa realidade pode (e talvez deva) ser questionado.(MARICATO,1997)

Aliás, esse tipo de preconceito já foi denunciado em pelo menos um estudo do gênero no qual a questão central era o mercado de trabalho. Nele Cunha e Dedecca (2000), ao sugerirem “uma abordagem sem preconceito”, contestam a visão de que os problemas observados no mercado de trabalho seriam devidos à migração. A análise mostra que: “a migração para a Região Metropolitana representa relativamente pouco para o crescimento da PIA e da PEA. Ademais, as possibilidades de inserção dos novos residentes são crescentemente contingenciadas nos segmentos mais precários do mercado de trabalho, em razão das dificuldades econômicas da região e seus efeitos de bloqueio do processo de mobilidade social observado em décadas anteriores. Tais dificuldades reduzem acentuadamente as oportunidades de trabalho nos segmentos ocupacionais mais formalizados” (CUNHA, DEDECCA, 2000, p.116).

Ou seja, responsabilizar o migrante por estas e outras mazelas sociais, além de injusto seria, no mínimo, um reducionismo intencional visando escamotear os reais problemas de nossa sociedade. E é esse um dos pontos cruciais desse trabalho, melhor delinear os diferentes perfis sócio-demográficos, em termos das categorias de arranjos familiares, das

9 É válido ressaltar que o caráter restritivo do mercado de terra e a falta de linhas de crédito para habitação

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etapas do ciclo vital bem como das condições migratórias mais freqüentes entre as diferentes modalidades habitacionais destinadas às camadas mais carentes da população. Dentro da hipótese fundamental da pesquisa, tais características constituir-se-iam em importantes fatores geradores da heterogeneidade de tipos de assentamentos urbanos precários.

Não se pode esquecer que o perfil demográfico acaba sendo não apenas um elemento importante para a diferenciação de tais assentamentos, mas principalmente uma chave para o reconhecimento da diversidade de situações que devem ser consideradas para efeitos do planejamento e implementação das políticas públicas. Afinal, estas são voltadas para as pessoas que se organizam em famílias, apresentam um histórico migratório, encontram-se em momento distintos de suas vidas e, portanto, apresentam necessidades diferenciadas, entre elas a habitação.

2. Segregação e condições habitacionais na Região Metropolitana de Campinas (RMC).

A Região Metropolitana de Campinas (RMC) foi instituída em maio de 2000, através de lei estadual complementar, sendo constituída por 19 municípios10. Passadas mais de três décadas, a RMC demonstra grande semelhança com a realidade de outras regiões metropolitanas brasileiras. Nesse panorama destacam-se taxas elevadas de crescimento da população e intenso processo de espraiamento de sua mancha urbana. Todavia, para compreendermos a dinâmica da urbanização da RMC, se faz necessário conhecer o modo como esse processo se deu em Campinas, hoje município sede da região.

O processo de favelização em Campinas teve início na década de 1960, se intensificando na década seguinte numa trajetória ascendente, se tornando crítico nos anos 90. De acordo com Cunha e Oliveira, o grande crescimento demográfico ocorrido em Campinas na década de 7011, fez surgir entre as regiões Oeste e Sul uma nova cidade, cujos limites ainda não se vislumbravam, indicando claramente forte segregação sócio-espacial intra-urbana (CUNHA e OLIVEIRA, 2001, p.356).

Em contrapartida, a porção Norte/Leste da cidade passa a atender à demanda de crescimento das classes mais privilegiadas, sendo uma característica da expansão os loteamentos e condomínios fechados de alto padrão, verificada na década de 90. Enquanto uma “cidade rica” se expande ao longo da rodovia D. Pedro I e no entorno do eixo Sousas/Joaquim Egídio; outra cidade segue seu intenso crescimento populacional ao longo da via Anhangüera12, condicionada, dentre outros fatores, pela regra de interiorização do desenvolvimento através da instalação industrial nos grandes eixos rodoviários regionais. Apenas a partir de 1990 são definidas ações voltadas à inserção social e urbana dos mais carentes.

De acordo com Cunha e Jimenez (2006), a exemplo do observado em outras cidades latino-americanas, como Santiago, a distribuição espacial de Campinas caracteriza-se por concentrar a riqueza em espaços mais ou menos heterogêneos dentro região. Enquanto a pobreza tende a ser mais homogeneamente concentrada em uma extensa área ocupada na porção sudoeste. A análise do Mapa 1 demonstra que em 2000 o indicador das características da vizinhança se ajusta ao modelo das cordilheiras. pode-se perceber que existem zonas da região onde a riqueza é cercada por áreas de pobreza (azul claro no mapa) e zonas onde áreas

10 Fazem parte da RMC os seguintes municípios: Americana, Arthur Nogueira, Campinas, Cosmópolis, Engenheiro Coelho, Holambra, Hortolândia, Indaiatuba, Itatiba, Jaguariúna, Monte-Mor, Nova Odessa, Paulínia, Pedreira, Santa Bárbara d’Oeste, Santo Antonio de Posse, Sumaré, Valinhos e Vinhedo.

11 Em grande parte devido à elevada migração atraída pelo desenvolvimento do município. 12 Na direção dos municípios de Sumaré, Hortolândia, Monte Mor e Indaiatuba.

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de elevada pobreza, são cercadas por áreas com baixo grau de pobreza (no mapa em cor rosada). A presença destes “hot e cold spots” na região, demonstrando que mesmo tendo havido uma melhora no acesso às condições de moradia, durante a década de 90, esses ganhos não foram uniformes no interior da região metropolitana. (CUNHA e JIMENEZ 2006, p.389)

Mapa 1

Resultados para Índice de Moran Local Características de Vizinhança (Fator 2 Pobreza), RMC 2000

Assim, a forma como se estrutura a RMC leva a uma clara segregação socioespacial onde a configuração do que se chamou de “cordilheira da pobreza” e “da riqueza” ficam evidentes. (CUNHA, JAKOB, JIMÉNEZ E LUHR, 2006). Apesar dos esforços públicos para controle e erradicação de assentamentos precários observados nos últimos anos, em 2003, contabilizavam-se, apenas no município sede da RMC, cerca de cento e sessenta mil pessoas habitando em moradias de condições precárias, localizadas em mais de 230 áreas distintas, entre ocupações irregulares, clandestinas, núcleos e favelas13.

3. Uma proposta para categorização de assentamentos urbanos populares usando a demografia.

É notório que o tema dos assentamentos urbanos precários carece de conceituação mais criteriosa e detalhada. De acordo com a literatura pesquisada, são usadas para fins de classificação desse verdadeiro mosaico de situações habitacionais três categorias principais que analisam basicamente as condições do assentamento segundo sua situação jurídica (fundiária), urbanística e ambiental. Contudo, na diversidade de assentamentos precários, encontramos tipos que não se encontram circunscritos a essas condições. Ferreira et. al (2007) observam: “[...] a questão da habitação precária envolve diversas situações distintas como favelas, loteamentos clandestinos e irregulares e cortiços, marcados também por intensa heterogeneidade interna [...], incluindo até os degradados conjuntos habitacionais construídos pelo poder público.” (FERREIRA et. al, 2007)

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Alfonsin (2005) demonstra que a complexidade do tema vai muito além das características jurídicas da propriedade, quando coloca a imensa variedade de irregularidades urbanas existentes no Brasil. Abarcando desde áreas precárias destinadas às populações de mais baixa renda até os condomínios fechados e privatização da orla marítima, modalidades praticadas pelas altas e médias classes sociais. (ALFONSIN, 2005)

Como colocam os autores acima, não é possível afirmar que a condição de propriedade (do domicílio ou do terreno) seja suficiente para identificar as diferentes formas de assentamentos precários presentes nas cidades. Embora o próprio IBGE utilize a situação de propriedade para caracterizar os chamados aglomerados subnormais.

O diferencial da presente proposta, além de ampliar as possibilidades de captação das condições de regularidade fundiária e estrutura urbanística do local em função dos dados disponíveis, é também estabelecer uma relação entre essas características com as condições socioeconômicas e demográficas da população nelas residente, mensuráveis através de indicadores selecionados. Dessa forma, através da análise da relação entre essas dimensões, busca-se categorizar as possíveis variações existentes inter (e intra) assentamentos urbanos.

O caráter inovador do questionário utilizado como fonte de dados permite maior visibilidade das diferentes dimensões que compõem o cenário da diversidade das “formas de morar”14

. O que permite aplicar um critério alternativo de classificação, utilizando informações inéditas relativas à existência de documentação de propriedade do imóvel, freqüência dos serviços de água potável e coleta de lixo.

Dentro de uma variada gama de hipóteses que pretendem apreender fatores relacionados à heterogeneidade socioespacial observada nas grandes metrópoles, este trabalho leva em conta diferentes dimensões que basicamente comporiam um assentamento urbano, usando a Região Metropolitana de Campinas, SP, como estudo de caso.

Para a construção da categorização de assentamentos serão abordadas duas dimensões consideradas centrais, que serão complementadas por uma terceira dimensão – a demográfica - considerada igualmente importante. Elementos a serem considerados:

a) Condições estruturais do domicílio e seu entorno: qualidade construtiva do domicílio e os equipamentos urbanos existentes no entorno, indicando não só aspectos importantes e tradicionalmente captados, como as condições de saneamento básico, mas, principalmente, a freqüência dos serviços públicos como abastecimento de água, coleta de lixo e condições de manutenção das ruas.

b) Situação fundiária do terreno e domicílio: existência de irregularidade(s) no tocante à questão da segurança de posse (sobre o lote e/ou domicílio). Demonstrando a maior ou menor situação de vulnerabilidade dos residentes em relação à possibilidade de permanecer no local ou serem removidos pela falta ou inadequação da documentação de posse do imóvel.

c) Características demográficas: aspectos relacionados ao momento do ciclo vital, arranjos familiares, sexo, idade e condição migratória que, por hipótese, estariam ligadas às diferentes possibilidades de acesso e mobilidade habitacionais.

3.1. Dimensões construtivas, locacionais e fundiárias: um olhar a partir do enfoque das necessidades atendidas

14 Salienta-se que o questionário buscou inovar com relação aos quesitos coletados, incluindo informações

diferenciadas e pouco comuns em levantamentos desse tipo. Tais domicílios foram escolhidos através de uma amostra aleatória, especialmente desenhada para captar a heterogeneidade espacial da região, sobretudo em termos do grau de vulnerabilidade das famílias.

(12)

O uso das informações listadas na seção anterior foi esquematizado em duas etapas. Uma primeira análise dos dados usou o método das “Necessidades Básicas Insatisfeitas” (NBI). Proposto por pesquisadores da CEPAL tem a finalidade de mensurar as condições de vida da população latino-americana, em especial suas carências relacionadas ao acesso a bens e serviços considerados mais elementares para a sobrevivência de indivíduos e grupos. Visa, portanto caracterizar a pobreza, ainda que, como ressalvam Feres e Mancero (2001) esta seja, “[...] um termo de muitos significados e envolve inúmeras situações.” (FERES e MANCERO, 2001, p. 7)

Foi escolhido o critério do NBI para que, nessa primeira etapa da classificação fossem separados numa categoria os domicílios que se encontrassem nas mais severas condições de inadequação habitacional e social.

Para tal, alguns ajustes foram necessários em relação aos pressupostos originais propostos pela CEPAL, a fim de adequá-los à região onde foi feita sua aplicação (RMC). Desta forma, em sua construção foram utilizadas as seguintes variáveis:

 Densidade domiciliar: número de moradores por cômodo usado como dormitório. Nesse caso, foram considerados satisfeitos (NBS) naqueles domicílios onde esse numero é menor ou igual a 3 pessoas, e insatisfeitos (NBI) aqueles onde tal indicador é superior a 3;

 Paredes internas total ou parcialmente revestidas (NBS), sem revestimento (NBI);

 Abastecimento de água por acesso à rede geral de com canalização interna (NBS), outras formas de abastecimento (NBI)

 Destinação do esgoto por rede geral, fossa séptica ou fossa rudimentar (NBS), outras formas (NBI);

 Instalação sanitária exclusiva ao domicílio (NBS), comum (NBI);

 Domicílios sem presença de analfabetos funcionais (NBS), com analfabetos funcionais (NBI).

Uma vez recodificadas tais variáveis em respostas dicotômicas (zero para NBS e um para NBI), foi feita a somatória das mesmas, tendo-se chegado a uma nova variável que define duas grandes categorias de domicílios: aqueles que somaram zero, isto é, não apresentaram nenhuma inadequação segundo os parâmetros adotados, e aqueles que pontuaram de um a seis, por apresentarem uma ou mais inadequações15.

A segunda etapa desse processo investiga a inadequação oculta pelas metodologias mais tradicionais de análise. Metodologias que se baseiam apenas em indicadores referentes à cobertura da infra-estrutura urbana, na presença do Estado por meio do aparelhamento urbano, sem averiguar se haveria simetria na qualidade dos serviços que tais equipamentos devem prestar à população.

Portanto, separamos numa base de dados apenas os domicílios que não pontuaram na etapa anterior. Ou seja, aqueles considerados satisfeitos em suas necessidades básicas, e os reclassificamos utilizando variáveis que abordavam a qualidade de alguns serviços, a

15 Cabe ressaltar que a escolha deste método se deu pelo fato deste indicador não medir apenas a proporção de

domicílios que não estão na situação ideal, mas sim, a proporção daqueles que estão em situação insustentável. Como os domicílios que receberam pontuação máxima, estando abaixo dos mínimos vitais considerados aceitáveis em uma sociedade em determinado momento histórico.

(13)

segurança de posse sobre o domicílio e as condições de manutenção da via em que está localizado. A finalidade seria abrir esse grupo em duas categorias: aqueles não adequados sob tais critérios (que chamamos de NBI Ampliado) e aqueles atendidos também nesses. As variáveis utilizadas foram:

Freqüência do fornecimento de água (todos os dias o dia todo ou irregular);

Periodicidade da coleta do lixo (todos os dias/ mais de uma vez por semana ou uma vez por semana/ irregular);

Documentação de propriedade (Escritura definitiva, concessão de uso, contrato particular, contrato de financiamento ou Recibo/Não tem);

Qualidade da rua (pavimentada com/sem buracos ou terra batida com/sem cascalho). 3.2 A dimensão demográfica

Às duas dimensões consideradas anteriormente, a saber, as condições estruturais e do entorno e situação fundiária dos domicílios, agregou-se uma terceira, a demográfica.

Nesse caso, na medida em que o interesse maior do estudo é verificar a relevância de certos aspectos demográficos na classificação dos assentamentos optamos por analisar o comportamento (ou regularidade) de alguns indicadores demográficos para as três categorias anteriormente definidas.

Dessa forma, para as variáveis idade, sexo e tempo de residência do responsável pelo domicílio, ciclo vital familiar e arranjo familiar buscou-se identificar regularidades de cada um deles dentro dos grupos de domicílios identificados. Ou seja, a idéia foi identificar a existência de algum padrão quanto a estas variáveis, de maneira a ter elementos que referendassem (ou não) a relevância de tais dimensões para melhor se conhecer ou especificar e heterogeneidade das situações de morar.

4. Em busca de relações: condições habitacionais e comportamento demográfico Com a finalidade de testar nossa hipótese inicial, ou seja, de que poderiam existir padrões de comportamento demográfico por detrás de certas categorias de assentamentos urbanos, foram analisados alguns cruzamentos de informações derivadas da pesquisa domiciliar.

A Tabela 1 demonstra a relação entre a maior precariedade habitacional com a capacidade financeira dos entrevistados. Enquanto 30,5% dos domicílios em piores condições contavam com renda de até ½ SM per capta, apenas 6,5% dos domicílios considerados atendidos em suas necessidades básicas dispunha do mesmo montante.

Tabela 1

Renda domiciliar per capta (SM), segundo categorias domiciliares, RMC, 2007.

NBS % NBI_Ampliado % NBI % 0 até 1/2 SM 6,5 18,9 30,5 mais 1/2 até 1SM 17,7 34,3 38,2 mais de 1 até 2 SM 38,2 33,3 26,7 Mais de 2 SM 37,6 13,4 4,6 Total 100,0 100,0 100,0

Renda domiciliar per capta (SM)

Categorias de condições domiciliares

Fonte: Pesquisa Vulnerabilidade, Tabulações Especiais, NEPO/UNICAMP, 2007.

A Tabela 2 aborda a questão da condição migratória, a partir do uso do indicador relativo ao tempo de residência dos responsáveis pelo domicílio no domicilio de residência

(14)

no momento da entrevista. Recordemos que se supõe que o tempo de residência no município seria elemento importante não apenas para incrementar as possibilidades de inserção social e produtiva dos indivíduos, mas, também, para a aquisição de informações sobre as possibilidades oferecidas na região, particularmente em termos habitacionais.

Tabela 2

Tempo de residência no município do responsável pelo domicílio, segundo categorias domiciliares, RMC, 2007. NBS % NBI_Ampliado % NBI % 0 a 4 anos 3,4 4,7 8,6 5 a 9 anos 4,0 9,3 12,2 10 a 19 anos 11,4 31,9 25,3 mais de 20 anos 81,1 54,1 53,9 Total 100,0 100,0 100,0

Tempo de residência Categorias de condições domiciliares

Fonte: Pesquisa Vulnerabilidade, Tabulações Especiais, NEPO/UNICAMP, 2007.

A partir destes dados observa-se que os responsáveis que residem em domicílios que apresentam maior acúmulo de inadequações (NBI) apresentam maior concentração em tempos menores de residência no município indicando, portanto, uma correlação significativa entre as piores condições de moradia e a menor experiência do indivíduo na cidade.

Tabela 3

Condição migratória do responsável pelo domicílio, por lugar de nascimento, segundo categorias domiciliares, RMC, 2007. NBS % NBI_Ampliado % NBI % Não Migrante 32,4 11,7 22,7 Migrante Intra-metropolitano 6,1 4,2 4,2 Migrante Extra-metropolitano 61,5 84,1 73,1 Total 100,0 100,0 100,0

Condição migratória do responsável Categorias de condições domiciliares

Fonte: Pesquisa Vulnerabilidade, Tabulações Especiais, NEPO/UNICAMP, 2007

Analisando o componente espacial da migração na RMC (Tabela 3), observamos que entre os naturais do município onde foi realizada a entrevista, o maior percentual está na categoria NBS, bem como aqueles que migraram dentro da própria RMC, somando 38,5% de nativos da região. Fato que pode reafirmar a importância da maior experiência na região na obtenção de melhor inserção social e produtiva, refletindo-se em melhores condições de moradia, entre outros ganhos.

Contudo, ainda que entre as categorias menos favorecidas (NBI e NBI_Ampliado) apresentem-se maiores concentrações de migrantes nos anos iniciais (Tabela 2), não se pode desconsiderar que 72,3% dos NBI e 81,8% dos NBI_Ampliado residem no município há 10 anos ou mais, o que, de certa forma, contribui para derrubar a idéia, comentada anteriormente, sobre o mito do migrante recente como agente propagador da precariedade habitacional, concepção esta que definitivamente deve passar por um revisão e, portanto, merecer novos olhares.

Da mesma maneira, em relação ao local de origem, observa-se que cerca de 27% dos chefes de domicílios NBI eram oriundos da própria cidade onde residiam ou da RMC, dado que rebate o conceito pré-concebido do migrante de longa distância como principal agente da precariedade habitacional.

(15)

Ainda no que se refere à mobilidade, vale a pena observar não apenas o tempo de residência, mas, a experiência dos indivíduos na região em termos das suas mudanças de residência no interior da mesma. Deve-se lembrar que a possibilidade de mobilizar-se, muitas vezes, pode ser considerada como um ativo para os indivíduos reduzirem suas vulnerabilidades (Kaztman et.al., 1999). Isto porque ao menos do ponto de vista habitacional, tal mobilidade poderia implicar em uma “ascensão” social ou, no mínimo, redução do que vem sendo chamado “segurança habitacional”.

De fato, estudos anteriores sobre algumas RM’s (Cunha, 1994 e 2006, Jakob, 2003, Caiado, 2004) mostram que ao contrário do que se esperaria, são justamente os mais pobres e migrantes que adotam a opção da “propriedade” com maior intensidade tendo em vista o padrão de ocupação periférica de nossas metrópoles. No caso específico da RMC, a análise dos dados sobre propriedade do imóvel e domicílios alugados mostra que tanto utilizando o critério das Zonas de Vulnerabilidade16 (ZV’s) como o método das Necessidades Básicas Insatisfeitas são mais altos os percentuais de proprietários nas áreas mais carentes (65,4% dos domicílios NBI contra 58,6% dos NBS ) e de domicílios alugados naquelas de maior poder aquisitivo (30,8% dos domicílios NBI contra 12,8% dos NBS). Nesse sentido, a “segurança habitacional”17

estaria minimamente garantida.

Desta maneira, aproveitando as possibilidades do banco de dados disponível, foi organizada a Tabela 4 que justamente mostra as relações existentes entre os domicílios classificados segundo NB e o número de mudanças dentro do próprio município.

Tabela 4

Número de mudanças realizadas pelo responsável pelo domicílio dentro do município de residência atual, segundo categorias domiciliares, RMC, 2007.

NBS (%) NBI_Ampliado (%) NBI (%) 0 15,7 20,5 23,2 1 26,0 20,9 21,4 2 31,3 32,3 27,2 3 ou + 27,0 26,4 28,1 Total 100,0 100,0 100,0

Fonte: Questionário Vulnerabilidade, Tabulações Especiais, NEPO/UNICAMP, 2007

Número de mudanças

Categorias de condições domiciliares

Os dados sugerem que a mobilidade espacial apresenta-se ligada à capacidade econômica dos indivíduos e, portanto, uma possível melhoria de vida (ao menos vista do ponto de vista habitacional), uma vez que justamente são aqueles mais empobrecidos (NBI) os menos móveis no tecido intra-urbano. No entanto, embora não o faremos nesse momento há que se considerar que em muitos casos essa mobilidade esteja associada à característica anteriormente analisada, ou seja, o tempo de residência no município. Contudo, não deixa de ser interessante notar que a relação mobilidade e condições habitacionais parece ser significativa.

16

O critério das ZV’s foi criado a partir de estudo realizado sobre a segregação sócio-espacial da Região Metropolitana de Campinas. Nesse estudo, a partir de análise de correlação espacial os autores permitem identificar áreas da região com maior ou menor grau de homogeneidade segundo algumas características sócio-demográficas selecionadas do CENSO/IBGE 2000. (CUNHA e JIMENÉZ, 2006),

17

Nesse caso específico, a noção de “segurança habitacional” refere-se à garantia dos residentes permanecerem no local ante a impossibilidade de pagar o aluguel bem como em relação à ações de despejo e/ou remoção como reintegração de posse.

(16)

Desta maneira, foram tabulados os dados referentes ao número de municípios onde os chefes já moraram (Tabela 5), a fim de verificar a complexidade da trajetória migratória que estes percorreram até o momento da entrevista. Pode-se inferir que aqueles que se encontravam na situação habitacional NBI_Ampliado acumularam maior número de municípios prévios, o que pode corroborar a relação positiva entre mobilidade e condições habitacionais, citada anteriormente, uma vez que esses chefes que atingiram o patamar intermediário de condições habitacionais promoveram mais movimentos migratórios possivelmente buscando (e logrando) melhor inserção social e produtiva.

Tabela 5

Número de municípios onde o responsável pelo domicílio já morou, segundo categorias domiciliares, RMC, 2007. NBS % NBI_Ampliado % NBI % 0 2,8 0,8 2,7 1 29,0 11,3 20,5 2 ou + 68,2 87,9 76,8 Total 100,0 100,0 100,0

Número de municípios onde morou Categorias de condições domiciliares

Fonte: Pesquisa Vulnerabilidade, Tabulações Especiais, NEPO/UNICAMP, 2007.

Na Tabela 6, partimos para análise da composição etária da população. Assim, investigando a faixa etária do responsável pelo domicílio, percebemos, uma vez mais que o fator tempo é bastante determinante no alcance de melhores condições habitacionais.

Para tentarmos explicar essa relação entre melhores condições habitacionais e idade podemos citar um estudo sobre famílias faveladas realizado no Rio de Janeiro na década de 1980 que aponta a composição da força de trabalho familiar como fator significativo nos rendimentos desta. A análise dos dados demonstra que as famílias cujos filhos tem mais de 14 anos auferem maior rendimento per capta: “[...] Além do tamanho da família, importa, pois, a composição etária de seus integrantes, particularmente a dos filhos, na medida em que de ambos depende o potencial da força de trabalho familiar.” (OLIVEIRA, 1982, p. 25)

Contudo, a pesquisa ressalva que os diferenciais de rendimento familiar também tendem a variar segundo a qualificação individual de seus membros. Nestes termos, fatores como sexo, idade, habilidade e experiência profissional seriam responsáveis por grandes variações de remuneração. A autora contrapõe as filhas de 10 a 17 anos - a menor faixa de rendimento individual – aos chefes homens, que auferem maiores rendimentos (p. 23). E ao final, conclui: “[...} o tamanho da família, a divisão de seus integrantes em ativos e inativos e o modo de inserção dos primeiros no processo produtivo justificariam os diferenciais de rendimento entre as famílias investigadas”. (OLIVEIRA, 1982, p. 25)

Enquanto nas categorias NBI e NBI_Ampliado encontramos maiores concentrações de responsáveis por domicílio nas faixas intermediárias (30 a 49 anos, 52,9% e 48,6% respectivamente) 66,3% dos responsáveis por domicílios NBS se encontram no grupo de 50 anos ou mais. Ou seja, também a partir desse indicador fica claro que, sobretudo para a população de baixa renda, a questão habitacional tende a ser um elemento muito ligado ao curso de vida das pessoas e, principalmente, das famílias.

Tabela 6

Grupo etário do responsável pelo domicílio, segundo categorias domiciliares, RMC, 2007.

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NBS (%) NBI_Ampliado (%) NBI (%) 18 a 29 anos 4,9 7,4 12,9 30 a 39 anos 11,4 20,2 25,4 40 a 49 anos 17,4 28,4 27,5 50 a 59 anos 23,4 19,8 15,8 60 anos e + 42,9 24,1 18,5 Total 100,0 100,0 100,0

Fonte: Questionário Vulnerabilidade,Tabulações Especiais, NEPO/UNICAMP, 2007

Grupo etário Categoria de condições domiciliares

Analisando a composição da população segundo o sexo dos responsáveis pelo domicílio (Tabela 7), encontramos bastante homogeneidade entre as categorias NBI e NBI_Ampliado, ou seja, uma distribuição por sexo similar para ambas. No caso do diferencial observado para os domicílios NBS, que apresentam maior percentual de chefia feminina, esse fato pode estar associado à composição mais envelhecida deste grupo (ver Tabela 6). Ou seja, considerando os diferenciais de mortalidade entre homens e mulheres, possibilita a existência de mais domicílios chefiados por mulheres, em geral, viúvas ou separadas. De fato como mostram os dados iniciais divulgados pelo projeto responsável pelo levantamento domiciliar aqui utilizado 67,6% das mulheres responsáveis por domicílio na RMC (que representam 26% dos domicílios) possui mais de 50 anos de idade.

Tabela 7

Sexo do responsável pelo domicílio, segundo categorias domiciliares, RMC, 2007.

NBS (%) NBI_Ampliado (%) NBI (%)

Masculino 71,7 78,6 77,7

Feminino 28,3 21,4 22,3

Total 100,0 100,0 100,0

Fonte: Questionário Vulnerabilidade, Tabulações Especiais, NEPO/UNICAMP, 2007

Categorias de condições domiciliares, RMC, 2007 Sexo do responsável

A próxima etapa de análise pretende avançar sobre a relação entre família, e seus respectivos momentos do ciclo vital, com a busca por moradia na metrópole. A Tabela 8 indica as formas de arranjos familiares segundo as categorias de domicílio propostas.

Tabela 8

Arranjos familiares, segundo categorias domiciliares, RMC, 2007.

NBS (%) NBI_Ampliado (%) NBI (%)

Indivíduo só 12,8 11,3 14,6

Responsável com filho(s) 11,7 11,3 10,8

Casal sem filho(s) 15,9 16,4 17,2

Casal com filho(s) 38,8 44,4 37,4

Responsável com filho(s) e parente(s) 5,5 5,5 3,6

Responsável com parente(s) 4,8 3,6 6,5

Casal com parente(s) 1,9 1,5 1,9

Família extensa 8,7 6,0 7,9

Total 100,0 100,0 100,0

Fonte: Questionário Vulnerabilidade, Tabulações Especiais, NEPO/UNICAMP

Arranjo familiar Categorias de condições domiciliares

As informações contidas na Tabela 8 indicam não haver aparentemente uma relação entre as condições habitacionais e os arranjos domésticos existentes. Talvez por conta da forte e indiscriminada queda da fecundidade e do reduzido tamanho das famílias,

(18)

especialmente na RMC18, e das transformações no âmbito da família, é bem provável que essa variável já não tenha a mesma importância que apresentava no passado brasileiro. Nos quais as famílias de baixa renda eram as que apresentavam composições familiares mais extensas tanto no tamanho quanto na composição em termos do parentesco.

Corroborando essa questão do maior tamanho das famílias no passado, Oliveira (1982) em estudo sobre famílias faveladas do Rio de Janeiro baseado em dados do Censo/IBGE de 1970 encontrou, entre os diferentes tipos de arranjos familiares, maior freqüência daquelas ampliadas: “Em termos dos tipos de famílias mais significativos numericamente seguem aquelas compostas por chefes, cônjuges, filhos e parentes – famílias ampliadas -, constituindo 10,8% do total de famílias.” (OLIVEIRA, 1982, p.12)

Contudo, as médias etárias dos membros da família (Tabela 9) nos permitem maiores inferências em relação a tais suposições. De forma geral, os membros das famílias residentes em domicílios NBI são mais jovens, o que sugere que as mesmas encontram-se ainda em etapas iniciais do ciclo vital, corroborando a hipótese inicial que relaciona tais etapas com a alternativa habitacional, adotada por escolha ou por falta de outra opção.

Tabela 9

Média etária segundo relação com o responsável pelo domicílio, por categorias domiciliares, RMC, 2007.

NBS NBI_Ampliado NBI

Responsável 55,5 47,6 45,2

Cônjuge 49,4 41,8 38,4

Filho (natural, adotivo, enteado) 17,9 14,4 12,9

Genro/nora 29,7 29,4 27,1 Neto(a) 11,1 7,6 7,3 Sobrinho(a) 20,9 17,7 15,5 Cunhado(a) 37,1 32,8 25,1 Pai/mãe 77,5 60,5 70,0 Sogro(a) 71,0 56,7 58,8 Irmão(ã) 51,4 25,4 34,6 Outro familiar 25,0 26,2 26,5 Agregado(a) 56,3 25,8 27,8 Empregado doméstico 36,0 29,8 16,0

Fonte: Questionário Vulnerabilidade, Tabulações Especiais, NEPO/UNICAMP, 2007

Membro familiar Categorias de condições domiciliares

Podemos inferir, a partir dos dados apresentados, que a população mais empobrecida e jovem é aquela sob a qual mais pesa o ônus da falta de infra-estrutura urbana. Este grupo populacional aparece com maior freqüência sob as piores condições de habitação e marginal quanto ao acesso às benesses do meio metropolitano.

5. Considerações finais

De forma geral, é possível concluir que os dados aqui apresentados vão ao encontro das hipóteses levantadas. Encontramos fortes indícios sobre a relação entre aspectos demográficos, particularmente condição migratória e ciclo de vida, e as diferentes formas de assentamento propostas. Através desses dados tivemos consistentes indicações de que, em consonância com nosso argumento, o demográfico também conta para definir as diferentes formas de morar na metrópole.

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Como seria de se esperar, as áreas mais consolidadas da metrópole são de certa forma, “reservadas” para aqueles indivíduos e famílias que há mais tempo chegaram aos seus municípios de residência. É perceptível entre estes, uma estrutura etária mais envelhecida. Isso nos permite inferir que nessa categoria (NBS), onde as necessidades básicas e a qualidade dos serviços e equipamentos são satisfatórias as famílias se encontram em estágios mais avançados do ciclo de vida, ou mesmo já saíram dele, através do fim do casamento (viuvez, por exemplo). Fato que revela a lógica perversa que impera no processo de ocupação de nossas cidades, que praticamente “fecha” as áreas de melhor infra-estrutura para a população mais pobre e recém-chegada.

Na categoria dos domicílios que tinha suas necessidades (mais) básicas atendidas, porém, com algumas carências menos visíveis por serem reveladas (aqui se chamada de NBI_ampliado) encontramos famílias em etapas (também) intermediárias de seu ciclo vital, o mesmo acontecendo com outras variáveis temporais (como idade e tempo de residência).

Finalmente, entre aqueles que mais sofrem com as assimetrias do aparelhamento urbano, segregação social e residencial, os domicílios que ainda não conseguiram atingir os “mínimos sociais” esperados, encontramos o maior percentual de migrantes recentes e, portanto, de famílias e pessoas mais jovens.

No entanto, alertou-se para o fato de que tal constatação não significa transferir para a migração recente – com muitos ficam tentados a fazer – a responsabilidade da mazelas do tecido urbano; na verdade, os dados mostram que também nessa situação encontram-se um número ainda mais significativo de migrantes de longa data.

Na verdade o que nossa análise revela é que não apenas o movimento migratório, mas, também tempo de residência acaba transformando-se em ativos para algumas famílias no sentido de melhorem sua posição em termos habitacionais. Claro que os mecanismos subjacentes a essa relação não estão revelados nesse trabalho, dos quais destacaríamos a forma de inserção no mercado de trabalho, a quantidade e qualidade das informações adquiridas etc. No entanto, parece não haver dúvidas, tais atributos são aspectos essenciais. Devem ser levados em conta não apenas nas análises, mas também em ações concretas que visem resolver ou minorar os problemas na dimensão habitacional.

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Referências

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