• Nenhum resultado encontrado

Aspectos demográficos, sócio-econômicos e de saúde da população ribeirinha durante a enchente de 1999 na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (região do Médio Solimões- Amazonas)

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Aspectos demográficos, sócio-econômicos e de saúde da população ribeirinha durante a enchente de 1999 na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (região do Médio Solimões- Amazonas)"

Copied!
18
0
0

Texto

(1)

Aspectos demográficos, sócio-econômicos e de saúde da população ribeirinha durante a enchente de 1999 na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (região do Médio Solimões- Amazonas)

Edila Arnaud Ferreira Moura1 Lena Vânia Carneiro Peres2

Introdução

A sobrevivência da população ribeirinha na várzea amazônica é sempre um ato de heroísmo e de aventura. Diante das imprevisões do nível de elevação das águas, que em certos anos provocam as “grandes cheias” e as “grandes secas”, os ribeirinhos permanecem atentos e sob grande expectativa durante os meses da enchente. Tomam providências para enfrentar os perigos e dificuldades na medida em que eles vão se apresentando, e conforme as condições que dispõem, no momento, para este enfrentamento. Para estas famílias de pequenos produtores, carentes de recursos tecnológicos e financeiros é ainda, difícil e impossível planejar, e mesmo sabendo que a cheia vem todos os anos..."estamos sempre apanhando”....”sempre passando

aperreado na seca e na cheia”.

O cheia de 1999 foi uma “grande cheia”. A segunda maior do século segundo as estatísticas registradas. Na área da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, na região do Médio Solimões, os níveis da água elevaram-se, em média, a 15mts, excedendo em dois metros a última grande cheia, ocorrida em 1994. Como esta população ribeirinha enfrentou esta grande cheia?

Para registrar como a população suportou a “grande cheia”, realizamos uma expedição em torno à área focal da reserva , percorrendo todas as comunidades que se localizam ao longo dos Japurá, Aranapu e Solimões, nas primeiras semanas de julho, quando as águas haviam começado a baixar, tendo até então “descido uma unha”...

1

Socióloga, Professora e pesquisadora da UFPa e do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.

2

Infectologista, Pesquisadora da Escola Paulista de Medicina-UNIFESP e consultora do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.

(2)

As observações e registros foram direcionados para responder às seguintes

questões: qual a taxa de permanência das famílias de moradores e usuários da Reserva durante o ponto máximo da cheia? Como enfrentam a cheia com relação à moradia, alimentação, fontes de renda, e que redes de relações sociais foram estabelecidas para enfrentar os problemas trazidos pela cheia? Quais os principais problemas de saúde da população neste período?

A expedição foi composta por duas sociólogas, uma médica e uma enfermeira, todas integrantes da equipe de pesquisadores e extensionistas do Programa de Extensão Ecológica do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Foram visitadas 25 comunidades e oito domicílios isolados, e realizados 51 atendimentos clínicos.

Este levantamento teve, também, como objetivo identificar situações-problema para as comunidades durante a cheia, para direcionar ações a serem desenvolvidas de forma participativa para a melhoria da qualidade de vida dessas populações, um dos principais objetivos desse instituto. De uma forma geral contribui para a análise e compreensão das diversas formas de adaptabilidade humana ao ecossistema de várzea na Amazônia.

1. Aspectos sócio-demográficos da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.

Embora tenha ocorrido um crescimento significativo nos estudos sobre populações amazônicas nos últimos 15 anos, ainda estamos limitados em poder comparar resultados de diferentes locais, principalmente se nos colocamos a questão sobre quais os efeitos da ocupação humana sobre os diversos ecossistemas nesta área de floresta úmida. (Moran, E. 1991). Esta limitação decorre de uma série de fatores, dentre os quais destaca-se a dificuldade de realização de pesquisas na região, pela ausência de infraestrutura de deslocamento e alojamento, e principalmente pelo exíguo número de pesquisas interdisciplinares dos reduzidos centros de pesquisa científica na região. Estas dificuldades refletem-se nas reduzidas contribuições teóricas para o entendimento do interativo processo entre a preservação da biodiversidade e a presença humana na região. Algumas contribuições neste sentido estão sendo produzidas pelos estudos 0realizados pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, (IDSM) criado para administrar a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.

(3)

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, com uma área de 1.124.000 ha na região do Médio Solimões, Estado do Amazonas, (Figura 1) foi criada pelo governo estadual com o objetivo de assegurar a preservação do ecossistema de várzea amazônica integrado a medidas de intervenção social e econômica que possibilitem a melhoria da qualidade de vida da população. É um modelo inovador de unidade de conservação pois estabelece, com base em resultados de pesquisas científicas, um zoneamento diferenciado com áreas de preservação total e áreas de uso sustentado, definido com base em ampla participação comunitária. Criada em 1990, desde 1991 tem sido objeto diversas pesquisas científicas de caráter interdisciplinar nos campos de conhecimento biológico e sócio-cultural, com a participação permanente de moradores locais como assistentes de pesquisas. O resultados das pesquisas servem continuamente de instrumentos para as ações de extensão nos campos da educação ambiental, saúde e produção de alternativas econômicas, com orientação para o uso sustentado dos recursos naturais.

FIGURA 1: Localização da Reserva de Desenvolvimento Sustentável

(4)

Toda a área da reserva é várzea. Nesta área, a adaptação dos grupos humanos é condicionada às oscilações da possibilidade de utilização dos recursos e fica sujeita a um diferenciado calendário de atividades econômicas, predominando o plantio na vazante, pesca na seca, colheita agrícola na enchente e extração da madeira na cheia. Não há como prever a alteração do nível das águas que ocorre anualmente. (Figura 2) Este fenômeno provoca também modificações da geomorfologia fluvial, com formação de praias e desbarrancamento das margens, que força a mobilidade e mesmo extinção de assentamentos humanos. A média dos assentamentos é de cerca de 40 anos. Estas dificuldades de adaptação produzem também freqüentes deslocamentos populacionais dentro da área da reserva, e mesmo para os centros urbanos. (Lima-Ayres, D. e E.Alencar, 1994)

FIGURA 2: Variação Mensal do Nível da Água - 02/92 a 01/2000

Fonte: Banco de Dados do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá 0,0 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0 12,0 14,0 16,0 18,0 92/11 93/02 93/05 93/08 93/11 94/02 94/05 94/08 94/11 95/02 95/05 95/08 95/11 96/02 96/05 96/08 96/11 97/02 97/05 97/08 97/11 98/02 98/05 98/08 98/11 99/02 99/05 99/08 99/11

(5)

Na área focal da reserva, (260.000 ha) onde se iniciam os trabalhos do IDSM, localizam-se 60 comunidades, sendo 25 na área da reserva, e as demais na área de entorno, correspondendo a uma população de cerca de 5.700 habitantes. Devido às variações sazonais de acesso aos recursos naturais, há uma decorrente variação nos níveis de renda familiar, que na época da enchente sofre um declínio de até 75% (Plano de Manejo, 1996). As atividades que estão sendo realizadas pelo IDSM através de seus vários núcleos de atuação, tem por objetivo desenvolver e implantar novas atividades econômicas que possam diminuir esta diferença, garantindo o uso sustentado dos recursos naturais, através de medidas de conscientização ambiental e capacitação de grupos comunitários para diversificação na produção e comercialização desses recursos.

2. Enfrentando a cheia

“a gente sabe que o rio vai baixar... é só esperar”

3.1- movimentos populacionais

Os registros populacionais foram contabilizados por famílias, representadas pelo casal e/ou mais membros do grupo doméstico. As condições eram extremamente desfavoráveis a que se realizasse um censo extensivo, com contagens individuais por idade e sexo. As informações foram obtidas através das lideranças comunitárias.

Os dados estão agrupados por comunidades, de acordo com sua localização, tomando-se por base a distribuição a montante - Alto Mamirauá, e a juzante - Baixo Mamirauá, dos rios Japurá e Solimões. De uma forma geral os dados indicam que, para o total de 288 famílias residentes na área investigada, 70% (203) permaneceu durante o pico da enchente. No entanto, este percentual varia de acordo com a localização das comunidades. Observa-se que, a taxa de permanência das famílias foi maior nas comunidades localizadas no Alto Mamirauá (80%, n=150 famílias) do que na área do Baixo Mamirauá (60%,n= 138 famílias). (figura 3 e tabela 1).

O coeficiente de variação nas comunidades acima foi de 32,64%, sendo a média da taxa de permanência de 85,9 % tendo um valor mínimo de 0% e o máximo de 100%. (tabela 3) Em sete, das 14 comunidades localizadas acima, houve permanência de 100% das famílias. (tabela 1) Apenas uma comunidade migrou totalmente: Vila Nova do Cuiu

(6)

Cuiu. As famílias organizaram-se e construíram moradias temporárias em área de terra firme próxima a comunidade.

As taxas de permanência nas comunidades localizadas abaixo, apresentaram um coeficiente de variação maior, 44,57% , com uma média de 56% tendo o valor mínimo de 19% e máximo de 86%. (tabela 3) Esta diferença decorre provavelmente, do fato de que as comunidades localizadas mais abaixo, estão mais próximas dos centros urbanos, Alvarães e Tefé, onde todos os moradores tem parentes próximos a quem podem recorrer em situações emergenciais, e para onde é possível, economicamente, o deslocamento. ( Lima-Ayres, D. Moura, E, 1996).

Dados registrados sobre os motivos da permanência na comunidade indicam que permanecem principalmente, todos os que tem criação de gado, que conseguiram construir moradias flutuantes, e os que tem criação de pequenos animais. De uma forma geral, na contabilidade de custos e benefícios, migrar, mesmo que temporariamente para as cidades é inviável para a maior parte das famílias: “gente pobre não pode ficar na

cidade”. Além dos custos para se manter na cidade, há ainda a situação bastante

constrangedora de ter que ficar dependendo e incomodando os parentes. Assim sendo, ficam ...”se ajeitando por cima do assacu”3. Os que podem no entanto, enviam as

crianças menores, que correm grandes riscos de afogamento, e os idosos para a cidade, onde ficam aguardando ...”as águas baixarem”.

3.2 Organização social e econômica

Os problemas enfrentados são solucionados com base em um forte nível de solidariedade estabelecido entre os moradores da comunidade, e de relações de parentesco próximo com pessoas das áreas urbanas. Apesar de haver sido decretado estado de calamidade pública, a ajuda das instituições governamentais foi bastante reduzida. Restringiu-se à distribuição, pelas prefeituras, de um rancho por família, em 11 (44%) das 25 comunidades visitadas, sendo que, em duas delas, o alimento distribuído foi o que estava destinado à merenda escolar dos alunos da escola da comunidade. Duas receberam ajuda em madeira para reconstrução das casas. Todas as

3

Assacu é uma madeira que fkutua, e bastante utilizada pelos ribeirinhos para diversas finalidades durante a cheia.

(7)

demais necessidades foram atendidas através de sistemas construídos pela participação comunitária.

Os principais problemas identificados pelos entrevistados foram: adaptação da moradia ao nível das águas; cuidado com os animais, principalmente com o gado; atenção às crianças; garantir recursos necessários para a compra do rancho (açúcar, café e farinha.); e, minimizar as perdas de produtos e equipamentos de trabalho e domésticos.

A moradia foi sendo improvisada. O assoalho foi sendo elevado na medida em que as águas subiam. Visitamos moradias onde havia menos de um metro de distância entre o assoalho e o teto, o que forçava as pessoas a “entrarem de quatro”. As casas , mesmo assim, em sua grande maioria, ficaram “alagadas”. As pessoas se agruparam em escolas, e/ou centro comunitários, que em geral, tem melhor estrutura, ou nas melhores casas da comunidade. Houve registro de 27 pessoas alojadas em uma sala de aula, que não tinha mais de 15 m2. O período da enchente fez com que, em algumas comunidades, esta situação perdurasse por até mais de um mês. O deslocamento entre as moradias era feito em canoas a remo. As crianças, sem poderem freqüentar a escola por 3 meses, ocupavam grande parte de seu tempo em atividades fora das moradias, sempre nas canoas. O trabalho doméstico, de preparo dos alimentos e da lavagem das roupas, pelas mulheres, feito sobre toras de assacu (madeira flutuante). Alguns puderam improvisar flutuantes para os afazeres domésticos, e eram assim compartilhados pelos demais moradores. Como todas as moradias ficaram alagadas, os dejetos humanos eram lançados diretamente ao rio, mesmo nas comunidades onde já foram implantadas fossas de fermentação, adaptadas à várzea, pois mesmo tendo sido construídas um metro acima do nível da última grande cheia, foram totalmente alagadas, e ficaram impedidas de uso durante o grande pico da cheia. O lixo doméstico, em sua grande parte, biodegradável também lançado diretamente no rio. O lixo não degradável, segundo orientações da equipe de educação ambiental do IDSM, deveria ficar em sacos plásticos, submersos e presos à moradia, aguardando a descida das águas para o destino adequado. A água para consumo doméstico, também retirada do rio, na maior parte das comunidades, deveria receber tratamento adequado segundo orientações recebidas da equipe de extensionistas do IDSM.

(8)

Como a elevação do nível das águas torna mais fácil o acesso às áreas., os rios e paranás passam a ser via de acesso por embarcações maiores que transitando em maior velocidade colocam em risco de desabamento as moradias que ficam com uma estrutura muito frágil durante a cheia. Obteve-se relatos de situações de pânico de algumas mães com receio da moradia desabar.

As famílias que possuem gado, em média uma por comunidade, ocupavam grande parte do dia cuidando dos animais, sendo esta uma tarefa principalmente masculina. O gado fica nas marombas, flutuantes cercados, dependendo totalmente da alimentação trazida pelo homem. Alimentam-se, em média, de 30 kgs de capim, diariamente, o que requer um grande esforço para busca em áreas distantes e em pequenas canoas. Mas é um esforço necessário para garantir a importante fonte de economia e investimento para as famílias. Apesar de condenado na área de várzea, pelos impactos ecológicos, a criação de gado é ainda um recurso usado pelas famílias como garantia de um retorno mais compensador do que a produção agrícola. A perda de um animal representa a perda de cerca de R$400,00 para uma renda mensal familiar em torno de R$200,00. Os cuidados vão além da coleta do alimento. Eles correm o risco de caírem das marombas, de serem picados por cobras, atacados por onças. Chegamos a ver pequenos bezerros guardados dentro do reduzido espaço doméstico. Os animais menores, patos e galinhas, também são mantidos em pequenas marombas, o que não impede no entanto que sejam devorados por cobras e jacarés. Apesar de todos os cuidados dispensados, todas as famílias aceitavam a fatalidade da perda desses animais. Algumas famílias chegaram a perder mais de 80% da sua produção. Para evitarem perdas maiores incluíam estes animais na refeição doméstica, apesar de este não ser um costume local. Os pequenos animais domésticos, como cães e gatos, também tiveram direito a marombas, mesmo assim muitos deles foram devorados pelas cobras.

As crianças, principalmente os menores de 5 anos, que se constituem em 25% da população da reserva, exigem atenção especial pelas situações de grande risco de afogamento. Todas as famílias visitadas registraram casos de crianças que foram salvas de afogamentos, umas inclusive mais de uma vez. São situações de alto nível de estresse para as mães. Apesar de todos esses riscos, registrou-se apenas um afogamento, de uma criança de três anos, o que indica a grande tempo dispensado na atenção dada pelas mães/irmãos mais velhos às crianças.

(9)

A alimentação básica foi garantida pelo fácil acesso ao peixe nos igapós. Todas as famílias visitadas registraram o fato de estarem conseguindo comer inclusive tambaqui, que fica mais difícil de ser pescado na cheia, e nesta cheia estava aparecendo com mais facilidade. Algumas das famílias que haviam migrado para áreas próximas, vinham buscar nos igapós o peixe para alimentação. O problema maior estava em obter recursos necessários para a compra de produtos do “rancho”, como o açúcar, o café e também a farinha, uma vez que, como a ‘alagação” foi rápida, para muitas famílias não foi possível garantir a farinha para o “inverno”. A contribuição dos aposentados foi fundamental neste caso. Recebendo com regularidade uma pensão, que em muitos casos, excede a renda familiar dos filhos, os pais aposentados, em média um por comunidade, garantiam a compra do rancho doméstico repartindo o pouco entre os filhos. As demais fontes de renda foram sendo obtidas da venda do peixe, embora de menor valor, por ser ‘peixe miúdo” e outros de menor valor no mercado, e da venda da madeira, embora ainda de forma ilegal, pelas dificuldades de ordem governamental, encontradas no processo de liberação dos certificados para a comercialização da madeira de acordo com as normas do Manejo Florestal Comunitário. Outras práticas ilegais também ocorreram, como a matança de onças, pela ameaça às criações, sendo a carne repartida entre os comunitários, e de jacarés, estes para comercialização da carne a 0,60 reais o kilo. Deve-se ressaltar que estas práticas ilegais ocorreram em pequenas proporções, relativas ao sustento básico das famílias.

Ainda há grande dificuldade com o armazenamento da produção de alimentos, principalmente a farinha, que possam ser utilizados durante o ‘inverno”. Esta dificuldade decorre de técnicas limitadas de cultivo e armazenamento, fraco nível de organização comunitária para produção e comercialização, de difícil acesso a recursos financeiros para investimentos. Tem que haver ainda a preocupação em garantir as sementes para o próximo plantio. Muitas famílias não conseguiram guardar “semente de maniva” o que já deixa preocupações com o próximo plantio. Algumas famílias, que residem em comunidades próximas a terra firme, geralmente cultivam roças na várzea e também na terra firme para maior garantia. Outros tentam salvar a massa que não foi possível transformar em farinha, em paneiros submersos. Com relação à produção agrícola as perdas foram grandes, mesmo nas árvores frutíferas: “O banco da gente se

acabou tudo”. Além das perdas com a produção, há também as perdas com os

(10)

lugares mais altos, petrechos de pesca eram alojados nos telhados das casas, ou transferindo equipamentos de som para moradias de parentes na cidade. Registraram maiores perdas em roupas e utensílios domésticos.

As inovações como alternativas econômicas para a época da enchente foram bem recebidas pelas comunidades de Vila Alencar e Boca do Mamirauá, onde o IDSM está mais atuante. O apoio dado à Associação de Mulheres de Vila Alencar –AMUVA possibilitou a construção de uma horta flutuante, dando a estas mulheres a possibilidade de comercializarem sua horticultura nos mercados das cidades próximas. Outra alternativa foi a prestação de serviços para o ecoturismo, que nesta época do ano recebe maior número de visitantes. Estas atividades resultaram em efeitos positivos na permanência das famílias nessas comunidades, que apresentaram, respectivamente, taxas de permanência de 65% e 78%, superiores à média da área do baixo Mamirauá, (56%).

3.3 Saúde da população durante a cheia

Do ponto de vista epidemiológico, a literatura na antropologia médica disponível oferece pouca informação acerca da influência das atividades sazonais sobre o estado de saúde das populações indígenas e ribeirinhas na Amazônia, apesar do grande interesse em desenvolver-se este tipo de conhecimento. (Coimbra. C., 1991).

Este estudo traz uma pequena contribuição nessa direção ao apresentar uma estatística dos casos diagnosticados durante nossa expedição exploratória. As maiores limitações dos dados apresentados referem-se ao fato da coleta das informações ser feita a partir das situações identificadas como casos graves pelos próprios comunitários. Ou seja, dados indicam o estado de saúde da população, sem no entanto ser um exaustivo levantamento epidemiológico da população durante a cheia. Não foram coletadas informações sobre casos de doenças de moradores ausentes. Deve também ser levado em consideração que os casos mais graves poderiam ter migrado em busca de atendimento médico nos centros urbanos.

Foram realizados 51 atendimentos médicos, onde foram feitos 57 diagnósticos. A população atendida ficou distribuída da seguinte forma: 24 eram maiores de 18 anos; ( 47%); 21 tinham idade inferior a 5 anos (41,1%); 3 com 6 a 12 anos e 3 pessoas com

(11)

13 a 18 anos. Foram realizados atendimentos em todas as pessoas que solicitaram consulta médica, e em todas as comunidades visitadas.

A distribuição dos diagnósticos realizados (figura 4) mostra a maior prelavência para as doenças das vias respiratórias superiores, 24,58% dos casos diagnosticados, seguida pelas infecções de pele, 15,79% , infecções das vias aéreas inferiores, 14,00% e parasitoses, 10,53%. As demais patologias referenciadas ocorreram com menor frequência.

Os resultados em geral indicaram a ocorrência de um surto de resfriado comum acompanhado por conjuntivite de aspecto viral. Em todas as comunidades que visitamos havia pelo menos um caso destas patologias. Esta prevalência provavelmente ocorreu como conseqüência também da “friagem”, queda brusca de temperatura por influência climática dos Andes, e que no período da expedição teria ocorrido com a queda da temperatura a 17%. Os casos de broncopneumonia não apresentavam sinais de gravidade ou complicação.

As infecções de pele provavelmente são complicações de lesões pruriginosas (estrófulo) ocasionadas por picadas de inseto, fato que também ocorre em outras estações, principalmente durante a vazante (Bezerra, M 1999). As queixas musculares, todas em adultos, parecem ser causadas por lesão do esforço repetitivo (LER) pelo uso demasiado de remo pois o deslocamento é todo feito a canoa .Também causas posturais incrementam esta queixa: em algumas residências não é possível ficar em pé devido a pequena altura entre o assoalho e o teto.

Sintomas de parasitoses intestinais são observados em todas as comunidades visitadas: distensão abdominal e anemia predominantemente. Apesar dos intensivos trabalhos de educação para saúde, ainda se observa na maior parte das comunidades, inadequação no uso da água para consumo, com a utilização de potes sem torneira. Os casos de gastroenterites pareceram ser virais, sem gravidade e tratados com soro oral, diferente do período de seca onde ocorreram mais casos e com maior gravidade. (Peres, L. 1997)

Foi identificado surto de varicela em quatro comunidades do Rio Japurá. Em uma, Nova Betânia, havia nove crianças com a doença, todas sem nenhuma complicação. Nesta localidade a disseminação em tantas crianças deveu-se também ao

(12)

fato do alojamento conjunto de várias famílias devido a cheia ter atingido suas residências.

Em todas as famílias visitadas foram registrados riscos de afogamento em crianças, menores de cinco anos, algumas por mais de uma vez.

De uma forma geral, não foram identificadas patologias graves. Apesar das dificuldades de diversas ordens provocadas pela enchente, o acesso diário ao pescado garantiu a esta população a ingesta de proteínas básicas. Não foram identificados casos de desnutrição graves. No entanto, as comunidades, com exceção das dez comunidades atendidas diretamente pelo IDSM, ainda permanecem em sua grande maioria sem um trabalho continuado de educação para saúde.

(13)

FIGURA 4

Distribuição percentual dos casos diagnosticados N= 57 diagnósticos, 51 atendimentos médicos

24,56 15,78 14,03 10,53 8,77 7,02 7,02 3,52 3,52 1,75 1,75 1,75 0 5 10 15 20 25 30

Infecções de vias aéreas superiores Infecções da pele Infecções de vias aéreas inferiores Parasitoses Afecções músculo-esqueléticas Afecções genito-urinárias Afecções gástricas Anemia carencial Gastrenterites Síndrome psiquiátrica Varicela Hipertensão arterial sistêmica

(14)

3. Conclusões gerais

A grande cheia de 1999 produziu novamente, mas em proporções maiores que as anteriores, a perda de grande parte da produção agrícola , da criação de animais , de equipamentos de trabalho e domésticos para uma população de pequenos produtores familiares que se reproduzem com dificuldades de várias ordens, mas que encontram na várzea uma forma ainda possível de sobrevivência. Os que fazem opção por permanecer na várzea, estão apostando na fertilidade renovada dos solos, na fartura na oferta do pescado, e nas outras possibilidades de alimentos obtidos da caça e dos frutos da floresta.

Os dados registrados indicam que apesar das grandes dificuldades que esta cheia trouxe, foi alta taxa de permanência de famílias (70%) de moradores da reserva, embora variando de acordo com a proximidade dos centros urbanos. Os meses de maior elevação do nível das águas exigiram dos comunitários criatividade e maior senso de solidariedade na disputa pelo pouco espaço para abrigo e no auxílio às diversas dificuldades encontradas. As prioridades foram dadas às adaptações das moradias, ao cuidado com os animais, em especial ao gado, em redobrar a atenção às crianças menores, em minimizar as perdas dos diversos equipamentos. Não foram registradas epidemias graves, nem grandes perdas proteícas. São dados que confirmam que é possível a sobrevivência na várzea, e que investimentos maiores devem ser feitos para desenvolvimento de tecnologias adaptadas à várzea, que possibilitem melhores condições de moradia e de água potável, e para a produção e formas de armazenamento de produtos para alimentação da população neste período.

Os investimentos, ainda em pequena escala, feitos pelo IDSM, tem apresentado resultados positivos como alternativas econômicas para o período da enchente, destacando-se as ofertas de serviços para o ecoturismo, e para a comercialização de hortaliças para os centros urbanos próximos.

(15)

4. Bibliografia

Bezerra, Merces- Relatórios do Núcleo de Apoio à Saúde. Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, 1999

Coimbra, Carlos E. A – Ecologia humana e epidemiologia na Amazônia: uma abordagem bioantropológica. In: Neves, Walter . Origens, adaptações e diversidade do homem nativo da Amazônia, Belém:MPEG/CNPq/SCT/PR,1991.

Sociedade Civil Mamirauá. Plano de Manejo da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá: MCT/CNPq, 1996.

Lima-Ayres, Deborah e Edna Ferreira Alencar. Histórico da ocupação humana e mobilidade geográfica de assentamentos na área da Estação Ecológica Mamirauá. Anais do IX Encontro de Estudos Populacionais ABEP, Águas de São Pedro, 1994.

Lima-Ayres, Deborah e Edila Moura. Reprodução social e eocnômica das famílias da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Relatório de Pesquisa. IDSM, 1996.

Moran, Emílio. O estudo da adaptação humana em ecossistemas amazônicos. In: Neves, Walter A Origens, adaptações e diversidade do homem nativo da Amazônia, Belém:MPEG/CNPq/SCT/PR,1991.

Peres, Lena Vânia C. Relatório de consultoria para o Núcleo de Apoio à Saúde. Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. 1997.

(16)

Anexos

Tabela 1. Taxa de permanência das famílias nas comunidades durante o ponto máximo da cheia, por áreas. Julho, 1999

Comunidades N. de famílias residentes N. de famílias que permaneceram Taxa de permanência Alto Mamirauá Solimões Maguari 7 7 100 Acari 9 8 100 Bate papo 6 6 100 Barroso 12 11 92 São João 13 13 100 Vila Santa 7 7 100 S. Francisco do Aiucá 17 16 94 Total 71 68 96 Japurá Pentecostal 14 7 50

Vila Nova do Cuiu-Cuiu 16 0 0

Santa Maria do Cururu 13 11 85

Vista Alegre 9 8 89 S. Francisco do Cururu 14 13 93 Total 66 39 59 Aranapu S. Raimundo do Panauã 10 10 100 S. Francisco do Panauã 3 3 100 Total 13 13 100 Baixo Mamirauá Solimões Caburini 16 3 19 Vila Alencar 23 15 65

(17)

Fortaleza São José 14 5 36

Cauaçu do Meio 3 1 33

São João do Cauaçu 6 4 67

São Benedito do Cauaçu 8 2 25

Total 70 30 43

Japurá

Boca do Mamirauá 9 7 78

Vila São José 5 4 80

Nova Colômbia 9 4 44

Jarauá 29 25 86

Nova Betânia 16 13 81

Total 68 53 78

Tabela 2. Coeficientes de variação das taxas de permanência das famílias nas comunidades, por áreas.

Áreas Taxa % Coeficiente de variação (%) Média Valor mínimo Valor Máximo Alto Mamirauá 80 34,64 86 0 100 Baixo Mamirauá 60 44,57 56 19 86

Tabela 3. Distribuição das taxas de permanência segundo a localização das comunidades por rios

Rios N. de comunidades N. de famílias moradores N. de famílias que permaneceram Taxa de permanência Solimões 13 141 98 69 Japurá 10 134 92 69 Aranapu 2 13 13 100

(18)

FIGURA 3

Distribuição percentual das famílias que permaneceram ou saíram das comunidades durante o ponto máximo da cheia, por áreas

Julho de 1999

Alto Mamirauá (n= 150 famílias e m 14 comunidade s)

sairam 20%

ficaram 80%

Baixo Mamirauá (n= 138 famílias em 11 comunidades)

sairam 40% ficaram

Referências

Documentos relacionados

de professores, contudo, os resultados encontrados dão conta de que este aspecto constitui-se em preocupação para gestores de escola e da sede da SEduc/AM, em

De acordo com o Consed (2011), o cursista deve ter em mente os pressupostos básicos que sustentam a formulação do Progestão, tanto do ponto de vista do gerenciamento

O Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica (Proeb), criado em 2000, em Minas Gerais, foi o primeiro programa a fornecer os subsídios necessários para que

Na experiência em análise, os professores não tiveram formação para tal mudança e foram experimentando e construindo, a seu modo, uma escola de tempo

5 “A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial” (KELSEN, Teoria pura do direito, p..

O desafio apresentado para o componente de Comunicação e Percepção Pública do projeto LAC-Biosafety foi estruturar uma comunicação estratégica que fortalecesse a percep- ção

volver competências indispensáveis ao exercício profissional da Medicina, nomeadamente, colheita da história clínica e exame físico detalhado, identificação dos

O Documento Orientador da CGEB de 2014 ressalta a importância do Professor Coordenador e sua atuação como forma- dor dos professores e que, para isso, o tempo e