MIGRAÇÕES DE PERSPECTIVA, HIPERDINAMIZAÇÃO DAS MIGRAÇÕES E POLÍTICA EXTERNA MIGRATÓRIA BRASILEIRA: PROPOSTAS DE CONCEITOS
PARA ENTENDER O PANORAMA IMIGRATÓRIO CONTEMPORÂNEO DO BRASIL1
Roberto Rodolfo Georg Uebel2
Este estudo é resultado de tese doutoral em Estudos Estratégicos Internacionais e concentra a discussão de três novos conceitos propostos para o entendimento da geopolítica das migrações internacionais para o Brasil no período de 2003 a 2016.
O Brasil foi o país que mais recebeu imigrantes de forma proporcional em todo o Hemisfério Sul neste período, cerca de 2,1 milhões, de acordo com os dados da Polícia Federal, a autoridade migratória brasileira.
Oriundos majoritariamente da América Latina, Caribe e costa oeste da África, esses novos grupos migratórios trouxeram novas trajetórias migratórias e teceram um peculiar fluxo transnacional, implicando novas leituras e geografias políticas acerca de seus caminhos, repercussões e integrações nos países de recepção e acolhimento.
A pesquisa realizou uma prévia revisão crítica dos principais referenciais teóricos da Ciência Geográfica global, sobretudo das escolas geopolíticas anglo-americana e franco-canadense, a fim de traçar um perfil de tratamento e definição de conceitos como migração, migrante, fronteira e refugiados.
Utilizamos como instrumento complementar de análise dos dados estatísticos oficiais, as ferramentas da cartografia temática (alguns mapas estão representados nas Figuras 1 e 2), que permitiram uma padronização e atualização dos mapas de fluxos migratórios para o Brasil, apontando, ao cabo, trajetórias relevantes para os estudos derivados da pesquisa principal.
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Trabalho apresentado no XI Encontro Nacional sobre Migrações, realizado no Museu da Imigração do Estado de São Paulo, em São Paulo, SP, entre os dias 9 e 10 de outubro de 2019.
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Doutor em Estudos Estratégicos Internacionais (UFRGS), Mestre em Geografia (UFRGS) e Bacharel em Ciências Econômicas (UFSM). Professor dos cursos de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-POA) e Faculdade São Francisco de Assis (UNIFIN). Pesquisador do Laboratório Estado e Território (LABETER/UFRGS) e do Laboratório de Estudos Internacionais (LEIn/UFSM).
FIGURA 1 – Contingente imigratório do Brasil entre 2003 e 2010
Fonte: Uebel (2018).
FIGURA 2 – Contingente imigratório do Brasil entre 2011 e 2016
Como resultado, propusemos o debate de três novos conceitos para o entendimento da geopolítica das migrações internacionais para o Brasil, quais sejam: Política Externa Migratória Brasileira: sustentada exclusivamente a partir da inserção estratégica do Brasil, sob uma égide da “política externa ativa e altiva”, e cimentada por pilares como as participações brasileiras em missões humanitárias, a concessão de bolsas de estudo e pesquisa para estudantes estrangeiros, a criação do visto humanitário, a emissão e isenção de vistos para grandes eventos desportivos, a discussão e tramitação da nova Lei de Migração, a imigração subsidiada por meio do Programa Mais Médicos.
O segundo conceito, o de Migrações de Perspectiva, aduz que: se tratam de um tipo migratório, muito peculiar e pertinente aos grupos de imigrantes latino-americanos e africanos baseado nas perspectivas do país de acolhimento, isto é, de acordo com o cenário econômico, político, social, laboral, cultural, racial, de igualdade de gênero, etc., existentes no Brasil, neste caso, e que criaram condicionantes muito específicos que permitiram que o país acolhesse até dois milhões de imigrantes em treze anos. Os migrantes de perspectiva podem ser tanto refugiados como imigrantes ditos econômicos, e emigram ou remigram tão logo esses condicionantes e perspectivas apontem para uma piora no cenário de acolhimento, inserção e integração.
Por fim, o conceito de Hiperdinamização das Migrações aponta para um fenômeno ocorrido a partir da revisão bibliográfica e documental geopolítica, pela primeira vez no Brasil e de forma mista entre os grupos, especialmente dentre os oeste-africanos e latino-americanos. Em menos de uma década o saldo migratório do Brasil oscilou de negativo para positivo, restando ali em um curto período de tempo, e retornando para negativo até os dias de hoje, dado o agravamento da economia, mercado de trabalho e xenofobia social e institucional/governamental do país, tornando-o não mais atrativo e, portanto, sem perspectivas positivas que fomentassem às novas imigrações ou a permanência daqueles que já haviam imigrado.
Essa discussão, que abrirá certamente novas agendas de pesquisa, aponta para um direcionamento dos nossos três conceitos: a regionalização e municipalização das discussões e políticas migratórias, não exclusivamente no Brasil, mas em todo mundo, considerando que os fluxos migratórios são cada vez
mais transnacionais e intercontinentais em um mundo cada vez mais nacionalista e antiglobalista.
Isto posto, inferimos que cada vez mais os municípios, estados e regiões terão voz mais ativa e maiores responsabilidades face às migrações; serão estes que criarão (ou não) as perspectivas para as novas migrações e, por conseguinte, dinamizarão as relações econômicas, políticas e sociais do Sistema Internacional no século XXI. A partir dos Estudos Estratégicos Internacionais obrigatoriamente nos inseriremos em uma nova agenda, a dos Estudos Estratégicos Internacionais-Locais, da qual certamente as migrações ocuparão um lugar de destaque.
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