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Sequenza XI de Luciano Berio: reflexões sobre uma prática gestual

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Academic year: 2021

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2013

BELQUIOR SEQUENZA XI DE LUCIANO BERIO

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2013

BELQUIOR SEQUENZA XI DE LUCIANO BERIO

GUERRERO SANTOS MARQUES Reflexões sobre uma prática gestual

Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Música, realizada sobre a orientação científica da Doutora Helena Paula Marinho Silva de Carvalho, Professora auxiliar do Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro e coorientação científica do Doutor Pedro João Agostinho Figueiredo Rodrigues, Professor auxiliar convidado do Departamento de Comunicação e Artes da Universidade de Aveiro.

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presidente

Doutor José Paulo Torres Vaz de Carvalho

Professor associado do Departamento de Comunicação e Artes da Universidade de Aveiro Doutor Ricardo Iván Barceló Abeijón

Professor auxiliar convidado do Departamento de Música da Universidade do Minho Doutora Helena Paula Marinho Silva de Carvalho

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Agradeço primeiramente à minha orientadora, Prof. Dra. Helena Marinho por todo apoio, fundamental, na realização deste trabalho. Agradeço ao meu co-orientador, Prof. Dr. Pedro Rodrigues, não somente pela ajuda essencial no preparo do repertório relacionado a este trabalho, mas pela paciência, pelo exemplo e sobretudo pelo enorme

compromisso dedicado a minha formação. Agradeço aos Professores Doutores do Departamento Comunicação e Artes da Universidade de Aveiro, Paulo Vaz de

Carvalho, Helena Santana e Rosário Pestana, cujo contato foi determinante no

desenvolvimento de minha pesquisa. Agradeço imensamente aos compositores Rael Gimenes e Edson Zampronha pelo suporte na realização desta dissertação. Devo agradecer com especial ênfase aos meus amigos-colegas, cujo apoio foi essencial na realização deste trabalho, Caio Pierangeli, Caoqui Sanches, Cristiano Américo, Fernando Cury, Glauco Marini, Heder Dias, Mariá

Bastos, Maurício Gomes, Maurício Perez, Miguel De Laquila, Paulo Ramos, Roberto Rezende, Vinícius de Lucena, Wallace Gomes e Yuri Marchese.

Sou imensamente grato aos meus pais, Paulo Marques e Maria Sueli Marques, meu avô, Fernando Marques, meus tios e tias, Roberto Guerrero, Zulmira Lacava, Miriam Falkenberg, Sônia dos Santos, meus primos Bruno e Leandro Lacava, e demais familiares, por sempre me apoiarem. Por fim, agradeço à minha namorada, Gabriela Guerreiro, pelo suporte em várias instâncias durante a realização deste trabalho.

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interpretação musica

Resumo

Este trabalho consiste numa pesquisa acerca das possibilidades de ações gestuais que podem ser desenvolvidas na performance da peça Sequenza XI de Luciano Berio. Num primeiro momento, exponho como acredito que o gesto musical se tornou foco das pesquisas na área da performance nos últimos anos, e, em seguida, mostro como a atual produção acadêmica aborda este fenômeno na área da performance musical. Com a finalidade de orientar as ações corpóreas a serem desenvolvidas na performance, realizei uma análise da peça que permitiu definir quais eventos sonoros seriam submetidos à exploração gestual. A etapa seguinte consistiu em seções de estudo prático que foram registradas através de diários de estudo e gravações audiovisuais. Tais processos de investigação permitiram uma discussão sobre a prática gestual na performance, sendo meu principal objetivo, com este trabalho, compreender formas de abordar uma partitura onde as qualidades epistêmicas e expressivas, atribuídas ao gesto pela recente produção acadêmica, possam ser exploradas na performance musical.

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guitar, musical interpretation

Abstract

This research explores the possibilities of gestural actions in the performance of Sequenza XI, composed by Luciano Berio. Firstly, I discuss how musical gesture has become an important focus of research in performance in recent years, and later I present current academic research on this topic in the area of musical performance. In order to develop the bodily actions involved in the performance, I conducted an analysis of the work which allowed me to define the sound events that would be submitted to gestural exploration. The next step involved a sequence of practical study sessions, recorded in a reflective journal and audiovisual recordings. These research processes were the basis for a discussion about gestural practice in performance, aiming to understand manners of approaching a score in which the epistemic and expressive qualities attributed to the gesture by recent academic research may be exploited in musical performance.

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INTRODUÇÃO...1

CAPÍTULO 1...7

1. Revisão da literatura...9

1.1. Gesto musical...9

1.2. Gesto no pensamento musical...10

1.3. Gesto na pesquisa em performance...11

1.4. Gesto e Berio...18 CAPÍTULO 2...21 2. Métodos e procedimentos...23 2.1. Pesquisa bibliográfica...23 2.2. Análise...23 2.3. Autoetnografia...24 2.4. Diário reflexivo...24 2.5. Gravações audiovisuais...25

2.6. Escuta e análise de outras obras do compositor Luciano Berio...26

2.7. Estudo da obra – Preparação para a performance...26

2.8. Tratamento de dados...27

CAPÍTULO 3...29

3. Descrição dos resultados...31

3.1 Análise gestual...31

3.1.1. Classificação gestual 1 – Identificação dos eventos sonoros...32

3.1.2. Classificação gestual 2 – Identificação dos gestuais em grupos...40

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4. Aplicação prática...49

4.1. Estudo programado – Trechos escolhidos...49

4.2. Estudo programado – Execução...52

5. Dados Coletados...55

5.1. Diário reflexivo...55

CONCLUSÕES...61

BIBLIOGRAFIA...65

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Fig. 1: Exemplo de gesto classificado como A...33

Fig. 2: Exemplo de gesto classificado como B...34

Fig. 3: Exemplo de gesto classificado como C...34

Fig. 4: Exemplo de gesto classificado como D...35

Fig. 5: Exemplo de gesto classificado como E...36

Fig. 6: Exemplo de gesto classificado como F...36

Fig. 7: Exemplo de gesto classificado como G...37

Fig. 8: Exemplo de gesto classificado como H...37

Fig. 9: Exemplo de gesto classificado como I...38

Fig. 10: Exemplo de gesto classificado como J...38

Fig. 11: Exemplo de gesto classificado como K...39

Fig. 12: Exemplo de gesto classificado como K como função de pedal...39

Fig. 13: Exemplo de gesto que porta características das classes 3 e 5...43

Fig. 14: Exemplo de gesto(s) não submetidos a classificação...44

Fig. 15: Trecho de estudo nº 1 – Justaposição de gestos de classe 1 e 4...49

Fig. 16: Trecho de estudo nº 2 – Presença de todos os gestos classificados...49

Fig. 17: Trecho de estudo nº 3 – Justaposição de gestos de classe 1 e 3...50

Fig. 18: Trecho de estudo nº 4 – Justaposição de gestos de classe 2 e 3...50

Fig. 19: Trecho de estudo nº 5 – Justaposição de gestos de classe 5, 3 e 4...51

Fig. 20: Trecho de estudo nº 6 – Justaposição de gestos de classe 3 e 4...51

Fig. 21: Trecho de estudo nº 7 – Justaposição de gestos de classe 1 e 2...51

Fig. 22: Trecho de estudo nº 8 – Justaposição de gestos de classe 2 e 4...52

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Meu interesse sobre o gesto na performance musical surgiu quando estava concluindo o curso de bacharelado em música pela Universidade Estadual de Maringá. Naquela altura, meu interesse era o de, através da investigação de conceitos da retórica clássica, encontrados em filósofos como Cícero, Quintiliano e principalmente Aristóteles, compreender como as ações corpóreas eram concebidas de forma a que o orador pudesse usufruir destas atitudes, reforçando um modelo de discurso que tinha como finalidade a persuasão do ouvinte. Tal pesquisa foi desenvolvida buscando reconhecer como tais ações gestuais passam a ser inseridas na prática musical e como um performer poderia utilizar recursos gestuais que, de forma consciente, fossem desenvolvidos conjuntamente ao texto musical.

Desta forma, acabei por ter contato com uma vasta produção científica, que desconhecia na altura, sobre o gesto na performance musical. Ao aprofundar meus estudos em tal área surgiu a necessidade de compreender determinados processos relacionados ao fenômeno gestual na performance. Com o desenvolvimento deste trabalho, em que foi possível ampliar meu conhecimento sobre o tema, constatei que os pontos que eu acreditava carecerem de maior atenção ainda não haviam sido até o momento abordados pela produção acadêmica. Sendo assim, além do meu principal objeto com este trabalho, a exploração de atitudes gestuais no desenvolvimento da performance da peça Sequenza XI (1988) do compositor Luciano Berio, acabei por buscar compreender como o interesse sobre o gesto na performance surge recentemente e como a “necessidade” de tal prática pode ser justificada.

Atualmente o gesto em música é abordado em vários aspectos; neste trabalho foco como o fenômeno se manifesta na relação do corpo com a produção sonora, no entanto, como será exposto, o gesto musical tem sua aplicabilidade explorada em diversas áreas do fazer musical. Sendo assim, o gesto é investigado não somente por pesquisadores na área de performance musical, mas também por aqueles que abordam este fenômeno tanto no processo de aprendizagem, onde o gesto pode contribuir com tal processo através de suas propriedade cinestésicas, quanto no processo de composição, onde Zampronha (2005) alega que o fenômeno pode ser concebido como um elemento coordenador da prática composicional.

Apesar das capacidades expressivas do gesto musical serem exploradas atualmente por vários pesquisadores que se dedicam ao campo da performance musical – fator que tem contribuído muito para uma melhor compreensão do fenômeno nesta área – destaco aqui duas causas que me induzem a realizar o presente trabalho:

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1) A maior parte dos trabalhos que se dedicam ao tema investigam como instrumentistas abordam o repertório clássico/romântico gestualmente; penso que tal abordagem é importante, contudo, o que pretendo realizar com este trabalho é abordar um repertório que é concebido tendo o gesto assumidamente como parte do processo composicional. Tal postura é assumida por Luciano Berio, e isto direcionou a escolha da peça Sequenza XI para a exploração das ações gestuais neste trabalho.

2) Como será exposto, a recente produção acadêmica tem atribuído ao gesto na performance qualidades expressivas e cinestésicas; partindo de tal constatação diversas pesquisas têm investigado como instrumentistas realizam gestos numa determinada performance e como tais gestos causam impactos perceptuais em determinado público. Nesta pesquisa parto do mesmo pressuposto, contudo, ao invés de investigar como determinados instrumentistas realizam ações corpóreas que podem ser portadoras de certa expressividade, pretendo, através da análise, reflexão e aplicabilidade prática, investigar como os movimentos corpóreos podem ser desenvolvidos numa performance, visando coordenar de forma consciente a expressividade na execução de determinada peça.

Muitos fatores convergem para a efetivação de determinados movimentos corpóreos na performance, tais como: nível técnico do instrumentista; dificuldade da peça abordada; tipo de instrumento; convenções na execução de determinados clichês musicais; bases culturais do repertório abordado e do próprio músico; dentre outras disposições. Contudo, este trabalho, que têm caráter autoetnográfico justamente para melhor identificar tais disposições, investiga como as explorações corpóreas podem ser desenvolvidas por um músico específico, sobre uma peça específica. Tal atitude talvez possa limitar a vasta gama de possibilidades que a ação corpórea pode realizar visando a performance, contudo, tal abordagem se faz necessária sendo que o principal objetivo desta pesquisa é a exploração e identificação de como é possível emergir de um texto musical ações corpóreas que possam valorizar as qualidades atribuídas ao gesto na performance musical atualmente.

No intuito de conhecer melhor o estágio atual das pesquisas sobre o gesto na performance, busco em autores como Hatten (2004), Freitas (2005), ou Cox (2006), as definições e abordagens atuais sobre o tema. Neste trabalho, também aponto pesquisas que, desde a década de 1980, abordam o gesto musical na performance através de diferentes paradigmas investigativos, para, através de tal processo, relacionar a produção acadêmica que investiga o gesto na performance musical ao destaque que o gesto

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recebe na prática composicional, como apontado por Zampronha (2005). Pelo fato de o presente trabalho tratar de um conceito específico, o gesto na performance, aplicado à execução da peça Sequenza XI de Luciano Berio, foi necessário pesquisar como o gesto musical é concebido pelo compositor da obra aqui abordada, exposição que será realizada no corpo do texto. Com a finalidade de definir meios para orientar a exploração gestual na peça abordada, foi realizada uma análise gestual. Tal análise permitiu delimitar quais eventos sonoros seriam submetidos ao estudo, visando evidenciar contrastes estruturais de tal eventos através da percepção do gestual realizado pelo performer. Nesse processo, foram realizadas gravações audiovisuais e elaborado um diário reflexivo que foram fundamentais para investigar o impacto perceptual das ações corpóreas realizadas durante a exploração do gestual durante a prática da Sequenza XI.

Embora o gesto na performance seja um tema bastante dinâmico em sua definição, talvez devido à crescente produção acadêmica acerca do tema, vários autores como Assis e Amorim (2009), MacRitchie, Buck, e Bailey (2009), Cox (2010), atribuem ao fenômeno capacidade expressiva e epistêmica. Minha intenção com o presente trabalho é investigar e discutir como o performer, que tem o violão como instrumento, pode desenvolver em sua prática atitudes gestuais que possam tornar possível usufruir das qualidades atribuídas a este fenômeno na performance musical.

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1. Revisão da literatura

1.1 Gesto Musical

Pretendo neste capítulo expor alguns fatores que contribuíram para o gesto se tornar foco de interesse na área da investigação em performance musical no final do século XX. A primeira seção desta revisão bibliográfica consiste numa exposição de como o gesto surge como uma alternativa para o processo criativo de alguns compositores na segunda metade do século XX, segundo o trabalho realizado por Zampronha (2005). Numa segunda seção exponho como esse fenômeno passa a ser abordado no contexto acadêmico. A terceira e última seção consiste numa exposição de como o gesto musical é concebido pelo compositor italiano Luciano Berio, o autor da peça abordada neste trabalho. Ao longo destas 3 seções, pretendo também demonstrar como o gesto musical é abordado na recente produção acadêmica.

O conceito de gesto musical é compreendido de forma plural, e, mesmo existindo algumas propostas de formalização, como as encontradas nos trabalhos de Delalande (1988), Ramstein (1991) e Zagonel (1992), o assunto ainda não foi encerrado no que se refere à sua definição. Nos últimos trinta anos, a produção acadêmica tem atribuído diferentes valores e até mesmo transformado a concepção do tema, sendo uma tarefa difícil estabelecer uma definição unificada do termo. Desde os primeiros trabalhos que abordam diretamente o tema na performance, é crescente o interesse investigativo acerca do gesto. Tal afirmação pode ser constatada pelas publicações de livros dedicados exclusivamente ao assunto como Hatten (2004), Gritten (2006) e Godøy & Leman (2010), como também pelo número de pesquisas acerca do tema publicadas em revistas especializadas e anais de congresso, como, por exemplo, SIMCAM, PERFORMA, ANPPOM, dentre outras.

Como alegado anteriormente, principalmente na área da pesquisa em performance musical, é difícil encontrar uma delimitação clara sobre o conceito de gesto. Mesmo que alguns autores adotem uma definição específica do termo, não é possível estabelecer uma vertente principal na aplicação e na abordagem do assunto. Apontar para pioneiros na pesquisa em tal área também é uma tarefa que pode induzir a equívocos, dado que a ação gestual é um fenômeno intrínseco à prática instrumental e, na medida em que um paradigma de investigação fenomenológica se tornou comum no final do séc. XX, as

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manifestações corpóreas realizadas na performance se tornaram um alvo mais explícito do pensamento científico.

1.2. Gesto no pensamento musical

Zagonel (1992), embasada na obra de Delalande (1988), afirma que o gesto musical pode ser concebido de várias formas inerentes ao fenômeno sonoro. Deste modo, Zagonel (1992) apresenta cinco formas de manifestação do gesto na música, nomeadamente: o gesto vocal, o gesto reproduzido computacionalmente, o gesto do regente, o gesto do compositor e, por fim, o gesto do instrumentista. Acredito que o gesto do compositor, ou melhor, o conceito de gesto como manifestação acústica elaborada no processo composicional, é um fator importante para compreender como a relação com os fenômenos sonoros pode ter influenciado as pesquisas que surgem ao final do séc. XX na área da performance musical. A seguir, pretendo expor os motivos que me induzem a acreditar em tal hipótese.

De acordo com Zampronha (2005), em meados de 1950 diferentes tendências composicionais tinham em comum no processo criativo a segmentação dos parâmetros sonoros. Segundo o autor, particularmente após 1980, foi reconhecido que tais parâmetros não tinham tanta independência: “A maneira como eles são combinados afeta a maneira como eles são escutados”1(Zampronha, 2005, pág. 3). Zampronha alega que, neste contexto, o gesto surge como alternativa composicional na abordagem dos eventos sonoros. Alguns compositores, como Brian Ferneyhough e Dennis Smalley, assumem tal postura composicional, ainda que com aplicações distintas do conceito na música instrumental e eletroacústica. Luciano Berio, autor da obra abordada nesta dissertação, é um dos compositores que, neste contexto, adota o gesto como elemento que integra o processo composicional. Julgo a compreensão do conceito de gesto para Luciano Berio fundamental para o desenvolvimento deste trabalho, por isso, este terá maior foco ao final deste capítulo, sendo tal ponto apresentado agora apenas com a finalidade de fornecer informações que julgo necessárias para o desenvolvimento desta seção.

Bonafé (2001), na sua descrição do ensaio “Du geste et de Piazza Caritá” de Luciano Berio, estabelece uma relação muito próxima com Zampronha (2005) acerca do surgimento do gesto como alternativa que almeja uma não segmentação dos parâmetros 1 Todas as traduções de citações foram efetuadas pelo autor desta dissertação.

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sonoros do fenômeno musical no processo composicional. Bonafé (2001, pág. 4) afirma: “Nesse ensaio, Berio constrói a ideia de gesto como elemento central da expressão musical, conferindo a ele a capacidade de recuperação de sentido que teria, de certa maneira, sucumbido ao caráter esotérico do serialismo integral.”

Portanto, pode-se entender que, também para o compositor italiano, o gesto no processo composicional foi uma alternativa para a necessidade da relação com os fenômenos sonoros de forma não dissociada, como já havia claramente sido alegado por Zampronha (2005). Acredito que, pela percepção de tal contexto no âmbito composicional, pesquisadores passam também a investigar o fenômeno gestual no campo da performance. Como aleguei anteriormente, a diversidade das abordagens e das definições referentes a tal processo na performance torna difícil delimitar as propriedades do fenômeno, portanto, acredito não ser possível estabelecer uma vertente conceitual que possa ser destacada como principal nas pesquisas atuais. Contudo, a seguir pretendo expor como a pesquisa na área de performance se tem dedicado ao tema.

1.3. O gesto na pesquisa em performance musical

Embora a apresentação realizada acima aponte para um olhar acerca do gesto na performance apenas no final do séc. XX, a preocupação com tal fenômeno na prática instrumental não é recente. Segundo Wilson, Buelow, e Hoyt (2001), o compositor Franchinus Gaffurius (1451-1522) adaptou conceitos retóricos de Quintiliano ao canto, escrevendo sobre como os cantores deveriam alcançar resultados musicais utilizando não somente gestos da boca, mas também da cabeça e das mãos. Para estes autores, surge tal interesse neste período devido à publicação de escritos de filósofos clássicos como Cícero e Quintiliano. Desta maneira, ao serem estabelecidas associações com tratados sobre retórica, surgem as primeiras indicações conhecidas sobre o pensamento acerca do movimento corporal na performance, não reduzido a uma abordagem puramente mecânica ou técnica. Vale salientar que pelo gestual ser um fenômeno intrínseco à prática instrumental, acredito não ser Gaffurius o primeiro a pensar sobre a relação corporal com o fenômeno musical, dado que na própria aprendizagem de um instrumento é necessário perceber como o corpo se comporta e se relaciona com os eventos sonoros. Entretanto, acredito que o trabalho de Gaffurius mereça aqui destaque

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pelo fato de talvez ser o primeiro registro de uma descrição explícita sobre a gestualidade do músico interferindo no fenômeno acústico.

Como vimos anteriormente, Zampronha (2005) alega que a segmentação dos parâmetros sonoros era uma prática comum no processo criativo de várias tendências composicionais na década de 50 do último século, e que o gesto se tornaria mais tarde uma alternativa para fugir desta concepção dissociada dos eventos sonoros. Tal dissociação dos eventos sonoros, abordada pelo serialismo integral, é apontada por Assis e Amorim (2009) como um fator responsável para uma segmentação também na performance musical. A respeito do comportamento corporal do performer no repertório composto a partir do séc. XX, Assis e Amorim alegam que “a coordenação dos gestos passa a ser controlada diretamente pelo compositor na música contemporânea e não está mais condicionada a um conjunto de convenções pré estabelecidas” (Assis & Amorim, 2009, pág. 1). Os autores alegam isto embasados na produção de Vasconcelos (2008) e Souza (2004), que afirmam que a serialização de diversos parâmetros musicais no início do século XX fez com que a atuação do intérprete fosse substituída pela música eletrônica.

Também acerca da possível dissociação da prática instrumental e do pensamento do gesto inerente a esta, Freitas (2005) afirma que o gesto na performance não tem recebido uma atenção correspondente à sua importância na prática instrumental. O pesquisador acredita que isto ocorra pelo fato de o ensino de música oferecido na maior parte dos conservatórios tender pelo desenvolvimento de independências e habilidades motoras específicas na aprendizagem de um instrumento. Tal modelo de ensino e prática, segundo o autor, é uma concepção de performance enraizada no séc. XIX, quando o cenário pós-revolução industrial, aliado ao ideal romântico, direcionou o ensino da música para a formação (produção) de virtuoses. Sendo assim, a fragmentação do saber está ainda presente na prática musical devido à supervalorização de mecanismos técnicos em detrimento da compreensão do fenômeno da performance musical como uma unidade. Iazzetta (1997) aponta outro importante fator que também interfere numa forma de pensar o gestual de forma dissociada da prática instrumental: segundo o autor, o crescimento da indústria fonográfica no início do séc. XX influenciou de forma efetiva a relação entre o público e a experiência da performance musical. O fato da presença física da gestualidade do performer não ser mais um fator “crucial” para a experiência musical causa um forte impacto na atividade artística, revertendo até mesmo parâmetros de apreciação musical.

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Acredito que tais fatores acima relatados são de importância na compreensão de como o gesto na performance musical se torna alvo de investigação desde meados da década de 1980. A seguir pretendo expor algumas abordagens sobre o tema que vêm se desenvolvendo desde essa época.

Uma importante referência para os trabalhos que abordam o gesto na performance musical é a produção científica do pesquisador François Delalande, reconhecido principalmente pelo trabalho que desenvolveu analisando os gestos realizados pelo pianista Glenn Gould. Neste trabalho, Delalande (1995) identifica uma vasta gama de tipos gestuais e afirma que: “o tipo gestual se relaciona fortemente com a execução instrumental (piano/forte, legato/staccato), isto deixa uma marca no objeto sonoro” (Delalande, 1995, pág. 4). Zagonel (1992), cujo trabalho se embasa na obra deste autor, expõe os três níveis como: gesto que efetua, o gesto que acompanha e o gesto figurado. Esta divisão almeja abordar os seguintes eventos atribuídos ao gesto do instrumentista: 1) o gesto que efetua é responsável pela realização mecânica do som, ou seja, a ação do músico de extrair objetos sonoros de seu instrumento: este gesto é também responsável pelas qualidades contidas no som produzido, como dinâmica, timbre, dentre outras; 2) o gesto que acompanha, segundo Zagonel (1992), consiste na participação do corpo na produção sonora; 3) por fim, o gesto figurado, também de acordo com Zagonel (1992), se refere a movimentos corporais desnecessários à performance que podem até se tornarem prejudiciais à execução musical. A autora também afirma que o instrumentista deve levar em conta não só o corpo na execução musical, mas a relação deste com o instrumento, como podemos constatar no seguinte trecho:

o instrumentista deseja transmitir ao público as emoções de sua música. Deve estar em pleno acordo com seu instrumento, pois este é, não somente seu meio de produção de sons, mas sobretudo, uma continuação de seu corpo, de seus braços. O instrumento deve integrar-se à imagem que o intérprete tem de seu corpo, no plano físico e no da expressão (Zagonel, 1992, pág. 25).

Thompson (2007) alega que a definição de “gesto que acompanha” pode não ser muito clara. Embora vários trabalhos se tenham debruçado sobre a proposta de formalização de Delalande (1988), como Zagonel (1992), Cadoz e Wanderley (2000), e Godøy e Leman (2010), acredito que, além de certa falta de claridade nas delimitações entre os diferentes tipos de níveis gestuais propostos por Delalande (1988), é possível encontrar outros problemas na classificação realizada pelo investigador. Penso que uma

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classificação dos níveis gestuais inerentes à performance deva, mesmo sendo uma tarefa difícil, não conceber o fenômeno de forma segmentada. Tal fenômeno tem sido abordado justamente por possibilitar a compreensão da performance de forma não dissociada, como será reforçado ao longo deste trabalho. Contudo, aprofundar tal questão foge ao escopo desta pesquisa, e os trabalhos de Delalande (1988) ainda exercem grande influência nas investigações atuais acerca do tema.

Além da discussão acerca da definição do termo, surge também na década de 1980 pesquisas que associam o gesto musical a condições naturais do ser humano: nesse sentido, Hatten (2006) alega que o gesto musical é biologicamente fundamentado. Tal afirmação recebe apoio de outros investigadores que buscaram e ainda buscam formas distintas de justificá-la. Para Hatten (2006), a fundamentação biológica do gesto é gerada pela interação entre sistemas perceptuais e motores que efetivam o movimento no tempo através de ações portadoras de significado e força expressiva. Contudo o autor, ao alegar tais questões, não desconsidera fatores culturais como agentes na experiência do fenômeno gestual. Sendo assim, o autor afirma que a relação dos gestos com o significado em música é gerada pela correlação de aspectos biológicos e culturais. O autor também alega que gestos musicais transmitem movimento afetivo, emoção e intencionalidade. A convergência destes fatores culturais e biológicos na ação gestual também é referida por Lidov (2006) e Cox (2006). Lidov (2006) alega que a compreensão dos gestos musicais se dá pela referência de várias outras experiências somáticas. O pesquisador afirma que, se conseguirmos diferenciar tais experiências, talvez possamos compreender melhor as questões a respeito de como as imagens musicais são geradas. Cox (2006), alegando que existe uma lacuna na compreensão dos gestos em música, estuda o comportamento neuronal durante a relação dos observadores (plateia) com o objeto observado (músico), constatando que, na experiência musical, os gestos estimulam um tipo de participação imitativa no ouvinte. Deste modo, o investigador assegura que o pensamento musical é fundamentado na experiência corporal. Na mesma vertente que atribui ao gesto condições biologicamente fundamentadas, London (2006) também se baseia na neurociência para investigar a experiência do fenômeno na música, partindo da relação com atividades não musicais. Sendo assim, London (2006), analisando ações como correr e andar, constata que nossa percepção não dissocia a experiência do gesto na prática musical de outras experiências cotidianas.

Outra vertente, que pode ser identificada dentre os trabalhos de investigação acerca do gesto que surgem no final do século XX, visa compreender como os instrumentistas

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desenvolvem atitudes gestuais na performance de determinada obra. Estas pesquisas, que na maior parte se dedicam à abordagem de repertório clássico e romântico, partem do princípio de que as ações corpóreas do músico são geradas por associações do movimento corporal com estruturas musicais, sendo tais associações mantidas por convenções ou modelos na abordagem de dado repertório. Neste sentido, MacRitchie, Buck e Bailey (2009) investigaram o relacionamento entre a direcionalidade do movimento físico com estruturas musicais subjacentes. Para isso, os autores gravaram num sistema de captação de vídeo em 3D a performance de pianistas universitários executando prelúdios de Frédéric Chopin. Deste modo, pelo exame das performances de vários músicos, os autores constataram similaridades e diferenças nos gestos realizados na performance e como estes se relacionam com as estruturas musicais. Como conclusão, os autores alegam que existe uma relação intrínseca dos gestos físicos realizados pelos pianistas com as frases musicais. Tal constatação vai de encontro com o trabalho de Assis e Amorim (2009), que afirmam uma relação dos gestos corporais do instrumentista com pré disposições culturais que tornam possível que tais ações gestuais sejam geradas pela relação de elementos musicais como a melodia e a harmonia.

A relação do gestual com estruturas musicais, como por exemplo a frase, também é constatada por Teixeira (2010). Este autor, ao analisar o comportamento gestual de clarinetistas submetidos a realizarem a performance de um trecho de Mozart sem e com metrônomo, ou seja, uma performance “livre” e outra condicionada temporalmente, constatou que, na performance sem o condicionamento temporal, os instrumentistas realizam menos gestos do que na execução realizada com metrônomo, porém mais longos. Sendo assim, Teixeira (2010) concluiu que a ação gestual dos instrumentistas estabelecia relações com as estruturas musicais nas execuções livres, isto porque o performer tomava como referência para a execução pontos finais de frases, como conclusões harmônicas ou relações de antecedente e consequente nos trechos executados. Na performance com metrônomo a referência se torna mais pontual, o que direciona não só a atenção do músico como a intenção gestual.

É possível notar que o trabalho dos dois últimos autores articula a discussão acerca das propriedades expressivas do gesto com os potenciais expressivos deste através de estudos de caso, sendo esta modalidade de investigação bastante recorrente em pesquisas atuais. Investigadores como King (2006), Chaib (2011), e Wanderley et al. (2005) têm, através deste tipo de abordagem, investigado o comportamento gestual de performances específicas, analisando a abordagem de diversos instrumentistas em

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determinados trechos musicais, e conferido a relação do público com os gestos produzidos pelo performer. É possível encontrar nesta recente produção acadêmica uma série de fatores qualitativos atribuídos à prática gestual que abrange desde as capacidades cinestésicas envolvidas na aprendizagem musical até ao reforço que tal atitude fornece à expressividade na realização da performance. Segundo Freitas (2005), a concretização dos movimentos do corpo durante uma performance musical deveria surgir da exploração e pesquisa do gestual necessário para realizar determinados eventos sonoros. Deste modo, como o objetivo final do instrumentista é a música, nesta última ele deve buscar a referência na produção sonora, e não somente em parâmetros estritamente técnicos/mecânicos. Fundamentado em tais ideais, Freitas (2005) alega que a construção do gestual do instrumentista deve ocorrer em função do material sonoro, não só como reforço visual externo deste, mas sim como parte fundamental do fenômeno musical, desenvolvendo assim uma inteligência sensório motora e uma percepção corporal necessárias para convergir fatores afetivos, emotivos, intelectuais e expressivos na performance musical. O pesquisador alega que o gesto instrumental, desenvolvido de forma desvencilhada da concepção musical de determinada obra, se torna um artifício desnecessário para execução; deste modo Freitas (2005, pág. 63) afirma que: “não é a posição mais elegante ou o gesto teatral que vai gerar uma boa execução, mas o gesto que a própria música suscita como o mais adequado para sua concretização, dentro da unidade de uma concepção”.

Referente à relação entre significado e música, Mauléon (2010) alega que um gesto é um movimento (deslocamento espacial) ou ação (movimento com propósito) que carrega sentido em um contexto cultural e comunicacional. De acordo com a autora, “o gesto implica na transmissão de um significado, um sentimento ou uma intenção” (Mauléon 2010, p. 98). É possível notar que várias pesquisas se dedicam à relação do gesto e significado, dado que o estudo do fenômeno visa o tratamento não dissociado dos elementos inerentes à performance. Neste sentido, Thompson (2007) salienta que um ponto em comum encontrado na definição de vários autores acerca do gesto musical é que um gesto é um movimento com significado. Referente ao processo de significação relacionado ao gesto, Leal (2011) aponta para o pensamento de Pavis (1999), autor que não concebe o gesto como processo de comunicação de um sentido anterior, mas como a produção do próprio sentido. Nesse sentido, acredito que Pavis propõe uma forma de olhar o fenômeno gestual de maneira ontológica, da mesma maneira que Merleau-Ponty trata a dicotomia de sujeito e objeto na fala. Penso que, neste ponto, outra abordagem

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que busca não reduzir as propriedades comunicacionais do fenômeno gestual é realizada na pesquisa de Bittencourt (2007). A autora, embasada em Sève (2002), defende que o gesto sonoro não é apenas uma metáfora, pois o corpo não se ausenta nunca da produção musical. A meu ver, essa afirmação alega que, se de certo modo não é conferido ao gesto musical uma capacidade comunicacional estrita, como a de uma linguagem, a fruição dele implica em relações epistêmica e fisiológicas que seriam responsáveis por suas capacidades expressivas. Acredito que, mais uma vez, há o indício da necessidade de abordar o fenômeno gestual, tanto composicionalmente quanto na performance, de forma não dissociada, pois este seria um elemento que surge pela necessidade de unificação de processos musicais, tanto na concepção de eventos sonoros durante o processo composicional, quanto na consciência do corpo durante a performance.

Como visto acima, alguns estudos indicam que é possível encontrar certas convenções gestuais compartilhadas de certa forma na performance e na compreensão de um determinado repertório, este composto em sua maior parte nos séculos XVIII e XIX. Contudo, a ação corpórea do instrumentista na performance de música contemporânea, principalmente aquela não composta dentro do paradigma da tonalidade, é o ponto de maior interesse para a realização do presente trabalho, dado que acredito poder existir uma forte relação entre a concepção composicional do final do séc. XX e o surgimento das pesquisas em performance que datam da mesma época, mesmo sendo esta relação aparentemente mais próxima da abordagem ideológica do que numa contribuição investigativa convergente.

Até o momento, foram expostas abordagens do gesto na performance musical que atribuem diversas qualidades a esta ação na execução instrumental. Sendo possível compreender a contribuição deste fenômeno pela suas qualidades epistemológicas e cinestésicas, julgo necessário investigar como o gesto pode ser explorado durante a preparação de uma performance, visando influir nas propriedades significativas desta.

A seguir, será exposto como o gesto é concebido pelo compositor italiano Luciano Berio, além de outros fatores que contextualizam a composição da obra abordada neste trabalho.

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1.4. Gesto e Berio

Para autores como Castellani (2010) e Bonafé (2001), o conceito de gesto musical admitido por Luciano Berio é indissociável da história. De acordo com Bonafé (2001, pág. 4), essa relação do gesto com a história tem duplo sentido. Um deles seria “a história do gesto através dos séculos” e o outro “a história energética própria a este gesto, restrita ao espaço-temporal de uma determinada peça”. Sendo assim, na primeira situação encontramos uma concepção do gesto vinculado à convenção, ou seja, a referencialidade gerada por determinado gesto musical, e, na segunda situação, uma preocupação com a estrutura discursiva dos eventos sonoros de determinada peça. Segundo Castellani, Luciano Berio aponta que podemos entender o gesto como a ação de suscitar um

processo de comunicação qualquer; ou seja, um ato de seleção e atualização de procedimentos deduzidos de um contexto significativo inseparável de seu aspecto cultural. Ao fazer um gesto assume-se suas significações e toma-se uma posição com relação à sua história (Castellani, 2010, pág. 13).

Outro ponto que acredito ser de importância salientar na postura composicional de Berio é sua relação com o conceito de Obra aberta formalizado por Umberto Eco. Segundo Bonafé (2001, pág. 4):

Além de sua dupla relação com a história, para Berio também é inerente à categoria de gesto a tensão existente entre fechamento e abertura: por um lado, gesto é um elemento bem delimitado, cuja personalidade se imprime de maneira direta; por outro lado, para que um gesto não se degenere em símbolo, é necessário que ele se mantenha como uma estrutura suficientemente aberta, capaz de se remodelar segundo cada contexto. Assim, para Berio, é fundamental o estabelecimento de um jogo permanente de construção e desconstrução dos gestos no interior das peças, conferindo a eles um caráter processual.

A peça que será abordada, Sequenza XI, faz parte do ciclo Sequenze (plural de

sequenza em italiano), que consiste em 14 obras escritas para instrumentos solo entre os

anos de 1958 e 2003. De acordo com Porcaro (2003), Berio atribuiu o nome ao ciclo pelo fato de as peças terem em comum o tratamento sequencial de diferentes campos harmônicos. O autor alega que Luciano Berio não deixa claro o que ele compreende

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como campos harmônicos, contudo, é obviamente descartada a atribuição que se aplica ao termo na música tonal. Sendo assim, tal termo empregado por Berio se torna mais coerente se visto como um processo composicional que fixa determinadas alturas, ou melhor, coleções de notas. Porcaro (2003) também alega que, após a publicação do ciclo completo, o compositor incluiu 3 itens que também poderiam unificar as obras: o virtuosismo, a polifonia e o idiomatismo, que serão investigados a seguir.

Halfyard (2007) alega que Berio aborda a escrita de cada instrumento solo desenvolvendo durante o discurso musical “menções simbólicas” à utilização histórica do instrumento utilizado. Esse processo composicional de Berio atua como uma espécie de citação do repertório atribuído a cada instrumento, e este tipo de referência ainda se relaciona com outro elemento atribuído ao ciclo, o virtuosismo. De acordo com Halfyard:

O detalhe rítmico e melódico da escrita de Berio e a coreografia do solista determinam que o virtuosismo é apresentado como parte da peça e não como algo adicional, ou mesmo uma substituição da música na performance. Assim, o significado das Sequenze começa a emergir quando visto à luz do passado do repertório instrumental” (Halfyard, 2007, pág. 2).

Tratando desta abordagem composicional de Berio especificamente na Sequenza

XI, Porcaro (2003) alega que o compositor utiliza a referência idiomática de dois

universos atribuídos ao violão, o erudito e o flamenco. Bogunović, Popović e Perković (2009) apresentam um depoimento de Berio em que o compositor alega que, pelo fato de ser muito atraído pela transformação das técnicas instrumentais e vocais durante a história, nunca tentou mudar a herança genética dos instrumentos utilizados no ciclo

Sequenze, buscando não os utilizar “contra sua própria natureza” (Bogunović, Popović & Perković, 2009, pág. 2).

Segundo Porcaro (2003) e Castellani (2010), a concepção de Berio sobre o virtuosismo não é empregada se referindo a uma espécie de “exibicionismo” que se atribui ao termo, mas sim à capacidade do performer em mentalizar eventos sonoros complexos fornecidos pela partitura e executá-los no instrumento. Não obstante, Porcaro (2003) alega que, para Berio, virtuosismo consiste na tensão que surge entre a novidade e a complexidade de pensamento musical, e a imposição de sua efetivação no instrumento. Bogunović, Popović e Perković (2009) ainda afirmam que, “Para Berio, o melhor performer é capaz de comprometer-se com o único tipo de virtuosismo que é aceitável atualmente, o da sensibilidade e inteligência” (Bogunović, Popović & Perković,

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2009, pág. 2).

De acordo com Ferraz (1998), um importante aspecto a ser destacado na série das

Sequenze de Luciano Berio é a polifonia. O autor compara o ciclo de peças compostas

por Berio com a técnica de melodia polifônica que Johann Sebastian Bach aplica em algumas obras para instrumento solo, como as Partitas para violino e Suítes para violoncelo, onde a percepção da polifonia não ocorre de forma simultânea, mas sim justaposta. Tal postura pode ser constatada pelo próprio depoimento do autor numa entrevista realizada com Rosana Dalmonte (Berio, Dalmonte & Varga, 1985). Segundo Halfyard (2007), o modo de escuta polifônico desenvolvido nas Sequenze por Berio tem como intenção engajar o ouvinte a participar de forma ativa na construção de significados de cada obra. Há aqui uma indicação da relação de Berio com o conceito de obra aberta já mencionado, que Halfyard (2007) reforça com a seguinte afirmação de Porcaro: “Deste modo, Berio almeja que o ouvinte perceba a exposição e superposição dos diferentes modos de ação e características instrumentais” (Halfyard, 2009, pág. 4). Ferraz (1998) ainda salienta que Berio adota uma postura composicional nas Sequenze em que a concepção de escrita não se constitui pela construção formal do discurso musical, mas sim por “artifícios de suporte formal” que, pelo desenvolvimento de expectativas devido à exploração da relação simétrica de elementos sonoros, tornam efetivo o tratamento polifônico de Berio, como o próprio autor afirma: “A similaridade textural dos elementos sonoros empregados na peça de Berio abre à escuta a possibilidade de que sejam encadeados ou não em eventos diversos” (Ferraz, 1988, pág. 3). Segundo Ferraz (1998), através da análise da Sequenza VII para oboé, é possível identificar como o discurso é gerado a partir da instabilidade, onde referências simétricas ou lineares não são fornecidas ao ouvinte.

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2. Métodos e procedimentos

Aqui exponho os métodos selecionados para o desenvolvimento do presente trabalho. Também serão colocadas as necessidades investigativas que direcionaram a escolha dos métodos utilizados, justificando sua aplicabilidade. Logo em seguida, apresento como ocorreram tais procedimentos durante a realização desta pesquisa.

2.1. Pesquisa Bibliográfica

A pesquisa bibliográfica abrangeu revistas, jornais, e artigos acadêmicos sobre temas relacionados ao presente trabalho, nomeadamente, gesto em música, significado musical e movimento corpóreo na performance. Também foi realizada uma pesquisa acerca da vida e obra do compositor Luciano Berio, sendo incluída neste ponto a procura por gravações e pelas partituras do ciclo Sequenze. A pesquisa do material teórico foi realizada em fontes como JSTOR, anais de congressos como ANPPOM, Performa, SIMCAM e outros, além de serem utilizadas ferramentas para busca online como o site scholar.google.com.

A pesquisa bibliográfica ocorreu durante todo o desenvolvimento do trabalho, nomeadamente entre novembro de 2012 e abril de 2014. Este procedimento foi realizado através da pesquisa em fontes já citadas, visando suprir as necessidades das diferentes qualidades de material que surgiram durante a pesquisa. Esta etapa foi orientada pela investigação de como o gesto é abordado atualmente nas pesquisas em performance musical. Também foi investigado como o tema se tornou alvo de maior foco na abordagem musical, relacionando a performance com a composição musical. Por fim, foi investigada a biografia e obra do compositor italiano Luciano Berio, visando obter informações que poderiam ser úteis ao propor uma performance da peça Sequenza XI deste compositor.

2.2. Análise

Visando obter um suporte analítico da peça abordada neste trabalho, a Sequenza XI de Luciano Berio, foi realizada uma análise gestual da obra baseada no modelo

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encontrado em Bonafé (2011). Tal processo permitiu definir parâmetros a partir dos quais foram desenvolvidas as reflexões acerca das explorações gestuais possíveis na performance da obra. A análise gestual teve importância fundamental no desenvolvimento deste trabalho e terá no próximo capítulo um maior foco. Deste modo, será possível realizar uma melhor descrição de tal procedimento nesta pesquisa.

2.3. Autoetnografia

Como será possível perceber no decorrer deste trabalho, esta dissertação apresenta um perfil autoetnográfico. De acordo com Benetti (2013), tal modalidade de investigação difere da pesquisa etnográfica pela observação participativa que, segundo o autor, não ocorre na pesquisa etnográfica por esta ser baseada na relação observador/objeto. Deste modo, as ferramentas que forneceram os dados para o presente trabalho foram mecanismos úteis a este tipo de perfil investigativo, como a auto-reflexão e a análise de gravações, aonde analisei minhas próprias performances e sessões de estudo. Autores como Anderson (2006) e Benetti (2013) alegam que a pesquisa etnográfica apresenta qualidades importantes que podem ser fundamentais na obtenção de dados para determinado tipo de investigação; dentre tais qualidades, destaco algumas como: “a proximidade do investigador com os dados pode permitir o acesso a informações antes ocultas ou imperceptíveis sobre o sujeito da ação” (Benetti, 2013, pág. 165); “o caráter experiencial da autoetnografia permite uma visão profunda sobre o fenômeno envolvido” (Benetti, 2013, pág. 166); “o pesquisador/objeto de estudo representa (e deve representar) uma amostra fidedigna individual sobre o evento” (Benetti, 2013, pág. 166). Acredito que estas condições da pesquisa de caráter autoetnográfico a tornou uma metodologia fundamental para a realização desta dissertação. Meu envolvimento com o tema e a consciência de abordar tal processo na performance de forma sincera me induziram a adotar um perfil autoetnográfico neste trabalho.

2.4. Diário reflexivo

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Benetti (2013), adaptado a partir de Gray e Malins (2004), e teve a funcionalidade de registrar como o processo de desenvolvimento da performance da obra selecionada ocorreu. O diário reflexivo consistiu no registro escrito de minhas impressões acerca dos estudos programados. Após cada sessão de estudo ser efetuada, escrevi como percebi, durante a preparação da performance, o desenvolvimento das estratégias adotadas. Após este procedimento, analisei as gravações audiovisuais realizadas sobre as sessões de estudo e desenvolvi considerações sobre a relação entre a impressão dos movimentos corpóreos durante a prática instrumental e a percepção “externa” de tais movimentos. Este modelo de dados coletados foi de importância tanto para considerações pontuais, justificando mudanças na progressão do estudo diário, quanto para as considerações realizadas no final do trabalho, onde foi possível ter uma visão global do processo de preparação da performance.

2.5. Gravações audiovisuais

Foram realizadas, durante a pesquisa, dois tipos de gravação: o primeiro consistiu em registros audiovisuais da performance de trechos da peça, realizados anteriormente ao estudo orientado pela reflexão acerca do gestual; o segundo tipo consistiu em gravações que visaram dar suporte ao diário reflexivo, registrando a rotina de preparação da performance assim como as estratégias que foram adotadas durante o estudo dos trechos.

As gravações foram fundamentais por proporcionarem ao pesquisador uma perspectiva “externa” da própria performance, uma outra experiência do fenômeno, em que foi possível conferir a correspondência entre a consciência dos gestos realizados durante a performance e a percepção destes pela gravação.

Estes registros audiovisuais ocorreram somente na terceira etapa de estudo, onde a aplicação da gestualidade foi designada. Estas gravações foram importantes tanto nas considerações ao final do trabalho, estabelecendo assim relações do preparo da performance com o concerto, quanto para a análise e autoavaliação que ocorreu frequentemente durante este estágio da pesquisa. As gravações tiveram a duração determinada pelo tempo de estudo programado na preparação da peça.

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2.6. Escuta e análise de outras obras do compositor Luciano Berio

Este ponto do trabalho teve importância por possibilitar estabelecer relações entre a obra abordada e as peças que pertencem ao ciclo Sequenze. Desta forma foi possível criar ligações entre a escrita e a realização sonora de diferentes eventos musicais, o que forneceu ao intérprete uma gama maior de conhecimento sobre as ações instrumentais sugeridas pelo texto musical.

2.7. Estudo da obra – preparação para performance

Tendo como base a discussão acerca da gestualidade do instrumentista encontrada na recente produção acadêmica, foram propostas ações corporais para serem realizadas na performance da peça selecionada. As propostas de ação gestual têm como ponto de partida relações estruturais internas do discurso musical da Sequenza XI, principalmente no que diz respeito ao conceito de polifonia latente que, segundo autores como Ferraz (1988), foi utilizado por Berio no ciclo de peças Sequenze. Deste modo, foi possível obter uma compreensão estrutural da obra que satisfez as necessidades de minha proposta de trabalho. Esta etapa teve como objetivo fornecer, pela identificação dos eventos gestuais na peça, uma compreensão dos eventos sonoros que pudessem orientar a escolha dos procedimentos técnicos instrumentais necessários para a efetivação da performance. Tal escolha das ações instrumentais teve como objetivo a exploração gestual do instrumentista.

Também foi estudada a aplicabilidade dos conhecimentos derivados da análise na rotina de estudo do performer. Deste modo, fez parte deste ponto a elaboração de mapas de estudo onde foram determinadas formas de abordar a peça, afim de reconhecer e resolver as dificuldades que foram encontradas na execução instrumental dos fenômenos musicais. Foram utilizadas técnicas de estudo em que fossem claras as delimitações dos objetivos específicos no estudo diário.

O processo de pesquisa gestual e aplicação à peça Sequenza XI ocorreu durante todo o desenvolvimento do trabalho, contudo, houve abordagens distintas relacionadas aos métodos de estudo para a performance. As diferentes etapas foram:

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rotina de estudo não visasse explicitamente a inclusão de atitudes gestuais na execução da peça. Resumidamente, a peça, neste ponto, foi preparada para uma performance através de um processo de trabalho que o músico julgou como “habitual” em sua prática. Este processo ocorreu entre dezembro de 2012 e setembro de 2013.

b) A segunda etapa consistiu no estudo mental da partitura, através da leitura dos eventos sonoros e da memorização tanto da estrutura da peça como das ações corpóreas selecionadas para a performance. Esta fase ocorreu de forma conjunta à escuta e análise das outras peças do ciclo Sequenze, possibilitando orientar determinadas escolhas interpretativas pela conscientização de como determinados eventos sonoros são utilizados na escrita de Luciano Berio. O compositor alegou que uma das características deste ciclo é o virtuosismo, e, para Berio, este termo designa a capacidade do performer em materializar eventos sonoros que são elaborados mentalmente. Esta etapa foi realizada entre outubro de 2013 e fevereiro de 2014.

c) A terceira e última etapa consistiu no estudo da peça novamente ao instrumento com a diferença de que a rotina de estudo programada visou a aplicação e exploração da gestualidade na performance. Aqui a concepção sonora e discursiva da peça, adquirida nas etapas anteriores, foi valorizada através de estratégias de estudo que pretenderam efetivar a aplicação dos conhecimentos adquiridos. Esta etapa de estudo foi gravada parcialmente, registrada no diário reflexivo (ver 3.1) e submetida a autoavaliação. Este processo ocorreu dentre os meses de março e abril de 2014.

2.8. Tratamento de dados

Os dados obtidos nos procedimentos acima descritos foram organizados pela codificação de conteúdos e estabelecendo categorias. Deste modo foi possível organizar os conteúdos fornecidos durante a pesquisa bibliográfica, análise e gravações, utilizando-os de acordo com a finalidade proposta neste trabalho.

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3. Descrição dos resultados

Acredito que, através da exposição da revisão bibliográfica, pude demonstrar como o gesto é atualmente abordado nas pesquisas em performance musical. Tal abordagem é fruto de uma relação entre diversos fatores como: a abordagem do conceito de gesto na prática composicional, visto em Zampronha (2005); o estágio atual do gesto na performance em função de condições históricas dessa prática; por fim, estudos que, embasados em outras áreas como a neurociência, investigam a dimensão expressiva do gesto em várias atividades humanas, incluindo na performance. Nesta etapa também foi possível constatar que, embora haja uma vasta gama de trabalhos que abordam as capacidades expressivas e cinestésicas do gesto na performance, poucos trabalhos, como o realizado por Pierce (2007), investigam como a exploração de tais ações corpóreas podem ser concretizadas numa performance.

3.1. Análise Gestual

Antes de delimitar quais seções da peça seriam submetidas ao estudo diário e gravadas em vídeo, realizei a descrição dos tipos de gestos sonoros encontrados na Sequenza XI. Consciente de certas manifestações musicais gestuais que ocorrem na peça, tive a possibilidade de realizar uma reflexão que fosse de encontro às proposições de ação gestual do instrumentista na abordagem da peça.

Ao analisar a obra Sequenza XI de Luciano Berio utilizei o modelo de mapeamento gestual proposto por Bonafé (2011). Segundo a autora, Berio confere aos gestos um caráter processual na composição musical, desconstruindo-os e reconstruindo-os no interior da peça. Castellani coloca da seguinte forma a abordagem gestual de Berio na prática composicional:

Luciano Berio aponta que podemos entender o gesto como a ação de suscitar um processo de comunicação qualquer, ou seja, um ato de seleção e atualização de procedimentos deduzidos de um contexto significativo inseparável de seu aspecto cultural. Ao fazer um gesto assumem-se suas significações e se toma uma posição com relação a sua história (Castellani, 2010, pág. 13).

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Sonata per piano forte de Berio consiste na identificação de fenômenos sonoros de naturezas distintas, e a classificação dos perfis de realização morfológica destes eventos. A autora, que alega também a noção de obra aberta como elemento importante para a compreensão da postura composicional de Berio, após a primeira etapa de classificação, investiga os procedimentos utilizados pelo compositor italiano na manipulação do discurso musical, relacionando estes eventos gestuais por um processo de transformação que ocorre através de quatro procedimentos: a sobreposição, a modulação, o agrupamento, e a transição.

O que pretendi, através da classificação dos eventos gestuais na peça Sequenza XI, é verificar como Berio relaciona tais manifestações sonoras com níveis de tensão atribuídos a outros aspectos acústicos, como consonâncias e dissonâncias geradas a partir da série harmônica. Porcaro (2003), que investiga o tratamento polifônico de Berio na Sequenza XI, aponta outros conceitos de tensão discursiva abordados por Berio, como tempo, dinâmica, altura, e dimensão morfológica.

3.1.1. Classificação gestual 1 – Identificação dos eventos sonoros

Após a análise, foram identificados dez modelos de comportamentos sonoros distinguíveis separadamente; obviamente, a interação destes gestos também pode ser compreendida como um fenômeno sonoro e analisado de forma macro-estrutural. No entanto, irei me limitar a princípio em discutir as peculiaridades de cada evento gestual distinto, visando a sua aplicabilidade instrumental.

O gesto A (fig. 1), o primeiro a ocorrer na peça, consiste numa sequência de acordes ritmicamente irregulares, executados em tempo lento. Este evento ocorre geralmente em dinâmicas p, articulando os acordes geralmente em legatos, e acompanhados pela indicação de serem realizados dolcemente.

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Figura 1: Exemplo de

gesto classificado como A (pág. 1)2

O gesto B (fig. 2), tipo de ação que ocorre frequentemente durante a peça, consiste em blocos harmônicos que são executados através de rasgueados. Estes eventos sonoros ocorrem ritmicamente de duas maneiras: sob a indicação para serem realizados o mais rápido o possível; através da utilização de diversos modelos de quiálteras. Acredito ser importante destacar que esses eventos sonoros portam uma densidade notória dentro da peça, e entendo como maior densidade a existência de três elementos contidos nestes fenômenos sonoros: 1) o fato das dinâmicas sempre serem executadas acima de ff; 2) a própria natureza da ação técnica do rasgueado, que implica na emissão de várias notas ao mesmo tempo, ou seja, implica numa maior execução simultânea de frequências; e 3) o último, também caracterizado pela natureza técnica, consiste na repetição rápida dos blocos harmônicos, um comportamento sonoro quase contínuo, mais denso do que outras passagens em que o pontilhismo, característica idiomática do violão, é utilizado.

2 Devido ao fato da escrita da peça não utilizar barras de compasso, não foram registrados números de compassos nos exemplos musicais. A edição da peça analisada nesta dissertação foi publicada por Universal Edition (Berio 1988).

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Figura 2: Exemplo de gesto classificado como B (pág. 1)

Foram classificados como gesto C (fig. 3) os movimentos melódicos rápidos que se comportam mantendo um perfil direcional. Estes gestos são escritos de duas formas na peça, usando a figura de fusas, e com a indicação de que devem ser executados o mais rápido possível. Estes eventos sonoros se apresentam em maior número com direcionamento ascendente, no entanto, há também movimentos descendentes e com mais de uma direcionalidade.

Figura 3: Exemplo de gesto classificado como C (pág. 1)

O gesto D (fig. 4) consiste na alternância de três notas que se apresentam em grau conjunto, indicadas para serem executadas o mais rápido o possível; este fenômeno sequencial gera uma alusão de “movimento circular”. Neste gesto, uma nota serve sempre como eixo de transição entre as outras duas, se comportando unicamente da seguinte forma: a nota mais grave do cluster sempre inicia o evento, seguida do intervalo

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de segunda menor, há o retorno à nota mais grave da coleção que salta para o intervalo de segunda maior, completando o cluster. O que acho interessante neste evento é a forma de Berio realizá-lo: o movimento circular de cluster de três notas é bastante encontrado no repertório contemporâneo, porém, com uma diferença: a nota que serve como eixo entre as outras duas geralmente é a nota do meio; deste modo, o cluster acaba por reforçar a altura mediana, sendo que as duas notas extremas funcionam como sensíveis que direcionam à percepção da nota central nesta coleção de três notas em grau conjunto. Quando Berio utiliza a nota inferior do cluster como ponto de transição das outras alturas, ele desestabiliza a compreensão do evento de forma estereotipada evitando a afirmação do eixo pela série harmônica.

Figura 4: Exemplo de gesto classificado como D (pág. 1)

O gesto E (fig. 5) é similar aos gestos classificados como “C”, por designar movimentos melódicos a serem executados rapidamente. A escrita ocorre da mesma forma do outro evento, através da utilização de fusas e de indicações para se executar o mais rápido possível. O que distingue estes dois gestos é que, ao contrário do gesto C, o gesto E não se comporta direcionalmente, ou melhor, sua sucessão de alturas não é linearmente intencionada a um movimento ascendente ou descendente. O que ocorre no gesto E é um movimento descrito por Bonafé (2011) como “zigue-zague”: sendo assim, temos um evento sonoro que se comporta alternando as alturas de forma não linearmente coerente. De forma resumida, apesar da similaridade, o gesto C é um movimento escalar, e o gesto E não.

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Figura 5: Exemplo de gesto classificado como E (pág. 1)

O gesto F (fig.6) é caracterizado pela fixação de uma determinada altura sendo executada de forma conjunta a uma segunda voz; o termo instrumental utilizado seria um tremolo acompanhado por uma segunda voz. Esta técnica é comumente utilizada no repertório do violão erudito, fazendo parte de uma gama de ações idiomáticas bastante associadas ao instrumento. Acredito que este evento integra o leque de referências que Berio faz ao repertório erudito do violão, assim como o rasgueado é associado ao flamenco. O tremolo, assim como o rasgueado, é um tipo de ação instrumental no violão que mais se aproxima de um evento sonoro contínuo, assim como os produzidos por um instrumento de sopro, ou mesmo pela voz humana, portanto temos a sustentação de determinadas alturas e uma outra voz “pontilhada”, que formam uma forma de polifonia neste gesto.

Figura 6: Exemplo de gesto classificado como F (pág. 4)

O gesto G (fig. 7) é constituído por melodias lentas com rítmica irregular, porém, com variações temporais sutis, ao contrário da forma abrupta que essas variações ocorrem em outras seções da peça. Neste evento encontram-se melodias de uma a três vozes, que, quando são inseridas, se comportam polifonicamente, de forma diferente do

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deslocamento dos blocos harmônicos encontrados nos trechos de rasgueados ff. Acredito que a execução deste gesto também encontra na escrita uma determinação relativa, sendo mais importante o intérprete evidenciar na performance os alargamentos e as contrações temporais, do que executar este comportamento sonoro de forma metricamente rigorosa.

Figura 7: Exemplo de gesto classificado como G (pág. 2)

O gesto H (fig. 8) que é o mais breve de todos os outros aqui classificados, consiste na execução de quatro notas repetidas o mais rápido possível com um pizzicato Bartók no final. Este gesto apresenta uma direcionalidade dinâmica, sendo que, além do pizzicato Bartók, que já implica numa dinâmica fortíssima, este evento sempre vem com a indicação de crescendi. A nota a ser repetida quatro vezes é a nota mais grave do instrumento (6ª corda – mi), e a altura em que se realiza o pizzicato é variável. Também é perceptível neste gesto o fato de que ele sempre é exposto após trechos em dinâmicas p ou inferiores, o que faz com que tais gestos sejam bastante destacados perceptualmente.

Figura 8: Exemplo de gesto classificado como H (pág. 2)

O gesto I (fig. 9) consiste na repetição rápida de duas alturas distintas. Este gesto é empregado na escrita através das duas formas mais comuns de obter velocidade nesta peça, ambos já descritos, o uso de fusas e indicações de execução mais rápida o

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possível. No gesto I, os intervalos de quarta justa e quarta aumentada ocorrem quando este é exposto. Porcaro (2003) indica a importância destes intervalos como elementos na elaboração da Sequenza XI: segundo o autor, o intervalo de quarta justa, presente na afinação do violão, e o intervalo de quarta aumentada, são importantes elementos no desenvolvimento do perfil desta peça, havendo um diálogo entre a harmonia de quarta justa da afinação do violão e uma “outra” harmonia.

Figura 9: Exemplo de gesto classificado como I (pág. 6)

O gesto J (fig. 10) consiste na repetição ritmicamente regular de tamboras. Esta é uma técnica em que o ataque da ação instrumental sobrepõe perceptualmente as alturas das notas dando ao evento sonoro um caráter percussivo. Além destes trechos apontados, há a inserção de tamboras em vários outros trechos da peça, que funcionam tanto como ligação entre eventos sonoros distintos como apenas mudanças na característica tímbrica de acordes.

Figura 10: Exemplo de gesto classificado como J (pág. 10)

Referências

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