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Parla: diálogos corporais movidos por sensações fluentes em improvisação

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS

GABRIELA GORGES

PARLA: DIÁLOGOS CORPORAIS MOVIDOS

POR SENSAÇÕES FLUENTES EM

IMPROVISAÇÃO

NATAL/RN

2018

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GABRIELA GORGES

PARLA:

Diálogos corporais movidos por sensações fluentes em improvisação

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Artes Cênicas.

Orientadora: Profª. Drª. Patrícia Garcia Leal

Natal/RN

2018

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Gorges, Gabriela.

Parla : diálogos corporais movidos por sensações fluentes em improvisação / Gabriela Gorges. - 2018.

144 f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Natal, 2018.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Patrícia Garcia Leal.

1. Emoções. 2. Sentidos e sensações. 3. Dança. 4. Expressão corporal. 5. Parla. I. Leal, Patrícia Garcia. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 793.3

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Dedico esta pesquisa a Solange Gameiro (in memoriam) que por muitos dias permaneceu em meus pensamentos enquanto escrevia páginas desse texto, abriu asas de seus filhos e precisou deixar que voassem sozinhos. A esse exemplo de mulher, toda a minha gratidão por ter sido parte fundamental de minha dança.

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AGRADECIMENTOS

A todas as energias de luz que sempre me acompanham.

Ao meu pai Patrício Gorges e minha mãe Indiamara Gorges que sempre estiveram dispostos a fazer de tudo para que meus desejos de crescimento fossem realizados, sempre com muito incentivo, cuidado, carinho e amor.

À minha irmã Natália Gorges, meu lindo presente, por me apoiar em tudo, sempre muito prestativa e presente.

À minha noiva Larissa Paraguassú, por me acompanhar e segurar minhas mãos com todo seu cuidado e compreensão, sempre incentivando e estando à disposição com esse amor transbordante.

À minha orientadora Patrícia Leal, sempre doce e carinhosa, por toda atenção, cuidado e orientação à pesquisa.

À banca examinadora Karenine Porpino e Rosa Primo, pelas contribuições e acompanhamento. Em especial, à professora Karenine Porpino, que acompanhou a pesquisa desde o seu início, quando ainda era uma ideia para a escrita do TCC.

Aos meus professores que, indireta ou diretamente, ajudaram no desenvolvimento da pesquisa, formação artística e pessoal.

À Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pelo espaço de crescimento e formação. À turma do Chafurdo que fez da rotina motivo de muitas risadas, todos sempre dispostos a ajudar da melhor forma possível, pude encontrar artistas e pesquisadores cheios de vida.

Às minhas conversantes Júlia Vasques, Larissa Paraguassú, Margoth Lima e Thaíse Galvão por mergulharem tão intensamente em minhas propostas, sempre com muita verdade e disponibilidade. Agradeço por todo apoio, que além de grandes artistas, são pessoas que carrego para a vida toda.

Ao irmão de alma que o mestrado me deu, Iego José, que esteve sempre ao meu lado nessa jornada.

Ao André Rosa, por sempre, organizada e carinhosamente, estar disposto a colaborar com o trabalho.

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À Escola de Dança do Teatro Alberto Maranhão e Cia. de Dança do Teatro Alberto Maranhão, em nome de Wanie Rose, por ceder o espaço para a realização da pesquisa, sempre apoiando seus bailarinos e professores. Espaços de aprendizagem mútua.

Aos integrantes da CDTAM, companheiros e amigos de arte, que em muito contribuíram para o andamento da pesquisa e minhas reflexões diárias.

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Mergulho em consciência, um silenciar antecedente de uma reposta. Pergunto-me para iniciar na sorte do acaso. Meditar o sentir em memórias, o agora, o fluxo. Liberdade de escolha, assunto, atmosfera. Diálogos em intimidades pela mobilidade dos fluidos, suas líquidas levezas inundam lentamente. Conversas molhadas.

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RESUMO

A presente pesquisa teve por objetivo investigar, perceptiva e sensivelmente, as sensações, sentimentos e emoções (DAMÁSIO, 2011; LABAN, 1978; LEAL, 2012) como meios potentes para a criação em dança, considerando o processo histórico, cultural e pessoal do indivíduo. Para tanto, a pesquisa, de cunho participante, (BORGES; BRANDÃO, 2007) contou com investigações laboratoriais realizadas em grupo, com a participação de cinco artistas, denominadas conversantes, buscando diálogos corporais fundados na sensibilidade que, por sua vez, desencadeiam construções dramatúrgicas envolvidas por memórias, afetos e percepções. Dentre conversas, o trabalho artístico

Parla compartilha suas experiências laboratoriais ao público. A escrita-diário (OLIVEIRA, 2015)

aparece como registro de experiências conectadas ao íntimo, pessoal, afetivo, que se apresenta, informalmente, intrinsecamente, ligado à uma escrita que possa ser mais próxima da dança. Sendo o laboratório propulsor da pesquisa, tomamos como referência o afeto de Antonin Artaud (CAETANO, 2012; QUILICI, 2002, 2012), com seu poder transformador em meio aos relacionamentos e o acaso (OSTROWER, 2013; SALLES, 2008), como possibilidade criativa capaz de despertar o inédito. A prática meditativa tem como foco e concentração a improvisação em dança, considerada como técnicas a partir dos conceitos de Mara Guerrero (2008) e Patrícia Leal (2012a), proporcionando liberdade à exploração de movimentos, encontrando características significativas como a fluidez, apoiada nos estudos de fluência de Rudolf Laban (1978), por Ciane Fernandes (2001, 2006, 2007), Lenira Rengel (2001) e Patrícia Leal (2012a), associada à liquidez dos fluidos de Zygmunt Bauman (2001). Logo, pesquisar a importância de uma dança, que parte de si sem negar ou separar o próprio sentir, contribui para a construção de uma arte que expressa o humano, investigando a desestruturação de paradigmas cristalizados de pensar a dança existente mesmo nos dias de hoje.

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ABSTRACT

The present research aims to investigate, perceptually and sensibly, the sensations, feelings and emotions (DAMÁSIO, 2011; LABAN, 1978; LEAL, 2012) as potent means for the creation in dance considering the historical, cultural and personal process of the individual. Therefore, the participatory research, (BORGES; BRANDÃO, 2007) has laboratory investigations carried out in a group with participation of five artists called conversational, searching for body dialogues based on sensitivity that trigger in dramaturgical constructions involved by memories, affections and perceptions. The daily writing (OLIVEIRA, 2015) appears as a record of experiences connected to the intimate, personal, affective, that presents itself informally, intrinsically, linked to a writing that may be closer to the dance. Being the laboratory that propels the research we take as reference the affection of Antonin Artaud (CAETANO, 2012; QUILICI, 2002, 2012) with his transforming power amidst relationships and chance (OSTROWER, 2013; SALLES, 2008) as a creative possibility capable of awakening the unprecedented. The meditative practice as focus and concentration dance improvisation considered as techniques from the concepts of Mara Guerrero (2008) and Patrícia Leal (2012a), providing freedom to the exploration of movements, finding significant characteristics such as fluency supported in the studies of fluency of Rudolf Laban (1978) by Ciane Fernandes (2001, 2006, 2007), Lenira Rengel (2001) and Patrícia Leal (2012a) associated with the Liquidity of Zygmunt Bauman (2001) fluids. Searching for the importance of a dance that part of itself without denying or separating one's own feelings contributes to the construction of an art that expresses the human, investigating the destructuring of crystallized paradigms of thinking the dance existing even today.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 Cena final desenhada 27

Imagem 2 Golpe 30

Imagem 3 Gesto de ―tapar‖ 32

Imagem 4 Cena final 34

Imagem 5 #foratemer 35

Imagem 6 Primeiramente For a Temer 35

Imagem 7 Carta 36

Imagem 8 Continuação da Carta 37

Imagem 9 Última Carta 38

Imagem 10 Querendo almoçar comida de verdade 39

Imagem 11 Macarrões 41

Imagem 12 Pizza! 41

Imagem 13 Fotografia do pirulito 42

Imagem 14 Universo 45

Imagem 15 Sei lá... Com sono 47

Imagem 16 Balançar de bumbum 49

Imagem 17 Mulheres 51

Imagem 18 Mulheres conversantes 55

Imagem 19 Só alegria com vocês 56

Imagem 20 Abraços observados 59

Imagem 21 Giros 60

Imagem 22 Boneca Gabi e bone Thaíse 61

Imagem 23 Boneca Júlia 62

Imagem 24 Vitrine de bonecas/Fotografia descongelada 63

Imagem 25 Residência artística Improcesso 3 90

Imagem 26 Performance Poesia e Perfume 91

Imagem 27 Ponto Morto 103

Imagem 28 Parla (ABRACE) 128

Imagem 29 Parla (ABRACE) 129

Imagem 30 Parla (ABRACE) 130

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

CAPÍTULO I – DIÁRIOS DANÇADOS 22

Temerosa 24

Tranquila, de bem com a vida 25

Sentindo 26

Em desequilíbrio 28

Golpe 30

Querendo almoçar comida de verdade 31

Envolvida por amo 43

Sei lá... Com sono 47

Mulheres 51

Nona conversa 52

Só alegria com vocês 56

CAPÍTULO II – CONVERSAS: OS ASSUNTOS PERMEADOS 65 Transformações constantes: entre afetos e percepções 65

Experiências meditativas 72

Repetição e processo ininterrupto 76

A importância do registro: diários 81

Diálogos improvisativos 83

A Conversa Corporal 103

CAPÍTULO III – LÍQUIDA FLUIDEZ SENTIDA 106

Bauman e a dança: relações entre sociedade líquida e o fluido mover 113

O diálogo dos acasos 121

Processo de construção cênica e experimentos públicos: Parla 124

CONSIDERAÇÕES CONTÍNUAS 135

REFERÊNCIAS 139

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa teve como objetivo geral investigar, perceptivamente e sensivelmente, as sensações, sentimentos e emoções (DAMÁSIO, 2011, 2012; LABAN, 1978; LEAL, 2012a, 2012b) como meios potentes para a criação em dança, considerando o processo histórico, cultural e pessoal do indivíduo. Especificamente: (1) identificar características e questões intensificadas pelo procedimento da Conversa Corporal e pelo grupo participante da pesquisa em laboratório de criação; (2) destacar a importância de diários de bordo para documentação, criação e escrita acadêmica; (3) discutir a improvisação e técnicas de dança na contemporaneidade; (4) traçar conexões entre o fator fluência em Rudolf Laban e os fluidos e líquidos em Zygmunt Bauman e a dança; (5) proporcionar diálogos corporais e textuais através da dança; e (6) desenvolver a construção artística cênica do trabalho Parla.

Para tanto, foi necessário investigar de que forma os sentimentos e emoções afetam a fluência dos movimentos a partir do que é sentido no momento de experimentação. Para dialogar sobre fluência ancoramo-nos nos estudos do movimento de Rudolf Laban (1978) a partir também de autores como Ciane Fernandes (2006, 2001), Patrícia Leal (2012a) e Lenira Rengel (2001), trazendo este fator do movimento como apoiador da expressão de sentimentos e emoções, entrecruzando com as ideias de fluxo de Zygmunt Bauman (2001, 2007) inerente aos líquidos que fluem por sua natureza.

O termo Parla, escolhido como título da dissertação e da experiência cênica, faz um convite aos diálogos. Palavra utilizada no idioma italiano, apresentando o significado de troca de ideias, palavras, uma conversa, falar. A presente pesquisa, então, se encontra disponível a reflexões, discussões, troca de ideias, energias, de forma a dialogar com autores, artistas, leitores, mundo. Aqui, propõe-se um entrelaçar das mais variadas falas, que se somam ao desenvolvimento da pesquisa e percepções sobre a vida. Há escuta, fala, conversa.

A pesquisa proposta dá continuidade ao trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Licenciatura em Dança pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em 2015, intitulado Conversa Corporal: um diálogo através de procedimento metodológico de criação em

dança, que dialogou com autores como Alleoni (2013), Almeida (2012), Faria (2011), Krischke

(2014), Leal (2009), Leite (2005), Oliveira (2014), Porpino (2009) e Rengel (2005 e 2001) sobre a criação em dança, improvisação, Contato Improvisação; a criação como educação e desenvolvimento artístico e profissional, descrevendo um procedimento metodológico de criação,

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desenvolvido por mim, através de influências em referências práticas vivenciadas em cursos, workshops e aulas.

Tais experiências foram vividas na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), durante as disciplinas oferecidas pelo curso de Licenciatura em Dança: Composição Coreográfica, com a Professora Maria de Lurdes Barros da Paixão, Dança e Educação, com a Professora Karenine de Oliveira Porpino, Corpo e Movimento, com o Professor Maurício Motta, junto ao projeto de extensão (Com)tatos e Improvisações, coordenado pelo Professor Sávio de Luna, na Cia. de Dança do Teatro Alberto Maranhão (CDTAM), na qual estou integrada atualmente, sob a direção de Wanie Rose; em residências artísticas, durante Encontro Nacional de Dança Contemporânea do Rio Grande do Norte, com a Professora Vanessa Macedo e minhas primeiras experiências com a dança na cidade de Jaraguá do Sul/SC, com o Balé da Cidade de Niterói do Rio de Janeiro (GORGES, 2015).

A importância da experiência é fundamental para nosso próprio crescimento, todas essas vivências, apontadas dentre tantas outras inúmeras, que fruem tanto no âmbito artístico quanto além dele (sem querer dissociar vida e arte, mas apenas apontando as especificidades da experiência que se interligam) têm seu papel essencial para a construção do ser que me compõe e que se desdobra em, minhas criações e reflexões:

[...] a melhor coisa que pode acontecer a um artista é a existência de outros artistas. Sempre crescemos com as experiências e realizações de outros artistas e enriquecemos espiritualmente com sua obra. Assim ganhamos maior liberdade para criarmos nossa própria obra individual (OSTROWER, 2013, p. 270, grifo do autor).

Jorge Larrosa (2002) reflete a experiência como algo diretamente ligado ao indivíduo. Diariamente, muitos acontecimentos passam, porém, quando nada nos toca não vivenciamos uma experiência, a experiência nos atravessa e, de alguma forma, vivenciamo-la quando algo acontece em nós. Ao nos atravessar, tem a capacidade de nos formar e transformar.

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2002, p. 24).

Enquanto sujeitos da experiência, diz-se do lugar onde os acontecimentos sucedem, uma área sensível aos afetos, um campo receptivo e que dá espaço ao que chega. O sujeito da

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experiência é definido por sua passividade e disponibilidade, passividade não no sentido entre a oposição de ativo e passivo, mas refere-se a ―[...] uma passividade feita de paixão, de padecimento, de paciência, de atenção, como uma receptividade primeira, como uma disponibilidade fundamental, como uma abertura essencial‖ (LARROSA, 2002, p. 24).

Logo, a transformação própria concerne apenas ao sujeito da experiência que se propõe abertamente às oportunidades, e Larrosa (2002) ainda relaciona a experiência à paixão, pois, não é possível aproveitar a experiência como consequência de uma lógica de teorias de possibilidade da ação, de uma reflexão de si enquanto agente, mas sim, da reflexão de si enquanto sujeito passional, capaz de se apaixonar.

O saber da experiência não é relacionado ao saber de informação, o saber de coisas é adquirido na maneira em como respondemos aos acontecimentos da vida e como atribuímos sentido ao que nos toca. Não se versa sobre a verdade, mas do sentido ou sem-sentido do que nos sucede (LARROSA, 2002).

Segundo Larrosa (2002) o saber da experiência é finito, diz respeito ao indivíduo em sua existência; é pessoal, particular, subjetivo. Podemos encarar um mesmo acontecimento, mas nunca a mesma experiência, por ser singular e de impossível repetição. Dizer ou aprender da experiência do outro não é possível, pois cada um tem a capacidade apenas de falar de si e do seu saber.

Portanto, o conceito de experiência, entendido através de Larrosa (2002), concerne aos aspectos que compõem a experiência da qual discorremos durante todo esse texto, a experiência que é única, correspondente a cada sujeito, vivida por suas particularidades e seus sentidos e sem-sentidos. Assim como, sua experiência, ao ler-me, difere da de outro leitor, desdobrando-me em várias possibilidades experienciais, em que, a cada nova oportunidade em reler essa dissertação, me perceberá diferente, tanto como lhe encontrará e sairá de nosso relacionamento transformado.

O termo Conversa Corporal, aqui utilizado, foi escolhido para dar nome ao procedimento metodológico de forma que significasse um diálogo entre corpos dançantes que se dá de maneira fluída e significativa, com interação entre duas ou mais pessoas, por meio da improvisação impulsionada por temas norteadores, provocativos para a criação.

A palavra conversa, para o presente contexto, refere-se a um diálogo entre duas ou mais pessoas, que se dá através do movimento, em uma troca de pensamentos, ideias e interação como forma de comunicação. O movimento aqui entendido é como todas as possibilidades de troca em diálogo, seja o corpo que se move dançando, o corpo que se move pela voz, o corpo que se move

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em música, dentre outras possibilidades. Conversa, portanto, é o termo utilizado para esta pesquisa, designando os encontros em laboratórios ou experimentos públicos através da Conversa Corporal.

A Conversa Corporal,então, dialoga com aquele que experimenta através de movimentos corporais, trocando energias, histórias e sensações através de temas, partindo da improvisação para a construção de trabalhos coreográficos, também já experimentados em exercícios de aula. Thereza Rocha (2016) comenta a respeito do diálogo e sobre o diálogo entendido na dança, dizendo que:

Quem dialoga de fato, e não simplesmente monologa, está mais ocupado em ouvir do que falar. É uma porosidade que se desdobra necessariamente em novos estados de corpo. No caso da dança, são outras qualidades interpretativas e uma infinidade de outras possibilidades de composição que aparecem a partir de um gesto dançado fabricado no ―entre‖ do diálogo, do colaborador (ROCHA, 2016, p. 104).

Ao entender essa escuta como parte essencialmente importante ao diálogo, a proposta da

Conversa Corporal assemelha-se à concepção de dança pelo Contato Improvisação, prática essa

que surgiu no início dos anos 70, nos EUA, a partir das pesquisas do bailarino Steve Paxton, que por sua vez, tinha como intuito a descoberta de uma interação entre corpos.

O ideal no Contato Improvisação é um íntimo e sincero diálogo entre duas pessoas por meio da interação entre seus corpos (...) no Contato Improvisação a ênfase é dada às percepções internas do indivíduo, usando mais a propriocepção do que a visão. (LEITE, 2005, p. 101-103)

Annie Suquet (2008) ainda explica que o Contato Improvisação é

[...] uma forma de dança fundada sobre a troca de peso entre parceiros: uma dança da ―partilha gravitária‖ [...], essa técnica, que seu criador qualifica de ―forma perceptiva‖, põe no seu coração o sentido do tato. Dos cinco sentidos tradicionais, o tato é, com efeito, o único que comporta uma reciprocidade imanente: não se pode tocar sem ser tocado. Se é necessário que haja um mínimo de duas pessoas para que se crie uma dança-contato, o número de participantes não é limitativo. Todas as superfícies do corpo, exceto as mãos, podem servir para tocar o parceiro e ser mobilizadas como apoio para abandonar seu próprio peso ou acolher o do outro. [...] Da ―troca das massas em movimento‖ decorrem variações de pressão e de força de impulsão que, por sua vez, modulam os ritmos, os acentos, as dinâmicas dos movimentos. As formas resultantes são complexas, fugazes, impossíveis de se premeditar, dado que nascem da ação como tal. Daí a noção de ―composição instantânea‖, reivindicada por Paxton. Submetido a uma turbulência gravitária fora do comum, o bailarino de contato acaba desenvolvendo novas modalidades adaptativas (SUQUET, 2008, p. 533-534).

Assim como no Contato Improvisação, a Conversa Corporal necessita de, no mínimo, dois corpos para que aconteça, não havendo uma limitação de conversantes. Porém, não obrigatoriamente, tais corpos devem estar em contato através do sentido do tato, os diálogos ocorrem independentes da distância, e o contato pode ser feito também através de outros sentidos.

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Suquet (2008) ressalta, ainda, que movimento e estado emocional não se dissociam durante a prática, e o cuidado com o outro é fundamental:

A mobilização do peso [...] é indissociável da textura afetiva do indivíduo, pois a ação reflexiva dos músculos gravitários responde as mutações do estado emocional e vice-versa. Os pressupostos da dança-contato, portanto, estão longe de serem anódinos. Implicam uma visão poética, mas também política, da relação ao outro (SUQUET, 2008, p. 535).

A autora discorre que a perda de equilíbrio e a queda consentida constituem o fundamento do Contato Improvisação. Os movimentos em seu centro de gravidade flutuam constantemente em configurações espaciais, na qual a verticalidade não está tão presente, ―Nessas situações de desorientação rápida, dá-se um black out da consciência vigil, dando lugar aos comportamentos reflexos‖ (SUQUET, 2008, p. 534-535, grifo do autor).

Paxton (1987) procurava unir esses comportamentos reflexos a mecanismos de sobrevivência, como por exemplo, controlar a queda, aprendendo a usar o corpo de forma que se distribua o impacto horizontalmente, sem agressões. Desvinculando o reflexo do medo, abrem-se portas ao enriquecimento de possibilidades inéditas. Neste caso, a consciência passa a ser uma ―testemunha serena‖ ao desconhecido, sem bloqueios, capacitando a aprendizagem (SUQUET, 2008).

Assim, segundo Suquet (2008), a consciência em estado de vigília é deixada um pouco de lado para que os reflexos se coloquem em alerta, não como associação do medo, mas como possibilidades insólitas, em que não há inibições, desde que a consciência se encontre plácida ao advento ignoto, acarretando uma maior aprendizagem.

Albernaz e Farina (2009) descrevem o Contato Improvisação como uma dança que não tem a pretensão em apresentar uma narrativa nem estruturas pré-prontas. O que interessa é a percepção pelas sensações, que cresce, quando acontece o contato com outros corpos, que escutam uns aos outros:

O Contact Improvisation se dá através de um diálogo físico entre dois ou mais corpos. Acontece em silêncio ou acompanhado de música, mas, seja como for, não se dança uma música, não se ilustra uma narrativa musical ou de outra ordem, dada a priori. Quer dizer, nessa dança não se encena nenhuma coreografia pré-pronta, não se representa um discurso gestual, estético ou ilustrativo previamente constituído. Ao dançar, cada corpo estabelece uma conexão não apenas com seus movimentos e desejos em movimento. É fundamental a percepção do próprio corpo por meio das sensações que vão surgindo em relação consigo e o solo. Mas o trabalho não pára aí. Ou melhor, ele adquire outra acuidade, força e consistência quando entra em contato com outro corpo e entende que os movimentos podem ser conjuntos; que esses movimentos constituem um espaço a ser habitado e percorrido, constituem um campo de investigação conjunta. Nesse espaço somos convocados a desenvolver, digamos, uma escuta. (ALBERNAZ; FARINA 2009, p. 550)

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E ainda:

A dança se gera a partir do encontro dos corpos. Suas velocidades e ritmos se dão na própria dança. Com o outro. Com as sensações geradas nesse encontro. Certamente que há movimentos específicos nesta dança. Esses movimentos visam favorecer a fluidez e o deslizamento dos corpos em contato. Dá-se peso a outro corpo e se oferece escuta aos movimentos gerados coletivamente. (ALBERNAZ; FARINA 2009, p. 545)

A definição de como a dança acontece durante as práticas de Contato Improvisação, segundo Albernaz e Farina (2009), está muito próxima a como se dá a Conversa Corporal nos laboratórios. A escuta dos corpos, mesmo não estando em contato como necessariamente acontece no Contato Improvisação, desencadeia a criação em harmonia e fluidez, característica inteiramente presente no Contato Improvisação. Na Conversa, não há movimentos específicos, mas eles são motivados pelas sensações das provocações e encontro com o outro.

Venho com o objetivo de trazer ao intérprete, que sente e percebe o que acontece com o corpo em laboratório, a percepção de como seu sentir influência em sua fluência. Os laboratórios são espaços abertos às experimentações, possibilitam a exploração do corpo e seus desejos moventes, reflexões, ideias, pensamentos e trocas entre os investigadores. Nossos laboratórios são organizados em quatro etapas: definição do tema, concentração/meditação, improvisação e discussão da experiência, explicados, passo a passo, no desenvolvimento da dissertação entre os conceitos que os fundamentam (Capítulo II).

Nos laboratórios desenvolvidos, geralmente, a fluência é de característica livre e líquida, em diálogo entre os corpos e os afetos que modificam, interferem, relacionam e acrescentam na dança de quem experimenta, construindo possíveis dramaturgias aos encontros laboratoriais. O Afeto aqui é entendido como o poder de afetar, transformar e contagiar, causando efeito aos corpos em meio a relacionamentos, encontros e interações entre si (CAETANO, 2012; QUILICI, 2002, 2012).

Compartilho uma citação de Durning e Waterhouse (2014), quando expõem sobre seus interesses, em suas experiências, de conduzir workshops de criação na Alemanha:

Nós estamos particularmente interessados em como o performer está representando a coreografia, especialmente quando nós começamos a re/considerar que (...) coreografia não é de longe um conjunto de movimentos predeterminados (ou passos) em uma sequência. Para nós, o performer está participando de um compromisso (ou responsabilidade) pensando e percebendo coreograficamente (DURNING; WATERHOUSE, 2014, p. 24, tradução nossa).

Trago a Conversa Corporal a fim de valorizar o indivíduo que dança, o colocando como parte primordial para a construção coreográfica e pesquisa em artes cênicas, trazendo a experiência como elemento de grande importância para impulsionar nossos questionamentos.

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Dialogo com as experiências de cinco conversantes − conversantes é um termo de minha escolha atribuído à presente pesquisa para denominar e identificar as participantes, que são criadoras/pesquisadoras/colaboradoras dos encontros laboratoriais, que, por sua vez, desenvolvem, além da pesquisa, trabalhos como bailarinas/intérpretes/coreógrafas/estudantes em dança, música, teatro, circo em Cias de dança e projetos autorais.

Diante de inúmeras e diversificadas denominações artísticas, prefiro referir-me às participantes como conversantes, relacionando-as ao diálogo fluente em dança para esta pesquisa – Edineide Lima da Silva (Margoth Lima)1, Gabriela Gorges, Júlia Cristine França Vasques (Júlia Vasques), Thaíse Galvão Marinho (Thaíse Galvão) e Larissa Caroline de Lima Paraguassú (Larissa Paraguassú) (conversante sonoplasta)2. Brevemente, apresento a seguir uma pequena caracterização das conversantes, a seber:

Margoth Lima nasceu em 1988, natural de Natal/RN. Teve experiência com dança de rua no grupo Galera Ativa (1997-2001). É formada em balé clássico pela Escola de Dança do Teatro Alberto Maranhão (EDTAM) (1999-2005). Participou do Circo Grock (2007-2012). Possui graduação em Licenciatura em História pela Universidade Estadual Vale do Acaraú. Atualmente, é professora de balé clássico na EDTAM e integra a CDTAM, desde 2006.

Júlia Vasques nasceu em 1987, natural de Natal/RN. Participou da Galpão Cia. de Dança (2006-2008), Grupo de Dança da UFRN (2008), Gaya Cia. de Dança (2010), Grupo BR de danças urbanas (2009-2012) e Visage (2013-2014). Possui graduação em Licenciatura em Dança pela UFRN. Atualmente, é professora de danças urbanas na EDTAM, baby class na Escola de ensino regular Arte de Crescer e integra a CDTAM desde 2009.

Thaíse Galvão nasceu em 1993, natural de Natal/RN. É formada em balé clássico pela EDTAM (2001-2011). Participou do Grupo Clássico da EDTAM (2008-2012). Integrou a CDTAM (2012-2016) e a Cia. Gira Dança (2017). É graduanda em Licenciatura em Dança na UFRN. Atualmente, integra a CDTAM.

Larissa Paraguassú nasceu em 1991, natural de Natal/RN. Tem formação básica em teoria musical, canto e regência. Graduada em Rádio e TV pela UFRN. Participou do grupo de canto Coral Harmus (2010-2015). Atualmente, é radialista e compositora de trilhas sonoras para dança e audiovisual.

1

Entre parênteses nome artístico das conversantes.

2 A divulgação dos nomes, imagens e depoimentos das participantes da presente pesquisa foi autorizada pelas mesmas

(19)

Nasci em 1992, natural de Jaraguá do Sul/SC, mas resido em Natal/RN, desde 2010. Participei do EDAWO (2007-2009) e E3 Grupo de Dança (2009), ambos de Jaraguá do Sul. Possuo graduação em Licenciatura em Dança pela UFRN. Atualmente, dou aulas de balé clássico na EDTAM e integro a CDTAM desde 2010.

Com cunho de pesquisa participante, abordo questões da realidade cotidiana das

conversantes, relacionadas à vida, experiências e interpretações dadas a elas em interações, me

colocando também como objeto de estudo em que o aprendizado é compartilhado (BORGES; BRANDÃO, 2007).

Realizamos a pesquisa em laboratório com encontros aos finais de semana, uma vez por semana ou quinzenalmente, de acordo com a disponibilidade das conversantes, com duração aproximada de 2 horas e 30 minutos, a depender das necessidades de cada encontro, somamos um total de 10 encontros, no período entre agosto de 2016 a abril de 2017, dispondo como sede principal a EDTAM.

Como metodologia nos processos laboratoriais, partimos sempre de uma mesma questão inicial: ―Como me sinto hoje?‖, denominando um tema a ser explorado. A meditação vem como base de foco e concentração, anteriormente à investigação de movimentos, em que me ancoro nas experiências junto à orientadora desta pesquisa e professora Patrícia Leal, no componente curricular

Elementos Técnicos e Estéticos da Dança Contemporânea e Seminário de Dissertação II,

oferecidos pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UFRN. Anterior ou posteriormente à realização de qualquer atividade criativa, Leal (2012a) propunha-nos a meditação em conjunto, a partir de um aroma, geralmente, por 10 minutos, a depender do dia e da evolução da turma.

Aproximo-me de vivências que contribuem a pensá-la por outras perspectivas dentro da dança, tendo a meditação como uma possibilidade de potencialização para a criação em dança. Participo como discente colaboradora do projeto de pesquisa acadêmica ―Pratyahara e Dyana: percepção e foco nos processos de criação na contemporaneidade‖ (2016-2018), desenvolvido por Patrícia Leal, integrado ao Grupo de Pesquisa em Corpo, Dança e Processos de Criação – CIRANDAR, da qual também faço parte, dentro da linha de pesquisa: Pedagogias da cena: corpo e processos de criação.

No CIRANDAR, também há a pesquisa da Profª. Drª. Karenine Porpino ―Dança, atenção e práticas meditativas: desdobramentos no campo artístico e pedagógico‖. Além da academia, tenho

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experienciado a prática meditativa em aulas de Yoga, no Centro de Estudos Budistas Bodisatva (CEBB)3 e na Antiga e Mística OrdemRosae Crucis (AMORC)4.

Como parte do procedimento laboratorial, a pesquisa de movimentos acontece a partir da improvisação em processos de criação (GUERRERO, 2008), entendida como técnicas de criação e técnicas de interpretação (LEAL, 2012a). Finalizando o procedimento, abrimos uma roda para compartilharmos reflexões, discussões, ideias, pensamentos, sensações, construções dramatúrgicas e de significados, a partir das experiências em improvisação.

A roda de conversa tem como reflexo as experiências nos componentes curriculares prático-teóricos do programa citado anteriormente, incluindo o componente curricular Poética e Teatro, ministrado pelo Professor Robson Haderchpek, deste mesmo programa de pós-graduação que me acolheu.

Para o desenvolvimento da escrita sobre os laboratórios, usufruo de diários de bordo das

conversantes. Tive a experiência da prática da escrita-diário, durante os componentes de Poética e Teatro, referido anteriormente e Corpo e Movimento, ministrado pelo professor Maurício Motta,

durante o curso de graduação em Dança pela UFRN. Os diários são conhecidos por manterem uma característica de relatos pessoais em linguagem informal como registro de acontecimentos, de forma intimista e confidente, próximo à subjetividade e à espontaneidade.

Considero esses diários grandes presentes sensíveis e intensos dançados em letras, desenhos, poemas, cartas em suas verdades, possuidores de muita importância para registros intensos de experiências, pois, assim como Caetano (2012) observa, ao trabalhar com diários de bordo para relatos e descrições de aulas: ―[...] Estes refletem o frescor do vivido corpóreo e constituem uma extensão do mesmo‖ (CAETANO, 2012, p. 221).

Teço conexões entre as escrituras dos cinco diários, associando, diferenciando, relatando, de maneira mais íntima e informal, as impressões e sentimentos das conversantes em todas as

conversas, havendo algumas partes digitalizadas, fruindo da escrita e representações à mão, tal qual

no diário original.

O primeiro capítulo é apresentado com uma característica de escrita e estrutura mais informal em relação aos demais capítulos, por se tratar de escrita-diário, buscando aproximar-se, ao máximo, da sensibilidade em vivência laboratorial, despertando um lugar de escrita mais intimista, adentrando a profundeza individual, sensível e memorativa.

3 Para mais informações acesse: http://www.cebb.org.br/. 4 Para mais informações acesse: https://www.amorc.org.br/

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Neste capítulo, as conversas em laboratório são descritas através dos diários de bordo das

conversantes, e estão organizados, conforme algumas relações entre as impressões e discussões

dançadas. Apresento a escrita-diário como primeiro capítulo pela própria questão cronológica da presente pesquisa – os conceitos e reflexões desenvolvidos partiram das necessidades emergidas, durante os laboratórios, a fim de que as experiências pudessem se tornar o fio condutor da pesquisa.

Em todo o primeiro capítulo, procurei a diferenciação das escritas entre as conversantes por cores, na qual pude ressaltar o posicionamento de cada uma, de maneira a enfatizar suas singularidades. O preto como fundo proporciona a intimidade, anunciando a escrita de um diálogo menos formal, como um mergulho em nossas percepções, uma imersão para dentro de nossos corpos, o aconchego de uma luz mais baixa, o adentrar dos sentimentos.

Na fotografia analógica, através dos filmes fotográficos, em seu processo delicado, primeiramente, é preciso obter um negativo, para posteriormente, chegar a uma cópia em papel. A luminosidade surge na medida em que as cores das letras dão lugar às percepções, então, parlo aqui sobre uma dança que emerge do sentir. O que não significa que o contrário não possa ser realizado, ou que exclui-se outras possibilidades, mas que esta, dentre tantas infinitas, pode ser uma possibilidade potente dos múltiplos diálogos em dança.

No segundo capítulo, abordo assuntos provindos das etapas do laboratório. Para dialogar sobre afeto, a partir dos estudos de Antonin Artaud, trago Quilici (2002, 2012) e Caetano (2012), conceitos sobre percepção através de Ostrower (2013) e Suquet (2008). A meditação (MEHTA, 2012) em seus diversos estudos a partir da visão do Rosacruz (HEINDEL, 1909), budista (SAMTEN, 2001) e yogue (WULLSTEIN, 2009; YOGANANDA, 1946), relacionando a prática da pesquisa aos estudos de Leal (2012a).

Para refletir sobre repetição, aproximo-me de Fernandes (2007), ilustrando o intenso trabalho de Pina Bausch e o Wuppertal dança-teatro. Discuto sobre o constante processo de um trabalho/pesquisa artística através de Salles (2008), em quem me ancoro também para discorrer sobre o registro de um trabalho artístico e sua importância, especificando os diários de bordo em diálogo com Oliveira (2015). Abordo, ainda, conceitos sobre improvisação, principalmente, a partir de Leal (2012a), relacionando às definições de Guerrero (2008).

Como experiências a partir da improvisação, exemplifico a Jam Session: momento cênico

em movimento e o Improcesso: diálogos dramatúrgicos em improvisação, ambos projetos de

extensão coordenados por Patrícia Leal e, atualmente, desenvolvidos na UFRN. Trago o despertar sensível, abordado a partir dos autores Duarte Júnior (2004) e Tibúrcio (2005), proporcionado pela

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liberdade fundamentada em Bauman (2001) e Salles (2008), bem como, discuto a importância de técnicas menos tradicionais e rigorosas em relação à estética da virtuose em suas pedagogias cristalizadas, tornando a individualidade histórica, cultural e social invisível embasada em autores como Vianna (1990), Miller (2011), Fernandes (2006), Geraldi (2007) e Launay (2010).

No terceiro capítulo, abordo conceitos sobre sentimentos e emoções, ancorada aos estudos de Damásio (2011, 2012), trazendo também para este diálogo, Leal (2012b). Relaciono a fluidez líquida de Bauman (2001) com a fluência de Laban (1978), a partir de Leal (2012), Fernandes (2006) e Rengel (2001), caracterizando a fluência da Conversa Corporal pela leveza (BAUMAN, 2001).

Correlaciono a dança e sua fluidez aqui pesquisada com a sociedade líquido-moderna, nas obras Modernidade Líquida (2001) e Vida Líquida (2007) de Zygmunt Bauman. Converso com as autoras Salles (2008) e Ostrower (2013) sobre os acasos de uma criação artística, característica presente nos trabalhos do artista e coreógrafo Merce Cunningham (AMORIM; QUEIROZ, 2000; GIL, 2001; SUQUET, 2008).

Finalizo com os processos de construção cênica e sua importância (LANCINE; NÓBREGA, 2010; ROCHA, 2016; SILVA, 2016; TIBÚRCIO, 2016), relatando o processo de construção do trabalho desenvolvido para esta pesquisa intitulado Parla e suas duas primeiras experiências em público vivenciadas na IX Reunião Científica da ABRACE: Diversidade de Saberes As Artes

Cênicas em diálogo com o mundo e na IX Semana de Licenciatura em Dança da UFRN: A cena em ação na dança.

A presente pesquisa inquieta-se por questões que não têm a finalidade em serem respondidas como algo final e absoluto, mas que possam proporcionar e se desdobrar em mais questionamentos, quais sejam:

O que impulsiona a mover-me? É possível criar sem necessariamente recorrer ao virtuosismo estético, tendo como base técnicas de dança pré-definidas? Qual o significado e a importância da experiência na dança/vida do indivíduo? Como posso potencializar o que pulsa no corpo através da dança? A improvisação pode ser um meio ao desenvolvimento da autonomia?

Assim sendo, Thereza Rocha (2016) considera que a dança dita contemporânea tem uma predisposição filosófica, um pensar como sinônimo de questionar. Pois, a dança elabora outras maneiras de conhecer, necessitando da interrogação acerca de definições, modos de fazer e princípios de realização. ―Para caminhar para o fim, um fim que se desvia todo o tempo de sua própria finalidade, voltemos ao princípio e lá/aqui, no princípio, novamente perguntas serão

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encontradas‖ (ROCHA, 2016, p. 23). Encontrando então, aqui nesta pesquisa, respostas possíveis, dentre tantas outras existentes, e que poderão ainda surgir, visto que as perguntas nutrem a pesquisa acadêmica e artística em sua continuidade.

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CAPÍTULO I – DIÁRIOS DANÇADOS

[...] quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis.

(Ítalo Calvino)

Bom dia, boa tarde, boa noite ou boa madrugada. Vamos iniciar um mergulho em experiências sensíveis, escritas em diários que a cada conversa foram tornando-se mais e mais intimistas, pois foi assim que encontramos melhores formas de expressar, nos papéis, a dança que sentimos. Não temos a intenção em descrever formalmente, você pode interpretar da sua forma, costurar conexões à sua maneira, então, sinta-se sinta-ser convidado a imergir nessa mistura de sinta-sentires singulares em profundas experiências dançadas. Pode começar percebendo como se sente hoje e deixar que isso interfira em seu modo de ler-nos. Ah! Os diários são separados por conversas, a cada conversa, informo a vocês a data em que aconteceu, portanto, as escritas se deram no mesmo dia, mês, ano das conversas.

Como nossas escritas estão entrelaçadas em um único diário, cada conversante corresponderá a uma cor, por exemplo, toda vez que ler algo com a fonte de cor branca, estará lendo minhas escrituras no diário:

Gabriela Gorges

Júlia Vasques

Larissa Paraguassú

Margoth Lima

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Antes de iniciar as conversas, vale aqui destacar a sintonia do grupo. Cheguei a Natal/RN em 2010, até então, sempre morei em minha cidade natal Jaraguá do Sul/SC. Logo que me mudei, comecei a participar das atividades da CDTAM, onde já faziam parte da Cia. as conversantes Júlia e Margoth. Margoth integra a CDTAM, desde 2005 e, em 1999, iniciou seus estudos na EDTAM. Júlia faz parte do elenco, desde 2009 e, em 2008, começou a frequentar a EDTAM. Thaíse ingressou na CDTAM, em 2012, mas começou a estudar dança na EDTAM, desde 2001. Entre o convívio diário de ensaios, aulas, processos coreográficos, viagens, espetáculos e projetos; criamos um círculo de amizade muito forte, pois além de colegas de trabalho, construímos laços afetivos duradouros.

A CDTAM passou a fazer parcerias com o Coral Harmus, em 2011, coral do qual Larissa fazia parte. Além dos eventos em parceria, Larissa compartilha sua vida comigo, desde 2012.

O grupo foi escolhido exatamente pela intensa afinidade, tanto na vida pessoal quanto na “profissional” por assim dizer, afinidade entre nossas danças. Trabalhamos juntas por muitos anos e meu desejo era de compartilhar a ideia dessa pesquisa com um grupo que tenho apreço.

Pois bem...

Temerosa

07 de agosto de 2016.

Cada um de nós só pode falar em nome de suas próprias experiências e a partir de sua própria visão de mundo.

(Fayga Ostrower) Primeira conversa! Hoje estão presentes as conversantes Júlia e Margoth. Para nossa primeira experiência, me coloquei apenas como condutora, precisava observar de fora, um fora, porém dentro, como mais ou menos iria tomar o rumo dos laboratórios e como os corpos responderiam às minhas propostas.

Em resposta à nossa pergunta dos sentires – Como me sinto hoje? – escrevemos: 1. Eu me sinto eufórica e ansiosa, mas cautelosa... 2. Temerosa. 3. Velha. E o sentir sorteado foi o 2. Temerosa, o meu. Nossa pesquisa aconteceu então, a partir do tema temor, tendo como espaço a

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sala do meu apartamento. Afastei os móveis e coloquei alguns objetos no corredor para que pudéssemos ter o maior espaço possível. Contamos com sons ambientes produzidos por minha cadela Chuva – Chuva é seu nome, caso não tenha ficado claro, as pessoas geralmente se espantam quando perguntam - e Anna Vitória, filha de Margoth, que ainda muito pequena precisa acompanhar nossos laboratórios.

Observando o desenrolar da pesquisa de movimentos, percebi que o tema deixava alguns movimentos executados pelas conversantes mais precisos e diretos, com o foco do olhar mais objetivo e com ar de preocupação.

Essa palavra me traz sensações e vontades totalmente opostas ao mesmo tempo. Um dos meus maiores medos é a solidão, então, eu temo ficar sozinha, porém, quando estou com um sentimento negativo dentro de mim, eu fujo do mundo e me isolo em mim. O temer a solidão me faz querer me isolar e, ao mesmo tempo, querer desesperadamente colo, e foi isso que a palavra “temor” me trouxe hoje.

Um mix de sentimentos nasceu ao me deparar com o tema de hoje [...] trabalhar nesse momento com a Júlia me trouxe uma tranquilidade e segurança, acho que eu consegui sentir bem o que o corpo dela me falava.

Com a presença de Anna Vitória, percebi que nós três nos encontrávamos um pouco receosas, se por acaso, em algum momento, a pequena precisasse de algo, durante o laboratório, em especial a mãe Margoth, por estar ainda em seus primeiros meses de vida.

[...] “temerosa”, acho que as três estavam, mas à medida que avançavamos, consegui controlar o real temor para conseguir trabalha-lo, perceber que a presença da Anna já não me assustava, pude deixar passar para o corpo, mas a timidez ainda me segurava [...].

Acredito que por ser o primeiro contato com o laboratório referente a essa pesquisa, e em um espaço não tão habitual à prática da dança, percebi as duas conversantes um pouco acanhadas para uma maior entrega. Porém, o que não impossibilitou seu acontecimento.

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Tranquila, de bem com a vida

14 de agosto de 2016.

[...] o sabor não está na boca nem na fruta, mas no encontro da boca com a fruta. O encontro é, assim, a dissolução das fronteiras e o início do sabor.

(Luana Menezes de Oliveira)

Nossa segunda conversa aconteceu com as mesmas conversantes do anterior, porém, desta vez, participei me movendo junto à conversa das outras conversantes. Os sentires escritos foram: 1. Aflição. 2. Em união.

3. Tranquila, de bem com a vida. Sorteamos o 3. Tranquila, de bem com a vida. Então, nos concentramos na tranquilidade em nossa sede habitual, a EDTAM.

Durante a concentração, consegui relaxar, o corpo foi se afundando no chão e em meus pensamentos projetava imagens de minha cama e a televisão ligada em meu quarto, na companhia de minha noiva. Júlia relata que foi transportada para a praia de Pititinga, uma árvore cheia de frutos (principalmente azeitona) e o peito de Afonso.

Ao iniciar a conversa, me senti mole, preguiçosa, como um gato dorminhoco, minha vontade era deitar e me esparramar nos corpos das

conversantes. A movimentação era lenta e preguiçosa, era tudo desprendido

e brincante.

O corpo estava mais relaxado, zerada a mente em uma viagem vazia, isso faz com que meu corpo demore a reagir e essa é sua reação, então, fui buscando apoio nas meninas e foi nascendo o movimento a partir delas e, logo mais, percebi um corpo reagindo, querendo retomar o comando dele mesmo.

Leveza, preguiça, tranquilidade, alegria e descontração deram ar aos movimentos. A tranquilidade afetou o meu mover para a lentidão, havia leveza e sinuosidade em continuidade. Parecia que a conversa fluía na “mesma língua”, os estados tomavam conta dos corpos.

Hoje minha sensação, durante a conversa, foi a de querer me conectar de alguma forma com os dois indivíduos que estavam ali comigo. Era como se fossem duas pessoas que tinham uma grande intimidade entre si e eu estivesse em busca dessa conexão. Na realidade, fiquei meio presa às

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sensações e sentimentos que tive, durante a preparação para a conversa [...].

Mesmo sentindo que a conversa caminhava pelo mesmo rumo, Júlia descreve que suas memórias, de certa forma, aprisionaram sua comunicação com as demais, sentindo-se desconectada do assunto.

Sentindo

21 de agosto de 2016.

Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento, Estiver, sentir, viver, for, Mais possuirei a existência total do universo, Mais completo serei pelo espaço inteiro fora. (Álvaro de Campos)

Terceira conversa. EDTAM. Hoje Thaíse conversou conosco também e o ambiente sonoro foi criado por Larissa. Larissa utilizou como instrumentos a castanhola, escaleta, o triângulo e a própria voz. Para nossa questão inicial, saíram: 1. Ansiosa. 2. Em família. 3. Exausta. 4.

Sentindo. A provocação sorteada foi a 4. Sentindo.

Durante a concentração, ficamos de mãos dadas, acredito que essa troca energética, através das mãos, fez com que elas ficassem em destaque, durante o laboratório, querendo sempre encontrar umas às outras, inclusive, o primeiro movimento, que foi realizado por Thaíse, foi com a mão.

Mesmo que sem o contato físico com as participantes, o afeto foi incrível. Os pés delas me guiaram em diversos acordes. As mãos e suas intensidades, me fizeram criar um elo.

Os movimentos eram lentos e contínuos, me remetiam a banhos, limpezas, purificações. A mão que lava e cura. Despedidas e encontros em meio a devoções e trocas energéticas. O ir que nunca irá, pois os olhos sempre se encontrarão.

[...] a sensação de encontro era visível, a despedida foi mágica, uma sensação de uma bola de energia deixada no espaço, onde nós ocupamos, atraiu Chuva (cadela de Gabi). Precisei trazer minha cadela Chuva, pois há pouco tempo, tinha acabado de fazer uma cirurgia de castração, não poderia deixá-la sozinha em casa...

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Ao final, nós nos distanciávamos, deixando o centro vazio, Chuva se dirigiu ao centro, onde permaneceu até que finalizássemos a cena.

Imagem 1 - Cena final desenhada

Fonte: Desenho feito em diário de bordo, Margoth Lima(2016)

Em outras percepções, o olhar e a energia são muito fortes e

influenciam muito. Durante a pesquisa, tive sensações quase que

adversas. Leveza e peso ao mesmo tempo, de flutuar e manter pés no chão, também ao mesmo tempo, sentimento de perda e encontro, ancestralidade. [...] me leva para um movimento mais leve e devagar, com peso, com mais

clareza e cinestesia. A sensação era de leveza, fluidez.

Trabalhar com o tema, sentindo transportou-me para o sentir-se viva, a lentidão que me proporciona sentir a pele, o toque, a energia, deixando cada palavra dançada ser dita e compreendida.

A entrega, o “deixar sentir” fez com que o improviso fosse mais “consciente”, sem perder o prazer do improviso, que é se deixar levar. Utilizei três instrumentos: triângulo, escaleta e castanhola, todos eles, cada um com sua particularidade, teve sua fluência de forma muito sentida. O triângulo e a escaleta com a dinâmica mais contínua, sem tanta marcação e as castanholas, sentindo a percussão do corpo das bailarinas. As sensações que me regeram.

As sensações foram de sintonia, cumplicidade, leveza, um sentimento de paz interior, de confiança, de compartilhamento e a emoção de ouvir e sentir todo o ambiente.

Percebi que estava sendo constantemente afetada pelo gesto das

conversantes, as acompanhava e “imitava”, utilizava acentos dados por

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Tudo estava dominado de exaustão [...] estar aqui com esses quatro seres me enchia de paz e alegria, esse conforto me retirou a exaustão e uma energia começou a transitar entre nós, a música suave e calma conduzia meus movimentos [...].

Com essa conversa, comecei a ressaltar o que já vinha a perceber em outros trabalhos com a dança/artes, muitas experiências, que vivemos, afetam não só nosso mover, enquanto seres dançantes e artistas, mas nossas vidas. Passamos a pensar diferente, sentir mais, perceber mais, dialogar mais de todas as formas.

As sensações foram de “ligação”, como se cada nota que eu tocasse fosse parte do que eu via, respirava e sentia. [...] A emoção fazia parte da sintonia de tudo com os instrumentos. A música de Larissa criou um clima flutuante e de espiritualidade. Suas notas eram desdobramentos dos movimentos dançados.

Com certeza, esse tema nos atravessou de forma muito significativa, uma conversa repleta de sentires e sentidos em construção poética. Leves percepções de fortes energias. Tomadas por fluidos afetos.

Em desequilíbrio

28 de agosto de 2016.

Vou levando assim que o acaso é amigo do meu coração quando fala comigo quando eu sei ouvir.

(Rodrigo Amarante)

Em nossa quarta conversa, estavam presentes as conversantes Júlia, Larissa, Margoth e eu. Tivemos entre as respostas: 1. Em desequilíbrio.

2. Estranha, murcha, um pouco feliz e um pouco triste. 3. Honestamente não sei. Trabalhamos com o desequilíbrio em um espaço na Cidade da Criança. A CDTAM participou como convidada em um evento no local, no mesmo dia. Aproveitamos para fazer a pesquisa, antes do evento, ao som ambiente, incluindo Anna Vitória, pássaros, testes de microfone, pessoas falando, entre outros sons.

Apesar do contato muito próximo com a natureza e pelo ambiente tranquilo que o lugar nos proporciona, pareceu que a concentração faltou, literalmente, foi um encontro desequilibrado, nada se fixava, entrava,

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harmonizava, mas, aconteceu. O local diferente não me influenciou, na realidade nem lembrei onde estava.

Percebi que o desequilíbrio não se apresentou de forma física nos corpos, veio muito mais na construção e na Conversa Corporal. Vou tentar ser mais clara... Destaco sentimentos de incerteza e indecisão, tinha a impressão de que o mundo girava e nada ficava no lugar. No início me senti perdida, mas essa sensação se transformou em uma busca por outro ser que pudesse me ajudar a encontrar essa movimentação.

Os movimentos eram circulares e desenhando círculos no espaço, sempre saíamos e retornávamos aos círculos. Para mim, a conversa foi difícil, parecia que os corpos não se entendiam e não correspondiam. Foi um diálogo de desentendimentos, diferente do encontro anterior, as palavras não foram tão bem escutadas e sentidas. O tema desequilíbrio nos afetou além de corpos que se desequilibram em um caminhar por exemplo.

Hoje foi extremamente complicado, sensação de descontentamento, fatores externos agindo de forma agressiva, acabou acontecendo de forma descartável, os movimentos não fixavam em meu corpo, eu interagi, mas não tenho certeza se era o que eu queria, eu acreditava que o ambiente seria a favor, mas o interno estava forte!

Cheguei vazia e achava que era por isso que estava difícil do movimento chegar, porém percebi que o grupo todo estava do mesmo jeito. Acho que quando as três perceberam que estavam no mesmo barco procuraram se apoiar uma na outra e o que era um desequilíbrio se transformou em um balanço.

Hoje percebemos que a conversa fluiu de uma maneira diferente, consequentemente fez com que os corpos se deparassem em um momento difícil ao entendimento e ao fluir.

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Golpe

11 de setembro de 2016.

Imagem 2 - Golpe

Fonte: Acervo Pessoal (2016)

Acabamos em morte? Ou os corpos tomados por silêncio são corpos que guardam explosões? A voz se cala? O corpo não para Suas histórias respiram Impregnadas na pele de quem vive O chão das cinzas Que já foram azuis Nossa quinta conversa, voltamos a experimentar na EDTAM, nossa sede habitual. Os sentires revelados do dia foram: 1. Exaustão. 2. Feliz. 3. Golpe. 4. Mais leve e sem saber como reagir a isso. 5. ?. Dentre os sentires escritos, sorteamos o “golpe”.

Ao escrever meu sentir “feliz”, acessei uma sensação de dever cumprido do dia anterior, o que fez eu me sentir muito bem.

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Primeiramente, eu inicio toda uma conversa comigo mesma, antes de chegar ao espaço de pesquisa, tentando esvaziar a mente, em busca de um verdadeiro sentimento, então, hoje, minha mente chegou vazia.

[...] acessei as misturas corporais. Não significando limitação. Preciso da “não limitação” para mover. Preciso da mistura das sensações para fazer disso, som. Pode ser que a delimitação de uma palavra traga, de certa forma, um bloqueio para outros caminhos. O incrível é que não senti isso ainda, pelo contrário.

Hoje, após um ano bem complicado, me senti leve depois de uma boa notícia (finalmente). Então, há tempos não me sentia como me sinto hoje: leve, mais tranquila. Porém, sem saber o que fazer com essa sensação, desacostumada com a falta de aperreio. Para mim, esse foi o golpe que levei hoje: algo bom que apareceu sem avisar, repentinamente, depois de meses duvidosos.

GOLPE LEMBRA PASSADO E LEMBRA O PRESENTE, SERÁ QUE VAI FAZER PARTE DO FUTURO? E eu como vou reagir? Como isso vai mudar o meu dançar? Tema difícil!

Para mim, durante nossa concentração, o golpe parecia estar meio confuso em minha cabeça. Em um primeiro momento, imagens de golpes de artes marciais projetavam em minha mente (lembranças de 10-15 anos atrás, quando praticava e estudava para minha formação em Tae Kwon Do), mas, depois se confundiam com golpes políticos, golpes entre pessoas, golpes da vida.

[...] ao receber nossa palavra de hoje, “GOLPE”, muitos sentimentos invadiram minha mente e para não acontecer um conflito, me detive a pensar o que era golpe? Como poderia começar um? O que eu precisava para fazê-lo? Então, pensei que tudo se começa em uma mente vazia, que ao estar só, começa a articular planos e tentar achar aliados, a manipulação é sempre o melhor caminho para o sucesso [...].

“Golpe” [...] Tão atual, tão doloroso, me faz sentir força, luta que não se perde com a sensação fúnebre ou, até mesmo, massacrante. Utilizei sons que me faziam ir ao “combate” de um “golpe”, sem perder a força de lutar.

Iniciei a conversa, pousando as mãos nos olhos de Margoth, um sentimento de repreensão me impulsionou a mover. Percebi que, no decorrer

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do laboratório, o gesto de “tapar” se tornou algo característico do dia, seja tapando os olhos, a boca ou os ouvidos.

Imagem 3 - Gestos de "tapar"

Fonte: Acervo pessoal (2016)

Havia certa densidade no ar, mais uma vez, a lentidão se manifesta fortemente em manipulações umas com as outras em que, apesar da densidade, horas sentia conforto. A música, criada por Larissa, me proporcionava essa densidade.

Apesar da palavra “golpe” ser bem forte e, em geral, trazer consigo uma ideia de brigas e revoltas, para mim, trouxe acalanto e uma respiração tranquila. Quando começamos a nos mover, a minha ideia era de lutar contra um golpe, um golpe de falta de humanidade, falta de respeito e de amor. Mas, lutar do jeito que sei lutar, sem alarde, sem barulho, de dentro para fora, aos poucos. Horas, eu era opressora e outras oprimida [...]. Mas, a oprimida que sabe desoprimir, que luta levando a paz para a guerra e não mais violência. Nas horas que fui opressora, foi apenas para depois desoprimir o outro.

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A impressão que tive, durante a experimentação, foi de estar em um campo, dividindo o espaço com pessoas queridas, mas que presavam por sobrevivência. O tema nos proporcionou várias janelas, a vontade de improvisar não cessava, a vontade era de conversar mais e mais.

Ao contrário do nosso último encontro, tínhamos muito que falar, tanto que também foi complicado “fechar” uma movimentação. Toda vez que parávamos, ao retornar, surgiram coisas novas, muitas [...] Brotavam feito flores na primavera [...] E, pelo menos para mim, todas muito importantes, não queria me desfazer de nenhuma. E quando, na repetição, por um motivo ou outro, essa flor não aparecia, parecia que faltava uma parte. Não queria fazer gestos grandes, super dançantes, para mim, era muito mais importante comunicar do que embelezar.

Nossas intenções eram claras e entendidas umas pelas outras, nos afetávamos e respondíamos os corpos em uma harmonia em densidade. A conexão entre as participantes estava tão intensa, que não ouvi, em momento nenhum em que estávamos trabalhando, o pagode que está rolando ao vivo no prédio da frente. Ao começar, havíamos comentado que o pagode que tocava no espaço de uma escola de samba, do outro lado da rua, poderia atrapalhar nosso laboratório, em função também da música, que Larissa proporciona durante as experimentações. Porém, nossa conexão aconteceu tão intensamente que apenas nos demos conta que a música continuava no fim da investigação.

Hoje, senti uma ligação muito forte com a Galvão. No começo, quando falamos do que estávamos sentindo, achei que sentiria essa conexão com a Gabi, pois estávamos mais próximas com relação aos sentimentos, mas no processo, me liguei muito a Galvão. Talvez tenhamos funcionado como um imã: forças opostas se atraindo.

Nas movimentações, havia cuidado. Algo muito significativo para mim foi o final que encontramos, um final, que, na realidade, não conseguia ser final. Mas, a sensação que guardo em mim, agora, é a das flores, que nascem entre rochas, que brotam na primavera, que são mais fortes do que aparentam (como essas pessoas lindas com quem trabalhei). E o final, para mim, foi isso: um jardim descansando.

No final do laboratório, as quatro se encontraram deitadas no chão, uma ao lado da outra, e assim permanecemos, por alguns minutos, paradas,

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até entendermos que tinha acabado para poder retomar o que foi investigado.

Os corpos, que se moviam, me fizeram sentir como se fosse jardim flutuante querendo brotar em meio ao caos. Posso dizer que o golpe que vivemos hoje, foi um golpe que não é carregado por armas, mas um golpe munido por flores.

Imagem 4 - Cena final

Fonte: Acervo pessoal (2016)

[...] em nossa terceira repetição, fui invadida por um sentimento maior impulsionado por lembranças, porquê? Eu não comecei a misturar quem eu sou com um tema que traz o medo e o medo me retrai, imagens que eu quero apenas como fantasia! Tentei buscar conforto, meus olhos buscavam um olhar e não achava, então, voltei ao tema, trazida de uma viagem, perdi a noção do tempo, do espaço, e quando vi, estava deitada e imóvel [...] Acordei e pensei: e agora, não sei o que aconteceu, fiz algo no início, mas agora, foi uma confusão na minha mente, não consegui dominar minha mente! Em relação às minhas amigas, estranhamente, me senti só e como se eu não as reconhecesse! Estranho [...]

Diria que, sentir o “golpe” tão forte assim, faz do meu som um grito em sintonia com as vozes caladas.

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Imagem 5 - #foratemer

Fonte: Desenho feito em diário de bordo, Larissa Paraguassú (2016)

Imagem 6 - Primeiramente Fora Temer

Fonte: Escrita feita em diário de bordo, Thaíse Galvão (2016)

Em virtude da situação política da qual o Brasil se encontra, Fora

Temer aparece no diário de bordo de Larissa e Thaíse, relacionando com o

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hoje com o tema, por se tratar de uma data, da qual relembramos o acidente acontecido nos Estados Unidos ao atentado às torres gêmeas, um golpe de ódio que reverberou por todo o mundo.

Acredito não caber aqui, trazer trechos das impressões de Thaíse para este dia, como faço habitualmente, entrelaçando com os diários de bordo das outras conversantes, pois, diferente das outras conversas, Thaíse escreve em forma de uma carta direcionada a mim. Então, apresento, na íntegra, a carta escrita à mão sobre o golpe que a atravessou hoje:

Imagem 7 - Carta

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Imagem 8 - Continuação da Carta

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Imagem 9 - Última parte da Carta

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Querendo almoçar comida de verdade

09 de outubro de 2016.

Imagem 10 - Querendo almoçar comida de verdade

Fonte: Acervo pessoal (2016)

Bom dia!! Comida, ai que tema delicioso, adoro comer, mas é meio frustrante pensar em comida que não vai comer, ai ai ai adorava os bolinhos de feijão verde que o papai fazia, mas nada se compara a um bom churrasco e como é sofrido quando chega alguém querendo aquela comida que você quer comer só, e quando a gente quer compartilhar e não tem ninguém afim. Mas, a melhor sempre é a comida do outro, isso é impressionante que a do outro é mais saborosa!!

Em nossa sexta conversa, fomos envolvidas por: 1. Acalmar. 2. Jai guru deva om (Deixe seu melhor florescer). 3. Plugada. 4. Querendo almoçar comida de verdade. 5. Vazio. Sorteamos o sentir 4. Querendo almoçar comida de verdade. Hoje, estávamos distantes em assuntos, em sentimento, o que nos traz diversidade e leveza. O sentir escolhido foi meu. Antes de iniciar a pesquisa, conversava com minha irmã e meu pai por WhatsApp no celular, meu pai perguntou se eu estava almoçando direito, logo me deu aquela vontade de comer e vieram à tona as lembranças das comilanças de quando morava na casa de meus pais.

E que fome [...] Dificilmente, consigo ser produtiva com fome. Além de fome, estava calor, além de calor e fome, tinha Anna Vitória com fome e calor kkkk [...] Anna Vitória, filha de Margoth, esteve hoje no

Referências

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