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Direitos Humanos para quem? Uma análise de discursos jornalísticos em Pernambuco e São Paulo (1987 e 1997)

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – CFCH PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA. DIREITOS HUMANOS PARA QUEM? UMA ANÁLISE DE DISCURSOS JORNALÍSTICOS EM PERNAMBUCO E SÃO PAULO (1987 E 1997). RECIFE 2011.

(2) CÁSSIA MARIA ROSATO. DIREITOS HUMANOS PARA QUEM? UMA ANÁLISE DE DISCURSOS JORNALÍSTICOS EM PERNAMBUCO E SÃO PAULO (1987 E 1997). Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Psicologia.. Orientador: Prof. Dr. Raimundo Cândido de Gouveia. RECIFE 2011.

(3) Catalogação na fonte Bibliotecária Maria do Carmo de Paiva CRB-4 1291. R789d. Rosato, Cássia Maria Direitos Humanos para quem? Uma análise de discursos jornalísticos em Pernambuco e São Paulo (1987 e 1997) / Cássia Maria Rosato. Recife: O autor, 2011. 243 f. : il. ; 30 cm. Orientador: Prof. Dr. Raimundo Cândido de Gouveia. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CFCH. Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2011. Inclui bibliografia e anexos. 1. Psicologia social. 2. Direitos Humanos. 3. Discurso Escrito. 4. Análise do discurso. 5. Violência (direito). I. Gouveia, Raimundo Cândido (Orientador). II. Titulo. 150 CDD (22.ed.). UFPE (CFCH2011-99).

(4) CÁSSIA MARIA ROSATO. DIREITOS HUMANOS PARA QUEM? UMA ANÁLISE DE DISCURSOS JORNALÍSTICOS EM PERNAMBUCO E SÃO PAULO (1987 E 1997). Comissão Examinadora:. ___________________________________ Prof. Dr. Raimundo Cândido de Gouveia 1º Examinador / Presidente (UFBA). ___________________________________ Profa. Dra. Cecilia Maria Bouças Coimbra 2º Examinadora (UFF). ___________________________________ Prof. Dr. Pedro de Oliveira Filho 3º Examinador (UFPE). ___________________________________ Prof. Dr. Marco Antonio Mondaini de Souza 4º Examinador (UFPE). RECIFE 2011.

(5) Para todas as pessoas que defendem Direitos Humanos, mas também, principalmente, para aquelas que são contrárias..

(6) AGRADECIMENTOS. Depois de tanto tempo e tanta água que passou debaixo desse rio, termino esse trabalho com uma sensação de missão cumprida. Demorou, mas essa demora para mim significou o prolongamento de outras experiências que pude ter aqui na Espanha, que é de onde escrevo esses agradecimentos agora. Ao mesmo tempo em que fecho esse ciclo do mestrado da UFPE, também começo a encerrar minha estadia aqui em Granada onde passei praticamente o último ano.. Ao meu pai (in memoriam), com quem adoraria ter compartilhado esse trabalho e à minha mãe, pesquisadora nata, com quem aprendi a ter essa curiosidade pelas coisas e pelo mundo.. Ao Alexandre, por esses quase cinco anos juntos, especiais e maravilhosos. E pela família pernambucana que ganhei: Fátima, Danilo e Shirley.. Ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFPE, principalmente através de Bel, que apoiou minha candidatura ao Programa Erasmus Mundus da Comissão Européia, sem o qual não poderia ter realizado esse intercâmbio. A Alda e João, pela agilidade e eficiência no trabalho da Secretaria. Ao Rai, meu orientador, que frente às minhas diversas idas e vindas acadêmicas, confiou plenamente no meu trabalho, inclusive “à distância”. Aos Professores do Departamento, especialmente Aécio, Benedito, Bel, Karla, Pedro e Rose pelas contribuições. Tem algo de vocês nesse trabalho. A turma 4 como ficou conhecida, especialmente Estácio, Luciana, Jessica, Day, Francisco e Sthéfani.. Ao Gajop, por ter colaborado para que esse tema de pesquisa surgisse.. Aos queridos/as amigos/as que, de distintas maneiras, contribuíram e também se fizeram presentes nesse trabalho. Em Pernambuco: Agra, Ceça, Edu, Gio, Lud(mila), Paulinho e Veri. Em São Paulo: Helô Hanada e Ingrid. Aqui na Espanha: Jú, Lay e Lud..

(7) Lo que llamamos la historia de la humanidad no existe; no existe nada que se pueda llamar así: lo que existe es la historia de los que han hecho la historia y la han llamado “historia de la humanidad”, en donde no está la mayor parte de la humanidad. José Saramago.

(8) RESUMO. ROSATO, Cássia Maria. Direitos Humanos para quem? Uma análise de discursos jornalísticos em Pernambuco e São Paulo (1987 e 1997). Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2011.. O presente trabalho estuda os sentidos atribuídos aos Direitos Humanos pela mídia impressa no Brasil, em dois jornais de ampla circulação no país: Jornal do Commercio (Pernambuco) e Folha de São Paulo. Para tanto, inicialmente é apresentado o campo dos Direitos Humanos tal como foi constituído no plano internacional e, posteriormente, no Brasil, desde uma perspectiva moderna, ocidental e baseando-se na noção de universalidade e indivisibilidade de direitos. O estudo almeja identificar como a ideia de Direitos Humanos foi difundida por parte da imprensa escrita, no período da redemocratização brasileira. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que teve como referencial teórico a Psicologia Social Discursiva, a Análise Crítica do Discurso e alguns conceitos de Michel Foucault. Desse modo, procedeu-se à análise das notícias selecionadas, totalizando 83 matérias jornalísticas, na qual se priorizou textos opinativos. Os principais achados revelam a existência de uma dicotomia no modo como os Direitos Humanos são compreendidos e difundidos no país. Significa dizer que, de um lado, sobretudo em contextos que envolvem crime e violência, os Direitos Humanos podem ser relativizados. Nesse sentido, há discursos que veiculam o entendimento de que determinados segmentos populacionais não devem ter seus direitos assegurados, inclusive podendo tê-los violados. De outro lado, no plano internacional, foram identificados discursos jornalísticos que propagam uma noção mais ampliada de Direitos Humanos, na qual o conceito de universalidade não é questionado.. Palavras-chaves:. Direitos. Humanos.. Jornalístico. Violência. Criminalidade.. Psicologia. Social. Discursiva.. Discurso.

(9) ABSTRACT. ROSATO, Cássia Maria. Human Rights for whom? A analysis of journalistic discourses in Pernambuco and Sao Paulo (1987 and 1997). Dissertation (Master in Psychology) – Psychology Postgraduate Program. Recife: Federal University of Pernambuco, 2011.. The present work studies the meanings attributed to Human Rights by press in Brazil, in two journals that has large-circulation in the country: Jornal do Commercio (Pernambuco) and Folha de Sao Paulo. For that, initially is presented how Human Rights was constituted in the international plan and afterwards in Brazil, since a modern, occidental perspective and based in the notion of universality and indivisibility of rights. The main objective aims identify how the idea of Human Rights was disseminated by the press, in the Brazilian (re)democratization period. It is a qualitative research that used, as theoretical references, the Discursive Social Psychology, Critical Discourse Analysis and some Michel Foucault‟s concepts. Thereby, proceed the analysis of the material, with a total of 83 notices analyzed, in which opinion texts were prioritized. The main findings reveled that exists a dichotomy in the way that Human Rights are understand and disseminate in the country. It meanings that, in a way, specially in contexts of crime and violence, the Human Rights can be relativized. Accordingly, there are discourses that propagate comprehensions that some groups shouldn‟t have their rights assured, including situations that the rights of these people can be violated. In other way, in the international plan, were identified journalistic discourses that disseminate an expanded notion of Human Rights, in which the universality concept is not questioned.. Keywords: Human Rights. Discursive Social Psychology. Journalistic Discourse. Violence. Criminality..

(10) APRESENTAÇÃO. Primeiramente, é importante dizer que o interesse de estudar Direitos Humanos decorre da minha experiência pessoal e profissional, desde o término da graduação, quando me inseri no campo das organizações não-governamentais (ONGs) que atuam nessa temática. Sendo psicóloga de formação e com atuação no meu respectivo conselho profissional, participava das comissões de direitos humanos e ética profissional. À época, tinha como principal inquietação a necessidade premente de incluir o tema dos Direitos Humanos na formação profissional. Avaliava que as graduações em Psicologia não abordavam o ser humano enquanto sujeito de direitos. Pelo contrário, focavam apenas o ser humano, do ponto de vista individual, deslocado de seus respectivos contextos sóciohistóricos. Desse modo, essa foi basicamente a tônica do projeto de pesquisa apresentado à comissão de seleção do mestrado. Ou seja, objetivava identificar os pontos de convergência entre os Direitos Humanos e a Psicologia, a partir da hipótese de que há uma forte conexão entre esses campos. No entanto, apesar da motivação em pesquisar esse tema, já no mestrado, o contato com outras questões, textos e abordagens teóricas, ao longo do primeiro semestre, conduziu-me para outros caminhos que me fizeram re-dimensionar o problema de pesquisa. Continuo com o foco de estudo no campo dos Direitos Humanos, mas não atrelado à formação e atuação profissional de psicólogos/as. O ponto de partida para esse projeto teve dois elementos desencadeadores: a leitura de um artigo de Teresa Caldeira, antropóloga que realizou diversos estudos sobre violência, no Estado de São Paulo, durante a década de 90 e os desdobramentos da visita da Anistia Internacional ao Brasil, ocorrida no mês de maio de 2009 para realização de seu Informe Anual. Esses dois aspectos combinados trouxeram à tona inquietações que vivenciei ao longo de minha trajetória pessoal e profissional. Trata-se da existência de uma profunda oposição à defesa de Direitos Humanos por parte de determinados grupos sociais. No início, pensei ser algo mais restrito e localizado, porém, posicionamentos contrários aos Direitos Humanos tornaram-se recorrentes e geralmente associados.

(11) única e exclusivamente a “direito de bandidos”. Notei que essa idéia está especialmente difundida no senso comum da população brasileira e, na maioria das vezes, as explicações são insatisfatórias. Em outras palavras, a maior parte das pessoas e grupos que compreendem Direitos Humanos apenas como “direito de bandidos” apresentam argumentos insuficientes, demonstrando um conhecimento limitado em relação ao que são Direitos Humanos. Busquei documentos e publicações que abordassem essa temática e percebi que se trata de um fenômeno plenamente reconhecido entre os ativistas e militantes em Direitos Humanos, mas pouco estudado no meio acadêmico. Razão primordial que me fez pesquisar esse fenômeno..

(12) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 13. 1 O CAMPO DOS DIREITOS HUMANOS................................................................ 16. 1.1 Histórico e criação dos Direitos Humanos...................................................... 16 1.2 Direitos Humanos no Brasil............................................................................ 21 1.3 Desafios e dilemas atuais............................................................................... 33 1.3.1 O conceito de exclusão moral............................................................... 33 1.3.2 Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos no Brasil................ 43 1.3.3 A criminalização de movimentos sociais e defensores/as de Direitos Humanos........................................................................................................ 45 2 ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA....................................................... 52. 2.1 O Movimento Construcionista na Psicologia Social........................................ 54 2.2 A Psicologia Social Discursiva........................................................................ 59 2.3 A Análise Crítica do Discurso.......................................................................... 68 2.4 Algumas ferramentas foucaultianas ............................................................... 74 2.4.1 O enunciado e análise enunciativa........................................................ 77 2.4.2 O discurso e as formações discursivas................................................. 82 3 O CORPUS DA PESQUISA................................................................................... 87. 3.1 O universo jornalístico investigado................................................................. 87 3.2 Algumas notas metodológicas........................................................................ 95 3.3 As matérias jornalísticas analisadas............................................................... 97 4 OS DIREITOS HUMANOS NO JORNAL DO COMMERCIO : DE “PRIVILÉGIO DE BANDIDOS” À UMA NOÇÃO DICOTÔMICA DE DIREITOS ............................... 103 4.1 Em 1987: Direitos Humanos como “privilégio de bandidos”......................... 103.

(13) 4.2 Em 1997: Direitos Humanos como algo defensável?................................... 124 4.3. Alguns. comentários. sobre. os. Direitos. Humanos. no. Jornal. do. Commercio.......................................................................................................... 130 5 A DICOTOMIA DOS DIREITOS HUMANOS NA FOLHA DE SÃO PAULO....... 134. 5.1 Em 1987: Direitos Humanos como assunto de polícia ou política?.............. 134 5.2 Em 1997: Bandidos fardados: a polícia que mata........................................ 152 5.3 Alguns comentários sobre os Direitos Humanos na Folha de São Paulo.................................................................................................................. 166 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 169. REFERÊNCIAS...................................................................................................... 173. ANEXO A................................................................................................................ 178. ANEXO B................................................................................................................ 195. ANEXO C............................................................................................................... 200. ANEXO D................................................................................................................ 222.

(14) 13. INTRODUÇÃO. Direitos humanos, que defendemos e devemos sempre defender intransigentemente são, por definição, de todos. Não podemos admitir suas violações por quem quer que seja contra quem quer que seja, por mais que compreendamos motivações, processos históricos, dinâmicas sociais, sofrimentos e traumas, experiências intersubjetivas negativas. Luiz Eduardo Soares. O presente estudo pretende realizar uma investigação sobre como a ideia de Direitos Humanos foi difundida no Brasil, pela imprensa escrita enquanto agentes de influência da opinião pública. Sabe-se que os Direitos Humanos são percebidos e compreendidos de modo diferente pelas pessoas, havendo uma enorme variedade de sentidos e significados. No entanto, no contexto da violência e da criminalidade, frequentemente a ideia de Direitos Humanos é valorada negativamente e associada à defesa de criminosos/as. Caldeira (1991) denominou esse entendimento de Direitos Humanos de alguns setores da sociedade brasileira com a expressão “privilégio de bandidos”. Nesse debate, a autora retoma o período do final da ditadura brasileira e o início da redemocratização como sendo o momento histórico em que essa associação teria surgido. De modo bastante elucidativo, afirma a autora: De reivindicação democrática central no processo da chamada abertura política, defendida por amplos setores da sociedade, os direitos humanos foram transformados, no contexto de discussões sobre a criminalidade, em „privilégios de bandidos‟ a serem combatidos pelos homens de bem (p. 162).. Entende-se que a apropriação do conceito de Direitos Humanos apenas como “direito de bandidos” carrega, em si, uma perspectiva restritiva e limitadora, na medida em que contribui para minimizar ou mesmo prejudicar movimentos e lutas que buscam alcançar o respeito e a ampliação de direitos para todas as pessoas. Assim, torna-se de suma importância compreender esse tipo de fenômeno, tendo o presente estudo a preocupação em investigar como ocorreu esse processo de construção de uma cultura de oposição aos Direitos Humanos..

(15) 14. Para tanto, este trabalho teve como objetivo geral investigar o modo como as ideias sobre Direitos Humanos foram veiculadas em dois jornais de ampla circulação no país – Jornal do Commercio (JC) e Folha de São Paulo (FSP) – em períodos prédeterminados. O JC possui um alcance importante em termos regionais, ou seja, é referência no Estado de Pernambuco e outros Estados do Nordeste, enquanto que a FSP foi o jornal de maior circulação no país no período de 1986 a 2009. Foram definidos dois momentos distintos para coleta das notícias, a fim de construir um quadro comparativo que permitisse vislumbrar os avanços e retrocessos da ideia de Direitos Humanos na imprensa escrita. Desse modo, foram mapeadas todas as matérias jornalísticas que continham a expressão “Direitos Humanos” nos anos de 1987 e 1997 em ambos os jornais. Do ponto de vista qualitativo, também se buscou estudar mais profundamente as raízes de produções discursivas contrárias aos Direitos Humanos, com o objetivo de compreender esse complexo fenômeno e contribuir para que os sentidos pejorativos que têm acompanhado os Direitos Humanos sejam minimizados, ou ao menos esclarecidos. Essa dissertação foi construída fundamentalmente em cinco capítulos. O capítulo 1 aborda o histórico e o surgimento do campo dos Direitos Humanos, em nível mundial, a partir do século XX, portanto, de uma concepção moderna, tendo em vista não ser o propósito desse trabalho uma revisão histórica. Em seguida, são apresentados alguns elementos-chave de como essa discussão ocorreu em nível nacional, ou seja, como essa ideia de Direitos Humanos foi incorporada no país e através. de. quais. mecanismos.. Por. fim,. são. debatidos. alguns. dilemas. contemporâneos, no campo dos Direitos Humanos no Brasil, situados principalmente na esfera da Segurança Pública e seus temas correlatos, como, por exemplo, o combate à violência e à criminalidade. Esses pontos foram levantados por entender que essa problemática tem profunda relação com o objeto de pesquisa do presente trabalho. Já o capítulo 2 expõe a abordagem teórico-metodológica utilizada para essa pesquisa. Inicialmente, traz alguns pontos relativos à Psicologia Social e ao movimento construcionista, para posteriormente abordar a perspectiva da Psicologia Social Discursiva que foi utilizada para este trabalho. Nesse sentido, são apresentados os principais conceitos e autores que desenvolvem a ideia de discurso e linguagem dentro da Psicologia Social. Compreendendo que uma disciplina.

(16) 15. isoladamente não consegue esgotar todas as questões relacionadas a determinado fenômeno, buscou-se ferramentas teóricas externas à Psicologia. Foi o caso da Análise Crítica do Discurso, através fundamentalmente dos autores Fairclough e Van Dijk, assim como alguns conceitos-chaves de Foucault que tratam da análise discursiva. O capítulo 3 discorre sobre o universo jornalístico investigado, o contexto que envolve os dois jornais pesquisados e descreve brevemente alguns dados quantitativos relativos ao material colhido. Desse modo, são tecidos comentários sobre a distribuição geral das matérias e as principais diferenças detectadas em ambos os jornais, considerando o intervalo temporal de uma década entre os períodos estudados. Algumas notas metodológicas também são apresentadas, com o intuito de explicitar os critérios utilizados para realizar a seleção das notícias analisadas. O material selecionado está disposto em tabelas que contém o título, o caderno e a data das notícias, a fim de ilustrar adequadamente o universo que foi efetivamente analisado para este trabalho. O capítulo 4 entra diretamente na análise discursiva do material pesquisado, analisando as matérias veiculadas pelo JC nos anos de 1987 e 1997 respectivamente. Do ponto de vista metodológico, entendeu-se que seria inviável inserir as notícias na íntegra no corpo do trabalho, razão pela qual, apenas trechos considerados mais relevantes foram transcritos durante a análise. O mesmo se aplica ao capítulo 5 que analisa os textos jornalísticos da FSP no mesmo período. Ao final dos capítulos que se dedicaram à análise do material, são feitas algumas reflexões relativas às diferenças encontradas, novas pautas que surgiram, assim como temas que foram silenciados. Por fim, as considerações finais indicam as principais conclusões e resumem sucintamente os achados dessa pesquisa. Essa discussão é feita, procurando associar o que foi encontrado aos objetivos gerais e específicos do trabalho, como também à perspectiva teórico-metodológica adotada..

(17) 16. 1 O CAMPO DOS DIREITOS HUMANOS. El autoritarismo se moderniza bajo nuevas formas de gobernabilidad. Béatrice Hibou. 1.1 Histórico e criação dos Direitos Humanos. Sinteticamente, é possível afirmar que os Direitos Humanos constituem-se como o conjunto de conquistas resultante de uma luta coletiva de diversos atores sociais por uma cultura de respeito aos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, no mundo ocidental. Entende-se aqui que os principais fundamentos dos Direitos Humanos dizem respeito à igualdade e à dignidade humana, a partir de uma perspectiva sócio-histórica, não naturalista e enquanto uma construção em determinado período da história mundial, não sendo atributos naturais e inerentes ao ser humano. Segundo Rabenhorst (2005), A teoria dos direitos humanos é uma invenção da modernidade. Afinal, até o fim da Idade Média o direito foi pensado praticamente em termos de deveres ou obrigações e não com pretensões ou interesse subjetivos. Obviamente, isso não significa dizer que as culturas antigas não tenham defendido uma certa concepção de justiça ou do respeito devido aos seres humanos. Contudo, a pressuposição contemporânea de que todos os homens possuem o mesmo valor e que, por tal razão, são titulares de um idêntico conjunto de direitos inalienáveis, era absolutamente estranha aos antigos (p. 205).. Fica evidente que a ideia de Direitos Humanos é moderna na história da sociedade ocidental. É importante ressaltar que, para esse estudo, parte-se da concepção contemporânea de Direitos Humanos cuja perspectiva principal é a da universalidade, indivisibilidade e interdependência destes direitos. De acordo com Piovesan (2002), esta concepção deriva do período pós Segunda Guerra Mundial, momento em que o mundo se confrontou com inúmeras atrocidades oriundas dos regimes totalitários, com estimativas de que 55 milhões de pessoas, em sua maioria civis, tenham sido brutalmente assassinadas. Esse cenário aterrorizador mobilizou a comunidade internacional para a necessidade premente de criação de um dispositivo normativo que pudesse frear.

(18) 17. essas violações, a partir do questionamento da soberania estatal, tendo em vista que, na Segunda Guerra Mundial, o Estado foi o maior violador dos Direitos Humanos acobertado por esta soberania nacional. Neste sentido, houve um entendimento de que deveria existir um instrumento internacional que garantisse a proteção aos Direitos Humanos de qualquer pessoa, independentemente de seu país de origem. Portanto, em 1945, criou-se a mais importante organização internacional – Organização das Nações Unidas (ONU) – com o objetivo de proteção aos Direitos Humanos, assim como de manutenção da paz e da segurança em âmbito mundial. Nessa conjuntura de construção de dispositivos normativos para proteção internacional dos direitos, adota-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) em 1948. Se esse episódio da história mundial significou o rompimento com todos os direitos até então conquistados,. a. Declaração. surgia. com. o. objetivo. de. reconstruir. esse. esfacelamento, superando a soberania dos Estados. No entanto, não há como deixar de mencionar que, desde sua criação, a ONU - ao ser formada e conduzida por seus países-membros - possui um viés político de relevância, ou seja, seus representantes defendem e buscam os interesses de seus Estados. Segundo Pinheiro (2008), especialmente na década de 70 e 80, esse caráter político ganhou força na ONU e também na sua Comissão de Direitos Humanos, acentuando a divisão que existia entre os países do bloco capitalista e socialista. Isso demonstra como os Direitos Humanos se tornam instrumento político, de acordo com o contexto e os atores envolvidos. A primeira característica da concepção contemporânea diz respeito aos direitos dirigidos universalmente para todas as pessoas, bastando a condição de ser humano para ser titular desses direitos. No entanto, no contexto atual, ainda há uma parcela significativa da população mundial que não tem seus direitos respeitados. Dessa forma, é imperativo reforçar uma questão anterior, apresentada por Arendt (2000) que se refere primeiramente ao “direito a ter direitos”, ou seja, a imensa maioria da população mundial desconhece o conteúdo dos Direitos Humanos como um conjunto de direitos conquistados historicamente que lhe assiste ou não possui mecanismos de acesso ou reivindicação destes direitos. Já a segunda característica sinaliza para a indivisibilidade dos Direitos Humanos, partindo do pressuposto de inter-relação e interdependência destes direitos. Não basta que os direitos civis e políticos estejam garantidos, faz-se.

(19) 18. necessário observar também os direitos sociais, econômicos e culturais (DHESCs); assim, se um direito é violado, os demais também o são. A partir dessa característica, é necessário superar antigas dicotomias que dedicavam lugares e prioridades distintas aos direitos civis e políticos e aos direitos econômicos, sociais e culturais. Significa reafirmar que um direito não existe isolado dos demais e no caso de violação de um direito, necessariamente, outros também estarão sendo violados. Nesta perspectiva normatizadora, pode-se afirmar que principalmente a partir da Segunda Guerra Mundial houve inúmeros avanços em âmbito mundial no que tange à adoção de Declarações, Tratados e Pactos Internacionais de respeito e proteção aos Direitos Humanos, dos quais diversos países, inclusive o Brasil, são signatários. Após a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), seguiram-se diversos outros dispositivos normatizadores, valendo destacar os principais: Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (1966), Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1968), Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979), Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), dentre outros1. É importante salientar que a suposta contradição entre a existência de Pactos Internacionais distintos para os Direitos Civis e Políticos e para os DHESCs, e a assertiva anterior a respeito da indivisibilidade destes direitos, deve-se à bipolaridade da política mundial naquele período. A impossibilidade de diálogo entre os blocos capitalista e socialista obrigou a ONU a viabilizar dois instrumentos diferentes, contrariando a proposta inicial que visava um único instrumento detalhando os direitos previstos na DUDH. Assim, fica evidente que os Direitos Humanos também são instrumentalizados de acordo com determinados interesses políticos como bem situa a Anistia Internacional (2008): Os direitos humanos se transformaram em um jogo excludente entre as duas “superpotências” envolvidas em uma luta ideológica e geopolítica para estabelecer sua supremacia. Enquanto um dos lados negava os direitos civis e políticos, o outro rebaixava os direitos econômicos e sociais. Ao invés de favorecer a dignidade e bem estar. 1. Para conhecimento na íntegra desses documentos, ver BRASIL. Direitos Humanos: Documentos internacionais. Brasília: Presidência da República, Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2006..

(20) 19. das pessoas, os direitos humanos eram usados como instrumento para promover objetivos estratégicos (p. 4).. O bloco liderado pelos Estados Unidos (EUA) compreendia que os Direitos Civis e Políticos podiam e deviam ser implementados imediatamente, enquanto que esta agilidade não se aplicaria aos DHESCs que, necessariamente, demandariam um maior tempo para sua implementação. Em contraposição, o bloco capitaneado pela União Soviética (URSS), em função da prioridade nas questões sociais em seus regimes políticos, entendia que os direitos econômicos e sociais tinham primazia. O que se observa a partir desta duplicidade ideológica de direitos – que teve origem no cenário político mundial pós Segunda Guerra – refere-se a como os direitos são hoje compreendidos e quais os efeitos dessa dicotomia histórica. Considerando que os Direitos Civis e Políticos estão mais relacionados às liberdades individuais, ao direito à vida, ao voto, à livre circulação, dentre outros, e que os DHESCs retomam o direito a uma vida digna que inclua saúde, trabalho, educação, moradia, previdência social, assistência social, lazer, etc., é possível reconhecer uma maior tolerância das pessoas e das próprias nações frente às violações dos DHESCs se comparadas aos Direitos Civis e Políticos. Isso pode ser identificado no exemplo de países com governos autoritários que são criticados por manterem ditaduras políticas, por um lado, e em países com algum nível de democracia já consolidada, mas que por diversas razões não garantem a maior parte do DHESCs para sua população, sendo essa situação mais bem aceita politicamente. Essa cultura de aceitação pode estar relacionada à maior dificuldade dos países em cumprirem com os DHESCs, posto que a conjuntura mundial atual aponta para o aumento significativo da dependência econômica e política dos países periféricos/emergentes em relação aos seus financiadores. No entanto, frente a essa cultura de aceitação é pertinente o questionamento de Bobbio (2004) em relação à suposta tolerância que se deve ter para a devida implementação dos direitos:. Um direito cujo reconhecimento e cuja efetiva proteção são adiados sine die, além de confiados à vontade de sujeitos cuja obrigação de executar o “programa” é apenas uma obrigação moral ou, no máximo, política, pode ainda ser chamado corretamente de “direito”? (p. 92)..

(21) 20. De qualquer sorte, há que se consolidar a concepção contemporânea de universalidade e indivisibilidade de direitos, não existindo nenhum tipo de valoração ou sobreposição de direitos, tendo em vista que todos são igualmente relevantes para a promoção da igualdade e da dignidade humana enquanto principais fundamentos dos Direitos Humanos. Para tanto, toma-se como referência uma reflexão de Mondaini (2006) como indicativo do lugar dos Direitos Humanos na contemporaneidade: Na atualidade, não obstante as inúmeras conquistas obtidas em torno da afirmação dos direitos humanos, tanto no campo jurídicolegal como no plano cultural-ideal, continuam a se fazer presentes críticas que parecem ignorar o fato de que o único instrumento capaz de medir o nível de civilidade alcançado por uma sociedade – e seu progressivo distanciamento da barbárie – localiza-se exatamente na capacidade que esta tem de fazer com que os seus concidadãos sejam protegidos pelo generoso guarda-chuva dos direitos humanos (p. 12).. Ou seja, independente do país ou do contexto sócio-histórico vivido, podemos perceber hoje que os Direitos Humanos funcionam como termômetro ou bússola norteadora que indica o grau de civilidade de uma sociedade. Isso não se refere apenas ao respeito formal, pois importantes textos foram assinados pelo Brasil, conforme já colocado anteriormente, sendo referências no assunto. Trata-se aqui da construção de uma cultura que respeite os Direitos Humanos efetivamente para todas as pessoas. Assim, além dos Direitos Humanos representarem uma referência em relação ao progresso histórico de determinada sociedade, é preciso compreender que o campo dos direitos é necessariamente uma arena política como bem sinaliza Bobbio (2004): “O problema fundamental em relação aos direitos dos homens, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político” (p. 43). A seguir, é possível ver como essa conjuntura tem se apresentado no Brasil..

(22) 21. 1.2 Os Direitos Humanos no Brasil. A afirmação de Bobbio de que o ponto central em relação aos Direitos Humanos é garantir sua proteção é bastante precisa e, por conta disso, revela que se é necessário protegê-los, então há uma situação de desproteção. Ou seja, muitos direitos não são garantidos para uma infinidade de grupos e populações. Tal situação não é diferente no Brasil, onde a realidade sócio-política é de profunda desigualdade e de forte concentração de renda. Dados do ano de 2010 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) informam que, no Brasil, os índices de desenvolvimento humano (IDH) são excessivamente díspares, gerando verdadeiros abismos sociais. A construção desse índice combina três variáveis: expectativa de vida, educação e renda, para então projetar um valor numérico que corresponde à condição de vida de um determinado grupo e/ou população, em um país. Apenas a título exemplificativo, foi criado também o IDH municipal (IDH-M) e, ao se considerar apenas a cidade do Recife, existem índices que equivalem ao IDH da Noruega até o IDH do Gabão. Ou seja, Recife, como as demais grandes metrópoles brasileiras são constituídas por regiões ricas, envoltas por enormes bolsões de pobreza. Essa realidade anuncia que, no país, os direitos humanos não são universais, posto que apenas alguns grupos acessam e têm seus direitos garantidos. Enquanto isso, grande parte da população brasileira permanece desconhecendo seus direitos, colocando-se como questão precedente o “direito a ter direitos”. É a partir deste cenário que se deve compreender a evolução das ideias envolvendo Direitos Humanos em nosso país. Os primeiros movimentos por Direitos Humanos, no Brasil, datam da década de 70, em decorrência do período de repressão política que se iniciou em 1964, com o golpe militar2. O país passava por um contexto sócio-político de supressão dos direitos civis e políticos, como retrata Carvalho (2003): A censura à imprensa eliminou a liberdade de opinião; não havia liberdade de reunião; os partidos eram regulados e controlados pelo governo; os sindicatos estavam sob constante ameaça de intervenção; era proibido fazer greves; o direito de defesa cerceado 2. Isso não quer dizer que anterior a esse período não tenham existido movimentos que lutavam por direitos, mas ressaltar que, no contexto brasileiro, apenas na década de 1970 se passou a usar a denominação de "Direitos Humanos" como um uma determinada bandeira de luta política..

(23) 22. pelas prisões arbitrárias; a justiça militar julgava crimes civis; a inviolabilidade do lar e da correspondência não existia; a integridade física era violada pela tortura nos cárceres do governo; o próprio direito à vida era desrespeitado. As famílias de muitas das vítimas até hoje não tiveram esclarecidas as circunstâncias das mortes e os locais de sepultamento. Foram anos de sobressalto e medo, em que os órgãos de informação e segurança agiam sem nenhum controle (p. 164).. O governo militar perdurou até 1985, tendo o país cinco presidentes nesse período: entre 1964 e 1967, o marechal Castello Branco; de 1967 a 1969, o também marechal Costa e Silva; o período entre 1969 e 1974, conhecido como o mais sombrio da ditadura quando estava no comando o general Emílio Garrastazu Médici; de 1974 a 1979, o general Ernesto Geisel e, por fim, de 1979 a 1985, o Brasil esteve sob a gestão do também general João Baptista Oliveira Figueiredo. Ao longo dos 21 anos de ditadura militar, o instrumento legal utilizado pelo governo para dar legitimidade às ações governamentais e consequentemente suprimir os direitos da população era denominado Ato Institucional (AI). Dentre eles, o mais conhecido foi o AI-5, por sua gravidade; se os direitos civis e políticos já haviam sido suspensos, no momento da instituição do AI-5, eles foram verdadeiramente cassados. Vale ressaltar que os atos institucionais estavam pautados pela lógica da segurança nacional, ou seja, possuíam como eixo principal assuntos de interesse do governo. Para Antunes (2002), eis o que define um tema de segurança nacional para um país: Os interesses de segurança nacional estão diretamente relacionados ao tipo de governo, de regime político e com o contexto socioeconômico. As ameaças podem incidir tanto sobre aspectos internos quanto externos de um país. Quanto mais fechado for o regime, mais o governo está propenso a enfatizar a segurança interna e preocupar-se com a repressão política dentro do próprio território (p. 20).. Nesse sentido, considerando o momento histórico vivenciado no Brasil, é possível dizer que a segurança nacional estava relacionada a existência de um "inimigo" interno que figurava como principal fonte de ameaça ao regime vigente. Assim, qualquer adversário político do governo militar passou a ser objeto de investigação e intervenção da segurança nacional..

(24) 23. Frente à recorrente violação de direitos, grupos se organizaram para contestar essa realidade e reivindicar o retorno da democracia. Estudantes, trabalhadores, sindicalistas e pessoas ligadas a alguns setores da Igreja Católica encontraram formas de organização política como estratégia de resistência e combate ao regime autoritário. Esses movimentos enfatizaram, principalmente, o retorno dos direitos civis e políticos, tendo em vista os frequentes casos de tortura, assim como as inúmeras prisões de militantes e pessoas que estavam combatendo o regime militar. Para Sader (apud COIMBRA, 2002), frente a um Estado repressor e autoritário, “novos personagens entraram em cena como novos sujeitos políticos” enquanto estratégia de resistência, principalmente a partir de movimentos ligados à Igreja, à esquerda e ao sindicalismo. Aliados à luta pelo retorno dos direitos civis e políticos, esses movimentos, através de processos de organização popular, passaram a reivindicar também a ampliação de direitos, principalmente, direitos sociais, ou seja, direito à saúde, educação,. habitação,. etc.. Esse. processo. ganhou. visibilidade,. fornecendo. legitimidade à noção de participação popular. Oliveira (1995) contextualiza como os Direitos Humanos entraram na pauta brasileira: Os Direitos Humanos estão ausentes dos escritos da esquerda brasileira nos anos 60. Até então havia uma conotação liberal, associada à burguesia. Apenas em 1974, a esquerda se apropria desse discurso. Há a Conferência Anual da OAB: “O Advogado e os Direitos Humanos” e a Igreja, através de Dom Hélder se compromete a defender os Direitos Humanos em 1968 (p. 46).. Segundo Caldeira (1991), no Estado de São Paulo, foram quatro os principais atores envolvidos no debate sobre Direitos Humanos, em 1980: a Igreja Católica, comissões de Direitos Humanos, grupos partidários de esquerda e centro-esquerda e representantes do governo Montoro3 à época. Já os grupos contrários a essa luta provinham principalmente da corporação policial, da direita e de alguns meios de comunicação. Esse foi o caldo inicial que deu origem à construção de um movimento contrário aos Direitos Humanos. Conforme já afirmado anteriormente, fica evidenciado o embate político na arena dos Direitos Humanos, sendo possível verificar como esse espaço é 3. André Franco Montoro foi governador do Estado de São Paulo no período de 1983 a 1987..

(25) 24. caracterizado enquanto um campo de co-relações de forças. Para tanto, é importante mencionar alguns elementos que se encontram circunscritos a essa compreensão porque a história não se apresenta de modo linear, mas sim, de modo complexo, com várias nuances e matizes, dependendo da perspectiva adotada e das hegemonias políticas com as quais se articulam. Assim, tornam-se preponderante as contribuições de Foucault (2003), acerca do binômio poder/saber e também sobre a construção do próprio conhecimento. Para ele, o conhecimento em si não possui origem, ou seja, as verdades históricas que. ganham. validade,. em. determinados. períodos,. não. passam. de. invenções/criações que, por razões diversas, assumem o estatuto de legitimidade perante a sociedade. Se quisermos conhecer o conhecimento, saber o que ele é, apreendê-lo em sua raiz, em sua fabricação, devemos nos aproximar, não dos filósofos mas dos políticos, devemos compreender quais são as relações de luta e poder. E é somente nessas relações de luta e poder – na maneira como as coisas entre si, os homens entre si se odeiam, lutam, procuram dominar uns aos outros, querem exercer, uns sobre os outros, relações de poder – que compreendemos em que consiste o conhecimento (p. 23).. Nessa lógica, é fundamental que essas construções sejam devidamente contextualizadas para que efetivamente seja possível uma compreensão condizente e adequada à realidade da época. Isso porque se evidenciam, nos dias de hoje, fortes resquícios de posicionamentos contrários aos Direitos Humanos, como pode se verificar, por exemplo, no grupo de discussão criado pela UOL Notícias 4 por ocasião da já citada visita da Anistia Internacional. No mês de abril de 2009, a partir dos comentários feitos pelo representante da referida organização, a UOL colocou no ar a seguinte indagação: “Você acha que os direitos humanos só defendem bandidos?” Foram elencadas mais de novecentas respostas, dentre as quais, a imensa maioria apresenta total concordância com a questão, tendo os/as internautas manifestado explícito incômodo diante dos Direitos Humanos por entenderem que defendê-los se resume a defender bandidos. Isso só reforça a necessidade de compreender a instrumentalização que pode ser feita desses saberes/poderes. Durante o período da ditadura militar, uma das principais bandeiras de luta dos movimentos de Direitos Humanos no Brasil, foi em prol dos presos políticos; ou 4. http://noticias.uol.com.br/ultnot/internacional/2009/05/28/ult1859u1047.jhtm.

(26) 25. seja, das pessoas que combatiam o regime autoritário, tinham um posicionamento político distinto do governo e estavam com seus direitos civis e políticos cassados. Nesse sentido, vale trazer a reflexão de Oliveira (1995): Até 1979, naturalmente, a defesa dos direitos humanos no Brasil significava a defesa dos prisioneiros políticos. A partir da Lei de Anistia, os exilados voltam ao país e os presos políticos deixam paulatinamente a prisão. Seria de se esperar que o movimento, uma vez atingido o seu objetivo, desaparecesse. Mas, curiosamente, foi o contrário que aconteceu. A partir de fins dos anos 70 e ao longo dos anos 80, ele cresce e se expande por todo o país, investindo em novos temas: ao invés dos presos políticos, seus militantes – aos quais vieram se juntar muitos dos ex-exilados e dos anistiados – se voltam para os chamados prisioneiros „comuns‟, bem como outros encarcerados provenientes das classes populares: loucos, menores, etc. De outro lado, o movimento se volta para a promoção e reivindicação dos chamados direitos socioeconômicos das classes populares: salário, educação, saúde, habitação, incorporando o tema dos direitos humanos à linguagem dos novos movimentos sociais que proliferam no Brasil a partir de meados dos anos 70 (p. 55).. Entretanto, esse processo de expansão e renovação de temas relacionados à defesa de Direitos Humanos não ocorreu sem resistências. A partir do momento em que passaram a defender os direitos de presos comuns, os militantes foram obrigados a conviver com a acusação de serem “defensores de bandidos”. De acordo com o mesmo autor, os programas policiais radiofônicos tiveram forte influência no processo de propagação desse dito que se acabou se popularizando. Sabe-se que a polícia brasileira está acostumada a torturar, promover castigos físicos, maus-tratos e até executar supostos criminosos oriundos de classes populares como parte de suas ações cotidianas. A Anistia Internacional (2011) em sua mais recente publicação afirmou:. O índice de violência criminal e policial permaneceu elevado nas favelas, agravando ainda mais a situação de desigualdade. Tortura, superlotação e condições degradantes continuaram a caracterizar os sistemas penitenciários adulto e juvenil. A falta de controle efetivo sobre o setor resultou em distúrbios que provocaram diversas mortes (p. 112).. Isso evidencia que a violência policial, no Brasil, não é nenhuma novidade, sendo possível dizer inclusive que esse tipo de problema já possui um caráter crônico. O representante da organização disse acreditar que existe uma cultura de.

(27) 26. violência e impunidade no país5. Já a Human Rights Watch (HRW), no ano de 2009, elaborou um relatório apenas sobre esse tema, relatando pormenorizadamente os diversos crimes cometidos pela polícia nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Segundo a instituição, no período de 2003 a 2009, as polícias de ambos os Estados mataram mais de 11 mil pessoas. Considerando que a violência policial não um fenômeno atual, os militantes buscaram dar visibilidade a esse tipo de violência como sendo também uma violação de Direitos Humanos. No entanto, parte significativa da população no país apóia esse tipo de violação, razão pela qual se deu início a essa associação de Direitos Humanos a “direito de bandido”. Segundo Caldeira (1991), é possível localizar uma intercorrência nesse processo, no Estado de São Paulo, que pode ter contribuído para a construção dos Direitos Humanos como “direito de bandidos”. O governo Montoro – primeiro governante do Estado de São Paulo que assumiu através de eleição direta desde 1967 – enfrentou os piores índices de criminalidade, no período de 1983 a 19856. Para fazer frente a isso, apresentou propostas de humanização dos presídios e reforma das Polícias Civil e Militar. Essas iniciativas foram seriamente criticadas pelos grupos partidários de direita que aproveitaram essa conjuntura para associar Direitos Humanos a “direito de bandidos”. Portanto, segundo Caldeira, o fenômeno pode ser assim resumido: o fato de não se ter mais presos políticos, já que o regime militar havia acabado, fez com que os grupos pró Direitos Humanos buscassem outras frentes de luta. Tentando seguir a mesma estratégia de resistência e enfrentamento, ao invés de presos políticos, optou-se por presos comuns7. Essa proposta foi amplamente combatida pela direita que conseguiu ganhar adesão de vários setores, principalmente das instituições policiais (que estavam na época sendo objeto de reforma) e dos meios de comunicação, conforme descreve a autora: “O fato de que no imaginário da população de São Paulo tenha se fixado a imagem de que os defensores de direitos 5. http://opiniaoenoticia.com.br/brasil/politica/anistia-denuncia-violencia-policial-no-brasil Acessado em: 20 mai. 2011. 6 Para aprofundamento do assunto, ver: ZALUAR, Alba. Violência, dinheiro fácil e justiça no Brasil: 1980-85. In: ZALUAR, Alba (org.) Integração perversa: pobreza e tráfico de drogas. Rio de Janeiro: FGV, 2004. 7 Isso não significa que a defesa de presos comuns se tornou a única frente de luta dos Direitos Humanos, mesmo porque outros grupos, como por exemplo, os pobres e os indígenas já estavam inseridos no debate sobre Direitos Humanos, principalmente a partir dos trabalhos desenvolvidos pela Teologia da Libertação e pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI)..

(28) 27. humanos são defensores de criminosos é indicação do sucesso da campanha contra os direitos humanos” (CALDEIRA, 2000, p. 166). Vale ressaltar que os meios de comunicação tiveram uma relevante colaboração na difusão dessa associação “Direitos Humanos iguais a direitos de bandidos”. Essa construção ganhou proporção, em função do profundo preconceito que a população brasileira possui em relação àqueles que cometem crimes. É importante destacar o fato de que esse preconceito está quase que exclusivamente circunscrito às pessoas pobres. Não se observa o mesmo nível de preconceito com os chamados “crimes do colarinho branco”, por exemplo. Caldeira (2000) relata como a prática policial está orientada a “criminalizar os pobres e descriminalizar as classes altas” (p. 108), apresentando como funciona internamente a corporação policial na abordagem e no encaminhamento dos casos, a depender da classe social da pessoa. Nesse sentido, é interessante trazer a descrição de Mingardi (apud CALDEIRA, 2000) sobre o método de trabalho dos policiais civis em São Paulo: “Pretendemos aqui mostrar que o mau tratamento infligido ao preso faz parte de um processo, que inicia-se com a seleção do suspeito e termina na entrega dele à justiça, ou então no acerto que o liberta”. No caso de criminosos profissionais, técnicas de tortura são aplicadas rotineiramente como parte do processo investigativo. Em seguida, um advogado – geralmente conhecido como “advogado de porta de cadeia” – é chamado para negociar o “acerto” que será feito para que o suspeito seja liberado. Mingardi (apud CALDEIRA, 2000), que foi membro da polícia civil de São Paulo conta uma das lições que aprendeu na Academia de Polícia:. Pessoas das classes altas e aquelas que não têm antecedentes criminais não devem ser torturadas; uma pessoa com antecedentes criminais e dinheiro não é torturada, se pagar por sua libertação já de saída [...]. Como resultado: „Quem apanha é pobre; colarinho branco não apanha, faz acerto‟, como diz um dos seus informantes [...]. „Em um crime que envolva pessoas de classes diferentes, o peso da justiça policial cairá geralmente sobre a parte mais pobre‟, conclui Mingardi (p. 107, grifo do autor).. Esse tipo de relato evidencia o viés de classe sócio-econômica empregado pela polícia que seguramente influencia no modo como a sociedade constrói suas referências relacionadas ao mundo do crime e a clara diferença entre o criminoso pobre e o de classe média e alta. E essa prática policial não é recente, tendo em.

(29) 28. vista que o surgimento da corporação, desde seus primórdios, teve como uma de suas principais tarefas o controle de diferentes segmentos da população. Coimbra (2001) elucida esse aspecto, analisando como se deu a construção da ideia de “bandidos” e “vilões”, a partir do mito das classes perigosas. Sucintamente, junto com o processo de urbanização, o Brasil assistiu ao processo de higienização dos espaços urbanos nas grandes cidades do país, nos séculos XIX e XX. Assim, uma série de medidas foi aplicada pelas autoridades, com o intuito de organizar e também separar/discriminar a população, sob a alegação de questões sanitárias e, principalmente, controle de epidemias. Um dos principais resultados disso foi o afastamento das classes populares dos centros urbanos para periferias das cidades. A corporação policial, criada no século XIX, adotou a mesma lógica de funcionamento de controle da população pobre, sendo seus principais objetivos “controlar as desordens, os tumultos urbanos e a criminalidade” (p. 103). Nesse sentido, os alvos preferenciais da polícia serão os negros, mendigos, estrangeiros, alcoólatras que são considerados os grandes problemas urbanos. Essa prática acabou sendo respaldada pelos estudos higienistas de que esses grupos, na sua grande maioria pobres, são fontes de ameaça. Coimbra (2001) assim resume: “Está, pois, estabelecida/ cristalizada a relação entre vadiagem/ ociosidade/ indolência e pobreza e entre pobreza e periculosidade/ violência/ criminalidade” (p. 105). Trazendo essa reflexão para questões mais atuais e com o intuito de entender o lugar da mídia nesse fenômeno, Oliven (apud COIMBRA, 2001) afirma que a violência se transformou em tema nacional, a partir da década de 80 do século XX, sendo assunto chave dos meios de comunicação e de políticos, justamente quando o regime militar entra em crise. Segundo o autor, antes desse período, não havia “dados fidedignos sobre a violência no Brasil, por duas razões: 1º) „não interessava ao regime chamar a atenção‟ para tal; 2º) as estatísticas sobre violência vinham de informações policiais”. Coimbra (2001) complementa essa análise dizendo: É bem verdade que os anos 80 marcam o recrudescimento da crise econômica brasileira, quando o desemprego e a miséria começam a crescer assustadoramente. No entanto, é interessante observarmos como as elites, aliadas aos meios de comunicação de massa e a outros dispositivos sociais, fazem do aumento da violência/ criminalidade no início daqueles anos, em especial, nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, sua trincheira de luta (p. 125)..

(30) 29. Ou seja, a violência passou a ser uma pauta recorrente em diversos meios de comunicação, principalmente a partir de 1980, mas com um enfoque direcionado para crimes violentos. De acordo com o estudo de Benevides (apud COIMBRA, 2001) que pesquisou quatro jornais do eixo Rio – São Paulo, no período de 1979 a 1981, os crimes cometidos por pessoas da classe alta, ou mais conhecidos como crime de colarinho branco “não empregam violência física explícita e, por isso, são frequentemente minimizados nos noticiários e editoriais” (p. 124). Nessa conjuntura de crescimento da violência, defender presos comuns já que não havia mais presos políticos tornou-se alvo de críticas e preconceito. Assim, esse rol de estigmas que acompanham os presos comuns foram também direcionados para os Direitos Humanos e consequentemente atingiram seus defensores. Nesse contexto, a defesa de condições dignas de vida para todas as pessoas enquanto frente de luta dos Direitos Humanos, para alguns setores da sociedade, ficou restrita a condições dignas somente para os presos comuns, quase como se estivesse sendo defendido o próprio crime incorrendo no já citado jargão “privilégios de bandidos”. Essa situação também revela a existência de grupos que acreditam que a essas pessoas não cabe a possibilidade de ter direitos. Para eles, os/as criminosos/as não são humanos, portanto, não possuem Direitos Humanos. Essa ideia será mais bem apresentada posteriormente. Assim, os setores contrários aos Direitos Humanos se mostraram muito empenhados em propagar uma ideia que continha, ao menos, três importantes elementos, segundo Caldeira (1991): A de negar humanidade dos criminosos, a de equiparar a política de humanização dos presídios à concessão de privilégios a criminosos em detrimento dos cidadãos comuns, e a de associar essa política de humanização, e o governo democrático da qual fazia parte, ao aumento da criminalidade (p.170).. Os resultados dessa associação afetaram os movimentos em defesa dos Direitos Humanos e aquilo que seria mais uma bandeira de luta terminou sendo uma encruzilhada com poucas ou nenhuma saída. Além disso, parte dessa complexa realidade pode ser explicada pelo fato dos presos comuns possuírem características bastante distintas dos presos políticos. Primeiramente, se tratavam de pessoas.

(31) 30. “comuns”, oriundas em sua grande maioria de situação de pobreza e que tinham cometido algum crime, razão pela qual estavam com seus direitos restringidos. No caso dos presos políticos, a situação era bem diferente, posto que eram pessoas de classe média e alta, nas quais os “crimes” diziam respeito ao questionamento do sistema político vigente. Desse modo, a defesa de direitos civis e políticos – considerando que aos presos comuns, durante o período da pena, não cabe o exercício pleno de seus direitos sociais – foi levantada como defesa de direitos individuais, caracterizando-se assim como meros privilégios. Passadas quase três décadas desse período histórico que foi o pano de fundo para a associação de Direitos Humanos a “direito de bandidos”, a questão permanece bastante atual. Segundo Tim Cahill da Anistia Internacional, em entrevista à UOL Notícias, no dia 28/05/098, quando estava no Brasil para realizar o Informe Anual da Anistia, disse que há um conceito infeliz no país que considera Direitos Humanos apenas como “direito de bandidos”. Para ele, “esse conceito foi popularizado e é utilizado por pessoas que têm interesse em mantê-lo”. Em outras palavras, essa ideia difundiu-se de modo extremamente eficaz na sociedade brasileira, servindo como verdadeiro entrave para o debate sobre Direitos Humanos. Há ainda um forte agravante na atualidade que se incorpora a esse problema: o crescimento estrondoso da violência e criminalidade, tanto no meio urbano como no meio rural, em todo o país. Caldeira (2006), ao analisar o contexto brasileiro mais atual, retoma essa questão relativa à defesa dos Direitos Humanos, aproximadamente em 1980, dizendo: “A reação contra esse tipo de defesa foi imediata e tão forte, provavelmente marcando a primeira e mais perversa re-significação da ideia de direitos, feita com o objetivo de solapar esses mesmo direitos e seus defensores” (p. 106). 9 Obviamente que a criminalidade não se caracteriza como um fenômeno exclusivamente brasileiro. De acordo com o Relatório Mundial de Saúde de 2000 (apud PINHEIRO, 2003), no ano 1999, 1,7 milhões de pessoas foram mortas intencionalmente em todo o mundo, sendo desse total, aproximadamente 520 mil homicídios. No mesmo ano, o Brasil tinha uma taxa de 23 mortes por 100 mil habitantes, o que para a Organização Mundial da Saúde já é considerado um índice. 8 9. http://noticias.uol.com.br/ultnot/internacional/2009/05/28/ult1859u1047.jhtm Tradução livre da autora..

(32) 31. preocupante. É de suma relevância dizer que essa é uma taxa média que nivela dados bastante desiguais e extremos. Dados mais recentes do Datasus, de acordo com Ramos (2007) informam que no ano de 2004, o número de mortes por cada 100 mil habitantes, no país, subiu para 26,9. Um aspecto que deve ser salientado é que o número de mortes de jovens, quase que exclusivamente do sexo masculino, na faixa entre 15 e 24 anos, é extraordinariamente mais alto que a média da população. Em alguns estados, como, por exemplo, Pernambuco e Rio de Janeiro, a taxa ultrapassa 100 mortes para cada 100 mil habitantes. Outras duas variáveis importantes nesses dados referem-se à cor e classe social. O número de mortes intencionais é significativamente maior entre negros e pobres. A partir desses dados, verifica-se que o Brasil está assistindo, há aproximadamente duas décadas, a um verdadeiro genocídio de meninos negros e oriundos de classes populares. A mesma autora busca esclarecer os motivos da apatia da população frente a uma estatística de guerra: O perfil socioeconômico das principais vítimas da violência letal e sua baixa capacidade de pressão política podem ajudar a explicar o despertar tardio dos governos, da mídia e da sociedade civil brasileira para o tema da segurança pública e para a necessidade de se investir em modernização, controle e democratização das instituições de polícia. A maioria das polícias civis e militares nos estados da federação foi se degradando e algumas se tornaram violentas e ineficientes (p. 73).. Segundo Oliveira (2008), o momento atual brasileiro caracteriza-se como “um verdadeiro problema civilizacional” (p.08). Dessa forma, numa conjuntura em que se identificam, cada vez mais, processos de ruptura com as normas sociais e impunidade para quem comete crimes, a sensação de insegurança e medo tende a aumentar. Isso constitui mais um elemento de preocupação para os defensores de Direitos Humanos que, para parte da opinião pública e do senso comum, continuam defendendo bandidos. A esse complexo arranjo que envolve garantia de direitos humanos enquanto direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais; violação de direitos; desigualdade e concentração de renda; poder e política, ainda é preciso acrescentar os elementos violência e criminalidade como importantes componentes nessa discussão. Ao mesmo tempo, a questão da impunidade não está sendo debatida.

(33) 32. aqui no sentido estrito de punição e/ou aplicação de penas de restrição de liberdade; trata-se de pensar, sobretudo, a impunidade como não responsabilização das pessoas que cometem crimes. Ainda que não se pretenda abordar diretamente aqui a temática da violência e da criminalidade, eles serão eixos de reflexão que servem de pano de fundo de modo permanente. Obviamente que existe uma situação de violência e insegurança pública instalada no Brasil, no entanto, é fundamental considerar que para além dos dados de homicídios e crimes cometidos, há um componente de extrema relevância que diz respeito à sensação e percepção da violência por parte da população. Criou-se uma realidade de insegurança que certamente direciona determinadas escolhas. Nessa lista, há o aumento da procura por segurança privada, por condomínios fechados e a preferência por shoppings centers como espaços seguros de lazer para a classe média e alta. Esse tipo de solução “privada” para problemas que não têm sido resolvidos adequadamente pelos governos tem relação com outras questões mais amplas e complexas que merecem ser comentadas. Conforme Caldeira (2000), essa realidade precisa ser compreendida a partir de: Uma combinação de fatores socioculturais que culminam na deslegitimação do sistema judiciário como mediador de conflitos e na privatização de processos de vingança, tendências que só podem fazer a violência proliferar. Para explicar o aumento da violência, temos que entender o contexto sociocultural em que se dá o apoio da população ao uso da violência como forma de punição e repressão ao crime, concepções do corpo que legitimam intervenções violentas, o status dos direitos individuais, a descrença no judiciário e sua capacidade de mediar conflitos, o padrão violento do desempenho da polícia e reações à consolidação do regime democrático (p. 134).. Em síntese, para entender essa conjuntura no que diz respeito à violência e à segurança, é preciso levar em consideração uma série de aspectos sócio-históricos – dentre eles a desigualdade estrutural do país como elemento-chave – assim como determinadas condutas e crenças que ainda pautam o pensamento padrão da população brasileira..

(34) 33. 1.3 Dilemas e desafios atuais. Fazendo um levantamento bibliográfico de trabalhos relevantes nessa área, foram localizadas algumas pesquisas (CARDIA, 1994, 1995, 1999) que identificaram compreensões que relativizam o conceito de universalidade dos Direitos Humanos. Ou seja, vários estudos mostraram que parcelas da população, de fato, entendem que determinados segmentos da sociedade não possuem e nem devem possuir direitos. Esses estudos foram iniciados a partir do episódio que ficou conhecido como a “Chacina do Carandiru”, em 1992, quando 111 presos foram executados pela Polícia Militar dentro da Casa de Detenção de São Paulo, também conhecida como complexo penitenciário Carandiru. Caldeira (2000) assim resume o que ocorreu:. O massacre teve traços dantescos, já que não só se atirou nos presos aleatoriamente como eles foram espancados, atacados por cães treinados para morder os órgãos genitais e perfurados com facas. Nus, muitos dos sobreviventes foram forçados a assistir a execuções, a carregar os corpos de seus colegas mortos e a limpar o sangue que escorria por todo lugar, porque os policiais estavam apavorados com a possibilidade de serem contaminados pela aids. Na verdade, uma razão que a polícia deu para justificar sua ação foi a de que os presos atacaram com dardos embebidos em sangue contaminado por HIV (p. 175).. Alguns dias após o massacre foram feitas pesquisas, nas quais se verificou que parcela significativa da população não demonstrou indignação, e sim, tolerância e aceitação da chacina por julgarem correta a atuação da Polícia.10 Esse fenômeno evidenciou a existência de um processo de relativização da universalidade dos Direitos Humanos. Ou seja, os direitos não são para todos; pelo contrário, é aceitável o cometimento de violações contra alguns grupos sociais.. 1.3.1 O conceito de exclusão moral. Para fundamentar as pesquisas citadas acima, a autora baseou-se no conceito de exclusão moral (DEUTSCH, 1990) que se caracteriza por considerar que Dados obtidos através de pesquisas de opinião feitas pelos jornais “O Estado de São Paulo” e a “Folha de São Paulo”, na época da chacina. Para mais informações, ver Cardia (1995). 10.

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