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“Crime de trato sucessivo” (?) | Julgar

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Academic year: 2021

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Helena Moniz

(Juíza Conselheira) (**)

Ao Professor Doutor Manuel da Costa Andrade, Amigo que me apoiou desde a primeira hora, nos finais da década de 80, ao Professor que me ensinou a simplicidade, ao Académico que me incutiu a exigência e seriedade na investigação.

Resumo: a jurisprudência introduziu a designação de “crime de trato sucessivo”. Numa primeira fase, aplicada ao crime de tráfico de estupefacientes, mas num segundo momento, também aplicada aos crimes sexuais, nomeadamente, ao crime de abuso sexual de menor. Pretende-se demonstrar as diferenças estruturais entre estes dois tipos legais de crime. Apresenta-se uma visão crítica da designação utilizada, e conclui-se pela inadmissibilidade de unificação subsuntiva da prática de vários atos sexuais de relevo a apenas um crime.

Palavras-chave: crime de tráfico de estupefacientes; crimes sexuais; crime de empreendimento; crime exaurido; “crime de trato sucessivo”.

* As principais ideias aqui apresentadas foram expostas no dia 9 de fevereiro de 2018,

numa intervenção sob este título, realizada no Centro de Estudos Judiciários, em Lisboa, no âmbito da formação contínua de magistrados “Temas de Direito Penal e Processual Penal”.

** Juíza Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça; Professora da Faculdade de Direito

da Universidade de Coimbra. As considerações aqui expostas são apenas da minha responsabilidade.

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1. Nos dias de hoje, a violência contra os vulneráveis, sejam idosos, crianças ou vítimas de violência doméstica, tem absorvido muitas páginas da imprensa escrita e destaques em diversos órgãos de comunicação social; para além de inúmeros comentários nas redes sociais.

Desta criminalidade destacam-se os crimes de abuso sexual contra menores praticados por pessoas próximas do ofendido, normalmente com uma relação privilegiada com o ofendido — por isso a conduta criminosa é, normalmente, exercida de forma reiterada e repetida durante um período de tempo mais ou menos longo. Como grande parte desta criminalidade é praticada entre as paredes do reduto familiar, muitas vezes a única prova existente é a decorrente das declarações do ofendido que nem sempre se consegue lembrar de forma exata e precisa de quais os momentos, os dias, em que ocorreram aqueles abusos. Não raras vezes nos deparamos com a prova de que os abusos foram realizados, por exemplo, quando o menor regressava da escola e apenas estava o arguido em casa, porque os restantes membros do agregado habitacional estavam a trabalhar; mas, noutras ocasiões, ainda é mais imprecisa a delimitação temporal dos atos praticados/sofridos — os abusos ocorreram diversas vezes por semana, sempre que o menor se encontrava com o arguido no estabelecimento onde o arguido, seu familiar, trabalhava e para onde se deslocava o menor para o ajudar, por exemplo; ou quando o menor visitava a casa dos avós, e perguntado quantas vezes acontecia, o ofendido responde que era sempre à quarta-feira, mas às vezes era à quarta e quinta-feira, e também nas férias, ou ao fim de semana, se os pais estavam ausentes, assim se revelando uma falta de capacidade para delimitar de forma precisa quais foram esses fins de semana, ou quais os dias, em suma, qual o número de atos realizados.

Perante isto, o tribunal sabe que o crime de abuso sexual de menor foi praticado, todavia não consegue contabilizar de forma precisa o número de crimes de abuso sexual cometidos. Alguma jurisprudência tem, nestes casos, optado por considerar que houve apenas um crime de abuso sexual praticado diversas vezes

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ao longo do tempo e por isso habitualmente designado como “crime de trato sucessivo”.

Trata-se de uma categoria, não dogmática, criada pela jurisprudência.

2.1. Integram o “crime de trato sucessivo”, segundo a jurisprudência, aqueles casos em que se possa afirmar a existência de uma unidade de resolução criminosa, uma “unidade resolutiva” (pretendendo com esta expressão, em detrimento daquela outra “unidade de resolução”, acentuar a existência de uma pluralidade de resoluções) e uma conexão temporal entre os atos realizados.

Analisando a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, verifica-se que a designação de crime de trato sucessivo começou a ser usada, de modo frequente, relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes, logo na década de 80.

Todavia, cumpre destacar que, não só em relação ao crime de tráfico de estupefacientes, mas também em relação, por exemplo, ao crime de contrafação de moeda, se pretendeu desenvolver o mesmo raciocínio — unificação de vários atos em um só crime, por existência de uma unidade resolutiva e conexão temporal entre os atos realizados.

Estamos a referir-nos a um caso do crime de falsificação de moeda onde esta ideia é apresentada1, embora sem utilização desta designação.

Nesta decisão tenta-se construir uma ligação entre os, futuramente designados, crimes de trato sucessivo e os já conhecidos, dogmaticamente, crimes exauridos. Afirma-se que se trata de casos em que o tipo legal de crime é logo preenchido com os primeiros atos de execução, e que a repetição de atos e a produção de sucessivos resultados é imputada a uma realização única. Considera-se que a realização dos diferentes atos correspondeu à realização de um mesmo propósito inicial, não constituindo a realização de um ato (de contrafação) a

1 Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05.05.1993 (proc. n.º 42290), Colectânea

de Jurisprudência — Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1993, tomo II (secção criminal), relator: Fisher Sá Nogueira (consultado na versão on-line).

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consumação de um outro propósito, mas sim apenas a “oportunidade de proceder a mais actos da mesma actividade”2.

Este raciocínio é apresentado tendo por base uma tentativa de distinção entre, por um lado, a decisão de cometer um ato criminoso e, por outro lado, a decisão de cometer um tipo de crime que é integrado por múltiplos atos de execução. Assim, a decisão de cometer um crime integrado por múltiplos atos levaria a que cada ato individualmente praticado constituiria “manifestações prolongadas no tempo de um dado e único processo volitivo dinâmico, formado pelo somatório das diferentes resoluções parcelares”3.

E classificaram-se estes casos, em que o tipo é construído de modo a punir um conjunto diversificado de atos, como “crime exaurido”, embora fazendo apelo às características dos crimes de empreendimento.

Na verdade, entendeu-se, e seguindo o exposto naquele aresto, que estávamos perante “ilícitos que, na nossa doutrina, se tem estado a chamar de «crimes exauridos» e a que, no direito alemão, se chama «delitos de empreendimento» (cf. Jescheck, tradução espanhola, edição de 1981, tomo I, pgs. 362, e tomo II, pgs. 715)”, tendo-se considerado que o “crime exaurido” “é uma figura criminal em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros actos de execução, independentemente de os mesmos corresponderem a uma execução completa, e em que a repetição dos actos, com produção de sucessivos resultados, é imputada a uma realização única”4.

Ora, cumpre desde já destacar que, crime de empreendimento e crime exaurido são designações distintas, sendo uma referida a casos em que ocorre uma clara antecipação da tutela penal, e a outra referente a uma classificação daqueles crimes em função da punição da conduta logo aquando consumação formal do

2 Cf. acórdão citado. 3 Idem.

4 Acórdão do STJ de 05.05.1993, citado supra; e salienta-se, no mesmo acórdão, que nestes

crimes não é possível a tentativa, uma vez que a tentativa é equiparada à consumação, sendo igualmente inadmissível uma desistência relevante, dando como exemplo o caso do crime de uso de documento falso ou o crime de contrafação de moeda.

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crime (embora a consumação material, terminação ou exaurimento do crime ainda possa ser relevante, nomeadamente, em matéria de desistência).

2.2. Mas vejamos cada uma das classificações — crimes de empreendimento e crimes exauridos — para melhor se entender, por exemplo, que o crime de contrafação de moeda, ou o crime de tráfico de estupefacientes possam ser classificados como tipos de crime em que, apesar da prática de diversos atos pelo agente todos estes se devem reconduzir à integração de apenas um tipo legal de crime (diferentemente de outros tipos legais de crime em que o tipo é construído de outro modo, pois cada ato individual é já em si a consumação integral do tipo legal de crime).

2.2.1. Os crimes de empreendimento5 (classificação usada no sistema

alemão) também designados por crimes de atentado no sistema italiano, são caracterizados pelo facto de os atos que noutros casos seriam classificados como de tentativa são aqui tidos como atos de consumação do próprio crime. Ou seja, são crimes onde ocorre uma antecipação da tutela penal, antes mesmo da lesão do bem jurídico, constituindo condutas criadoras de um perigo para o bem jurídico, condutas que integram atos dirigidos de forma imediata à realização do tipo e idóneas à criação daquele perigo.

Tratando-se de casos onde ocorre uma equiparação entre a tentativa e a consumação6, verifica-se não só uma antecipação da tutela penal, mas também

uma punição mais grave do que aquela que ocorreria se aqueles mesmos atos fossem punidos segundo as regras da tentativa (uma vez que não há lugar à atenuação da pena como ocorre nos casos de tentativa; cf. art. 23.º, n.º 2, do CP).

No âmbito destes crimes de empreendimento integram-se tipos como aqueles em que o agente é punido por atentar contra a segurança de transporte

5 Vide por todos, José Carlos de Almeida Fonseca, Crimes de empreendimento e tentativa,

Coimbra: Almedina, 1986.

6 Assim, Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra: Coimbra Editora,

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(cf. arts. 288.º e 290.º, do CP), por exemplo, ou ainda o caso de quem atentar contra a vida de uma pessoa que goze de proteção internacional (cf. art. 322.º, do CP) ou contra o Presidente da República (cf. art. 327.º, do CP)7; mas também, por

exemplo, aqueles outros casos de crimes de empreendimento impróprios (casos em que o simples início ou a colocação em marcha de um certo propósito já constitui crime), como o crime de perseguição8 (onde o agente é punido por

perseguir ou assediar uma pessoa de modo reiterado — cf. art. 154.º-A, do CP). Resumindo, aquilo que caracteriza os crimes de empreendimento é a equiparação da tentativa à consumação, antecipando-se a tutela penal para um momento anterior à lesão do bem jurídico.

Mas é igualmente característico deste tipo de crimes a existência de uma “distonia entre a consumação formal e material” — esta característica ocorre nos crimes de empreendimento ou de atentado, mas também nos crimes de perigo ou nos crimes de intenção ou de resultado cortado9. Trata-se de casos em que a a

consumação formal ou típica ocorre com o preenchimento integral dos elementos do tipo, ocorrendo a consumação material ou terminação com “com a realização completa do conteúdo do ilícito em vista do qual foi erigida a incriminação (...), por outras palavras, com a verificação do resultado que interessa ainda à valoração do ilícito por directamente atinente aos bens jurídicos tutelados e à função de protecção da norma”10.

Assim sendo, se são punidos comportamentos que em outras situações apenas constituiriam uma tentativa e como tal eram punidos, podemos dizer que nestes casos houve uma consumação formal do crime mas, para além desta, haverá igualmente uma punição quando ocorra a consumação material — por exemplo, tanto é punido o ato de cultivo de plantas (equiparando a tentativa à

7 Cf. Jorge Fonseca, Crimes de empreendimento cit. supra, p. 47 e ss.

8 Assim, Jescheck/Weigend, Tratado de Derecho Penal. Parte General, Granada: Comares,

2002, p. 287.

9 Cf. Figueiredo Dias, ob. cit supra, 27/§ 11, p. 687. 10 Cf. Figueiredo Dias, ob. cit supra, 27/§ 11, p. 686.

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consumação e designando-se esta consumação por consumação formal), como a venda de estupefacientes, isto é, a consumação material, terminação do crime, ou crime exaurido11.

Isto é, ainda que nos crimes de empreendimento haja uma equiparação entre a tentativa e a consumação, por em ambos os casos se proceder a uma punição idêntica, o certo é que poderemos, sob o ponto de vista da análise do comportamento realizado, considerar que existe um momento de consumação formal e, eventualmente, um momento de terminação, de consumação material, momento em que ocorre o exaurimento do crime.

A consumação do crime ocorre não apenas quando o agente atingiu o seu propósito, mas logo quando os elementos do tipo foram realizados. Por exemplo, aquele que falsifica moeda para a colocar em circulação, independentemente e antes mesmo de a colocar em circulação ou a usar, já consumou o crime de contrafação de moeda (cf. art. 262.º, do CP).

Ou seja, nos crimes de empreendimento ocorre a consumação antes da terminação, tratando-se de crimes de consumação antecipada (tal como nos crimes de perigo, ou nos crimes de intenção); e uma vez terminado o crime podemos dizer que estamos perante um crime exaurido.

Esta distinção entre a consumação e a terminação ocorre em todos aqueles crimes de vários atos, tipos integrados por diversos atos individuais, como acontece nos crimes de tráfico como o crime de tráfico de estupefacientes12. Antes

mesmo do ato de traficar, ou vender o estupefaciente, já ocorre uma consumação do crime, antes mesmo da verificação do resultado que se pretende evitar, antes da terminação.

11 Esta distinção, entre a consumação formal e a consumação material ou a terminação do

crime é relevante entre outras coisas, por exemplo, em sede de prazo de prescrição do crime (que apenas começa com a terminação do crime), ou ainda naqueles casos em que, antes da terminação, se junta um autor realizando atos ainda relevantes para a consumação material daquele crime (co-autoria sucessiva).

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Porém, outros crimes há (para além dos crimes de empreendimento) cujo momento da terminação é igualmente distinto do da consumação, como acontece em todos os crimes intencionais.

Isto é, os crimes de empreendimento, tal como os crimes intencionais e os crimes de perigo, são crimes de consumação antecipada. Nestes casos há uma distinção entre a consumação do delito, enquanto cumprimento integral do tipo, e a terminação, ou consumação material do facto, ou verificação de um resultado distinto espácio-temporalmente da conduta.

Mas há ainda outros casos em que esta distinção entre a consumação e a terminação ou consumação material pode ocorrer, como nos casos em que o tipo tem uma estrutura reiterativa (de reiteração), como nos crimes permanentes, nos crimes de dois atos, ou nos crimes de múltiplos atos13.

2.2.2. Dito isto cumpre salientar que “crime exaurido” e “delito de empreendimento” não são a mesma coisa; trata-se de duas classificações distintas em função, por um lado, do momento em que se consuma o crime e, por outro lado, em função dos atos punidos. Todavia, um crime de empreendimento pode ser praticado até à sua completa realização, até ao seu exaurimento. Nas palavras de Cavaleiro de Ferreira14 a “consumação material ou exaurimento consistirá na

produção dos efeitos ou consequências, que não sendo embora exigidos como elementos essenciais da incriminação, constituem a plena realização do objectivo pretendido pelo agente; (…) a consumação material ou exaurimento do crime terá lugar mediante a obtenção efectiva das consequências prejudiciais que a lei pretende evitar ou que o agente se propusera”.

Na verdade, a designação de crime exaurido corresponde àqueles crimes em que, após a realização da conduta que já integra a consumação formal ou típica, ainda pode haver a produção do resultado que ainda interessa à valoração típica porque ligado aos bens jurídicos protegidos pelo tipo; é aquilo que se refere

13 Idem.

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no art. 24.º, n.º 1, do CP, como resultado não compreendido no tipo. Poderá haver crime exaurido em todos os crimes de consumação antecipada, como os crimes de perigo, os crimes de empreendimento ou de atentado, os crimes de intenção ou de resultado cortado, os crimes de estrutura iterativa ou reiterada, como os crimes duradouros15, ou os crimes de pluralidade de atos típicos.

2.3.1. Ora, tendo em conta esta caracterização, facilmente se percebe que o mesmo entendimento tenha sido transposto para o crime de tráfico de estupefacientes. Na verdade, também no crime de tráfico de estupefacientes, antes mesmo do tráfico, são diversos os atos já punidos, havendo igualmente uma equiparação de uma tentativa à consumação: tanto é punido da mesma forma a venda de estupefacientes como o cultivo, por exemplo.

E é esta ideia — a ideia de que o tipo pune múltiplos atos — que acabou por ser salientada pela jurisprudência relativa ao crime de tráfico de estupefacientes.

É disto exemplo o seguinte trecho de um acórdão do STJ:

“O crime de tráfico de estupefacientes constitui um crime de trato sucessivo, de execução permanente, mais comummente denominado de crime exaurido, em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros atos de execução, independentemente de corresponderem a uma execução completa do facto e em que a imputação dos atos múltiplos é atribuída a uma realização única, sendo a estrutura básica fundamental nestes crimes de empreendimento, a equiparação da tentativa à consumação”16.

15 Ou permanentes — quando a consumação se prolonga no tempo, como o crime de

sequestro, violação do domicílio; assim Figueiredo Dias, Direito Penal cit., 11/ § 54, p. 314

16 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.09.2015, proc. n.º 272/11.5TELSB.L1.S1,

Relator: Cons. João da Silva Miguel, e onde são referidos outros arestos de 2008, 2009 e

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Ora, se, na verdade, o crime de tráfico de estupefacientes constitui um crime de múltiplos atos, também é verdade que há uma equiparação entre a tentativa e a consumação, e, portanto, estamos perante um crime de empreendimento, pelo que há não só uma antecipação da tutela penal (punindo comportamentos em que ainda estão numa fase prévia do iter criminis), como uma punição antes da terminação ou do exaurimento do crime, pese embora já ocorra a consumação formal.

Todavia, é a vertente de crime de pluralidade de atos típicos que mais se evidencia com a outra designação criada pela jurisprudência de crime de trato sucessivo.

2.3.2. Analisando a jurisprudência percebe-se que a utilização da expressão «crime de trato sucessivo» aparece para fazer face a algum entendimento quanto à possibilidade de continuação criminosa do crime de tráfico de estupefacientes quando se realizavam vários atos de venda17. Foi então considerado que o crime

de tráfico de estupefacientes punia uma atividade, ela mesma integradora de múltiplos atos18, mas que não se podia caracterizar como de crime continuado,

por não estarem preenchidos os pressupostos daquele, nomeadamente, a existência de uma situação exterior que diminuísse a culpa do agente, ou seja, nada justificava uma ideia de menor exigibilidade, antes pelo contrário, havia um

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b806102c1a3d606b8025 7ed00053d9ca?OpenDocument).

17 Cf., por exemplo, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08.11.1995 (proc. n.º 47714,

Relator: Cons. Herculano Lima), onde se verifica que os arguidos vinham punidos por um crime continuado de tráfico de estupefacientes, e foi considerado que “a figura da continuação criminosa é incompatível com a própria natureza do crime de tráfico de estupefacientes. Com efeito, trata-se de um crime de trato sucessivo que se desenrola no tempo e é constituído por uma pluralidade de acções. Isto é, trata-se de um crime naturalmente “continuado”, que não necessita do recurso à figura da continuação criminosa para se unificar as acções que o integram” (em sentido idêntico, entre outros, acórdão de 16.02.1995, proc. n.º 47309, Relator: Cons. Nunes da Cruz, e acórdão de 17.01.1996, proc. n.º 48694, Relator: Cons. Andrade Saraiva).

18 Cf., entre outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.02.1995, proc. n.º

047621, Relator: Ferreira Vidigal, in

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c023fdac67fd35bd8025 6ac500535146?OpenDocument.

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aumento da culpa pela prática sucessiva de vários atos integradores do crime de tráfico de estupefacientes. E assim se conseguiu agrupar aquilo que o tipo legal já agrupava, e punir o agente apenas por um único crime (tal como o legislador pretendeu quando construiu o tipo legal), todavia agravando a pena concreta à medida que a conduta se multiplicava e se prolongava no tempo.

Não sem que se fizesse alguma correção a este raciocínio, nomeadamente, quando se pudesse agrupar uma multiplicidade de atos em blocos temporais — a distância temporal entre vários blocos de atos sucessivos determinaria a punição em diversos crimes de tráfico de estupefacientes. Assim, num acórdão de 2011, três condutas de tráfico, distantes temporalmente, deram origem a 3 crimes de tráfico não tendo havido unificação19.

É a caracterização do crime de tráfico de estupefacientes como um crime de múltiplos atos, em que a realização de um e qualquer deles já permite integrar o tipo, determinando uma unidade típica de ação20 relativamente a todos os atos

19 Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07.12.2011, proc. n.º 111/10.4PESTB.E1.S1,

Relator: Cons. Rodrigues da Costa (in

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b0d5a0c69912799280257 99e003c8c90?OpenDocument): “A primeira ocorreu em 14 de Outubro de 2008, a segunda praticamente 7 meses depois (4 de Maio de 2009) e a terceira, um ano e meio após aquela (10 de Novembro de 2010), tudo isto ao longo de dois anos. Ora, não é possível sustentar, face às demais circunstâncias que rodearam a prática das infracções, que as referidas três condutas obedeceram à mesma resolução criminosa. Por outras palavras: não se concebe, nesse contexto, que o arguido, ao longo do tempo referido, não tenha renovado sucessivamente a intenção de reiterar a conduta.”.

20 Existe unidade típica de ação, em sentido amplo, em todos aqueles casos em que o tipo

inclui na ação descrita um número indeterminado de atos individuais, como por exemplo, no crime de espionagem; no caso dos crimes de vários atos ocorre uma unidade típica de ação em sentido estrito — é disso exemplo, o crime de roubo, por exemplo, composto por ações de furto e coação (assim, Jescheck/Weigend, ob. cit. supra, p. 285 e 766 e s). É ainda dado como exemplo de um tipo que inclui na descrição da ação um número indeterminado de atos individuais o tipo legal de crime de abuso sexual previsto no § 174 do StGB (Código Penal alemão); todavia, cumpre salientar que tal como o tipo está construído apresenta uma diferença significativa relativamente aos crimes de abuso sexual previstos no nosso ordenamento, uma vez que começa logo por referir-se aquele que pratica atos sexuais (sexuelle Handlungen). E assim também, por exemplo, o crime de abuso sexual de crianças previsto no § 176, do StGB, onde se determina “wer sexuelle Handlungen an einer Person unter vierzehn Jahre (kind) vornimmt...”, isto é, quem pratica atos sexuais com pessoa menor de 14 anos...., ou seja, o próprio tipo legal de crime

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que o integram, que tem levado a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a designar o crime de tráfico de estupefacientes como sendo um crime de trato sucessivo. O crime de trato sucessivo tem sido caracterizando como aquele crime em que ocorre uma “unificação das condutas ilícitas sucessivas, desde que essencialmente homogéneas e temporalmente próximas, quando existe uma mesma, uma só resolução criminosa, desde o início assumida pelo agente”21.

Com a designação de crime de trato sucessivo acaba por se salientar a sucessão de atos, quando o elemento nuclear e característico deste tipo legal não é a sucessão de atos, mas uma multiplicidade de atos (que por acaso são sucessivos, mas podem não ser; basta que se venda em simultâneo a várias pessoas).

E a designação de crime de trato sucessivo também não é feliz, porque faz apelo a uma ideia de traditio, de tradição no sentido de transmissão; ora, transmissão de produto estupefaciente é apenas uma das modalidades da conduta punidas por este tipo legal de crime. Além de que não podemos dizer que exista qualquer traditio entre os diversos atos realizados. Para acentuar o facto de o crime tráfico de estupefacientes ser um crime de múltiplos e/ou sucessivos atos teria sido mais correta a designação de crime de realização sucessiva de atos, embora ainda aqui a ideia de sucessão também não fosse a mais indicada.

Todavia, é este entendimento — do crime como a tipificação unificada de uma sucessão de condutas ilícitas homogéneas e temporalmente próximas — que acabou por levar à consideração de que aquela pluralidade de atos se transformava num crime único, numa unidade típica, quando, pelo contrário, o tipo não unifica

entende como integrando a conduta típica a realização plúrima de diversos atos sexuais (aliás, é curioso verificar que na tradução disponibilizada (in https://www.gesetze-im-internet.de/englisch_stgb/index.html) pelo Ministério da Justiça da Alemanha do Código Penal alemão a expressão sexuelle Handlungen é traduzida como sexual activity.

21 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.09.2015, proc. n.º 2430/13.9JAPRT.S1,

Relator: Cons. Raúl Borges — cf. Sumários de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça — Secções Criminais, 2015, p. 448 e ss, in http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/criminal/Criminal2015.pdf

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o comportamento, mas pune igualmente diversos atos, punindo a conduta de empreender o tráfico, e não punindo cada ato isoladamente.

3.1. E é este entendimento do crime de trato sucessivo — como uma “unificação das condutas ilícitas sucessivas, desde que essencialmente homogéneas e temporalmente próximas, quando existe uma mesma, uma só resolução criminosa, desde o início assumida pelo agente”22 — que foi transposto

para os crimes sexuais23 considerando-se que aquele que abusa sexualmente de

uma pessoa decide uma única vez (sem que haja constantemente renovação da resolução criminosa em cada ato que realiza, em cada circunstância que cria propiciadora da realização daquela conduta), e considerando-se que os diferentes atos (mais ou menos idênticos quanto ao modo de atuação e realização e quanto à vítima, sempre a mesma) realizados sucessivamente, reiteradamente, sequencialmente no tempo, apenas integram um único crime.

É em 2012 que se vê na jurisprudência24 a aplicação desta ideia aos crimes

sexuais, em particular, ao crime de abuso sexual de criança, e mais tarde aplicada ao crime de violação25.

Mas, se aquilo que caracteriza o crime de tráfico de estupefacientes é o facto de se tratar de um crime de empreendimento e de um crime de múltiplos atos, o mesmo não podemos dizer quanto aos crimes de abuso sexual. Estes não

22 Idem.

23 Expressamente contra considerando que “se “deixa entrar pela janela” o que se quis

proibir “que entrasse pela porta”, cf. Maria da Conceição Cunha, Do dissentimento à falta de capacidade para consentir, Combate à violência de género (da Convenção de Istambul à nova legislação penal), Porto: UCP, 2016, p. 143-4, nota 50, mas já antes, Clara Sottomayor, Temas de Direito das Crianças, 2014, Coimbra: Almedina, p. 255-6, nota 11.

24 Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.11.2012, proc. n.º 862/11.6TAPFR.S1,

Relator: Cons. Santos Carvalho (com declaração de voto de vencido) , in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8e85b26c0ad8e634802 57ac60053bd4f?OpenDocument

25 Cf. em sentido diferente, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.04.2016, proc.

n.º 657/13.2JAPRT.P1.S1, Relatora: Cons. Helena Moniz, in

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a9dfdd4ef49a6bda802 57fa9005381c0?OpenDocument.

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são crimes de empreendimento, dado que a conduta punida não é o empreendimento de uma certa atividade, nem se pode dizer que se trata, como no crime de tráfico de estupefacientes, de um crime de múltiplos atos. Na verdade, quer no crime de violação (164.º), por exemplo, quer no crime de abuso sexual a conduta punida é a prática de ato sexual (cf. arts. 165.º, 166.º167.º, 171.º, 172.º, 173.º, 174.º, do CP).

Ou seja, ainda que se possa considerar que um possível crime de abuso poderia integrar diversos atos, verificamos, todavia, que o tipo pune a conduta não de abuso, enquanto integrante de múltiplos atos, mas cada ato individualmente considerado. Na verdade, olhando, por exemplo, para o disposto no art. 171.º, do CP, é punido todo aquele que pratica ato sexual de relevo com menor, e logo que pratica cada ato, e em cada ato que pratica. É o ato ainda isolado que já constitui um caso de abuso.

Porém, não podemos deixar de referir que, em tempos, os crimes sexuais já foram construídos como crimes de atentado ou crimes de empreendimento — em que a tentativa e a consumação eram equiparadas, e a conduta punida era o atentado com isto abarcando uma multiplicidade de atos. Basta pensarmos, por exemplo, nos crimes de atentado ao pudor que existiam na versão inicial do Código Penal de 1982 (para não recuarmos ao CP anterior de 1852/1886). Naqueles, havia uma unidade típica de ação a justificar apenas uma punição26.

Contudo, a reforma de 1995 veio alterar o que tinha sido consagrado em 1982; aquela veio consagrar tipos legais de crime como o previsto no art. 165.º, do CP, e equivalentes (167.º, 171.º, 172.º, 173.º…) em que a conduta punida é a do agente que “pratica ato sexual de relevo…” parecendo com isto querer punir cada ato individual praticado.

26 Aliás, no CP alemão (§ 178, StGB), não construindo, todavia, o crime de abuso sexual

como um crime de atentado, ou como crime de empreendimento, não deixa de se punir aquele que pratica/realiza atos sexuais com pessoa menor de 14 anos…, ou seja, o próprio tipo, pela forma como está construído abrange um número indeterminado de atos, a realização plúrima de diversos atos sexuais.

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Na verdade, tal como os tipos legais de crime passaram a ser construídos, a ação típica e ilícita é uma só; a conduta ilícita não abrange unitariamente uma multiplicidade de atos, como não podemos considerar estarmos perante um caso de um crime cuja ação se prolonga no tempo, ou crime duradouro, uma vez que não temos uma situação inicial de preenchimento do tipo com propagação do resultado ao longo do tempo.

Ora, o entendimento dos crimes sexuais como crimes de trato sucessivo pretende abarcar uma multiplicidade de atos, a que corresponde uma multiplicidade de resoluções, num único ato globalmente unificado a partir de uma unidade resolutiva, todavia salientando que não estamos perante uma única resolução, mas perante uma “unidade resolutiva”, querendo com isto apenas evidenciar uma homogeneidade resolutiva. Mas, este entendimento que agrega múltiplos atos típicos e ilícitos numa globalidade de comportamento ilícito com uma unificação resolutiva aproxima-nos, contra a lei, da figura do crime continuado, pese embora a jurisprudência expressamente afirme não haver uma menor culpa do agente, ou uma situação de menor exigibilidade.

Ou seja, a jurisprudência começou por considerar que, no âmbito do tipo, a conduta nele descrita abrange uma multiplicidade de atos (o que de todo está para lá da letra da lei, transformando o crime de abuso num crime de atentado, o que não foi o pretendido pelo legislador), para depois unificá-los sob uma ideia de unidade resolutiva, à semelhança do crime continuado e ao arrepio do entendimento, consagrado no atual art. 30.º, n.º 3, do CP, de que não existe crime continuado quando estamos perante condutas lesivas de bens jurídicos pessoais. Isto é, tendo em conta o critério de uma mesma resolução inicial, a jurisprudência unifica os diversos atos praticados subsumindo-os a apenas um tipo legal de crime e considerando que este somente é preenchido uma vez. Perante este entendimento, cabe perguntar porque não entende como sendo também apenas um crime de violação da integridade física aquele que agride fisicamente a vizinha todos os dias?

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Criticando a unificação dos diversos atos típicos num só crime, cabe perguntar: havendo a realização de diversos atos típicos podemos considerar estarmos perante um concurso de crimes?

A maneira mais eficaz para sabermos se estamos ou não perante um concurso de crimes será verificar se, através do critério consagrado no art. 30.º, do CP, se pode concluir pela existência (ou não) de um caso de concurso de crimes. O critério usado naquele dispositivo para que se possa considerar estarmos perante um caso de concurso de crimes não é um critério baseado no número de acções praticadas pelo agente (o que nos crimes de abuso sexual, por exemplo, ou de violação, permitiria entender que haveria tanto crimes quantas as ações de abuso ou de violação), mas um critério baseado no número de tipos legais de crime violados. Na verdade, o “critério de identificação do concurso pelo legislador é o número de tipos legais de crime preenchidos pelo agente, ou o número de vezes que um tipo legal se deixou preencher, sendo indiferente o número de ações em sentido naturalístico que são absorvidas por um só tipo legal de crime”27. Sendo indiciador de uma pluralidade de crimes a ocorrência de uma

pluralidade de bens jurídicos violados e de uma pluralidade de processos volitivos, o decisivo, para afirmar a pluralidade de infrações, deve ser o critério do significado social do facto28. Pelo que, é “em face do significado efectivo do

comportamento à luz das valorizações essenciais e prévias acerca da ilicitude de uma conduta (valorações de natureza social) que deve ser resolvida a questão da unidade ou multiplicidade de crimes. (…) No fundo, a decisão sobre a existência da unidade ou pluralidade de infracções vai depender de uma valoração prévia e global do sentido do facto à qual o aplicador do direito terá de adequar a relação entre os tipos legais de crime que tem perante ele, e não o inverso”29.

Ou seja, o critério da pluralidade de processos volitivos não é decisivo, pois também no crime continuado se pode dizer que existe uma pluralidade de

27 Paula Ribeiro de Faria, Formas especiais do crime, Porto: UCP, 2017, p. 374.

28 Assim, Paula Ribeiro Faria, ob. e loc. cit., indo buscar a expressão a Figueiredo Dias. 29 Paula Ribeiro de Faria, Formas especiais do crime cit., p. 376.

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processos volitivos a partir do momento em que se entende que o “dolo continuado” “se traduz numa renovação da intenção criminosa, o que quer dizer que pode haver vários dolos parcelares e mesmo assim ser de reconhecer o crime continuado que depende fundamentalmente (…) da configuração externa da sucessão de factos, sem deixar evidentemente de fora, mas também relacionada com a ilicitude material revelada, a culpa mais reduzida do agente”30.

No crime continuado, um elemento fundamental é a menor culpa do agente fundada numa menor exigibilidade. E a partir daqui facilmente se pode entender não podermos integrar no crime continuado a realização plúrima e homogénea sobre a mesma vítima de diversos atos sexuais contra a sua vontade, integrando estes apenas num crime de abuso sexual ou num crime de violação. Na verdade, já Eduardo Correia parecia excluir o crime continuado no caso de estar em jogo bens eminentemente pessoais31. E por isso, perante a redação,

anterior a 2010, do art. 30.º, n.º 3, do CP, já se devia concluir que “só em hipóteses muito limitadas é que seria possível tomar várias ofensas de natureza pessoal praticadas contra a mesma vítima como um todo menos grave, ou considerar a situação exterior em que ocorriam como determinante de uma menor exigibilidade em relação ao agente, e uma menor censurabilidade”32. Na verdade,

a simples realização homogénea de vários atos e a conexão entre os factos

30 Paula Ribeiro de Faria, Formas especiais do crime cit., p. 398-9; afirmando

expressamente que a resolução do agente “pode ir-se renovando em função da situação exterior que diminui a sua culpa (….), não é necessário que a intenção do agente inclua o todo criminoso, podendo renovar-se em relação a novos factos desde que a decisão posterior possa ser vista como continuação da anterior, ou anteriores, deixando-se identificar uma linha de continuidade psicológica entre elas (dolo de continuação).” (ob. cit., p. 405). Além disto, a “unidade do facto continuado” já será duvidosa, segundo Paula Ribeiro de Faria, “quando interceda um intervalo de tempo de tal ordem entre a prática dos factos que não seja razoável deduzir a partir do contexto em que são praticados qualquer diminuição da exigibilidade da conduta” (ob. cit., p. 401).

31 Cf. Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. II, Coimbra: Almedina, 1993 (reimpressão),

p. 211: “Sem esquecer que de o mesmo bem jurídico se não pode falar quando se esteja perante tipos legais que protejam bens iminentemente pessoais; caso em que, havendo um preenchimento plúrimo de um tipo legal desta natureza, estará excluída toda a possibilidade de se falar em continuação criminosa”.

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realizados não dilui a ofensividade de cada ato e ainda mais naqueles casos em que se aproveita a vulnerabilidade da vítima menor, pelo que deve entender-se que a subsunção de tais situações à figura do crime continuado iria beneficiar o arguido “numa lógica óbvia de abuso do direito”33.

Todavia, antes das alterações de 2010 ao n.º 3 do art. 30.º, do CP, alguma doutrina aceitava a possibilidade de subsumir diversos comportamentos num único crime continuado de abuso sexual. Por exemplo, Figueiredo Dias admitiu expressamente a possibilidade de crime continuado de abuso sexual de menores. Em anotação ao crime de abuso sexual de criança, o então art. 172.º, afirmou: “Crime continuado só pode verificar-se relativamente à mesma vítima dada a natureza eminentemente pessoal do bem jurídico protegido”34. E idêntico

entendimento expressou relativamente ao crime de violação — começando por mencionar que para o crime de violação vale o que disse anteriormente para o crime de coação sexual35, referia expressamente, na anotação deste último, que

“crime continuado poderá existir se se verificar uma pluralidade de actos sexuais de relevo com a mesma vítima, todos eles reconduzíveis a um uso continuado de coação”36.

Figueiredo Dias afirmava ainda, no livro de Direito Penal — Parte Geral, na 2.ª ed. dada à estampa em 2007, a possibilidade de existir uma “unidade típica de ação” nos casos em que o tipo legal de crime seja “formulado de tal maneira que, não exigindo necessariamente para a sua integração uma pluralidade de actos singulares, reconduz todavia uma tal pluralidade à unidade sempre que aquela pluralidade tenha lugar dentro de uma certa unidade de contexto ou

33 Assim, Paula Ribeiro de Faria, Formas especiais do crime cit., p. 404; contra a ideia de

crime continuado nos crimes de abuso sexual de crianças cf. Conceição Cunha, Questões actuais em torno da vexata quaestio: o crime continuado, Livro em homenagem ao Professor Doutor Jorge de Figueiredo Dias, vol.I, Coimbra: Coimbra Editora/Universidade de Coimbra (Boletim da Faculdade de Direito), p. 321 e ss, em particular, p. 352 e ss.

34 Comentário Conimbricense do Código Penal, I vol., 1.ª ed, 1999, Coimbra: Coimbra

Editora, art. 172.º/ § 32, p. 553.

35 Comentário… cit. , I vol., 1.ª ed, 1999, art. 164.º/ § 19, p. 474. 36 Comentário… cit., I vol., 1.ª ed, 1999, art. 163.º/ § 31, p. 458.

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temporal” (itálico nosso); e dava como exemplo o do agente que “repete cópula com a mesma vítima no contexto de uma violação sexual”37. Mas, cumpre salientar

que, ao afirmar a necessidade de uma certa unidade contextual e espácio-temporal, permitia que se pudesse considerar que, deixando de existir esta unidade espácio-temporal, nomeadamente, mudando o dia ou a parte do dia, já poderíamos entender que estaríamos perante mais do que um crime de violação, por exemplo.

E se diferentemente de um critério de “unidade típica de ação” usássemos um critério de “unidade natural de ação”, segundo o qual “vários actos singulares da mesma espécie e derivados de uma vontade criminosa unitária se encontram, de um ponto de vista espacial e temporal, numa conexão tão estreita que eles se representam, à luz de uma consideração natural, como uma unidade”38, também

acabaríamos por concluir que a unidade espacial e temporal desaparece a partir do momento em que os atos de abuso sexual são realizados num dia de uma semana e em outro de outra semana…39.

Porém, o entendimento é outro, fruto das alterações legislativas, na 2.ª edição do Comentário Conimbricense do Código Penal, onde Figueiredo Dias expressamente refere que:

“Até à L 40/2010, crime continuado poderia existir se se verificasse uma pluralidade de actos sexuais de relevo com a mesma vítima, todos recondutíveis ao uso continuado de coação; isto suposta, naturalmente, a pluralidade de contexto situacional espácio-temporal, uma vez que, de outra forma, existiria unidade “típica” (…) de acção (…). Esta doutrina

37 Direito Penal..cit. supra, 41/ § 15, p. 984.

38 Figueiredo Dias, Direito Penal cit. supra, 41/ § 16, p. 984.

39 De notar que Figueiredo Dias (Direito Penal cit. supra, 41/ § 16, p. 984) dá como exemplo

a tentativa falhada de assalto a uma casa (devido à proximidade da polícia) seguida de uma segunda tentativa lograda na mesma noite, considerando que tudo poderia ser reconduzido a uma unidade natural de ação; todavia, parece poder concluir-se que, tendo ocorrido aquela outra tentativa em dia diferente, por argumento a contrario, já não é de admitir aquela unidade, desde logo, por falta da conexão temporal.

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deixou todavia de poder subsistir, de jure dato, em face do novo n.º 3 do art. 30.º, introduzido por aquela L 40/2010 (…). Os casos assinalados deverão assim, em princípio, assumir a forma de concurso puro ou efectivo”40.

Temos, pois, situações de concurso de crimes quando o agente pratica vários atos sexuais de relevo, ainda que sobre a mesma vítima.

Desde logo, deve afirmar-se que haverá concurso efetivo de crimes sempre que o contexto espácio-temporal seja distinto, bastando para tanto que aqueles atos sejam realizados em momentos temporais distintos. Além disto, deve também ser entendido como um caso de concurso aquele em que o agente procura oportunidades, ou cria situações para a prática dos atos típicos do crime — no seguimento da doutrina que entende que é de recusar “a figura do crime continuado sempre que seja o próprio agente a criar a circunstância facilitadora que conduz à prática do crime”41.

De tudo isto fica ainda uma pergunta: não sendo possível a punição pelo crime continuado (desde logo atenta a redação do art. 30.º, n.º 3, do CP), e considerando que cada ato sexual de relevo de per si integra o tipo legal de crime, havendo, portanto, um caso de concurso de crimes, poderíamos ainda de algum modo unificar a punição em atenção àquela “unidade resolutiva” afirmada pela jurisprudência, ou melhor, em atenção identidade de resolução sucessivamente renovada, nos casos em que haja identidade da vítima? Poderemos considerar que estamos perante um concurso aparente ou concurso efetivo impuro ou impróprio de crimes (usando a nova classificação de Figueiredo Dias) entendendo que, ainda que haja pluralidade de tipos preenchidos, deverá o agente ser punido apenas por um crime (o dominante) levando para a determinação da medida da pena todos

40 Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. I, 2.ª ed., 2012, Coimbra: Coimbra

Editora, art. 163.º/ § 35, p. 731, para o qual remete a anotação ao art. 164.º/§ 21, p. 752; todavia, na anotação ao crime de abuso sexual de crianças, art. 171.º (idem, p. 832 e ss), nada é referido quanto a este ponto.

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os outros ilícitos (dominados)? Na construção dogmática de Figueiredo Dias do concurso efetivo de crimes42, onde se integra o concurso efetivo de crimes próprio

ou puro, e o concurso de crimes impróprio ou impuro43 (ou também designado de

concurso aparente de crimes), poderemos entender que estamos perante um caso de concurso impróprio ou impuro no caso em que o agente pratica vários atos sexuais de relevo integrando várias vezes o tipo legal de crime (tantas quantos os atos praticados)?

Para a delimitação da figura do concurso de crimes, Figueiredo Dias rejeita o critério da unidade de ação e da pluralidade de ação e introduz um novo critério — o critério dos “sentidos sociais de ilicitude do comportamento global”44.

E assim surge a pergunta: vários abusos sobre a mesma vítima, em vários dias diferentes ao longo de um certo período, integram, analisando globalmente o comportamento, apenas um sentido social de ilicitude ou vários sentidos sociais de ilicitude?

Considerando que o novo critério não tem por base nem a unidade de ação, nem a unidade do tipo legal de crime que integra aquela ação45, mas sim “o

substrato de vida dotado de um sentido negativo de valor jurídico penal”46,

constituindo um problema de unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, tendo a considerar que há vários sentidos sociais de ilicitude autónomos a reclamar a punição por cada um deles, ou seja, uma pluralidade de factos puníveis. É que, nestes contextos, não se pode concluir por um sentido de ilicitude dominante e um dominado; trata-se sim de diversos sentidos de ilicitude em que não há um que se evidencie relativamente a outro(s), não há um dominante e outro dominado, e também não se pode falar em unidade de desígnio criminoso,

42 Cf. Direito Penal...cit. supra, 41/ § 26 e ss, p. 988 e ss.

43 Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal...cit. supra, 43/ § 11 e ss, p. 1011 e ss. 44 Cf. idem, 43/ § 18 e ss, p. 1016 e ss.

45 Figueiredo Dias, Direito Penal...cit., 41/ § 26, p. 988. 46 Idem.

(22)

quando o que ocorreu foi uma homogeneidade de um desígnio criminoso sucessivamente renovado e, portanto, plúrimo.

Todavia, Figueiredo Dias parece entender o contrário quando afirma:

“Um exemplo [de conexão espácio-temporal das realizações típicas] que julgamos claro será o dos actos sexuais de relevo (ou mesmo de cópula ou coito anal ou oral) praticados sobre a mesma vítima (art. 163.º e ss): a unidade de contexto espácio-temporal sugere vivamente ou, na maioria dos casos, mesmo impõe a unidade de sentido do ilícito global, ainda mesmo porventura no caso de renovação da resolução criminosa”47.

Tenho muitas dúvidas em concordar com esta posição: se considerarmos que a unidade de contexto espácio-temporal desaparece quando os atos são realizados em dias diferentes, tanto basta para que não se possa entender como sendo um único o sentido global de ilicitude; o sentido social daqueles comportamentos perpetrados em momentos temporalmente diferentes, ainda que, eventualmente, sem um desfasamento significativo, são o bastante para que se considere existir uma pluralidade de sentidos de ilícito sem que se verifique uma intersecção dos diversos ilícitos singulares — desde logo porque, em cada ato individualmente perpetrado, a vítima é renovadamente lesada.

3.2. Excluindo o entendimento de que os crimes como o de abuso sexual de menor ou o crime de violação sejam crimes de múltiplos atos, excluindo que sejam crimes de atentado ou empreendimento (em que há uma equiparação entre a tentativa e a consumação), excluindo que haja lugar a uma unificação das diversas resoluções numa unidade resolutiva, excluindo que possam ser subsumidos à figura do crime continuado, fica apenas a possibilidade da punição

(23)

de cada ato sexual de relevo realizado, com todas as dificuldades que se possam encontrar, nomeadamente, de prova.

Na verdade, há (ou pode haver) alguma dificuldade em determinar de forma exata todos os factos que estiveram na base do abuso sexual. É muitas vezes difícil provar se os atos foram praticados todas as semanas, ou todos os dias, ou todos os meses, e ainda provar o início e o fim da prática de tais atos. E por isso, não raras vezes, se dá apenas como provado que o arguido, entre o período x e y, por diversas vezes, mas não menos que duas por semana, por exemplo, ou num número de vezes superior a 4 por semana, por exemplo, praticou aqueles atos; ou seja, não se determinam com rigor todos os factos, pelo que objetivamente não se determina com rigor o número de vezes que a conduta do arguido preencheu o tipo legal de crime, o que poderá causar alguma dificuldade no exercício do direito de defesa, e até mesmo alguma limitação deste direito. O que terá ainda a consequência de se agrupar vários atos e punir cada grupo de atos como se se estivesse apenas perante um crime de abuso sexual (isto no caso de estarmos perante uma mesma vítima, dado que este agrupamento não tem ocorrido quando são várias as vítimas).

Porém, não nos podemos bastar com imputações genéricas, devemos, tanto quanto possível, especificar a conduta típica e ilícita praticada, com indicação do tempo, lugar e modo da prática do ato; imputações genéricas e imprecisas constituem uma possível lesão do contraditório e do efetivo exercício do direito de defesa48. Assim sendo, ter-se-á que provar tantos atos quantos for

possível, e apenas punir por estes; com a certeza de que não se tratando de um crime de múltiplos atos, ou de um crime continuado, não vale a regra de que o caso julgado abrange todos os atos realizados no período tempo do “crime

48 Tem sido este o entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça — cf.

entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.09.2015, proc. n.º 2430/13.9JAPRT.S1, supra citado, ou, por exemplo, acórdão de 15.12.2011, processo n.º

17/09.0TELSB.L1.S1, relator: Cons. Raúl Borges (in

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/716b1b216836db4c8025 79980057452c?OpenDocument).

(24)

continuado impróprio” / “crime de trato sucessivo” julgado e pelo qual foi condenado. Assim sendo, o agente deverá ser punido por tantos crimes quantos os atos levados a cabo e provados, em concurso efetivo de crimes49/50.

49 Já assim, cf., entre outros, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.04.2016,

proc. n.º 19/15.7JAPDL.S1, Relator: Santos Cabral, in

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9ac9123f58ae8f888025 7fd900504d9a?OpenDocument, de 13.07.2016, proc. n.º 154/15.1JDLSB.E1.S1, Relator: Sousa

Fonte, in

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a4a8f70efb4b48188025 7ff100477ffb?OpenDocument, de 10.11.2016, proc. n.º 1613/14.9PAALM.L1.S1, Relator:

Manuel Braz, in

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ba873d3e05aee84c802 58172003839b0?OpenDocument, de 30.11.2016, proc. n.º 444/15.3JAPRT.G1.S1, Relator:

Pires da Graça, in

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/594619c5560ec7258025 80810033ecb2?OpenDocument, de 04.05.2017, proc. n.º 110/14.7JASTB.E1.S1, Relatora:

Helena Moniz, in

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9632ea377f88f5f780258 132003abc13?OpenDocument, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.07.2017,

proc. n.º 1205/15.5T9VIS.C1.S2, Relatora: Rosa Tching, in

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/742b6ca27a7814a78025 8172004c906f?OpenDocument.

50 Deverá salientar-se que ao longo desta exposição não nos referimos ao crime de

pornografia de menores (art. 176.º, do CP), que não é objeto da nossa análise. Na verdade, o crime de pornografia de menores deverá ser analisado tendo em conta o modo como o tipo foi construído e a diferença clara entre a tipificação das condutas no âmbito das alíneas a) e b), do n.º 1, do art. 178.º, do CP, e as alíneas c) e d) do mesmo dispositivo. Estas últimas punem claramente o “comércio de material pornográfico” (assim Maria João Antunes/Cláudia Santos, Comentário Conimbricense... cit. supra, I vol., 2.ª ed, art. 176.º/ § 3, p. 880; já antes, no mesmo sentido, Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense... cit. supra, I vol, 1.ª ed., 1999, art. 172/ § 3, p. 542, considerando que aqui se protege um bem jurídico supra-individual distinto do da liberdade e autodeterminação sexual de uma pessoa — idem, art. 172.º/ § 19, p. 548) num tipo de múltiplos atos a impor uma punição unitária — também aqui temos a punição autónoma do tráfico ou exploração de suportes pornográficos (neste sentido, cf. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense... cit. supra, I vol, 1.ª ed., art. 172/ § 19, p. 547-8); mas o mesmo não nos parece ser de concluir nos casos previstos nas als. a) e b), onde a punição decorre de uma lesão de um bem jurídico pessoal (cf. Maria João Antunes/Cláudia Santos, ob. e loc. cit.) encabeçado em uma vítima, a exigir que se punam os diferentes atos consoante as lesões ocorridas. Ponto é saber se, sendo o mesmo menor utilizado em diversos espetáculos pornográficos, por exemplo, se deverá entender como estando preenchido o tipo legal de crime tantas vezes quantos os espetáculos, por exemplo — assim o consideramos uma vez que cada espetáculo pornográfico realizado com o menor constituirá uma autónoma utilização e ofensa do bem jurídico pessoal titulado pelo menor.

(25)

Deverá sempre tentar apurar-se, tanto quanto possível, quantos atos foram efetivamente realizados. De outra forma, dispensando a investigação de determinar (o mais possível) o número de atos singulares que foram praticados, abrindo mão do necessário rigor na investigação, impede-se a valoração jurídico-penal de cada facto relevante praticado pelo arguido.

Porém, se da matéria de facto provada resultar, por exemplo, que a violação ou o abuso/prática sexual de relevo ocorreu por diversas vezes e em número concretamente não apurado então deverá o agente, em atenção ao princípio in dubio pro reo, ser apenas punido por um crime.

4. E com isto não podemos deixar de concluir que: unificar jurisprudencialmente várias condutas integradoras de tipos legais de crimes sexuais num único crime constitui uma clara violação do princípio da legalidade. Na verdade, ainda que as condutas criminosas estejam próximas temporalmente, ou sejam sucessivas, não podemos considerar estarmos perante um único crime atento os tipos legais de crimes previstos na nossa legislação. A punição de uma certa conduta a partir da reiteração, sem possibilidade de análise individual de cada ato, apenas pode decorrer da lei, ou dito de outro modo, do tipo legal de crime. Ora, unificar diversos comportamentos individuais que têm subjacente uma resolução distinta sem que a lei tenha procedido a essa unificação constitui uma clara violação do princípio da legalidade e, portanto, uma interpretação inconstitucional.

Enquanto se mantiver a legislação que temos, cabe fazer a prova do maior número possível de atos individuais, devendo ser excluídos, em nome do princípio in dubio pro reo, aqueles cuja prova se não consegue obter de forma segura51.

51 Em sentido idêntico, Roxin, Derecho Penal. Parte General, tomo II, Madrid: Civitas,

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