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Desde Hegel, o proletariado e o comunismo em Marx

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Academic year: 2021

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DESDE HEGEL, O PROLETARIADO E O COMUNISMO EM MARX

Rodrigo Francisco Maia1 Resumo

Neste artigo a proposta é discutir um processo que leva à independência do pensamento político formulado por Marx. Expomos inicialmente aspectos do pensamento político de Hegel, de modo a fundamentar os debates que serão tratados posteriormente a partir de Marx, especialmente os temas do Estado e da sociedade civil. Além disso, perpassando algumas obras de caráter mais político de Marx, buscamos indicar como a identificação dos limites das lutas políticas e dos limites do pensamento filosófico em torno de Hegel permitem a Marx a formulação de uma análise sobre sua realidade e de uma crítica ao movimento político e filosófico. Indicamos que uma nova análise está coadunada com uma nova perspectiva social, o comunismo.

Palavras-chave: Marx. Hegel. Proletariado. Comunismo

FROM HEGEL, THE PROLETARIAT AND COMMUNISM IN MARX Abstract

In this paper the proposal is to expose a process leading to the independence of political thought formulated by Marx. Initially, expose aspects of the political thought of Hegel, to support the discussions that are further from Marx, especially the issues of the State and civil society. Moreover, passing some works more political character of Marx, we seek to indicate as the identification of the limits of political struggles and limits of philosophical thinking around Hegel allow Marx to formulate an analysis of their reality and a critique of the movement political and philosophical. We note that a new analysis is related to a new social vision, the communism.

Key-words: Marx. Hegel. Proletariat. Communism Introdução

Neste artigo buscamos relacionar alguns textos de Marx escritos por volta de 1850 e o processo de fortalecimento de sua posição política, teórica, de forma independente dos movimentos predominantes da época, movimentos que perpassavam o campo da filosofia e o das lutas sociais. Como Marx era um estudante, nada mais justo do que partirmos do debate que ele mesmo vivia, o debate em torno da política de Hegel. Tomamos a questão do Estado e da sua relação com a sociedade (civil e a de classes) para expor melhor o movimento de formação política de Marx, até chegarmos no debate sobre a concepção de sociedade de classes, a partir da identificação histórica de que o

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proletariado deve se tornar uma classe revolucionária para transformar sua vida.

Inicialmente destacamos aspectos políticos do pensamento de Hegel que foram semente para as reflexões de Marx, ou ao menos possuem alguma semelhança com os debates que Marx fez, como é a questão da relação entre Estado e sociedade (civil). A sociedade civil que Hegel identifica é a burguesa, é o modo de vida burguês generalizado em alguns países da Europa, em que o indivíduo é o essencial, são os interesses particulares que interessam. O coletivo é o Estado, é o Estado que surge como a síntese social. Estado que é responsável pelo organização social em seus diversos níveis sociais e pela exteriorização da política – as políticas internacionais.

Saindo do movimento deixado pela Revolução na França, de 1789, o capitalismo na Europa ganha uma forma mais dinâmica, cada vez mais industrial, com novas ideologias e diversos novos interesses das classes. A questão das liberdades é fundamental, desde as liberdades de organização política até a liberdade de imprensa. Nesse sentido é que Marx trata a emancipação política e a humana. Um debate que ainda não terminou, justamente pelo fato de ser uma demanda social que os setores oprimidos e explorados ainda possuem como bandeira de luta.

A necessidade de liberdade perpassou diversas classes, e pode ser vista como uma contradição entre sociedade e Estado. Mas na medida em que a burguesia assumia a dianteira do processo político, os debates sobre democracia ganhavam nova forma, novos aspectos. É o debate sobre a emancipação política das classes. Hegel chegou a tratar essa contradição do ponto de vista do indivíduo, por isso o conceito de liberdade, mas o ponto de vista de Marx é o das classes sociais, por isso a emancipação. Emancipação que pode se dar nos limites da política. Mas uma contradição que não pode ser resolvida em sua plenitude sem a efetivação de uma emancipação humana.

A burguesia assumiu a dianteira numa ferrenha luta contra outras classes. Dianteira no processo econômico e no político. Mas ainda que tenha emergido de modo revolucionário e vitorioso, liberdade e emancipação são não só debates não encerrados, são demandas não resolvidas. As contradições sociais não são suprimidas, são potencializadas com a burguesia exercendo sua dominação social. O proletariado é a nova classe que passa a exercer oposição à burguesia, desde o ponto de vista de Marx e de todo o movimento comunista subsequente. É a classe capaz de dissolver a sociedade capitalista. Importante: dissolver a sociedade capitalista num processo revolucionário.

Nesse sentido, no sentido da revolução, é que uma nova análise emerge. São temas e discussões que não perderam atualidade. Marx, em consonância com os movimentos políticos de sua época, é quem elabora as primeiras análises sobre sua realidade e quem também busca responder às questões que políticos, teóricos e filósofos levantavam. A nova análise é uma nova perspectiva social, tendo em vista a emancipação humana e o comunismo.

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A sociedade civil e o Estado na política de Hegel

Hegel considera a sociedade civil como um palco de contradições, o que a primeira vista pode ter relação direta com sua elaboração dialética sobre a realidade, ou então soar como uma hipótese marxista, o que seria uma anacronia.

Na sociedade civil burguesa, cada um é um fim para si, tudo o que é outro nada representa a seus olhos; mas, sem relação com outros, não pode atingir todos os seus fins em toda a sua extensão; esses outros, portanto, são meios com vista ao fim particular, mas o fim particular dá a si mesmo como relação com outros a forma da universalidade e satisfaz-se satisfazendo ao mesmo tempo o bem de outrem (HEGEL, 1989, p. 62).

A explicação que pode ser dada tem sentido histórico, pois é do desenvolvimento do capitalismo e das relações sociais engendradas em seu seio que Hegel pode concluir que a sociedade civil burguesa é o âmbito dos fins particulares. Um desenvolvimento capitalista particular, o de uma Alemanha fragmentada e relativamente atrasada no sentido social e econômico em relação aos países vizinhos (França, por exemplo). Tomando o que significa o indivíduo podemos entender inicialmente o que seria a sociedade civil, pois: “Na sociedade civil burguesa, o indivíduo singular não vale como indivíduo isolado, mas como parte do conjunto” (HEGEL, 1989: 53).

Dessa forma, Hegel compreende que o indivíduo segue caminhos necessários que o levam a compor a sociedade civil, e em algum momento ele estará incluído nessa totalidade. A integração do indivíduo ocorreria em consonância com o funcionamento econômico da sociedade, com a realização dos fins particulares, indiferenciadamente de qual modo e como se dariam as relações dessa inserção. Mas o que tem a oferecer a sociedade burguesa? Diz Hegel: “Oferece a sociedade civil o espetáculo da devassidão bem como o da corrupção e miséria” (HEGEL, 1997, p. 170).

Hegel tinha preocupação com os debates correntes de seu momento, que era um período de revoluções e transformações econômicas, políticas e sociais na Europa. Aqui existe um outro lado da coisa, ou seja, o abismo entre o que é e o que deveria ser na política. Hegel não está satisfeito com o Estado Alemão, e descreve um formato moral e legal de como deveria ser ao longo de sua obra, tal como outros teóricos elaboram, assim como Kant. Mas é preciso observar que as elaborações tinham uma importância fundamental nos debates realizados pelas elites políticas do país, seja em torno das Universidades e mesmo em torno das classes no Estado.

O mais imediato interesse da burguesia em ascensão na Alemanha era o de assegurar juridicamente sua posse. Assim, as relações estão num patamar mais apropriado ao capitalismo, que são as relações burguesas de assalariamento e “doação moral legal”, isto é, venda da força de trabalho. É moral e legal pois as relações se fundam no direito positivo e em sua aceitação passiva, moral portanto, no princípio de uma universalidade também positiva em que sua máxima é expressa da

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seguinte forma: “sê uma pessoa e respeita os outros como pessoas” (HEGEL, 2009, p. 40).

A formação social do indivíduo é possível com a aquisição de posses, de propriedades, e para Hegel isso é garantia de liberdade, algo que está diretamente ligado a satisfação de necessidades objetivamente. Na vida comum em que as pessoas convivem formalmente, com a presença das leis, uma existe para a outra como proprietárias, sendo que diante das suas necessidades a propriedade é apenas um meio de satisfação, que se realiza através de relações: de troca, de alienação, etc. A existência de todos como proprietários não é um todo harmônico, mas apresenta na realidade sua maneira fixa de ser com a confirmação dada pelo contrato e pela limitação das relações que encontram seu fim na vontade comum de posse; a consequência disso é que um deixa de ser proprietário e o outro continua a ser (HEGEL, 2009, p. 71).

Havia conflitos pela disputa de posses, dada a limitação das propriedades e da própria fabricação de mercadorias vivida nos tempos de Hegel, caracterizando o que ele conceitua como dano civil, que é a esfera de relações em que a disputa deixa o âmbito formal e cai na autonomia de cada um para ser para si de modo mais imediato – paralelamente conflitos jurídicos desenvolvem daí, porque se cada um reconhece o outro como proprietário, deve existir algo que assegure os indivíduos como tais, que é a força da lei que se incorpora na ação coercitiva muitas vezes, na polícia. Na descrição que Hegel oferece sobre sua noção de sociedade civil a pessoa mesma aparece como uma propriedade, tendo ela o direito de fazer o que bem entender consigo mesma.

É na propriedade que minha vontade, como querer pessoal, torna-se objetiva, e, portanto, adquire o caráter de propriedade privada; e uma propriedade comum, que segundo sua natureza pode ser ocupada individualmente, define-se como uma participação virtualmente dissolúvel na qual só por um ato do meu livre-arbítrio eu cedo minha parte (HEGEL, 1997, p. 75).

O que diferencia os homens não é a natureza, pois a divisão dos bens não depende dela. Hegel mostra que as contradições deste tipo de relação social cabem ao momento da sociedade civil: “os proventos são coisa diferente da posse e deverão, portanto, ser estudados na parte em que nos ocuparmos da sociedade civil” (HEGEL, 2009, p. 51). As desigualdades correspondem à existência da posse, que é individual. A igualdade seria então algo abstrato, pois as habilidades, as capacidades individuais, é que farão diferença objetivamente na obtenção de posses (HEGEL, 1997, p. 78).

A racionalidade tomada como princípio da sociedade civil e do Estado mostra a própria sociedade como contraditória em suas particularidades, em sua totalidade, portanto. A sociedade civil se forma racionalmente com a decomposição da família e a agregação dos indivíduos tomados isoladamente. Objetivamente, com pessoas dotadas de necessidades reais, como comer, morar, se vestir, etc. o fator que coaduna umas as outras é a vontade livre que possuem e ao mesmo tempo se mostram como diferentes – são pessoas diferentes em sua subjetividade e isoladas umas das outras

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(HEGEL, 2009, p. 150).

Nem mesmo o direito positivo pode restituir a união: a dissolução da família corresponde também ao fim da moralidade objetiva (aparecendo a sociedade civil como o palco fenomênico desta transformação). A força de trabalho individual quando elevada à sua relação com o fabrico múltiplo, trás à luz a vida substancial do homem, com a luta e o trabalho, é o que há de comum na sociedade contraditória. Diz Hegel:

Sociedade civil, associação de membros, que são indivíduos independentes, numa universalidade formal, mediante suas necessidades e a constituições jurídicas como instrumento de segurança da pessoa e da propriedade e por meio de uma regulamentação exterior para satisfazer as exigências particulares e coletivas (HEGEL, 1997, p. 155).

A sociedade civil tem como objetivo a efetivação do fim egoísta, é o sistema da moralidade objetiva perdido onde os cidadãos só têm em conta seu próprio interesse, mas devem se reconhecer enquanto tais, como num jogo com regras, uma verdadeira sociedade civil. A miséria existe em oposição ao outro elemento, o luxo, sendo um decorrente do outro. Hegel ainda estabelece distintas classes na sociedade, segundo níveis de cultura, aptidão ao trabalho, fortuna, etc. mas os homens não são mais diferenciados segundo essas características: a influência do pensamento da revolução francesa está no fato de que agora o homem vale na sociedade porque é homem, e não por ser católico, alemão, italiano (HEGEL, 2009, p. 185). O sentido cosmopolita do homem o coloca como universal e, por exemplo, o crime que alguém comete é ao mesmo tempo contra um indivíduo e contra uma sociedade.

Enfim, “a sociedade civil é o campo de batalha dos interesses individuais de todos contra todos” (HEGEL, 2009, p. 267). Essa frase contém uma comprovação de que para Hegel a sociedade funcionava como um todo contraditório, em suas múltiplas facetas, tendo existência a partir de indivíduos reais que manifestam desejos, trabalham e lutam (no sentido do reconhecimento recíproco, que é uma vontade se colocando sobre a outra) para realizá-los. O indivíduo é um membro da sociedade civil burguesa, mas sua participação é conforme seus interesses e ter consciência deles é o que permite uma unidade dos indivíduos, como no fato de que ao ser ferido o direito de um, todos poderiam ter sofrido, e todos sofrem, já que um princípio geral e legal foi violado.

O modo de participação na riqueza universal é deixado à particularidade de cada indivíduo, mas a diversidade universal da particularização da sociedade civil burguesa é qualquer coisa de necessário. Se a família é a primeira base do Estado, os estados sociais são a segunda (HEGEL, 1989, p. 85).

A sociedade civil em relação ao indivíduo é uma reunião de particularidades. Mas a sociedade moderna, capitalista, possui o Estado agindo sobre a sociedade, dotado de poder de força e de lei. O Estado tem sua razão de ser a partir da família, que é a primeira célula de vivencia social,

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natural, e também a partir das desigualdades sociais. Essa expressão é uma síntese histórica, pois o Estado continua a existir sobre as mazelas e as desigualdades.

Para Hegel, existem diferentes níveis sociais, como aquele substancial, que pode ser entendido como o conjunto dos indivíduos que vivem a partir do “solo que trabalha”, ou seja, a agricultura, os camponeses; a segunda camada social seria aquela que vive em função da indústria, do intercâmbio em geral; e ainda o que o autor chama de estado social universal, que são os que se ocupam do interesse universal, seja por conta própria e fortuna particular, ou por relação com o Estado (HEGEL, 1989, p. 91).

Mas existem problemas internos à sociedade civil, principalmente a questão da miséria, da pobreza, que são frutos das desigualdades, do luxo, e que não podem ser solucionadas diretamente pela “classe mais rica”, pois é algo contrário aos princípios burgueses. Assim, a sociedade civil tem que extrapolar seus limites políticos, deve buscar para fora de si alguma emancipação de caráter econômico, imediato. É nos “povos atrasados” que serão buscadas saídas para as pobrezas na Europa, diz Hegel:

A sociedade civil burguesa é empurrada para fora e para além de si mesma, sendo primeiro tal sociedade determinada, para ir em seguida procurar fora desta, em outros povos atrasados em relação a ela, quanto a meios, (…) os meios de subsistência necessários (HEGEL, 1989, p. 138).

Mas para fora da sociedade, da nação, portanto, quem tem existência é o Estado. A relação direta entre Estado e sociedade se dá com a classe universal, com a representação da sociedade civil no Estado (HEGEL, 1997, p. 257).

As contradições dentro da sociedade civil reverberam num primeiro momento apenas internamente, como conflitos de interesses, mas num segundo extrapolam a atomização, e ocorre uma extrusão em direção ao Estado. Além das guerras entre nações, os Estados passam a ter que pensar nos conflitos internos, que possuem uma composição social inédita na história. O firmamento político é infeliz na sociedade, na medida em que é um multifacetado jogo de antagonismos. Os conflitos se resolvem também pela via de guerras, entre nações ou mesmo civis:

Quando as vontades particulares não alcançam um comum entendimento, os conflitos entre os Estados só podem ser resolvidos pela guerra. (…). Com efeito, pode um Estado situar em cada uma das suas unidades individuais o seu infinito valor e a sua honra, e tanto maior é esta suscetibilidade quanto é certo que uma individualidade poderosa é sempre levada, ao fim de um longo repouso, a procurar e criar no exterior uma matéria de atividade (HEGEL, 2009, p. 304).

O tempo era mesmo de guerras, ao menos de preparações e expectativas. Hegel não é pacifista nesse assunto, ele entende que o reconhecimento em vários níveis sociais, se resolve com lutas e com guerras, que é a transposição forçada de uma vontade sobre a outra. A guerra e a paz são

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existências dialéticas que se sobrepõem.

A burguesia se fazia a classe social com maior posição participativa e decisiva na vida coletiva da sociedade, de forma cada vez mais mundial. Mas ela se fundava, primeiramente, em seu seio, sem sua casa, em sua sociedade, para a partir daí se debruçar sobre o outro. “A consciência-de-si é em consciência-de-si e para consciência-de-si quando e porque é em consciência-de-si e para consciência-de-si para uma Outra” (HEGEL, 1992, p. 126).

A sociedade que se reconhece como tal, como conjunto mais ou menos unido, tem o reconhecimento de si, mas pode querer ir para além disso, pode querer que além de ser reconhecida por si mesma, seja reconhecida por uma outra.

Através da divisão da sociedade civil, a moralidade objetiva imediata evolui, pois, até o Estado, que se manifesta como o seu verdadeiro fundamento. Esta evolução é a prova cientifica do conceito do Estado, e não há outra. Se o desenvolvimento do conceito cientifico chega ao Estado como a um resultado, quando ele a si mesmo se dá como o verdadeiro fundamento, é porque tal mediação e tal ilusão se anulam a si mesmas na imediateidade. É por isso que, na realidade, o Estado é, em geral, o primeiro. Na sua intrinsecidade, a família desenvolve-se em sociedade civil, e o que há nestes dois momentos é a própria ideia de Estado (HEGEL, 2009, p. 215).

Aqui está posta a clássica discussão sobre a noção de Hegel sobre a existência primeira do Estado, a discussão sobre sua concepção de que o Estado gera a sociedade civil. Assim, em se tratando de moralidade objetiva, isto é, em se tratando do mundo humano como resultado do trabalho de sua subjetividade sensível há um desenvolvimento progressivo da complexidade de relações políticas, que partem da família como algo de mais imediato e natural, passa pelo caótico sistema da sociedade civil burguesa, e desemboca no Estado, como fim da sociedade em termos de hierarquia.

Então, dialeticamente, Hegel vê que o Estado já aparece como potencialidade na própria organização familiar, na passagem que há para o mundo civil e nele a falta de uma “organização” acima das pessoas, havendo em todos os dois desenvolvimentos a ideia de Estado, que é a vontade de racionalidade na organização. “O domínio da sociedade civil conduz, pois, ao Estado” (HEGEL, 2009, p. 215).

Mais um ponto a ser notado é o fato de que há uma racional e elementar utilização do conceito de sociedade civil, em dois termos: 1) sociedade civil aparenta e é um conjunto de indivíduos com interesses particulares, que convivem sob relações econômicas e por isso expressam

uma universalidade, uma característica que os eleva a categoria de comuns, são então todos cidadãos; 2) por outro lado, são feitas distinções claras dos indivíduos: separação em classes segundo os meios de cultura, de propriedade, de nação, de interesses, sexo. Essa diferença, ao mesmo tempo em que justifica e dá a verdade da primeira abordagem (como universalidade comum), pois é a verificação de que há individualidades efetivas na sociedade burguesa, serve também para ser uma negação, pois a universalidade é apenas a diferença, sendo comum apenas o diferente. Por isso, não

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pode a classe substancial interagir com a diferença, mas com o que é amplo, o fato de todos que estão em vivência social possuírem os mesmos direitos de cidadãos; o que é incomum não é propriedade do Estado, mas da justiça mais imediata que cuida dos interesses particulares, a polícia e os tribunais de justiça.

Fora do âmbito do imediato, dos problemas particulares, o Estado trata todos como iguais – isso de modo abstrato, pois na concretude dos fatos o tratamento que o Estado possui não é igualitário, mas é de acordo com interesses que estão dados em uma conjuntura maior que os acontecimentos imediatos. Assim, é preciso articular dois elementos políticos do Estado: o primeiro é sua articulação para dentro de sua sociedade (ou a política interna), o segundo é a sua exteriorização, sua política externa.

Internamente, o fato primordial é a racionalidade projetada no funcionamento social. A racionalidade está em acordo com o Iluminismo, em desacordo com o antigo regime e com a religião. Há uma necessária separação dos poderes dentro do Estado, como forma de proceder mais especificadamente sobre os diversos assuntos. Os diferentes poderes não estão em relação de independência, mas de união com autonomia; cada poder está em sua conformidade e em sua submissão aos demais.

Assim, é no Direito Político Interno que o Estado de uma nação se remete às famílias e à sociedade civil. A relação entre eles, idealmente, deve ser a mais livre possível, e cada instância abaixo dele devem agir em sua primazia, objetivando a potencialidade do Estado e seu fortalecimento interno, para que possa demonstrar ao mundo o quanto é forte. Aqui a sociedade se submete às leis, ao direto privado, e se manifesta o dever com o país. Dessa forma, o sentimento político de participação de cada um é fundamental, pois ao invés do indivíduo ser somente mais um qualquer, ele pode ser idealizado como um componente essencial do todo:

O sentimento político, o patriotismo em geral, é como uma certeza que se funda na verdade (uma certeza apenas subjetiva não se funda na verdade, não passa de uma opinião) e é o querer transformado em hábito. Só pode resultar das instituições que existem no Estado, pois nelas é que a razão é verdadeiramente dada e real, pois no comportamento em conformidade com estas instituições é que a razão adquire e sua eficácia (HEGEL, 2009, p. 230).

O sentimento de confiança no todo, no Estado como a própria sociedade é que faz do patriotismo um instrumento poderoso para as instituições que o propagam na sociedade. O indivíduo transfere sua certeza ao Estado, como garantia de que está agindo em conformidade com a totalidade efetivada num grupo, e assim, absorve de maneira subjetiva essa certeza e objetiva ela doando-se às causas necessárias. Tal é o sentido da existência do cidadão, o que têm direitos e deveres.

A partir do momento em que está assegurada a estabilidade interna, pode o Estado agir para fora, impulsionar expedições, participar de guerras, etc. Diz Hegel: “Orienta-se o Estado para o

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exterior, enquanto sujeito individual” (HEGEL, 1997, p. 267).

Externamente, ele se comporta assim como um indivíduo se remete ao outro na sociedade civil, ou seja, como duas singularidades indiferentes, mas que precisam ter alguma relação, seja conflitante, de dependência ou outra. Logicamente então: o Estado tem sua formação interna como uma unidade, e a partir dai pode seguir seus procedimentos em relação a outros. Mas, ao mesmo tempo, é também preciso, segundo o Estado, a defesa dos direitos e da propriedade não só de cunho Estatal, mas dos próprios cidadãos.

Nesse momento o Estado se torna a própria sociedade civil. Tem a necessidade a forma de uma força natural, e tudo o que é finito é mortal e transitório. Mas no domínio moral objetivo, no Estado, este poder é arrancado à natureza, e a necessidade passa a ser um produto da liberdade, algo de moral. Aquele caráter transitório passa a ser algo de querido e a negatividade que o fundamenta passa a individualidade substancial própria do ser moral (HEGEL, 2009, p. 297).

Hegel coloca a propriedade e a vida, como elementos finitos, e isso significa que são elementos que perecem ao longo da história, mas que ao mesmo tempo em sua própria finitude acabam moralmente sendo defendidos como necessários, assim como a aparência é necessária para a essência. A defesa do que é seu é uma defesa moral: a guerra. As guerras quebram o gelo, modificam e testam o espírito moral objetivo de um povo. Ela:

Assegura a saúde moral dos povos em sua indiferença perante a fixação das especificações finitas e, tal como os ventos protegem o mar contra a estagnação em que os mergulharia uma indefinida tranquilidade, assim uma paz eterna faria estagnar os povos (HEGEL, 2009, p. 298).

Somente isso não pode ser a justificação da guerra, ao contrário, essa explicação dada é meramente filosófica, porque no momento da guerra mesmo outras circunstâncias estão envolvidas, como a possibilidade de paz, que também deve ser muito cara aos povos, mas principalmente o fato concreto da conquista alheia, das posses e dos meios de produção externos, como via para sanar necessidades internas do país conquistador. As guerras são disputas por alguma coisa, pela propriedade alheia, pela paz, pela soberania, etc., e sempre estão ligadas a elementos transitórios e finitos, o que já deixa em si a marca da paz não como perpetua, tal como proposta por Kant, mas apenas momentânea. E esse é um elemento, dentro da política, que Hegel discorda de Kant:

A concepção kantiana de uma paz eterna assegurada por uma liga internacional que afastaria todos os conflitos e regularia todas as dificuldades como poder reconhecido por cada Estado, assim impossibilitando a solução que a guerra traz, supõe a adesão dos Estados; teria esta de assentar em motivos morais subjetivos ou religiosos que dependeriam sempre da vontade soberana particular, e estaria, portanto, sujeita à contingência (HEGEL, 2009, p. 304).

Hegel não defende a criação de organismos internacionais para mediar os conflitos, como no início do século XX, pois o fundamento de cada Estado está em sua possibilidade particular de lutar

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por sua soberania e por sua liberdade. Por isso, diz que os conflitos entre os Estados só podem ser resolvidos pela guerra, quando não encontram algum acordo mútuo. Dentro da composição do Estado Hegel defende que exista uma parcela da população responsável por sua segurança, que seja mais que os próprios cidadãos que estão moralmente obrigados a sair em sua defesa. Não são apenas discussões sobre defesa, mas também de ataque, pois o ato de guerra é a ação dialética entre duas individualidades que na luta irão se provar e se reconhecer como dois corpos estranhos, mas que pela luta mesma poderão se reconhecer. “Se o todo assim se levanta em poder e se arranca à vida interior para se voltar par ao exterior, então a guerra de defesa transforma-se numa guerra de conquista” (HEGEL, 2009, p. 299).

A sociedade civil, que enquanto em si mesma era dilacerada pelos interesses particulares, agora, na guerra, forma um corpo único, o todo em defesa e ataque pelo Estado, pela nação e pelos interesses universais. Essa união é a força armada do Estado, que se torna um exército permanente. A guerra e toda a violência que se gera nela são momentos transitórios, finitos também. A jurisdição é rompida, mas não a visão no futuro de paz. Assim, os interesses particulares, o destino casual das relações recíprocas, os atos dialéticos, são todas composições do espírito universal. O espírito universal é a própria história.

Até o momento buscamos observar através de aspectos políticos e históricos como era o contexto europeu e como Marx entendia esses movimentos revolucionários e a situação social da Restauração na Europa; assim, nessa parte buscamos compreender um pouco o desenvolvimento teórico de Marx no período aqui traçado de modo a dar continuidade à discussão percorrida ao longo do trabalho sobre a sociedade civil, a sociedade de classes e o Estado. As elaborações que nos prendemos nessa parte estão situadas temporalmente nos momentos anteriores à Primavera dos Povos, caracterizando análises da situação social da Europa.

Se em alguns momentos a discussão teórica perpassou pelo âmbito de relações entre sociedade e Estado, mesmo na questão sobre as guerras, buscamos também saber quais os principais momentos que sucedem e se desdobram paralelamente a essas teorizações, que são os momentos da Restauração e das Revoluções. A conceituação de sociedade civil empregada por Hegel servia à um momento, mas que as lutas ocorridas na posteridade necessitam, para um melhor entendimento, de uma conceituação que expresse melhor o conteúdo real. A experimentação política e os embates conformam especificidades que caracterizam melhor as totalidades sociais, não sendo possível então considerar as massas como “informes”, indefinidas; a totalidade social teria sua composição interna de classes. Diante dos objetivos propostos de entender como a sociedade civil e a de classes são teorizadas em relação ao Estado, temos agora o interesse de observar em Marx alguns aspectos relativos a

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política. Os escritos de Marx podem significar diferentes respostas à diferentes necessidades, sendo possível verificar que as elaborações tomam a filosofia clássica, a economia europeia e a política como foco nas discussões, que em seu processo construtivo resultam numa nova concepção teórico e metodológica sobre a realidade. Buscamos agora outros escritos de Marx, aqueles que não estão diretamente relacionados ao calor de revoluções, como são o 18 Brumário, ou o Manifesto Comunista, mas escritos que são partes constitutivas de sua formação intelectual e política e que podem fornecer os elementos para entendermos a relação entre algumas de suas elaborações e o momento político.

A teoria política do jovem Marx reveste-se, no entanto, de uma espécie de normatividade distinta daquela que o pensamento contemporâneo conhece. Recuperar a teoria política do jovem Marx nos permite repensar a teoria política contemporânea ao mostrar que, entre outras coisas, é ainda possível adotar uma perspectiva normativa que não seja liberal; é ainda possível assumir uma abordagem emancipatória que se oponha aos dualismos artificiais (…) (POGREBINSCHI, 2006, p. 548).

A teoria marxiana emerge de uma realidade em profunda transformação, expressando uma relação entre política, cultura, história e a dialética. Nos escritos do chamado Jovem Marx, podem ser encontradas algumas discussões sobre as contradições sociais que significam de fundo a oposição entre sociedade de classes e Estado, como nas Glosas Críticas, na Crítica da Filosofia do Direito de Hegel ou na Ideologia Alemã. Certo é que a crítica marxiana vem à luz quando a Restauração já está completada e os novos conflitos estão se desenhando.

Democracia e os limites entre emancipação política e humana

O desenvolvimento desigual e combinado que passava a Alemanha (a via Prussiana), não estava isento de violência e repressão, embora não fosse revolucionário. Tratava-se de um momento de cassação aos hegelianos de esquerda e aos integrantes do Clube dos Doutores, do qual Marx fazia parte. Até mesmo no espaço da produção filosófica a Europa passava por transformações, desde a desconstrução parcial do hegelianismo até a emergência de novas concepções, as quais está incluída a marxiana. Marx trata2 de uma questão de inclusão de um domínio de pessoas determinadas na

política alemã, em resposta ao que pensava Bruno Bauer, filósofo alemão; é a relação entre uma particularidade com o Estado: era um povo que já havia passado por diversos episódios de segregação e que ainda viria a passar: os judeus.

Na época, após a ocupação francesa, o Estado prussiano cristão foi restituído e, assim, os judeus perderam vários direitos públicos. A situação mudara drasticamente, pois durante a invasão

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napoleônica foi dada a igualdade política aos judeus. Após a ação restituidora da Santa Aliança, os judeus voltaram a viver nas mínguas. Se não é um problema de luta de classes diretamente, é uma questão democrática que nos permite perceber o nível de liberdades dentro de uma jurisdição. Nesse sentido:

Marx evidencia, pois, a existência de dois tipos de revolução, diversos em tudo: a revolução política e a revolução social. A distinção que salta primeiro à vista é que a primeira, por mais significativa que possa ser, caracteriza-se por uma parcialidade bem determinada: altera a forma do estado, a forma da dominação de classe, sem extinguir a dominação mesma, deixando intocados os fundamentos materiais dela. A segunda destrói esses fundamentos e os substitui por outros, eliminando, por isso mesmo, seus complementos políticos (COTRIM, 2007, p. 65).

A busca dos judeus era a busca pela emancipação política. A emancipação política é a aquisição de direitos em relação ao Estado de forma que o indivíduo consiga viver de forma livre nele, não tendo que se confrontar com as demais diferenças que faziam do indivíduo um ser excluso da totalidade estatal. Se trata de uma emancipação política pois ainda pertence ao âmbito do pensamento político, ou seja, não sai dos limites dessa esfera para pensar a liberdade plena do indivíduo social. Marx alerta para o fato de que exigir que o judeu se livre de sua religião é ainda mover-se dentro do âmbito teológico (MARX, 2009).

Enquanto a crítica permanecer dentro da religião, ou ainda dentro do pensamento político estrito, não avança para a libertação de si mesmo. De fato, para Marx a existência da religião é a falta de um elemento do Estado na vida social. E assim, a política se mistura com a teoria de Feuerbach, mesmo o filósofo da Essência do Cristianismo não querendo atingir esse objetivo. Marx tem outro acordo com Feuerbach, ao dizer que a base da religião judaica é o egoísmo, como já estava presente na obra analisada acima. Então, as contradições sociais devem ser pensadas para além do que está dado como imediato.

A relação do Estado com os seus cidadãos pode ser a mais livre, sendo que o Estado pode ser livre da religião sem que o homem o seja. Neste momento de sua trajetória intelectual e militante, Marx ainda identifica o Estado como mediador entre o homem e a liberdade, de forma semelhante com o hegelianismo. Para Marx e para Hegel (Marx nesta obra, e Hegel na Filosofia do Direito) o Estado deve se formar cada vez mais como um universal para se por acima das religiões particulares dos homens. Mas, se desde os tempos das contraposições entre Império, Igreja e reinados é que há conflitos e busca pela supremacia de poderes, há um momento em que o poder político se desprende do clerical (KRITSCH, 2002).

No capitalismo, os direitos do homem são diferentes dos direitos do cidadão, as suas necessidades são diferentes. O homem está buscando a sua realização completa, a mais infinita

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possível - encontrando na religião elementos para isso; já o cidadão quer sua individualidade tomada pelo Estado como elemento reconhecido, de forma que a liberdade no estado é “a liberdade de uma monada virada sobre si mesma”. É o direito que não interfere na vida alheia. “A aplicação prática do direito humano à liberdade é a aplicação do direito à propriedade privada” (MARX, 2009: 64).

A questão é posta agora entre a cisão do pessoa individual e do cidadão, a separação entre sociedade civil e a política, entre a pessoa com seus predicados, como a religião, e a pessoa com os aspectos políticos, em relação ao Estado. Há uma cisão entre o Estado político e a sociedade civil que coloca o conflito entre o homem e sua cidadania. Mas ao mesmo tempo que isso ocorre, a religião funciona como um complemento do Estado, de forma que suas debilidades são sanadas em partes pela religião presente em cada indivíduo. A necessidade da religião está posta para o Estado cristão; já o Estado democrático pode se realizar sem ela.

Então, a relação que o Estado estabelece com a sociedade civil proporciona a liberdade geral, e é isso que forma a própria sociedade civil, ou seja, uma nova assimilação e uma superação do pensamento hegeliano (MARX, 2009, p. 64).

A questão da relação da emancipação política com a religião torna-se para nós a questão da relação da emancipação política com a emancipação humana. (…) O limite da emancipação política aparece logo no fato de que o Estado pode libertar-se de uma barreira sem que o homem esteja realmente livre dela, [no fato de] que o Estado poder ser um Estado livre sem que o homem seja um homem livre (MARX, 2009, p. 48).

Para Marx a discussão sobre emancipação é chave, e a diferenciação entre a emancipação política e a humana é hierárquica, de modo que pode haver a primeira sem que se alcance a segunda, ainda dentro das contradições entre sociedade e Estado. Mas, a emancipação política deve se ligar às demandas humanas, gerais (que mais tarde serão demandas contra o capitalismo): as necessidades mais imediatas dos diferentes indivíduos devem ser levadas em consideração nos processos emancipatórios, e devem ser ligadas aos elementos que extrapolem o âmbito do imediato, indo para uma nova concepção de mundo, de sociedade. Como salienta:

A emancipação política é, simultaneamente, a dissolução da velha sociedade sobre que repousa o sistema de Estado alienado do povo, o poder do soberano. A revolução política é a revolução da sociedade civil (MARX, 2009, p. 68)

Só quando o homem toma para si o cidadão, suas forças reais, é que está consumada a emancipação humana. Mas a sociedade civil pode ter conquistas até os limites políticos dentro do Estado moderno, pois a sociedade civil é ainda a aglutinação das classes. A liberdade religiosa ainda permanece limitada, mas vale considerar que é uma limitação ainda maior quando não é democraticamente aceita. Então, enquanto se mantém a discussão teórica no âmbito do entendimento de que os indivíduos conformam uma sociedade civil, o máximo que pode ser obtido é a realização

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de demandas democráticas da sociedade burguesa. O Estado está separado da sociedade civil, bem como na sociedade de classes o Estado existe em função de uma classe.

Uma generalização da oposição de classes

Para Marx, o intelecto político é limitado porque ainda pensa dentro dos limites da política, ou seja, só encontra dentro da ordem do Estado os elementos para os problemas da sociedade, sendo que é o próprio Estado o problema social. O foco é dado para a apreensão da política dentro da política, ou seja, para o pensamento político que não vê em si mesmo os limites e por isso não encontra os caminhos que deve seguir, mas “bate a cabeça” contra a parede por não ver a si mesmo.

Em um novo envolvimento de Marx com as questões reais que o circundava, a discussão particular do problema dos trabalhadores silesianos em revolta, Marx indica que a revolta dos trabalhadores não estava endereçada à liderança política, o rei, mas era um ato de classes, contra a burguesia, a classe imediatamente rival do proletariado na situação3. O motivo aparentemente é

simples: a revolta não é dada como contra o rei pelo fato de que ele não existe para o proletariado (MARX, 2010). Quem está em relação direta com o proletariado não é o rei, mas o proprietário. Desse modo, o conflito pode ser visto como luta entre classes, mas que sofre a intervenção do Estado em favor da burguesia.

A situação da classe trabalhadora na Silésia não era diferente da situação em que vivia o proletariado alemão, francês ou o inglês. O fato novo da situação caótica na Silésia, além da fome, dos péssimos trabalhos, baixos salários, da miséria entre mulheres e crianças, prostituição, crime, etc., é que não podia ser encerrado por algum decreto do Estado, e os trabalhadores deram uma resposta incisiva: a revolta organizada se dirigiu à estrutura do funcionamento dos princípios do capital, atingindo a propriedade privada em sua raiz. As contradições não podiam ser resolvidas, dentro do ordenamento político, senão pela repressão dos exércitos, a partir do Estado, manifestando uma contradição particular que expressa algo maior, uma política social e sistemática.

Contrapondo-se ao hegelianismo, Marx diz que o Estado não pode se comportar de outra forma, já que não vê em si mesmo os problemas, mas na própria sociedade, e aparece aqui uma formulação de uma teoria do Estado, primeiramente como aquele que é o ordenamento da sociedade civil que tem sua atividade regida na administração, ou seja, na burocracia (MARX, 2010). É diferente, e talvez o contrário do que Hegel pensava, já que ele via no Estado a administração capaz de solucionar os problemas sociais, por meio da intermediação da burocracia na sociedade civil.

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O Estado vive sobre a contradição entre vida privada e vida pública, ao mesmo tempo que deve cuidar da coisa geral, interfere necessariamente na coisa privada, e internamente ele também se confunde na constituição de si mesmo como conjunção de cidadãos e de proprietários. Há a ideia de uma cisão entre sociedade civil e Estado, pois é na escravidão da sociedade civil que o Estado se apoia para viver, e a existência de ambos (escravidão das massas e Estado) é inseparável por um lado (MARX, 2010: 60), e o contrário por outro: “O Estado e a organização da sociedade não são, do ponto de vista político, duas coisas diferentes. O Estado é o ordenamento da sociedade” (MARX, 2010: 59). Assim, se o Estado está obrigado com a sociedade civil, ao mesmo tempo ele pode se elevar acima dela como um organismo autônomo, independente e que a determina. À medida em que a burguesia desponta como classe dominante e hegemônica, o Estado aparece ao seu lado. Marx encontra fora do Estado a solução para os problemas, mas isso decorre de uma oposição à Hegel, que via nas corporações, na obediência (reconhecimento) às leis e na moral, a solução para os males. “Somente no socialismo pode um povo filosófico encontrar a sua práxis correspondente e, portanto, somente no proletariado o elemento ativo da sua libertação”. (MARX, 2010, p. 70).

Aqui o proletariado já é identificado como sujeito que é capaz de escrever sua própria história de maneira ativa, e aquele que pode libertar a si mesmo, independente de outra classe. Não está ainda concebida de forma acabada a teoria da práxis, nem mesmo a atuação revolucionária de forma radical do proletariado. A relação que Marx passa a ter com o movimento operário praticamente também tem sua contribuição na formulação da citação. Teoricamente, Marx mostra de onde está vindo o seu pensamento prático: o proletariado alemão é o fornecedor da teoria do proletariado europeu; o proletariado inglês é o economista e o francês é o político dentre eles (LÊNIN, 2007). Essa concepção decorre do fato da relação histórica com os movimentos revolucionários ocorridos na França, do desenvolvimento econômico da Inglaterra e da evolução do pensamento teórico na Alemanha.

Se, por um lado Marx adquire autonomia sobre Hegel politicamente, por outro se ampara inicialmente em Feuerbach, como na relação posta entre a essência humana e a comunidade humana. A relação de Marx com o hegelianismo é constituída de grandes debates e críticas, e Feuerbach não foge à regra, porém a concepção materialista, ainda que limitada pelo naturalismo, é um modo positivo de seu método. Não iremos aprofundar a relação de Marx com Feuerbach, dadas as limitações do presente trabalho, mas é importante considerar que é grande a influência do materialismo como ferramenta metodológica e política em Marx, o que viabiliza as análises da luta de classes feitas no calor dos momentos. A opção pelo materialismo não advém apenas da consistência teórica em Feuerbach, como advém do contexto de desenvolvimento industrial, das pesquisas em química, física

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e biologia demonstrarem melhor as bases da evolução e do desenvolvimento biológico, enquanto que as ciências humanas iam por caminhos diferentes nos debates sobre as relações sociais.

Para Feuerbach a comunidade humana, religiosa, não vive realmente sua vida, pois está alienada no espírito religioso; trata-se então de eliminar a religião dos limites das relações sociais para que se tenha uma liberdade social, ou seja, a religião deveria ser tratada como privada e particular. Marx vai dizer que a “essência humana é a verdadeira comunidade humana” (MARX, 2010, p. 75). A revolta, por mais particular que tenha sido, mostrou que possui um caráter universal e que pode servir a todos os proletariados; é a ideia de revolução política-social, como aquela que derruba o poder e elimina uma velha sociedade:

Toda revolução dissolve a velha sociedade; nesse sentido é social. Toda revolução derruba o velho poder; neste sentido é política. A revolução em geral – a derrocada do poder existente e a dissolução das velhas relações – é um ato político. Por isso, o socialismo não pode efetivar-se efetivar-sem revolução (MARX, 2010, p. 78).

Desse modo, nesse texto inicial de Marx é possível ver sua ligação com os fatos correntes da realidade e com os debates políticos socialistas, e mais ainda, há o entendimento de que a sociedade está organizada segundo o Estado e que a burguesia é a antítese do proletariado. Essa elaboração de Marx é anterior à Primavera dos Povos, mas permite e fornece elementos que indicam qual o sentido que a sociedade capitalista dava às relações políticas como um todo.

Sociedade civil e Estado: Hegel e Marx

Marx compreende que, racionalmente, “A família e a sociedade civil são partes do Estado” (MARX, 2005, p. 30).

O alvo principal de sua crítica naquele momento, como se sabe, era Hegel. (…) esse famoso manuscrito é tido por seus exegetas como marco incontestável e definitivo do rompimento de Marx com o pensamento de Hegel (POGREBINSCHI, 2006, p. 539).

Na prática concebida pelo filósofo do idealismo o Estado tem existências com as duas outras esferas, a família e a sociedade civil burguesa. Para Marx, a relação real é o Estado emergindo a partir das outras esferas: “O fato é que o Estado se produz a partir da multidão, tal como existe na forma dos membros da família e dos membros da sociedade civil” (MARX, 2005, p. 31).

A vinculação entre os diferentes momentos de vida social ocorre pela função existente entre necessidade e liberdade; e da mesma forma ocorre a passagem entre outros elementos de Hegel, na Ciência da Lógica. Além disso, Marx reconhece que há um mérito em Hegel por ele ter tratado, ou ao menos pretendido subjetivamente, um Estado racional, e funcionando como um organismo, que é o modo prático do Estado moderno. Os autores entendem que o motivo de existência do Estado é a

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relação entre os interesses universais e particulares, sem esse motivo não há porque haver a intervenção do Estado na sociedade em geral. Mas, na modernidade, a relação que o Estado estabelece com a sociedade é racional, levando em conta a ação de seus membros, de seus administradores e executivos.

A racionalidade residiria na constituição, como uma acomodação entre o estado político e o não político, entre a sociedade real e a sociedade formal, mais precisamente, entre a sociedade concreta e dotada de indivíduos diferentes e antagônicos e uma sociedade abstrata formalmente idealizada. Para Hegel, o monarca possui o poder mais difícil de descrever e entender. O indivíduo tomado como sujeito acima da sociedade e do próprio Estado, o príncipe, tem a soberania do Estado, a individualidade e a universalidade em si. Marx vê que Hegel não toma o Estado com os sujeitos reais, pois ele considera o Estado abstratamente, somente segundo sua teorização e sua vontade. (MARX, 2005, p. 44).

A partir dos elementos acima, é possível adentrar à discussão sobre a democracia e a monarquia, pois se tratavam de alternativas opostas e que podiam colocar as formas políticas e sociais em questão.

A “verdadeira democracia” é certamente a mais importante das ideias introduzidas na Crítica à Teoria do Estado de Hegel, manuscrito que contém os conceitos fundadores do pensamento político de Marx (…), a verdadeira democracia consiste na principal expressão dessa essência da qual o político é a principal substância e a política apenas uma de suas formas (POGREBINSCHI, 2006, p. 544).

Para Marx, a monarquia – vigente como forma política em diversos países até hoje - não pode se explicar por si mesma, devido ao fato de ser uma inconsequência da democracia: o elemento da democracia existente na monarquia é o “consenso” popular em aceitar o monarca como representante máximo, ou seja, é o problema da legitimidade do rei.

A monarquia é necessariamente democracia como inconsequência contra si mesma, o momento monárquico não é uma inconsequência na democracia. Ao contrário da monarquia, a democracia pode ser explicada a partir de si mesma. Na democracia nenhum momento recebe uma significação diferente daquela que lhe cabe (MARX, 2005, p. 49).

Ao contrário da monarquia, em que a individualidade ao mesmo tempo que se determina, também diz como deve ser o geral, na democracia a totalidade é que determina o momento, a situação, sem atribuições exteriores que não cabem ao momento, isto é, as próprias pessoas em sua totalidade tem em mãos a tarefa de decidir sobre os elementos das vidas comuns, sem que para isso uma decisão exterior interfira, ou uma vontade esparsa tome a razão do momento – trata-se da constituição da sociedade pelas vias de sujeitos históricos, que auto determinam suas vidas. A democracia se tornará a principal forma política das sociedades capitalistas.

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quanto mais verdadeira é a democracia mais desnecessário se torna o estado político, estado que é a cisão entre o cidadão e o homem real, e quanto mais o homem real está em condições de ser para si um homem político, mais fragmentado está a concentração social e do Estado que se sobrepõe por ela4. O que dominava até o momento, nas diferentes circunstâncias de democracia, era o Estado. O

Estado moderno deve ter a relação entre o político e o não político, só que o Estado político também é um produto moderno, e enquanto assim permanece, é um Estado contra a sociedade, pois é particular.

Há mais um ponto em que Marx e Hegel divergem, mas que é um ponto que Marx acolheu e superou de uma forma diferente da de Hegel. É a questão da relação entre o homem e o Estado. Hegel parte do mais complexo, do Estado, para fundar o homem – enquanto que Marx parte do homem para chegar no Estado como homem objetivado. O verdadeiro caminho da formação social do homem está invertido: o Estado, que é o mais complexo, tem como ponto de partida o mais simples, que são a família e a sociedade civil.

Marx observa que Hegel parte da separação entre Estado e sociedade civil:

Hegel parte da separação entre Estado e sociedade civil, entre os interesses particulares e o universal que é em si e para si, e a burocracia está, de fato, baseada nessa separação. (…). tão logo a vida real do estado desperta e a sociedade civil se liberta das corporações a partir de um impulso racional, a burocracia procura restaurá-las (MARX, 2005, p. 64).

A burocracia está numa encruzilhada, pois a propriedade privada é âmbito da individualidade, embora seja universal sua existência; e a burocracia como representante do Estado na sociedade e da sociedade no Estado, deve assegurar os elementos do Estado mas também cuidando do privado. Burocracia é o Estado mediado na sociedade, de forma reconciliadora, reorganizativa, restauradora, reformista. Assim, a burocracia, como mediadora, está voltada não para, mas contra a sociedade civil, na medida em que é gestora da polícia, dos tribunais, da administração (MARX, 2005, p. 68).

Voltando aos elementos democráticos, Marx defende a constituição elaborada pelo seu alicerce, o povo, a sociedade civil, pois há uma maior abrangência na efetivação de algo que “é” para o povo. Assim como o poder legislativo foi quem realizou a revolução Francesa, por ser o representante do povo, da vontade genérica, o povo deve elaborar suas próprias normas. Mas a sociedade civil não seria informe, o povo é composto pelas camadas oprimidas e exploradas.

Se o ponto de partida de Hegel é a separação entre estado político e sociedade civil, há por outro lado, a vontade do autor de que não exista nenhuma separação entre vida civil e vida política. A solução está na associação formal, abstrata.

Mas, no Estado construído por Hegel, a disposição política da sociedade civil é uma mera

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opinião, precisamente porque sua existência política é uma abstração de sua existência real; precisamente porque o todo do Estado não é a objetivação da disposição política (MARX, 2005, p. 139).

O proletariado como classe revolucionária

A crítica que Marx realiza na Introdução da Crítica da Filosofia do Direito de Hegel é a todo o pensamento filosófico da Alemanha, ao mesmo tempo é um processo de construção de sua forma particular de pensamento. Marx entende que o que interessa já não é mais a critica à religião, se diferenciando dos debates correntes, mas uma crítica que extrapole os limites da religião e se torne crítica da política. O problema da religião não é mais o fundamental, já que ela foi concebida como resultado das relações sociais alienadas, ou estranhadas. “A religião é o sol ilusório que gira em volta do homem enquanto ele não circula em torno de si mesmo” (MARX, 2005, p. 146).

A crítica já não é um fim em si, mas apenas um meio; a indignação é o seu modo essencial de sentimento, e a denuncia a sua principal tarefa. Trata-se de pintar a pressão sufocante que as diferentes esferas sociais empregam umas sobre as outras, o mau humor universal, mas passivo, a estreiteza de espírito complacente, mas que se ilude a si própria; tudo isso incorporado num sistema de governo que vive pela conservação da insignificância e que é a própria insignificância no governo (MARX, 2005, p. 147).

Marx, envolvido ainda mais com os movimentos comunistas de seu tempo, vê que a crítica por si mesma não modifica a realidade, mas que ela é um primeiro momento importante para a superação das limitações existentes, por exemplo, entre a sociedade e o Estado. A ação humana deve passar da crítica à denúncia, como forma de mobilizar as massas para a transformação.

Os alemães não teriam feito o que as outras nações fizeram na prática, ou teriam feito apenas abstratamente, de modo que ainda não era uma nação unificada e apresentava um desenvolvimento “pelo alto”, passivo no que tange à revolução burguesa. “Em política, os alemães pensaram o que as outras nações fizeram. A Alemanha foi sua consciência teórica” (Marx, 2005: 151). Marx identifica a atividade prática como a saída para modificar a situação da Alemanha, de atraso econômico, político, social (cultural, religioso, etc.), há um desenvolvimento desigual e combinado na Alemanha, como uma combinação das “deficiências civilizadas do mundo político moderno com as deficiências bárbaras do Ancien Régime” (MARX, 2005, p.153). E mais:

O moderno ancien régime é apenas o comediante de uma ordem do mundo cujos heróis reais já estão mortos. A história é sólida e atravessa muitos estados ao conduzir uma formação antiga ao sepulcro. A última fase de uma formação histórico-mundana é a comédia (MARX, 2005, p. 148).

A contradição de classes é posta, em que uma parcela da sociedade tem que receber toda a negatividade para que uma revolução possa ser possível. Para que a revolução aconteça, de forma

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emancipadora, é preciso que um setor da sociedade se revele como o oprimido, mas também que outro se releve com o opressor. A audácia revolucionária se expressa na frase: “Nada sou e serei tudo” (MARX, 2005, p. 154).

A revolução só poderia despertar de uma classe da sociedade civil que no mesmo instante não fosse uma classe dela. Uma classe que tenha somente o caráter humano, geral, em relação às demais; uma classe que não se emancipa sem emancipar as demais; “A dissolução da sociedade, como classe particular, é o proletariado” (MARX, 2005, p. 156).

Na Alemanha, o proletariado está apenas começando a se formar, como resultado do movimento industrial; pois o que constitui o proletariado não é a pobreza naturalmente existente, mas a pobreza produzida artificialmente, não é a massa do povo mecanicamente oprimida pelo peso da sociedade, mas a massa que provém da desintegração aguda da sociedade e, acima de tudo, da desintegração da classe média. (…) Quando o proletariado anuncia a dissolução da ordem social existente apenas declara o mistério da sua própria existência, uma vez que é a efetiva dissolução desta ordem (MARX, 2005, p. 156).

Aqui o proletariado já está posto como classe revolucionária, e os elementos críticos, democráticos e radicais, estão suprassumidos pela ideia de revolução. O que ainda se mantém é a compreensão de que a revolução teria uma cabeça filosófica e um corpo material, o proletário – ou seja, é a conservação da racionalidade como elemento fundamental para uma transformação consciente da realidade. A oposição entre sociedade e Estado é ainda mais complexificada com o emprego do proletariado como sujeito e como classe em luta contra o Estado e contra as mazelas sociais.

Considerações: Uma nova análise e uma outra alternativa

Marx elabora uma forte crítica e uma importante análise social a partir da escrita da Ideologia Alemã, em que o ponto de vista histórico é tomado como um importante fator para a compreensão da realidade. O combate desferido contra os filósofos idealistas é dirigido indiretamente ao próprio Hegel, já que, para Marx a apreensão que filósofos como Max Stirner e Bruno Bauer fazem não passa de mera cópia de Hegel, da reprodução do mesmo.

Na Ideologia Alemã já é evidente a independência de pensamento, a “ruptura” de Marx com o idealismo alemão e com o materialismo feuerbachiano; por um lado a ruptura representa a apreensão livre dos elementos que realmente tinham em germe a estrutura materialista da história, tal como concebida por Marx, e por outro lado é a crítica ao modo de pensamento e prática acadêmica, idealista e abstrata realizada pelos filósofos da Alemanha do tempo de Marx.

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reais, de que só se pode abstrair na imaginação. São os indivíduos reais, sua ação e sua condições materiais de vida, tanto aquelas por eles já encontradas como as produzidas por sua própria ação. Esses pressupostos são, portanto, constatáveis por via puramente empírica (MARX, 2007, p. 87).

Um elemento que pode ser direcionado à relação entre Marx e Hegel é a noção de história como construção e resultado da história. Para Hegel, nos Princípios da Filosofia do Direito, o mundo e o Estado são resultados da história mundial, do espírito universal que se move pelos tempos; de forma bastante similar, Marx enxerga o mundo produzido historicamente, como resultado histórico, mas não de maneira idealista, ou considerando que a história do mundo fosse resultado de uma vontade própria dela, como ente, mas sim resultado de ações concretas, de conflitos. O envolvimento de Marx com os movimentos socialistas o leva a se destacar teoricamente da maioria dos filósofos e doutores de seu tempo e do círculo acadêmico.

Mas tanto as análises de Hegel, como as de Marx possuem um substrato social. As limitações históricas na Alemanha estão evidentes nos escritos de Hegel, e não é possível exigir o contrário. Se levamos em consideração o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas na Alemanha, Inglaterra, França, etc, em menos de 50 anos o mundo de Hegel e o de Marx são qualitativamente distintos. Os distúrbios sociais gerados pela miséria, pelas diferenças de propriedades, pelas relações entre os indivíduos, levados adiante pelas classes exploradas com o proletariado em evidencia, passam a ser pautados por um novo viés social.

O comunismo distingui-se de todos os movimentos anteriores porque revoluciona os fundamentos de todas as relações de produção e intercâmbio precedentes e porque pela primeira vez aborda conscientemente todos os pressupostos naturais como criação dos homens que existiram anteriormente, despojando-se de seu caráter natural e submetendo-os ao poder dos indivíduos associados (MARX, 2007, p. 67).

A convivência social pode gerar a satisfação coletiva atrelada a individual, pois o interesse do sujeito deve estar de acordo com o momento exterior, com a realidade que é circundante a ele. Então, a liberdade deve se realizar como fator social, como adequação das necessidades individuais com a capacidade de satisfação que a generalidade oferece. Na Ideologia Alemã, a liberdade do indivíduo só pode ser construída na comunidade: “(...) somente na comunidade, portanto, a liberdade pessoal torna-se possível” (MARX, 2007: 64).

Como o Estado é a forma na qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses comuns e que sintetiza a sociedade civil inteira de uma época, segue-se que todas as instituições coletivas são mediadas pelo Estado, adquirem por meio dele uma força política (MARX, 2007, p. 76).

Quando o interesse particular se diferencia do interesse da comunidade, o Estado que em si já é resultado do desenvolvimento da história, adquire autonomia, e existe separado dos interesses gerais e voltado para a generalidade social na medida em que contém o interesse de uma particularidade,

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que é o interesse da burguesia (MARX, 2007, p. 37).

A sociedade civil tem como pressuposto a organização da família, como composição de indivíduos que se relacionam mutuamente e dividem o espaço e as tarefas numa síntese de relações, compostas por elementos morais, direito, deveres, etc. a sociedade civil, dada como o mundo da realidade burguesa, o mundo da luta, é o espaço do intercambio social, da troca financeira, da troca de elementos da vida, do trabalho.

A sociedade civil é, para Marx (2007, p. 74), “o conjunto de intercâmbio material dos indivíduos no interior de um estágio determinado das forças produtivas. Ela abarca o conjunto da vida comercial e industrial de um estágio e, nessa medida, ultrapassa o Estado e a nação”.

A sociedade civil só pode ter surgido com a ascensão e o fortalecimento material da sociedade burguesa. A sociedade civil forma a base do Estado e de toda a superestrutura idealista, como salienta Marx. Pois é nesse domínio que está posto o conjunto das relações entre as pessoas. E quanto mais o capitalismo é um universal, expansivo, a própria sociedade civil enquanto palco das relações burguesas vai para além das jurisdições, do espaço determinado do Estado. Portanto, a autonomia de Marx se desenvolve de modo histórico, através dos movimentos políticos, da compreensão dos papeis das classes e da realidade. De forma que a crítica que ele realiza é implacável.

Se, em toda ideologia, os homens e suas relações aparecem de cabeça para baixo como numa câmara escura, este fenômeno resulta de seu processo histórico de vida, da mesma forma como a inversão dos objetos na retina resulta de seu processo de vida imediatamente físico (MARX, 2007, p. 94).

A sociedade é ordenada pelo Estado, e com isso Marx se diferencia da tradição da filosofia e se aproxima dos movimentos socialistas de sua época, pois o tratamento dado às políticas de ação e descontentamento é a perspectiva da emancipação humana, e não apenas a emancipação que se mantém na esfera do Estado. A sociedade civil se encontra separada do Estado, nesse sentido, a sociedade política se faz em relação com o Estado, na cisão entre os interesses egoístas da sociedade civil e os interesses gerais da sociedade política. Todavia, qual seria essa política? A resposta no sentido de que o Estado existe numa sociedade de classes parece contribuir para um caminho. Então, esse é o limite político da sociedade civil: a esfera da política.

Diante dessa circunscrição da sociedade civil, Marx compreende que a partir de sua divisão de classes e pelos interesses existentes contraditoriamente em seu interior, é o proletariado quem pode agir contra o Estado, pois o Estado organiza a sociedade em que a burguesia é dominante.

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Referências

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