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Como nascem as fadas de leitura? experiências lúdicas de leitura e mediação didática de professores do ensino fundamental II

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÂO EM EDUCAÇÃO

SANDRA CONSTANTIN POPOFF

COMO NASCEM AS FADAS DA LEITURA?

EXPERIÊNCIAS LÚDICAS DE LEITURA E MEDIAÇÃO DIDÁTICA DE PROFESSORES NO ENSINO FUNDAMENTAL II

Salvador, BA 2017

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COMO NASCEM AS FADAS DA LEITURA?

EXPERIÊNCIAS LÚDICAS DE LEITURA E MEDIAÇÃO DIDATICA DE PROFESSORES NO ENSINO FUNDAMENTAL II

Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Educação da Faculdade de Educação - FACED da Universidade Federal da Bahia – UFBA, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação.

Orientação: Profª. Drª. Cristina D’Ávila

Salvador, BA 2017

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COMO NASCEM AS FADAS DE LEITURA?

EXPERIÊNCIAS LÚDICAS DE LEITURA E MEDIAÇÃO DIDÁTICA DE PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL II

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação pela Universidade do Federal da Bahia, em 24 de março de 2017, pelas seguintes professoras doutoras:

Cristina Maria D’Ávila Teixeira – Orientadora

Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia Universidade Federal da Bahia - UFBA

Adriana Friedmann Garkov

Doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Instituto NEPSID

Ennia Débora Passos Braga Pires

Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas Universidade Estadual do Sudoeste Baiano - UESB

Lúcia Gracia Ferreira Trindade

Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos Universidade Federal do Recôncavo Baiano - UFRB

Giovana Cristina Zen

Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia Universidade Federal da Bahia - UFBA

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Enquanto houver fôlego e ainda além, celebrarei a bondade de Adonai na minha vida. Grata sempre, meu Pai!

Agradeço ao meu esposo que sempre acredita que eu ‘posso mais um pouquinho...’e me ajuda em mais uma milha! E aos meus filhos Matheus, Andrei e Andressa pelo apoio carinhoso. Muitíssimo grata a Deus por este presente que é ser orientanda da Profª. Cristina d’Ávila. Nela eu tenho um exemplo e uma referência de incomparável excelência, no trato com a produção de saberes e na sensibilidade de captar aquilo que escapa a ciência tradicional positivista. Muito obrigada, Cris, por praticar e lutar pelo que acredita, pesquisa e escreve. Gratidão, honra e alegria pelas maravilhosas professoras que aceitaram compor a banca de avaliação: Dra. Adriana Friedmann, Dra. Ennia Débora Pires, Dra. Lucia Gracia Ferreira, Dra. Giovanna Zen.

A minha gratidão às queridas Iara Ferreira, Professor Fernando, Marilete Cardoso, Zélia Palmeira, Denilze Gusmão, Stella Dourado, Silvia Garcia, Camille Viana, Jerusia Zavarize, Girlene Marcelo e Antonia Marques – de saudosa memória. Sidcley Caldas não poderia ficar fora desta lista, grata ela amizade e torcida.

Alegria e gratidão por todos e todas as pesquisadoras brincantes do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação e Ludicidade – GEPEL, sem o qual este trabalho não seria possível.

Gratidão, também, aos mestres que com paciência tem investido em meu crescimento. Levo-os no coração para sempre: Profa. Maria Helena Bonilla, Profa. Dora Leal, Prof. Robert Verhine, Profa. Theresinha Miranda, Profa. Maria Couto Cunha, Profa. Regina Antoniazzi, Lícia Beltrão, Profa. Giovana Zen e Profa. Cilene Canda.

Gratidão é flor que espalha bom perfume pelo caminho. Assim, não poderia deixar de lembrar dos colegas do Programa de Pós-graduação, especialmente no componente Projeto de Dissertação, das suas colaborações valiosos para o aprimoramento da ideia e da forma na qual esta dissertação está apresentada. Igualmente grata, aos queridos servidores da secretaria do Programa de Pós-graduação, que acrescentam a presteza em ajudar, uma nota de doçura e simpatia em tudo que fazem. `

Gratidão a todos que contribuíram com a minha caminhada e eu, na pressa, não tive tempo de olhar nos olhos e desejar o bem e a todos que passaram os olhos por estas linhas, que seja bálsamo de esperançar.

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Toda memória de um homem é sua literatura particular. Aldous Huxley

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O trabalho busca compreender como professores, que tem histórias de vida marcadas pela literatura ressignificam a ludicidade em suas mediações de leitura em ambiente escolar no ensino fundamental II. A pesquisa foi realizada com uma professora e um professor de escolas públicas, uma em Salvador e outra em Feira de Santana, mediante abordagem fenomenológica utilizando histórias de vida, com o auxílio dos instrumentos: observação participante, entrevista narrativa e texto autobiográfico. Os professores participantes da pesquisa não têm formação na área da linguagem, mas são licenciados em Biologia e Matemática. A ludicidade como premissa fundante da experiência com a leitura literária na vida dos sujeitos foi investigada, assim como, a sua expressão lúdica foi observada nas mediações didáticas e partilhas espontâneas de saber literário. Os resultados apontam as experiências de leitura como acionadoras da construção de um perfil lúdico envolvendo memórias afetivas e imaginário literário, que na dimensão do coletivo pode reverberar em partilhas de experiências literárias mediante mediação lúdica de leitura. Os conceitos que permitiram uma análise sensível da realidade estudada foram encontrados em Luckesi (1998, 2000, 2002, 2004, 2016), Brougère (1998, 2002), Maffesoli (1998, 2001), Callois (1990), D’Ávila (2007, 2009, 2008, 2014, 2016) dentre outros. Concluo que o “eu lúdico”, como impulso inicial do sujeito, mediante contínuas experiências afetivas com a leitura literária, concretiza um perfil profissional, que, por sua vez, influencia a forma e a qualidade das mediações didáticas.

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ABSTRACT

The paper seeks to understand how teachers, who have life histories marked by literature, re - signify playfulness in their reading mediations in school environment in elementary school II. The research was carried out with a teacher and a teacher of public schools, one in Salvador and another in Feira de Santana, through a phenomenological approach using life stories, with the aid of the instruments: participant observation, narrative interview and autobiographical text. The teachers participating in the research are not trained in the area of language, but have a degree in Biology and Mathematics. Ludicity as the founding premise of the experience with literary reading in the subjects' lives was investigated, just as their playful expression was observed in didactic mediations and spontaneous sharing of literary knowledge. The results point out the reading experiences as triggers of the construction of a playful profile involving affective memories and literary imaginary, that in the dimension of the collective can reverberate in sharing of literary experiences through playful mediation of reading. The concepts that allowed a sensitive analysis of the studied reality were found in Luckesi (1998, 2000, 2002, 2004, 2016), Brougère (1998, 2002), Maffesoli (1998, 2001), Callois (1990), D’Ávila (2007, 2008, 2014, 2016), among others. I conclude that the "playful self", as the initial impulse of the subject, through continuous affective experiences with literary reading, concretizes a professional profile, which, in turn, influences the form and quality of didactic mediations.

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TABELA 1 – PESQUISA INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO 2012

TABELA 2 – NOTÍCIA SOBRE SEMINÁRIO ALFABETIZANDO A EMOÇÃO TABELA 3 – MAPA MENTAL CATEGORIAS DE ANÁLISE

TABELA 4 – TEORIAS CLÁSSICAS DO BRINCAR TABELA 5 – TEORIAS CORRENTES DO BRINCAR TABELA 6 – TEORIAS MODERNAS DO BRINCAR

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FIGURA 1 – LOBA CAPITOLINA

FIGURA 2 - MENINA LENDO NA SALA DE LEITURA FIGURA 3 – ADOLESCENTES NA SALA DE LEITURA

FIGURA 4 – BANQUETE LITERÁRIO NA SALA DE LEITURA

FIGURA 5 – FACHADA DA ESCOLA ESTDUAL EM FEIRA DE SANTANA

FIGURA 6 – SUCATAS NO PÁTIO DA ESCOLA ESADUAL EM FEIRA DE SANTANA FIGURA 7 – CANTINA NA ESCOLA ESTADUAL E FEIRA DE SANTANA

FIGURA 8 – CORREDOR DE SALAS DE AULA

FIGURA 9 – PORTÃO INTERNO ESCOLA ESTADUAL FEIRA DE SANTANA FIGURA 10 – EX-ALUNO DE FADA SORRISO

FIGURA 11 – PROF. DE HISTÓRIA EX- ALUNO E ALUNA DE FADA SORRISO FIGURA 12 – ESCOLA MUNICIPAL EM SALVADOR

FIGURA 13 – SALA DE AULA EM ESCOLA MUNICIPAL EM SALVADOR FIGURA 14 – REFEITÓRIO DA ESCOLA MUNICIPAL EM SALVADOR FIGURA 15 - DESENHO DE ANTOINE DE SAINT-EXUPÈRY

FIGURA 16 – O ESCRITOR E A ONÇA

FIGURA 17 - A ARTE DA GUERRA – RECOMENDAÇÃO DE LEITURA

FIGURA 18 – QUEM MEXEU NO MEU QUEIJO? RECOMENDAÇÃO DE LEITURA

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1 ERA UMA VEZ - INTRODUÇÃO ... 11

1.1 A PROBLEMÁTICA DA LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA ... 14

1.2 JUSTIFICATIVA ... 20

1.3 OBJETIVO GERAL DO ESTUDO ... 24

1.4 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ... 25

1.5 COMO ORGANIZEI A DISSERTAÇÃO ... 25

2 METODOLOGIA ... 26

2.1 O SABER INTUÍDO ... 26

2.2 A FADA E O PRÍNCIPE: SUJEITOS, PERSONAGENS E CENÁRIOS ... 27

2.3 O ENCONTRO COM A FADA SORRISO ... 30

2.4 O ENCONTRO COM O PEQUENO PRÍNCIPE ... 38

2.5 O CORAÇÃO DA PESQUISA ... 42

2.6 A PARTILHA E OS DESAFIOS... 44

2.7 CATEGORIAS DE ANÁLISE ... 48

3 DIMENSÃO LUDOPOÉTICA DA LEITURA ... 52

3.1 A LUDICIDADE, O JOGO E O BRINCAR - ALGUMAS TEORIAS ... 52

3.2 ORIGEM LÚDICA DA POESIA ... 59

3.3 A FORMAÇÃO LUDOESTÉTICA E A MEDIAÇÃO LÚDICA ... 63

4 EXPERIÊNCIAS DE LEITURA ... 68

4.1 A LITERATURA COMO SABER EXPERENCIAL ... 68

4.2 ESCOLARIZAÇÃO DA LEITURA LITERÁRIA ... 72

4.3 MEMÓRIAS AFETIVAS DE LEITURA ... 75

4.4 O IMAGINÁRIO E A EDUCAÇÃO ... 79

4.5 DESENVOLVIMENTO DO POTENCIAL CRIATIVO ... 81

5 ANÁLISE E RESULTADOS - TESOUROS REVELADOS ... 83

5.1 EXPERIÊNCIAS DE LEITURA E CONSTRUÇÃO DO PERFIL LÚDICO ... 84

5.1.1 Memórias Afetivas – Afagos Literários ... 90

5.1.2 A Formação do Imaginário Literário ... 98

5.2 MEDIAÇÃO LÚDICA DE LEITURA ... 103

5.2.1 Partilhas do Saber Literário ... 106

EM SÍNTESE – NOTA CONCLUSIVA ... 119

FINAL (QUASE) FELIZ ... 120

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1 ERA UMA VEZ - INTRODUÇÃO

ETERNIDADE Naquela época conheci um bando de passarinhos. Sentavam nos fios de luz

formando notas soltas. A noite fria chegava aos pouquinhos completando a sinfonia no final da rua. Eu não respirava… querendo roubar alguma coisa que já era minha. O nariz no vidro, a visão embaçada e eu quase tocando na fenda do tempo. [a saudade era de eternidade] Aquele bando de passarinhos sabia. Eu sei. (POPOFF, 2010, p.08)

Ao refletir acerca do percurso e relação visceral que tive com a palavra, posso ver com clareza, a memória afetiva da primeira infância, os momentos de solidão criativa, de meditação poética intuitiva, mesmo em tenra idade. As sensações que descrevo no poema Eternidade, apresentam-se como uma tentativa de retratar um anseio indefinido na mente e nas emoções de uma criança de cinco anos de idade. A fruição estética da natureza despertava uma sede de saber, que por sua vez, apontava para uma transcendência impossível de explicar em palavras. Após esses estados de solitude, ocorria uma ânsia de ir logo para a escola para aprender palavras e dominar a leitura delas. A ingenuidade infantil supunha que todos os mistérios insondáveis, captados em entardeceres e instantes em que o universo parecia prender a respiração, estariam escondidos em saberes a serem aprendidos em ambiente escolar. Assim esperançava! Quem sabe a agitação da realidade familiar fosse aplacada, e melhor ainda, resolvida com o conhecimento disponibilizado pelo Grupo Escolar Cândido Genro, meu primeiro espaço de aprendizagem formal?

A ligação intuitiva entre o saber e o lúdico foi raiz que vingou nos labirintos da consciência. A brincadeira de casinha interrompida pelas brincadeiras dos mais fortes: a cabeça da minha única boneca rolando no chão poeirento como uma bola improvisada fazia rolar as primeiras lágrimas de impotência e só doíam menos, porque eu podia pegar um livro pesado,

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talvez o único volume de uma velha enciclopédia, e imaginar os “como” e os “porquês” daqueles dois meninos estarem sendo alimentados por uma loba. Recorri ao meu pai, que para mim sabia tudo do mundo inteiro. Assim, conheci um pouco de mitologia romana: Rômulo e Remo, filhos de Marte e Réia Sílvia. Rômulo, dizia papai, foi o fundador de Roma e a sua voz contando fragmentos de um imaginário coletivo me fazia descansar.

Figura 1: Loba Capitolina. Obra medieval que imita a peça original de origem etrusca

Eu, criança tímida, de mente fértil e alma sensível; fui para a escola apenas aos sete anos de idade e logo aprendi a ler, mas nunca compreendi de onde vinha aquela sensação que as palavras me causavam, os assombros e as delícias de imaginar mundos possíveis: será que existo mesmo ou sou uma imagem no sonho de alguém maior do que o mundo? Será que um dia este Ser que me contém pode acordar?

Já na adolescência, ávida de leituras, impressionava-me com a beleza de títulos e frases nas barracas da feira de livros em plena Praça Saldanha Marinho, na cidade de Santa Maria, RS. O sol a pino quase dissolvia as palavras que recreavam os meus olhos: “Tudo que é sólido desmancha no ar, A insustentável leveza do ser”1. O gosto de reler e reler o título buscando

uma compreensão que incluísse todos os sentidos, não apenas o cognitivo era algo que não se devia contar a ninguém. Segredos sorvidos como quem sorri no escuro, deleite sofisticado demais para uma aluna de escola pública, sempre há um passo de ser ridicularizada, num ambiente de exaltação ao esporte e nenhum projeto de incentivo à leitura. Esta lacuna por parte da escola, em fornecer um ambiente propício à formação leitora, vista pela perspectiva da

1Tudo que é sólido desmancha no ar - A aventura da modernidade de Marshall Berman, A insustentável leveza

do ser de Milan Kundera editados no Brasil pela Companhia das Letras. Referência. Comprei-os na Feira do Livro de 1983, quando cursava o 2º ano do Ensino Médio. Os títulos pareciam irresistíveis e o conteúdo foi sendo “consumido” aos poucos durante aquele inverno.

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liberdade de escolha do repertório, foi para mim um ganho. Considerando que não havia uma ação impositiva para a escolha de títulos, eu tinha a liberdade de fazê-lo pelo prazer e afinidade subjetiva com o título, o assunto, o autor ou qualquer outro aspecto que fosse ativador da fome e da vontade de conhecer realidade outras, e sempre que possível, com singular maravilhamento. Assim, nomes como Milan Kundera e Umberto Eco foram sendo agregados à intimidade da leitura diletante. A Alemanha de Goethe habitou a simplicidade do meu quarto e as longas estradas caminhadas até a escola – “a pública”. Tantos personagens, como amigos invisíveis, protegiam o meu coração de querer coisas próximas e negadas, como a de estudar na escola das freiras – “a cara”.

A minha lista de autores favoritos seriam nomes improváveis, caso houvesse uma lista de leituras obrigatórias nas escolas públicas do RS, no início da década de 1980, além dos clássicos da literatura brasileira, como o Guarani de José de Alencar e o Ateneu de Raul Pompeia, que li e não os reconheci como grandes obras. As minhas escolhas, mais intuídas do que refletidas, incluíam Clarice Lispector, Lya Luft, Mário Quintana, Lygia Fagundes Teles, Kafka, dentre outros, numa mistura sem intencionalidade pedagógica.

Depois, nos primeiros anos da faculdade de Comunicação Social na UFSM, veio a ampliação do olhar em um espectro fractal, belo, mas desequilibrado pela ação caótica de dispersões, conflitos e desestruturações no seio familiar com o falecimento do meu pai, aos 56 anos. Tempo de dura negação da própria essência sobreveio, acrescentando peso aos anos, até que, das cinzas, surge o renascimento, tal qual um broto do tronco da árvore cortada, que ao cheiro das águas, ergue-se até florescer. Neste rasgo de vida nova, forjado com lágrimas e a determinação dos lunáticos, a minha identidade de escritora foi carimbada com o lançamento de um livro infantil: a identidade tomada à força.

A intuição foi organizando a razão num percurso novo e redentor de sete anos. Primeiro ciclo de contato com crianças em muitas escolas e novos lançamentos de livros. A contação de histórias foi surgindo de forma espontânea sem uma formação técnica formal, mas vinda da necessidade de narrar e servir banquetes de palavras vivas para as crianças ou quem mais quisesse ouvir.

Quarenta anos separam a criança que falava com os pássaros por telepatia e a escritora de livros infantis, mas a busca pelo conhecimento que deslinde a capacidade de exceder os limites da razão cartesiana, ainda não satisfeita, se apresenta agora como objeto de pesquisa possível e necessário no contexto do professor contemporâneo. Como pesquisadora, a criança continua a questionar saberes sensíveis não tratados pela escola. A pergunta atual é: “Como nascem as fadas da leitura? ” A imaginação da criança interior insiste em ligar a criança que foi

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ao professor que é; o professor “feliz leitor” com o estudante curioso, crítico e potente em possibilidades que ansiamos ver protagonizar relações de aprender.

Durante dez anos (2004 a 2014) publiquei livros de poesias, livros infantis e infanto-juvenis, num esforço de divulgação do trabalho literário e de promoção de leitura. Visitei escolas de educação infantil e ensino fundamental para contação de histórias, pequenas palestras e sessão de autógrafos. A acolhida nas escolas, de diversas cidades do RS, BA, SP, SC, PR e DF dava-se normalmente, abrindo sempre o mesmo discurso: as crianças não querem ler! Precisamos fazer alguma coisa! Assim, a autora adentrava a escola, como que para acender a tocha de uma maratona em que todos pareciam cansados antes mesmo da saída. Em cada evento, eu assistia à empolgação, muitas vezes, protocolar de professoras e coordenadoras que registravam os eventos com zelo. Contudo, ao apagar das luzes, eventualmente, apareciam alguns professores de linhagem “diferente”. Estes professores não estavam à frente da promoção da leitura oficialmente, mas amavam ler e espalhavam fartamente a felicidade literária por onde passavam. O olhar com brilho intenso ao falar de um autor, de um trecho já decorado de um texto, que falava à alma, os identificavam: eu conhecia bem o que havia de diferente nestes seres ludo-literários. Com esses, não precisavam longos e repetidos discursos; eles sabiam de trilhas imaginárias abertas em florestas literárias, intimamente, palmilhadas.

Em 2012, ao receber o Prêmio de Literatura Lauro de Freitas com o texto O PREÇO DE UM SONHO, passei a contar histórias também para as classes de 6º a 9º ano e os professores apaixonados por leitura, ficaram ainda mais acessíveis aos meus olhos, embora não fossem devidamente aproveitados pelas suas coordenações na área que mais amavam: a leitura. Desta forma, passei a colecioná-los em minha memória afetiva e constatei que esses leitores felizes eram, em muitos casos, professores de matemática, biologia, química e outras disciplinas que não a língua portuguesa. Enquanto isso, o discurso oficial sobre a realidade da leitura no Brasil tinha o tom de sombria fatalidade e realmente são verdadeiros, conforme o panorama que alguns estudos dão conta.

1.1 A PROBLEMÁTICA DA LEITURA LITERÁRIA NA ESCOLA

No final da década de 1970 e durante a década de 1980 as discussões sobre a importância da leitura literárias nas escolas tomou corpo entre intelectuais e pesquisadores brasileiros. O papel da literatura para um ensino significativo era exaltado num momento de retomada da cultura num país que dava os primeiros passos para uma abertura política e redemocratização,

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após alguns anos em regime de exceção. Pesquisadores ligados à formação de pedagogos e professores de Letras mostravam com alarme os índices pífios de leitura no país e começam a organizar eventos voltados para a leitura. Zilberman, 2008, p.12 informa que:

São sintomas desse movimento iniciativas como a realização do I Congresso de Leitura (COLE), em Campinas, em 1978, do I Encontro de Professores Universitários de Literatura Infantil e Juvenil, no Rio de Janeiro, em 1980, e a Primeira Jornada Sul-Rio-Grandense de Literatura, em 1981, em Passo Fundo, eventos que se mostraram frutíferos e duradouros.

Para Zilberman (2008) “muita água” rolou nos anos seguintes, e após a redemocratização do Brasil: segue-se o surto inflacionário; fez-se uma nova Constituição; a economia tornou-se globalizada e o ensino fundamental foi submetido a diversas reformas, algumas mudaram apenas o nome e outras estabeleceram parâmetros curriculares e o sistema de cotas em universidades públicas. No âmbito da cultura, as alterações foram substantivas com o avanço tecnológico e a comunicação eletrônica e em rede em ambiente digital chegando ao que temos hoje: a convergência de mídias em um único aparelho celular. Assim, o livro, que foi o receptáculo soberano do texto, vive um momento de transição que de muitas formas atinge e altera o modo de ler literatura. Apesar das mudanças sociais ocorridas nas últimas décadas, a pesquisadora questiona a inércia da escola:

Tudo o que mudou parece ter mudado para melhor – menos a escola, com suas consequências: a aprendizagem dos estudantes, a situação do professor, as políticas públicas dirigidas à educação, para não se mencionarem as condições de trabalho, onde predomina a insegurança, e o espaço físico das salas de aula, degradado e degradante. Onde deveria reinar a mesma euforia, predominam a desolação, o desestímulo, os sentimentos de decepção e de fracasso. Com efeito, os problemas educacionais permanecem, tendo-se somado novas razões às antigas queixas. O empobrecimento da escola pública é visível em todo o país, ampliando-se a clivagem entre as instituições de ensino destinadas às classes pobres, localizadas na periferia urbana, e as que atendem as camadas superiores. A depauperação dos professores, submetidos a maus salários e ao desdém por parte do poder público, se evidencia em ambas as circunstâncias (ZILBERMAN, 2008, p.14).

Partindo do olhar macro, Regina Zilberman (2008) focaliza um pouco mais a visão para a problemática da leitura literária nas escolas públicas de educação básica, elencando alguns dos entraves mais frequentes como: fragmentação do texto literário oferecido em guizados entre as páginas de livros didáticos, não raro, de forma descontextualizada. A literatura adulterada passa a ser instrumentalizada para o ensino da gramática, na maioria das vezes; falta de liberdade de escolha dos livros, que um olhar crítico relevaria facilmente uma indústria

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editorial, com lobby pesado, a negociar os seus produtos diretamente com instâncias governamentais. Assim, técnicos e pesquisadores decidem por livros que não irão ler e tiram a liberdade do leitor de escolher os títulos, configurando o que Magda Soares (1999) chamou de escolarização da leitura literária: “se traduz em sua deturpação, falsificação, distorção, como resultado de uma pedagogização ou uma didatização mal compreendida que, ao transformar o literário em escolar, desfigura-o, desvirtua-o, falseia-o” (SOARES, 1999, p.22). As limitações se somam ainda mais com: leitura literária como território restrito ao trabalho da disciplina de Português e por consequência, com ênfase na gramática normativa e, mais a falta de acesso ao acervo literário organizado nas escolas. A respeito disso, devemos lembrar que, nos últimos anos, tornou-se comum as escolas públicas terem salas abarrotadas de livros de qualidade gráfica e bons autores, empoeirados e sem um uso efetivo por falta de um projeto de leitura ou profissional dedicado a estimular a leitura literária. Por outro lado, quando a escola possui uma biblioteca organizada, muitas vezes, o ambiente é pouco acolhedor e com tempo restrito para visitas. Atividades obrigatórias e avaliativas de leitura, questionários prontos fornecidos pelas editoras sem muita liberdade para interpretação, criação e apropriações, a partir do imaginário do leitor; somado a isso, o fato de que mitos professores não tem hábitos de leitura literária; e por fim, a literalização de textos não literários: fenômeno encontrado em livros didáticos, em que ilustração e diagramação de textos dão a aparência de textos literários à cartilhas que são usadas no ensino gramatical ou doutrinário.

Todavia, apesar de tantos problemas para uma inclusão correta da literatura nas escolas, ainda há esforços da parte de alguns professores, no sentido de criar uma aproximação do leitor em formação com o universo do livro. Estas iniciativas me aproximaram destes cenários na condição de autora de livros de literatura infantil e juvenil, poetisa e produtora editorial. Assim, verifiquei de forma prática o que já foi relatado com base nas pesquisas e estudos de Zilberman (2008) e Soares (1999), além de outros pesquisadores como Lajolo (2001, 2006).

Estes professores leitores, muitas vezes, não possuem formação na área de linguagem, contudo demonstram a atitude e a paixão necessária para entender o imaginário literário e disposição para partilhá-lo informalmente. Nas conversas de “fim de festa” dos eventos literários, estes profissionais estendiam-se nas discussões sobre leitura e demonstravam, não somente a recorrente preocupação com os estudantes que não gostam de ler, mas também, traziam relatos de proezas feitas em salas de aula, de forma despretensiosa e, que acabavam por obter a atenção e a afeição dos estudantes em torno de livros, histórias e autores. Passei a reconhecer esta categoria de professores e me alegrar com a sua deliciosa felicidade literária e, aos poucos, já os procurava em cada escola que tinha oportunidade de visitar, contudo, a

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“espécie” não é encontrada em todas as escolas, infelizmente. Carinhosamente, passei a chamá-los de fadas de leitura por causa do brilho próprio e originalidade que demonstram.

As fadas, seres mitológicos que povoam os contos de fadas, tem sua origem provável nos mitos dos povos celtas, anglo-saxões, germânicos e nórdicos. Etimologicamente, temos a raiz latina “fatum” (destino, fatalidade). Estes seres da imaginação, da fantasia, cheios de beleza, vivacidade e solução, no presente trabalho querem designar professores com um perfil especial, em que a ludicidade e a fruição da leitura se fundem e produzem uma interação com uma plateia que, seduzida, oferece-lhe uma escuta qualificada e receptiva. Esses professores, conhecidos durante o meu peregrinar com eventos literários em escolas, se destacaram por utilizarem cotidianamente a leitura literária de forma transversal em sala de aula, sendo muitas vezes, o pontapé para ações didáticas de assuntos outros. Por exemplo: A professora de Biologia abre o tema micróbios recitando um poema de humor negro e falando do gênero literário, antes de adentrar ao conteúdo curricular previsto sem, contudo, instrumentalizar o poema, porque “a arte faz parte da vida e até da morte” como explicou a professora. Outra característica que influenciou a escolha dos sujeitos foi o caráter espontâneo ou voluntário de suas ações de incentivo à leitura e finalmente, o êxito de suas mediações no despertamento para a leitura em estudantes ao longo da carreira docente.

Usar a leitura literária, juntamente com o ensino de outros conteúdos, à primeira vista, pode parecer uma instrumentalização da arte em benefício do didatismo. De fato, é um risco, mas, no caso das fadas de leitura havia uma aura de paixão pela literatura, que não permitia a desvalorização do imaginário literário em prol de um imediatismo pedagogizante. O fato de a partilha literária acontecer de forma gratuita, sem a intenção de atribuição de notas ou outro tipo de cobranças, garantia o seu caráter lúdico, já que a ludicidade pressupõe a liberdade de ação; flexibilidade; relevância no processo sem que haja objetivos a serem alcançados; a incerteza de resultados; o controle interno estabelecido tacitamente e também, adesão voluntária (BROUGÈRE, 1998). Desta forma o uso da literatura em contexto didático toma um caráter autêntico, capaz de proporcionar uma transcendência inusitada, no sentido de que a matemática, que pouco compreende a literatura, pode ser compreendida pela ótica da literatura, que por sua vez, compreende bem a matemática e a amplia em conexões significativas com outros saberes, circunstâncias e dimensões simbólicas (GOMEZ, 2004).

A literatura é naturalmente transdisciplinar, quando abre portais de entendimento e mundos paralelos simples de serem acessados, porém complexos demais para serem objetos de racionalizações. Dessa maneira, o tema proposto neste trabalho perpassa a leitura literária, a

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ludicidade, os saberes sensíveis, e deságua numa bacia semântica da mediação didática lúdica, particulares à realidade dos sujeitos participantes da pesquisa.

Necessário pontuar aqui, que este viés científico acrescido à sede de saber já tão profunda, recebeu a benfazeja influência do conceito de ludicidade luckesiana, em que a experiência lúdica se dá a partir de vivências internas em estados de plenitude do indivíduo, reverberando no coletivo. Esse sujeito que teve, no decorrer da sua vida, uma marca da leitura literária de forma lúdica, tem uma habilidade própria diante de um portal que transcende a decifração dos signos que codificam o discurso. Assim, vai sendo formado o gérmen de alguém apaixonado por leitura, que por sua vez, tem em si a capacidade da mediação lúdica da leitura transbordante, significativa e cativante e especialmente, transformadora, pois gera uma atitude política também.

Este conceito, apreendido na pós-graduação em Ludicidade e Desenvolvimento Criativo do Instituto Transludus foi, posteriormente, ampliado mediante a participação nas reuniões do GEPEL - Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Ludicidade da UFBA. Em contato com os estudos e pesquisas da Profª. Drª. Cristina D’Ávila sobre as possibilidades didáticas da mediação lúdica e do saber sensível, no estudo do livro “Elogio da razão sensível” de Michel Maffesoli (1998), dentre outros, o quebra-cabeças de impressões coletadas pela experiência profissional com a literatura, finalmente começou a encontrar o devido encaixe. Esse encaixe, por sua vez, apontou para uma pesquisa exploratória qualitativa sobre o que tenho visto acontecer em alguns esforços bem-sucedidos por parte de professores do ensino fundamental mesmo, às vezes, sendo hostilizados por não atentarem para um enquadramento curricular e didático padrão na utilização dos textos literários.

Chegando ao mestrado, outro tema não poderia me mover tanto quanto a sede de investigar os mecanismos desta relação do professor, os estudantes e a literatura. Se a emoção move e motiva, de forma paralela, encontro respaldo em estudos da ludicidade como conteúdo necessário para alargar esta compreensão em novos espectros e conexões com outros saberes. Para tal, o Programa de Pós-Graduação em Educação da FACED/UFBA contribuiu de forma consistente para a adequação formal do projeto de pesquisa e também pelo refinamento conceitual do estudo. A disciplina EDC 557 – Abordagens e Técnicas de Pesquisa em Educação, com os Professores Doutores Dora Leal e Robert Verhine, conduzida de forma elegante e comprometida, forneceu uma ampla visão da pesquisa científica tanto de abordagem qualitativa quanto quantitativa. Nesse componente, a proposta de pesquisa foi analisada no seu âmbito metodológico de histórias de vida, ratificando as escolhas e reforçando a posterior triangulação dos dados obtidos para análises, com a adoção de outros instrumentos de coleta de

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dados. No componente EDC 603 – Educação, Sociedade e Práxis Pedagógica, ministrado pela Professora Doutora Theresinha Miranda, a proposta recebeu aprimoramento na perspectiva sociológica e na importância de pesquisas do gênero para o fortalecimento da cultura leitora e na formação do professor crítico e consciente de seu papel político na sociedade. Cito ainda o componente EDCC12 – TEE Docência do Ensino Superior, com a Professora Doutora Cristina Maria d’Ávila Teixeira, que teve uma importância ímpar para a minha formação como futura docente, a considerar a aprendizagem significativa em uma abordagem sensível que medeia a relação ensino aprendizagem.

No segundo semestre do mestrado, destaco a atividade EDC792 com as Professoras Doutoras Maria Couto e Regina Antoniazzi, que levaram o grupo a dissecar todos os projetos e a elaborar pareceres para cada uma das pesquisas propostas. A metodologia deste componente promoveu um amadurecimento importante na escrita do projeto para a qualificação de pesquisa. O componente EDC515 – Trabalho Individual Orientado desenvolvido com a Profa. Dra. Giovana Zen forneceu um caminho de pesquisa trazendo o conceito de Experiência ao rol de abordagens a serem desenvolvidas pelo estudo. O componente EDC939 – Estágio Docente Orientado desenvolvido com a Profa. Dra. Cilene Canda, me deu a oportunidade de contato com a docência no nível de graduação, que significou muito para o desenvolvimento necessário da percepção do trabalho do professor e da consequência da sua ação no contexto social. Por fim, a disciplina EDCA33 – Educação, Comunicação e Tecnologia ministrada pela Professora Doutora Maria Helena Silveira Bonilla trouxe uma larga compreensão sobre o papel do professor na contemporaneidade e as possibilidades e urgências de que se incorporem habilidades e competências de comunicação nas práxis docentes.

Finalmente, o processo de construção do projeto de pesquisa foi validando caminhos metodológicos e a questão de pesquisa: - Como as histórias de vida de professores leitores poderiam ser compreendidas como fonte de uma didática orgânica e criativa na mediação da leitura literária? A questão proposta não ignora a problemática apresentada, mas coloca a ênfase em professores que tratam o tema de forma pessoal e lúdica e abordam a formação do leitor em partilhas de caráter transdisciplinar e não avaliativo. Assim, caminho para uma justificativa coerente diante do desafio de produzir estudos sobre a problemática da leitura literária dentro da realidade atual da escola pública brasileira.

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1.2 JUSTIFICATIVA

Existem poucos estudos2 sobre o ensino enfocando a leitura literária dos professores de

áreas, que não a da linguagem e a correlação com práticas escolares de leitura lúdica no desenvolvimento do leitor autônomo. Assim, reivindico ao estudo fundamento transdisciplinar (NICOLESCU, 2002) com os pilares de: níveis de realidade diversos coexistentes; complexidade dos fenômenos; a lógica do terceiro incluído, para uma melhor compreensão das ações dos sujeitos participantes. A lógica transdisciplinar contempla a própria natureza da literatura em sua polifonia e polissemia, que não privilegia a razão analítica como primeiro plano, mas abre espaço para uma harmonia entre mente, emoções e corpo. A ludicidade aproxima-se também desta postura diante do conhecimento e da arte. Portanto, qualquer indício destas duas categorias nas práxis de professores que partilham suas experiências com leituras merece ser investigado.

Este perfil de professores lúdicos, a que me refiro, não é encontrado com a frequência que seria necessária em função da excessiva carga de trabalho a que a classe vem sendo submetida. A baixa remuneração e a formação, muitas vezes deficitária, completam um quadro de desprestígio social e ainda, a estrutura inflexível do regramento escolar e suas formas de distribuição do conhecimento. Porém, esses professores lúdicos cultivam a autoeducação pelo imaginário literário, parecem transcender as consequências adversas já apresentadas, evidenciando uma atitude autêntica e orgânica diante do tema. Além disso, demonstram uma prática transdisciplinar, mesmo que esta seja manifesta sem uma intencionalidade rigorosamente planejada. Assim, faz-se necessário uma pesquisa qualitativa sobre a mediação realizada por estes sujeitos, esclarecendo possíveis caminhos para o incremento da leitura literária, que levem à autonomia do leitor em processo de aquisição de hábito de leitura.

Vale ressaltar, que iniciativas que envolvam o estudante, de forma mais orgânica poderão reverberar em mudanças nos índices e práticas de administração do acervo já existente nas escolas públicas do Brasil e, que em muitas escolas tem sido subaproveitado ou simplesmente, abarrotado salas de guardados e despensas.

Soma-se a isso tudo, o analfabetismo funcional, que tem sido apontado por estudos, como a pesquisa divulgada em 2011 sobre o INAF – Indicador de Alfabetismo Funcional pelo Instituto Paulo Montenegro, organização do grupo Ibope, como um dos grandes problemas da

2 No Portal de Periódicos da CAPES não foi encontrado nenhuma tese sobre a leitura na vida de professores

licenciados em Matemática e Biologia com o recorte da experiência lúdica, da mesma forma, as pesquisas realizadas no Repositório UFBA, tiveram o mesmo resultado negativo para o tema.

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educação brasileira. A pesquisa revela que apenas um em quatro brasileiros domina plenamente a leitura. Já os dados do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), de 2012 dão conta de um retrocesso na performance de leitura dos estudantes brasileiros, se comparados com dados de 2009. Em 2012 o Brasil somou 410 pontos em leitura, o que conferiu ao país a posição de 55º lugar entre os países participantes. Segundo o PISA, 49,2% dos estudantes brasileiros não conseguem compreender um texto nem estabelecer relações entre as partes do mesmo, por exemplo.

Os professores estão entre o público pesquisado, portanto, podemos inferir que a leitura por prazer não é uma realidade cotidiana para a maioria dos docentes em atividade no Brasil. Este fato insere-se na problemática de forma contundente, já que uma das funções primordiais da escola é a de formar leitores críticos e reflexivos, além de competentes e autônomos, mas se o professor não vive uma realidade satisfatória como leitor, assim, todo o incentivo que empreender em fazer novos leitores soará artificial. Queremos pensar a leitura literária como instrumento de transformação, capaz de desenvolver competências comunicativas importantes, não somente no período escolar, mas por toda a vida.

Apesar dos números alarmantes, não é difícil encontrar quem ateste os benefícios da leitura, mas os dados colhidos por uma ampla pesquisa publicada pelo Instituto Pró-Livro em 20123 fazem pensar que a prática não revela o mesmo entusiasmo (FAILLA, 2012). O Brasil

segundo a pesquisa tem um índice médio de 4 (quatro) livros lidos por ano, comparativamente atrás da Espanha (10,3 livros/ano), Portugal (8,5 livros/ano), Chile (5,4 livros/ano) e Argentina (4,6 livros/ano). Com relação ao uso do tempo livre para ler, apenas 28% dos brasileiros revelam, eventualmente, preferir a leitura, ao contrário da Argentina e Espanha, em que a leitura como forma de lazer no tempo livre é adotada por respectivamente 66% e 58% da população. A leitura no imaginário do brasileiro foi o tema de uma questão da pesquisa, verificando-se que atividades como assistir televisão, escutar música ou rádio, descansar, reunir com amigos e família, e assistir vídeos/filmes/DVDs ganham a preferência de boa parte da população antes

3A metodologia foi desenvolvida pelo Cerlalc/Unesco, a partir de uma solicitação do Brasil (os dois pilotos foram realizados,

entre 2004 e 2006, em Ribeirão Preto (SP) e no Rio Grande do Sul), com a finalidade de ter parâmetros internacionais de comparação entre os países da América Latina. E, de possibilitar construir séries históricas sobre o comportamento leitor. Metodologia/amostra: Pesquisa quantitativa de opinião com aplicação de questionário e entrevistas presenciais “face a face” (com duração média de 60 minutos), realizadas nos domicílios. Universo da pesquisa: População brasileira residente, com cinco anos ou mais, alfabetizadas ou não. Abrangência (Amostra): 5.012 entrevistas domiciliares em 315 municípios de todos os estados e o Distrito Federal. Intervalo de confiança estimado de 95% (ou seja, se a mesma pesquisa for realizada 100 vezes, em 95delas terá resultados semelhantes). Margem de erro: a margem de erro máxima estimada é de 1,4 para mais ou para menos sobre os resultados encontrados no total da amostra.

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da leitura. Perguntados sobre a razão de não ter lido mais nos últimos três meses os motivos apresentados são (mais citados em ordem decrescente):

TABELA 1 - Pesquisa Instituto Nacional do Livro 2012, Leitura no Imaginário do Brasileiro. Instituto Pró-Livro

A leitura se faz presente em quase todas as atividades cotidianas e é determinante para a performance social, profissional e de autoconhecimento. Ainda, aprimora noções de estilo, de gênero literário e de muitas outras situações que interferem na relação do leitor com o texto e na postura do cidadão. O ato de ler envolve a cognição, o domínio da linguagem, o conhecimento de códigos literários, além do desenvolvimento da criatividade. Ler, portanto, representa um redimensionamento da consciência crítica do mundo e, não é ato neutro, mas político e ideológico. Assim, há uma necessidade de empreendermos estudos que, levantando a questão da leitura, façam uma ligação entre a experiência exitosa do professor leitor e a qualidade de sua mediação didática.

A leitura literária pode ser considerada um bem sociocultural que favorece a resolução de problemas cotidianos, aumentando a qualidade de vida e de atuação humana. O professor, líder por excelência, precisa refletir sobre a própria história leitora antes de elaborar estratégias de leituras para os seus estudantes.

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Entendo a escola como ambiente formativo por excelência e, assim, qualquer que seja a concepção de leitura, a realidade brasileira não pode se dar ao luxo de desviar da escola esta função de formar leitores, pois há uma parcela significativa de crianças que somente tem contato com o livro e a dimensão artística do texto no ambiente escolar. Por outro lado, o artificialismo de muitas atividades escolares enfocando a leitura literária, a fragmentação de textos, exercícios descontextualizados servem para formar um leitor passivo. Há muito a atualizar na prática leitora tendo a arte como uma abertura para possibilidades libertadoras e afirmativas. Segundo, Duarte Jr.:

A arte não estabelece verdades gerais, conceituais, nem pretende discorrer sobre classes de eventos e fenômenos. Antes, busca apresentar situações humanas particulares nas quais estas ou aquelas formas de estar no mundo surgem simbolizadas e intensificadas perante nós (2000, p. 25).

Há ainda mitos sobre a complexidade do ato de ler textos literários mais clássicos, que parecem acarretar mais prejuízo ao processo de aproximação da criança alfabetizada com os livros não “escolarizados”, ou seja, sem o tratamento e fracionamento realizado cotidianamente por procedimentos de cunho pedagógico. O livro não tem sido “espalhado a mão cheia, para o povo pensar”, como anunciava o poeta Castro Alves. Outra ideia questionável, que se revela, muitas vezes, em um preconceito, especialmente contra estudantes da rede pública de ensino, diz respeito à desconfiança na capacidade do estudante se interessar e compreender narrativas diferenciadas. Interessante observar que alguns estudantes em ambiente escolar não demonstram prazer ou interesse nas atividades de leitura propostas, porém fora da escola, leem sagas, trilogias e romances com centenas de páginas. Desta forma, parece evidente que o estímulo está intimamente ligado à abordagem adotada, portanto, seguir o interesse do estudante, oferecendo textos sem estabelecer discursos falaciosos, que partem de ralas críticas literárias, torna-se uma tarefa para o adulto que não arrefeceu na paixão leitora. Aí está um indicativo de que a arte da mediação entre o próprio leitor, um contexto lúdico e o texto pode ser o maior diferencial nessa problemática.

De maneira geral, a utilização do livro didático, como instrumento principal para a exploração do texto literário, com roteiros de interpretação estabelecidos, também empobrecem a relação do leitor em formação com a arte literária. Mas acima de tudo, a mediação didática parece ter um peso maior no cômputo geral de acertos, que marcam a história de cada leitor. O professor tem a chance de ser o diferencial da balança, se, como leitor for realizado, curioso, interessado e interessante e, no esforço para colocar abaixo todo o enfadonho processo de esquemas de interpretações, inocule o vírus da aventura de ler, valorizando as leituras prévias

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e preferências de seus estudantes. Matos (1987, p.20) nos adverte que “o ensino da literatura é, em rigor, impossível, pela simples razão de que a experiência não se ensina. Faz-se. Mas podem e devem criar-se as condições para essa experiência: removendo obstáculos e proporcionando ocasiões”. Na interação lúdica entre leituras e leitores e uma atmosfera de prazer propiciada pela mediação didática, então, dos sujeitos que forneceram a motivação para este trabalho, espero extrair experiências, saberes relevantes para o estudo do tema: leitura literária no ensino fundamental da escola brasileira.

Urge lançar luz sobre a experiência leitora do professor na construção de um saber, que permita que a sua felicidade literária contamine a outros. Diante da problemática apresentada, ouso pensar na hipótese de que a mediação lúdica em leitura tem melhores resultados se feita por adultos leitores apaixonados, que foram profundamente impressionados por experiências de leitura no decorrer da vida. Especificidades desta associação de interferência entre a ludicidade e a mediação de leitura necessitam de estudos com a devida divulgação de resultados para o melhor aproveitamento do capital humano disponível nas escolas e que, muitas vezes não chega a ser utilizado.

Encaminhando a questão da leitura literária em ambiente escolar, os objetivos delineados buscam analisar a ludicidade (fenômeno interno do sujeito em que a plenitude do ser pode ser vivenciada acompanhada ou não por evidências externas) como contexto básico para o desenvolvimento da mediação da leitura. A etapa posterior, onde estes saberes literários do indivíduo transformam-se em possibilidades de partilhas e estímulo para novos leitores autônomos, completa o esforço de investigação, onde a busca de possíveis generalizações na abordagem didática, em uma relação claramente espontânea entre os sujeitos traz a potência de um viés inovador ao estudo. Desta maneira apresentamos os objetivos da seguinte forma:

1.3 OBJETIVO GERAL DO ESTUDO

• Analisar para compreender como a ludicidade se faz presente nas histórias de vida de professores, como elemento fundante da mediação de saberes literários no ensino fundamental II.

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1.4 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Conhecer, mediante histórias de vida de professoras, suas vivências lúdicas e literárias e relacioná-las a possíveis aportes no ensino da leitura literária;

• Identificar como professores, colaboradores do estudo, inserem atividades lúdicas em suas mediações didáticas;

• Reconhecer, através de suas representações, como a ludicidade pode ser inserida no cotidiano escolar através das leituras literárias.

1.5 COMO ORGANIZEI A DISSERTAÇÃO

Dividi o trabalho em cinco capítulos, em que procurei demonstrar a relação de proximidade entre a ludicidade e o universo manifesto no imaginário através da leitura literária e ainda, a ação decisiva da mediação de leitura realizada por professores que, independente da disciplina que atuam, transbordam felicidade literária por terem sido, eles mesmos, marcados e formados pelo ato de ler.

Início – capítulo 1 – mostrando a minha implicação com o tema e o objeto da pesquisa, a justificativa, problemática e objetivos a serem alcançados. No capítulo dois deste estudo, descrevo o projeto metodológico, desde a abordagem fenomenológica até a escolha dos instrumentos de coleta de dados nos lócus de pesquisa (duas escolas) e junto aos professores participantes, aos quais denomino Fada Sorriso e Pequeno Príncipe, salvaguardando as suas identidades e o sigilo das informações. O capítulo descreve as dificuldades, dilemas e decisões tomadas no decorrer da pesquisa e as categorias de análise que emergiram dos dados coletados mediante a teoria da triangulação de Bardin (2011). No capítulo três, trago um resumo das teorias formuladas em torno dos conceitos limítrofes e polissêmicos da ludicidade, do jogo e do brincar. Remonto à era arcaica para trazer a origem lúdica da poesia e encerro o capítulo refletindo sobre a necessidade de uma formação ludoestética para uma mediação verdadeiramente lúdica do professor. No capítulo quatro, abordo as contradições da escolarização da leitura literária, diante da literatura como saber experiencial. Além disso, discuto memórias afetivas de leitura e o desenvolvimento do imaginário e por fim, a qualidade dos vínculos afetivos no desenvolvimento do potencial criativo. No capítulo cinco, os dados da pesquisa são discutidos a luz dos referencias teóricos e os resultados são apresentados.

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2 METODOLOGIA

FORMAS Encontrei em cima o que espelha embaixo encontrei por dentro o que do outro lado aflora O universo é simétrico e nada acontece sem sincronia (...) só encontro em ti o que em mim já existia. No teu dia agitado fotografo traços e quando sonhas em uma noite tênue crio quadros abstratos Sem conseguir desviar a rota do sol ou a trajetória dos astros penso formas e formas correspondentes me pensam me acham. (POPOFF, 2010, p.14) 2.1 O SABER INTUÍDO

Maffesoli (1998) trata o poético também como forma de abarcar um saber que vai além da razão instrumental. Segundo o autor de Elogio à razão sensível, a subjetividade é ampliada além da individualidade para ganhar uma dimensão de ancestralidade: “O poeta desperta, na subjetividade de cada um, as vozes imemoriais adormecidas na memória coletiva” Maffesoli (1998, p. 299) ressalta que:

É assim que procede a poesia. É assim, igualmente, que opera o mundo poético do conhecimento: fazer sobressair aquilo que é, já aqui, e dar-lhe um estatuto epistemológico. A poesia age sobre a subjetividade individual, o mundo poético do conhecimento mostra o significado da subjetividade de massa em ação em todos os fenômenos que constituem a vida social.

Diante desta possibilidade de incluir o poético e o subjetivo neste estudo, foquei as possíveis relações entre as vivências lúdicas pregressas e o ensino de leitura literária optando por uma pesquisa de cunho qualitativo para dar conta da indagação fenomenológica: estas fadas

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da leitura, que ampliam o ser-fazer de professores e que contagiam aos estudantes, como vivem a leitura por prazer e a fruição estética da linguagem literária? Buscando a atitude apropriada a condição de pesquisadora, reflito mais uma vez com Maffesoli (1998, p.185):

Em suma, é necessário, antes de mais nada, saber colocando-se no lugar daquilo que se observa. Isso relativiza a pretensão - comum à cientificidade moderna - à objetividade, à distância, o que, de modo paranóico pôde ser denominado “corte epistemológico”. Tipo de visão impositiva que, a exemplo da deidade, estabelece distinções, faz classificações, nomeia e, portanto, conceitua as coisas e as relações que se estabelecem entre elas.

Assim, professores que tem diante de si uma gama de obstáculos para o exercício da profissão, e conseguem, não apenas êxito na formação do leitor em ambiente escolar, mas ainda um fazer com graça, com leveza, com um quê de poesia, ludicidade e autoestima mesmo em áreas de risco, de tráfico de drogas, de violência doméstica e social exercem o papel privilegiado de gerar empoderamento em camadas fragilizadas do extrato social. Estas características têm peso no que se refere ao resultado do trabalho de estímulo a leitura literária, pois leitores em estado de latência, sob a influência de fadas e príncipes de leitura, eventualmente, podem se transformar em leitores autônomos. Que elemento faz com que esse contágio tome as ruas das comunidades e mude mentes e corações?

O mapa do tesouro existe? É possível mapear este caminho cheio de interstícios entre a ludicidade e a leitura? São estes tesouros, os segredos que fazem desses professores, seres tão apropriados à mediação literária aos leitores pós-modernos? As indagações fizeram parte da caminhada e do paulatino entendimento das etapas das histórias de vida abordadas. Os questionamentos foram nascendo durante todas as etapas da pesquisa, norteando a escolha das categorias a serem analisadas, a partir da técnica de análise temática de Bardin (2011). No ouvir as suas memórias surgiram duas categorias gerais: 1) experiências de leitura e a construção do perfil lúdico e 2) mediação lúdica de leitura. Ao analisar os dados coletados e refletir sobre os contextos envolvidos, surgiram subcategorias derivadas destas: 1.1) memórias afetivas e 1.2) imaginário literário e 2.1) partilhas do saber literário.

2.2 A FADA E O PRÍNCIPE: SUJEITOS, PERSONAGENS E CENÁRIOS

Decidi selecionar professoras do ensino fundamental da rede pública de ensino, que tivessem, ao longo da carreira docente, desenvolvido de forma espontânea e voluntária o trabalho de estímulo à leitura literária e o tivessem incorporado em suas práticas didáticas em

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disciplinas da grade curricular, não contemplando no estudo, profissionais da área de linguagem (Língua Portuguesa). Apesar de saber que, habitualmente, professores de português labutam pela causa da leitura, muitas vezes com êxito, preferi investigar professores de outras disciplinas em sua relação com a leitura e a mediação de saberes literários. Outro diferencial na escolha foi o êxito reconhecido, pelos pares e pelos estudantes, no trabalho de mediação de leitura utilizando métodos diferenciados.

Como lócus de pesquisa escolhi, inicialmente, uma escola pública, localizada em Feira de Santana, escola a que Fada Sorriso serve como professora de Biologia, pois ao final da presente pesquisa, se dará a aposentadoria por tempo de serviço da mesma. A outra escola municipal, localizada em Salvador, é o local de trabalho de Pequeno Príncipe, professor de matemática para todas as séries do fundamental II.

Os instrumentos da coleta de dados foram: entrevista narrativa, escrita autobiográfica (texto livre), histórias de vida, observação participante. Segundo Macedo (2010, p.18) o pesquisador fenomenológico é descrito nos seguintes termos: “Interessado em descrever para compreender, o pesquisador fenomenológico sempre está interrogando o que é isto? No sentido de querer apreender o fenômeno situado e o que o caracteriza enquanto tal”. Segundo Laville e Dione (1999, p.159) coletar informações mediante a narrativa de histórias de vida pode ser uma das melhores formas de captar nuances subjetivas de recortes sociais:

Os documentos redigidos a partir das histórias de vida são, muitas vezes, extremamente vivos: neles descobrem-se pontos de vista originais sobre experiências pessoais, até mesmo íntimas em detalhes, nas quais se delineiam, de modo implícito às vezes, acontecimentos, se não históricos, pelo menos públicos, uma organização social e cultural que vive e evolui quando não é subitamente modificada. Obtêm-se assim belas ocasiões de compreender como as pessoas representam esses fenômenos e acontecimentos históricos, sociais ou culturais, como passaram por eles, vividos na indiferença ou em uma participação mais ativa. É uma maneira de recolocar o indivíduo no social e na história: inscrita entre a análise psicológica individual e a dos sistemas socioculturais, a história de vida permite captar de que modo indivíduos fazem a história e modelam sua sociedade, sendo também modelados por ela. Contudo, essa mesma potência que dá vida à narrativa do sujeito, recebe críticas pela possibilidade de trazer imprecisão ao relato pessoal. Alega-se que o sujeito pesquisado não tem um distanciamento do objeto de estudo, a sua própria história de vida. Diante do impasse, outro instrumento de coleta de dados, a observação participante, complementa o procedimento de coleta de dados e juntamente com a análise de textos produzidos pelos sujeitos permite uma triangulação dos dados da pesquisa para apresentação dos resultados obtidos.

A observação participante, neste estudo em particular, necessitou de autoanálise constante, pois eu não conhecia o grupo em profundidade, mas o grupo já me conhecia, devido

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à repercussão nas escolas do meu trabalho como escritora e articuladora cultural. Tentar parecer igual ao grupo, portanto não caracterizaria uma ação autêntica diante dos grupos de estudantes. Assim, a exemplo de White (2005, p.304) mostrei-me aberta e autêntica nas interações: “Aprendi que as pessoas não esperavam que eu fosse igual a elas. Na realidade estavam interessadas em mim e satisfeitas comigo, porque viam que eu era diferente. Abandonei, portanto, meus esforços de imersão total”. Procurei participar das atividades de leitura e contação de história, contudo, sem usar a ocasião para enfatizar a condição de escritora, mas utilizando textos de outros autores.

As entrevistas narrativas e a escrita autobiográfica foram ferramentas não estruturadas, nas quais pude verificar, de modo profundo, o olhar dos sujeitos sobre si e a inserção dos mesmos no contexto social e histórico. Encorajei-os a contar com liberdade e autonomia o que fosse considerado importante na própria história de vida em conexão com as experiências de leitura que tiveram. Procurei apenas escutar, sem interromper para perguntar ou fazer qualquer tipo de observação. As entrevistas com o Pequeno Príncipe foram realizadas na escola municipal, em que trabalha. Os dois momentos foram realizados na sala dos professores no primeiro horário da manhã. O texto autobiográfico foi enviado por e-mail após algumas solicitações. A sua escrita autobiográfica foi sucinta e abordou os mesmos pontos narrados na entrevista.

O método narrativo mostrou-se rico e desafiador, pois precisei entregar-me ao processo, que não dá muitas indicações de como irá ser finalizado, mas, como processo, desdobra-se em singularidades trazidas à tona pelos sujeitos da pesquisa. Muylaert e al (2014, p.198) esclarece a importância da entrevista narrativa para que se rompa com o modo tradicional de pesquisa:

Ao romper com a tradicional forma de entrevistas baseadas em perguntas e respostas, o método das narrativas revela-se um importante instrumento para se realizar investigações qualitativas, dispondo para os pesquisadores dados capazes de produzir conhecimento científico compromissado com a apreensão fidedigna dos relatos e a originalidade dos dados apresentados, uma vez que permitem no aprofundamento das investigações, combinar histórias de vida a contextos sócio–históricos, tornando possível a compreensão dos sentidos que produzem mudanças nas crenças e valores que motivam (ou justificam) as ações dos informantes.

A escrita autobiográfica, expressa com liberdade, torna-se um documento inscrito no tempo e no espaço, porém, permanece como possibilidade aberta, sem ponto final como a vida dos sujeitos que continuamente é construída. Na escrita autobiográfica, mais do que dizem as palavras, há um derramar da identidade pelo sujeito que recorta a própria história na tentativa de definir-se e mostrar-se em um autorretrato ao público. Todos os dispositivos de coleta de

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dados descritos - entrevista narrativa, escrita autobiográfica, histórias de vida e observação participante - foram efetivos na realização do que havia sido projetado convergindo, assim, para que o método de pesquisa de Histórias de Vida demonstrasse cabalmente a sua potencialidade em captar as nuances subjetivas, que se fazem necessárias na objetivação da intercessão contida no tema da pesquisa, entre a ludicidade e a experiência de leitura.

Por fim, é possível perceber que a metodologia de Histórias de vida deve ser vista como possibilidade do professor ressignificar, o que, em sua memória, tornou-se importante e destacado, por consciente ou inconscientemente ter sido escolhido para se pôr sob os holofotes e ser, assim, narrado como parte da formação de si ou mesmo por ter sido calado, não mencionado. Desta forma, as narrações revelam singularidades e também os múltiplos sentidos do pensar ao longo da vida. Para Josso (2006), este trabalho é indispensável ao se pensar numa formação continuada propiciadora de formação e informação, e ainda, construção de uma identidade evolutiva, ou seja, uma invenção de si.

2.3 O ENCONTRO COM A FADA SORRISO

Eu conheci a Fada Sorriso durante um evento literário realizado na Escola Municipal Davi Mendes, no Distrito de Retiro, cidade de Coração de Maria, no interior da Bahia em novembro de 2013, quando após uma palestra e oficina de contação de história, a escola promoveu uma sessão de autógrafos dos meus livros infantis. A Fada Sorriso viajou de Feira de Santana à Coração de Maria para participar do evento, que traria uma escritora residente em Salvador. Neste primeiro contato, Fada Sorriso falou brevemente de seu envolvimento pessoal com a leitura e também da “menina dos olhos”, a Sala de Leitura, que organizara na escola municipal em que trabalhava em Feira de Santana e assim, fez um primeiro convite para que eu fizesse um evento literário nessa escola. A sala de leitura havia se tornado o ponto alto da escola e as crianças não perdiam a chance de dar uma “passadinha” para as leituras feitas pelo gosto de ler e não para ter nota ou fazer trabalhos. As cenas que presenciei nos primeiros contatos com o espaço eram como estas das fotos – crianças e adolescentes absortos com os livros:

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FIGURA 2 – Menina lendo na Sala de Leitura

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FIGURA 4 – Banquete Literário na Sala de Leitura

Fada Sorriso, com muito entusiasmo fazia contatos regulares pelas redes sociais e comparecia a eventos literários em Salvador para partilharmos felicidades literárias. Sempre com simpatia e persistência, planejou e realizou um evento chamado Seminário Alfabetizando a Emoção – Um guia de leitura para a família em Feira de Santana, tendo como local a escola municipal, em 16/08/2014, com a participação de outros autores baianos.

Na ocasião, ao chegar à escola, percebi que a cena não era comum: num sábado chuvoso, o saguão lotado de estudantes com as suas famílias, e uma divulgação acima da média para um evento de escola pública em bairro popular. No decorrer das palestras, no intervalo lúdico, no lanche oferecido aos participantes, na visita a “famosa” Sala de Leitura, no apoio e cuidado dos funcionários da escola, pude perceber os desdobramentos de um trabalho esmerado e persistente pelo qual, a Fada Sorriso vinha lutando para implantar e expandir. Todavia, percebi a ausência da equipe gestora e de professores da escola. Percepções abafadas pela animação, mas não esquecidas, que foram importantes para a compreensão do que ocorreria mais tarde - o afastamento da Fada Sorriso da Sala de Leitura, a qual havia, diligentemente, organizado. O afastamento deu-se por determinação da gestora da escola, finalizando o trabalho prematuramente. Afastada da Sala de Leitura, Fada Sorriso voltou a lecionar Biologia para turmas do Fundamental II desta mesma escola municipal e na escola estadual, na qual também trabalhava, foi transferida do noturno para o turno vespertino, atendendo o Fundamental II e

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algumas turmas do ensino médio. Neste retorno à sala de aula, na mesma escola em que organizara a sala e leitura, Fada Sorriso inicia a unidade propondo aos alunos uma leitura crítica do contexto escolar utilizando textos, filmes, música e pesquisas de campo. O projeto traz uma vivacidade, que pode ter sido mal interpretada por preparar os estudantes para o questionamento da realidade local (ANEXO 1).

A minha intenção inicial era pesquisar a leitura e a ludicidade tendo como lócus, a Sala de Leitura, pois, anteriormente, havia ali um acervo que jazia empoeirado em uma sala de entulhos e despojos e que, efetivamente, fora colocado à disposição de novos leitores. Era uma prova de movimentos do sonhar, projetar, realizar algo além, que movem inconformados.

A sala de leitura organizada por Fada Sorriso parecia ser um oásis escondido no deserto. Uma sala era limpa, colorida e organizada. Porém, a realidade das outras salas e espaços era diferente. Diante de quadros depredados e espaços entristecidos, a Fada continuou inconformada. Recusou-se a usar o quadro quebrado, por respeito aos alunos, e adquiriu um datashow. Assim, o peso a transportar até a escola dobrou, e considerando o fato de que a Fada Sorriso utiliza transporte público, o esforço torna-se ainda maior.

Após este período em sala de aula, após a saída forçada da Sala de Leitura, a Fada Sorriso tirou uma licença prêmio vencida e protocolou o a sua aposentadoria da rede municipal e também da rede de ensino estadual. Desta forma, a pesquisa precisou ser readequada a essa nova realidade, passando a considerar mais a história de vida da Fada Sorriso e as implicações e influências da ludicidade e leitura literária na sua forma de ensinar. Porém, pude acompanhá-la em auacompanhá-las de Biologia na escoacompanhá-la estadual e recolher dados importantes sobre a mediação didática utilizando o saber literário e a criatividade.

O Seminário Alfabetizando a Emoção – Um guia de leitura para a família rendeu algumas reportagens nos veículos de comunicação da cidade de Feira de Santana com citação no Diário Oficial do Município conforme postagem abaixo:

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4 TABELA 2 – Notícia sobre seminário Alfabetizando a Emoção

A sala de leitura da escola municipal, apesar de não ter sido tomada como lócus oficial de leitura, forneceu muitos elementos para a compreensão da mediação de leitura e a construção de um perfil lúdico de Fada Sorriso. As observações foram realizadas antes da qualificação da pesquisa pela comissão avaliadora, assim, apresento como lócus de pesquisa da mediação didática, a escola estadual, mesmo assim, reitero a riqueza dos dados como ápice do sonho de uma educadora.

As escutsa de relatos da Fada Sorriso ocorreram em datas e locais agendados e também em momentos informais. Os encontros agendados: uma hora de entrevista narrativa na academia de natação frequentada por Fada Sorriso; duas horas de conversas na sua residência; uma hora de conversa em minha residência. Todos os locais dos encontros foram escolhidos pela Fada Sorriso. A observação participante ocorreu na escola pública municipal na qual passou a trabalhar com turmas de 6º e 7º do ensino fundamental totalizando dez horas/aulas. Os encontros precisaram ser remarcados diversas vezes por motivos externos como: paralisação, falta de água ou outras atividades escolares. Contudo, pude ouvir e ter acesso a farto material sobre experiências de leitura da Fada Sorriso em encontros informais na Feira de Livro de Feira de Santana em 2014 e 2015, Flica – Festa Literária de Cachoeira 2014, Encontro de Escritores da Bahia 2015, Festa Literária da Escola Municipal Davi Mendes 2013, 2014, 2015, Feira de

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Autores Tabuleiro das Letrinhas no Shopping Itaigara 2015. Estes momentos, embora informais, serviram para identificar habilidades pessoais, que são igualmente empregadas nos contatos sociais com autores e na sala de aula com estudantes como: fluência, flexibilidade, senso de humor e originalidade. A escrita autobiográfica redigida por Fada Sorriso foi dividida em blocos de forma a detalhar suas relações com leitura na infância, adolescência e vida adulta e aspectos profissionais. O texto foi enviado por Fada Sorriso por e-mail um mês após ser solicitado.

O lócus de pesquisa referente a Fada Sorriso foi uma escola estadual de Feira de Santana localizada dentro da área do DERBA - Departamento de Infraestrutura de Transportes da Bahia que foi extinto em 2015 passando a chamar-se Superintendência de Infraestrutura de Transportes da Bahia (SIT). A escola possui 12 salas de aula, biblioteca com acervo predominantemente de livros didáticos. A área externa é bastante grande, aparentemente subaproveitada e com amontoados de sucatas de automóveis e diversos descartes. As fotos abaixo mostram um pouco da área externa da antiga autarquia em que predomina o trânsito dos alunos.

Referências

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