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2 METODOLOGIA

2.2 A FADA E O PRÍNCIPE: SUJEITOS, PERSONAGENS E CENÁRIOS

Decidi selecionar professoras do ensino fundamental da rede pública de ensino, que tivessem, ao longo da carreira docente, desenvolvido de forma espontânea e voluntária o trabalho de estímulo à leitura literária e o tivessem incorporado em suas práticas didáticas em

disciplinas da grade curricular, não contemplando no estudo, profissionais da área de linguagem (Língua Portuguesa). Apesar de saber que, habitualmente, professores de português labutam pela causa da leitura, muitas vezes com êxito, preferi investigar professores de outras disciplinas em sua relação com a leitura e a mediação de saberes literários. Outro diferencial na escolha foi o êxito reconhecido, pelos pares e pelos estudantes, no trabalho de mediação de leitura utilizando métodos diferenciados.

Como lócus de pesquisa escolhi, inicialmente, uma escola pública, localizada em Feira de Santana, escola a que Fada Sorriso serve como professora de Biologia, pois ao final da presente pesquisa, se dará a aposentadoria por tempo de serviço da mesma. A outra escola municipal, localizada em Salvador, é o local de trabalho de Pequeno Príncipe, professor de matemática para todas as séries do fundamental II.

Os instrumentos da coleta de dados foram: entrevista narrativa, escrita autobiográfica (texto livre), histórias de vida, observação participante. Segundo Macedo (2010, p.18) o pesquisador fenomenológico é descrito nos seguintes termos: “Interessado em descrever para compreender, o pesquisador fenomenológico sempre está interrogando o que é isto? No sentido de querer apreender o fenômeno situado e o que o caracteriza enquanto tal”. Segundo Laville e Dione (1999, p.159) coletar informações mediante a narrativa de histórias de vida pode ser uma das melhores formas de captar nuances subjetivas de recortes sociais:

Os documentos redigidos a partir das histórias de vida são, muitas vezes, extremamente vivos: neles descobrem-se pontos de vista originais sobre experiências pessoais, até mesmo íntimas em detalhes, nas quais se delineiam, de modo implícito às vezes, acontecimentos, se não históricos, pelo menos públicos, uma organização social e cultural que vive e evolui quando não é subitamente modificada. Obtêm-se assim belas ocasiões de compreender como as pessoas representam esses fenômenos e acontecimentos históricos, sociais ou culturais, como passaram por eles, vividos na indiferença ou em uma participação mais ativa. É uma maneira de recolocar o indivíduo no social e na história: inscrita entre a análise psicológica individual e a dos sistemas socioculturais, a história de vida permite captar de que modo indivíduos fazem a história e modelam sua sociedade, sendo também modelados por ela. Contudo, essa mesma potência que dá vida à narrativa do sujeito, recebe críticas pela possibilidade de trazer imprecisão ao relato pessoal. Alega-se que o sujeito pesquisado não tem um distanciamento do objeto de estudo, a sua própria história de vida. Diante do impasse, outro instrumento de coleta de dados, a observação participante, complementa o procedimento de coleta de dados e juntamente com a análise de textos produzidos pelos sujeitos permite uma triangulação dos dados da pesquisa para apresentação dos resultados obtidos.

A observação participante, neste estudo em particular, necessitou de autoanálise constante, pois eu não conhecia o grupo em profundidade, mas o grupo já me conhecia, devido

à repercussão nas escolas do meu trabalho como escritora e articuladora cultural. Tentar parecer igual ao grupo, portanto não caracterizaria uma ação autêntica diante dos grupos de estudantes. Assim, a exemplo de White (2005, p.304) mostrei-me aberta e autêntica nas interações: “Aprendi que as pessoas não esperavam que eu fosse igual a elas. Na realidade estavam interessadas em mim e satisfeitas comigo, porque viam que eu era diferente. Abandonei, portanto, meus esforços de imersão total”. Procurei participar das atividades de leitura e contação de história, contudo, sem usar a ocasião para enfatizar a condição de escritora, mas utilizando textos de outros autores.

As entrevistas narrativas e a escrita autobiográfica foram ferramentas não estruturadas, nas quais pude verificar, de modo profundo, o olhar dos sujeitos sobre si e a inserção dos mesmos no contexto social e histórico. Encorajei-os a contar com liberdade e autonomia o que fosse considerado importante na própria história de vida em conexão com as experiências de leitura que tiveram. Procurei apenas escutar, sem interromper para perguntar ou fazer qualquer tipo de observação. As entrevistas com o Pequeno Príncipe foram realizadas na escola municipal, em que trabalha. Os dois momentos foram realizados na sala dos professores no primeiro horário da manhã. O texto autobiográfico foi enviado por e-mail após algumas solicitações. A sua escrita autobiográfica foi sucinta e abordou os mesmos pontos narrados na entrevista.

O método narrativo mostrou-se rico e desafiador, pois precisei entregar-me ao processo, que não dá muitas indicações de como irá ser finalizado, mas, como processo, desdobra-se em singularidades trazidas à tona pelos sujeitos da pesquisa. Muylaert e al (2014, p.198) esclarece a importância da entrevista narrativa para que se rompa com o modo tradicional de pesquisa:

Ao romper com a tradicional forma de entrevistas baseadas em perguntas e respostas, o método das narrativas revela-se um importante instrumento para se realizar investigações qualitativas, dispondo para os pesquisadores dados capazes de produzir conhecimento científico compromissado com a apreensão fidedigna dos relatos e a originalidade dos dados apresentados, uma vez que permitem no aprofundamento das investigações, combinar histórias de vida a contextos sócio–históricos, tornando possível a compreensão dos sentidos que produzem mudanças nas crenças e valores que motivam (ou justificam) as ações dos informantes.

A escrita autobiográfica, expressa com liberdade, torna-se um documento inscrito no tempo e no espaço, porém, permanece como possibilidade aberta, sem ponto final como a vida dos sujeitos que continuamente é construída. Na escrita autobiográfica, mais do que dizem as palavras, há um derramar da identidade pelo sujeito que recorta a própria história na tentativa de definir-se e mostrar-se em um autorretrato ao público. Todos os dispositivos de coleta de

dados descritos - entrevista narrativa, escrita autobiográfica, histórias de vida e observação participante - foram efetivos na realização do que havia sido projetado convergindo, assim, para que o método de pesquisa de Histórias de Vida demonstrasse cabalmente a sua potencialidade em captar as nuances subjetivas, que se fazem necessárias na objetivação da intercessão contida no tema da pesquisa, entre a ludicidade e a experiência de leitura.

Por fim, é possível perceber que a metodologia de Histórias de vida deve ser vista como possibilidade do professor ressignificar, o que, em sua memória, tornou-se importante e destacado, por consciente ou inconscientemente ter sido escolhido para se pôr sob os holofotes e ser, assim, narrado como parte da formação de si ou mesmo por ter sido calado, não mencionado. Desta forma, as narrações revelam singularidades e também os múltiplos sentidos do pensar ao longo da vida. Para Josso (2006), este trabalho é indispensável ao se pensar numa formação continuada propiciadora de formação e informação, e ainda, construção de uma identidade evolutiva, ou seja, uma invenção de si.