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Olhares sobre as mulheres no jornalismo desportivo: o caso do jornal "Record"

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Academic year: 2021

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INSTITUTO POLITÉCNICO DE LISBOA

Olhares sobre as mulheres no jornalismo desportivo:

O caso do jornal Record

José Pedro Almeida Araújo

Relatório de Estágio submetido como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Jornalismo

Trabalho realizado sob a orientação de: Professora Doutora Filipa Subtil,

Professora Adjunta na Escola Superior de Comunicação Social

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II

Declaro ser o autor deste trabalho, parte integrante das condições exigidas para a obtenção de grau de Mestre em Jornalismo, que constitui um trabalho original que nunca foi submetido (no seu todo ou em qualquer das partes) a outra instituição de ensino superior para obtenção de grau académico ou qualquer outra habilitação.

Atesto ainda que todas as citações estão devidamente identificadas. Mais acrescento que tenho consciência de que o plágio poderá levar à anulação do trabalho agora apresentado.

Lisboa, outubro de 2017, O candidato

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III

O presente Relatório de Estágio resultou do estágio curricular que tive oportunidade de realizar, entre 9 de janeiro e 8 de abril de 2017, no jornal desportivo Record. Esta experiência profissional permitiu-me refletir sobre a prática jornalística atual, bem como desenvolver um pequeno exercício investigativo centrado na problemática das representações das mulheres nos media, em particular nos media desportivos, por ser uma área de investigação ainda com pouca expressão nos estudos feministas na sua relação com os media em Portugal. As questões que orientaram a pesquisa foram as seguintes: Como é que as mulheres são retratadas nesta publicação? Quais os papéis sociais que lhes eram atribuídos? E quais os tópicos expressos nas peças jornalísticas?

Para alcançar estes objetivos recorremos a uma estratégia metodológica centrada em técnicas de recolha de informação documental: pesquisa bibliográfica aprofundada sobre as questões de género e a sua relação com os media, em particular os media desportivos, bem como documentação institucional do Record para contextualizar o local e o ambiente de estágio. Por último, optamos por uma análise de conteúdo temática a todas as peças escritas e visuais – 1172 conteúdos – onde surgiam figuras femininas.

As nossas conclusões acompanham os resultados de investigações que têm sido desenvolvidas internacionalmente sobre este tópico: as mulheres não veem o seu papel como atleta ser devidamente reconhecido. No caso do Record, isso é ainda mais evidente quando percebemos que, nos conteúdos icónicos, existe uma maior representação da mulher associada a uma figura masculina, do que enquanto atleta, e que os atributos físicos do corpo feminino são realçados em quase metade das imagens em análise.

Palavras-chave: Jornal Record; jornalismo desportivo; género; estudos feministas dos

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IV

This Report was the result of the curricular internship that I had opportunity to do, between January 9th and April 8th 2017, in the sports newspaper Record. This professional experience allowed me to reflect on the practices of journalistic nowadays, and also to make a small investigative exercise focused on the problematic of the representations of women in the media, in particular in the sports media, because it is an area of research with still little expression in the feminist studies in its relationship with the media in Portugal. The questions that guided the research were the following: How was the women portrayed in this publication? What social roles were assigned to her? And what themes are expressed in the journalistic pieces?

In order to achieve these objectives, we have used a methodological strategy focused on techniques for collecting documentary information: in-depth bibliographic research on gender issues and their relationship with the media, in particular the sports media, as well as institutional documentation of the Record newspaper to contextualize the location and the internship environment. Finally, we opted for a thematic content analysis of all the written and visual pieces – 1172 contents – where the feminine figures appeared.

Our conclusions follow the results of research that has been carried out internationally on this topic: women do not see their roles as an athlete properly recognized. In the case of the Record newspaper, this is more evident when we perceive that, in the iconic contents, there is a bigger representation of the woman associated with a male figure, than as an athlete, and the physical attributes of her body are highlighted in almost half of the images.

Key-words: Record newspaper; sports journalism; gender, feminist media studies;

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V

Já dizia John F. Kennedy que “deveríamos arranjar tempo para parar e agradecer às pessoas que fizeram diferença nas nossas vidas”. A concretização deste relatório foi mais um marco nesta minha ainda curta existência e gostaria de assinalar o mais profundo agradecimento a todos e todas que efetuaram este caminho ao meu lado e me ajudaram a construir esta investigação.

À professora Filipa Subtil, como não poderia deixar de ser, por ter embarcado comigo neste desafio e ter-me dotado com imensas ferramentas de todo o tipo. O profissionalismo, a disponibilidade, o tempo dedicado, a paciência, a confiança e a vontade em ajudar – dentro e fora do âmbito académico – assumiram-se como o melhor guia para a concretização deste projeto.

Aos meus pais, por sentirem as minhas conquistas, acreditarem nas minhas escolhas, pelas palavras de incentivo e por todos os estímulos que me foram fornecendo durante este meu já longo percurso académico. Estou extremamente grato por lutarem sempre por mim. Ao meu irmão, que apesar das “turras” constantes, me mostra que a ligação que temos ultrapassa o título familiar. Ainda aos meus padrinhos, pela preocupação e por assumirem, efetivamente, o papel de segundos pais ao fazerem tanto por mim e pela minha continuidade no ensino superior.

A toda a família que escolhi: os amigos de todas as horas e de todos os momentos. Tenho os amigos mais disfuncionais nas alturas de descontração e os que têm as conversas com mais conteúdo quando o ambiente assim o exige.

Aos que estão comigo em Lisboa e lidam de forma constante com o meu temperamento irregular: ao Raphaël Baptista, à Inês Martins, à Raquel Martins, ao Ricardo Granada, à Catarina Meira, à Claudia Carvalho Silva, à Cristiana Alves, à Helena Besugo, ao André Costa-Ferreira e à Carolina Neves. Obrigado pelo apoio e pelos risos fáceis.

Àqueles que conquistei na nossa Coimbra, e que, apesar de seguirem outros rumos, continuam próximos emocionalmente. Ao Hugo Mota, à Joana Guimarães, à Liana Rego, à Renata Marques, às Ritas Rocha e Chaves, à Catarina Marques, à Mónica Coelho, à Soraia Neves e ao Tiago Rodrigues: os quilómetros não apagam afetos.

Assumo-me grato a todos e todas por estarem presentes nas alegrias, por me ajudarem a ultrapassar os tempos mais conturbados e por terem contribuído para a concretização de uma vida tão positiva. Arranjarei sempre tempo para cada um de vocês.

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VI DECLARAÇÃO ... II RESUMO ... III ABSTRACT ... IV AGRADECIMENTOS ... V INTRODUÇÃO ... 1

Capítulo I. Caracterização da empresa ... 4

1.1 Da criação ao amadurecimento: elementos para uma história do jornal Record... 4

1.2 O crescimento da Cofina ... 8

1.3 Redação do Record: disposição e caracterização de cada secção ... 9

1.4 Composição da redação ... 13

1.5 Posição do Record no mercado e a audiência dos „desportivos‟ ... 17

1.6 Panorama do Record no pós período de estágio ... 20

Capítulo II. A perspetiva feminista e os estudos dos media ... 22

2.1 Antecedentes e origem dos estudos feministas sobre os media ... 22

2.1.1 O papel da Organização das Nações Unidas na promoção de políticas públicas favoráveis à igualdade de género ... 25

2.2 Os estudos dos media e a representação feminina ... 28

2.2.1 Uma luta em torno do fogão ... 29

2.2.2 Novo século, as mesmas desigualdades ... 33

2.3 As mulheres vistas pelos media desportivos ... 36

2.3.1 O desporto não é para mulheres? ... 37

2.3.2 Atletas masculinos controlam a cobertura dos media ... 38

2.3.3 Objetificação feminina ... 41

2.3.4 Fragilidade rima com violência? ... 43

2.3.5 Esposas e familiares no lugar das atletas ... 44

Capítulo III. Estágio no Record ... 46

3.1 Atividades no estágio ... 46

3.2 Primeiras percepções da presença das mulheres no Record ... 49

3.3 A metodologia ... 51

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VII

3.4.3 Análise iconográfica das peças jornalísticas ... 64

3.4.4 Breves notas a reter ... 69

CONCLUSÃO ... 70

BIBLIOGRAFIA ... 73

ANEXOS ... 83

1. Algumas das notícias redigidas ... 84

2. Conteúdos destacados no Relatório de Estágio ... 85

APÊNDICES ... 89

Índice de Figuras

Figura 1. Disposição da redação do Record. ... 10

Figura 2. Dados do APCT referentes a 2016 (Record, 2 de março de 2017). ... 17

Índice de Gráficos

Gráfico 1. Conteúdos em que a mulher é representada por secção. ... 53

Gráfico 2. Dimensão dos conteúdos por secção. ... 55

Gráfico 3. Tipologia das peças por secção ... 56

Gráfico 4. Género que assina as peças jornalísticas. ... 57

Gráfico 5. Foco das peças jornalísticas. ... 59

Gráfico 6. Presença iconográfica nas peças jornalísticas. ... 64

Gráfico 7. Tipo de presença nas fotografias por secção. ... 65

Gráfico 8. Presença iconográfica nas peças jornalísticas analisadas. ... 65

Gráfico 9. Contexto das fotografias analisadas. ... 67

Gráfico 10. Contexto das fotografias analisadas por secção. ... 68

Gráfico 11. Aparência das figuras femininas nas fotografias analisadas. ... 68

Índice de Tabelas

Tabela 1. Distribuição dos jornalistas do Record por secção e sexo. ... 15

Tabela 2. Grelha de análise ... 52

Tabela 3. Relevo das figuras femininas. ... 58

Tabela 4. Tópicos expressos nas peças jornalísticas. ... 60

Tabela 5. As dez modalidades mais destacadas nas peças jornalísticas. ... 62 Tabela 6. As cinco representações sociais femininas mais frequentes nas peças jornalísticas. . 63

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1

INTRODUÇÃO

O presente Relatório de Estágio comporta dois momentos: uma descrição e análise crítica do período de estágio que realizei no Record, que é complementada por um exercício investigativo que analisa a forma como as mulheres são retratadas nas páginas da publicação. De 9 de janeiro a 8 de abril, efetuei o meu estágio curricular neste jornal diário desportivo, sob a coordenação de Nuno Miguel Ferreira e José Manuel Paulino, os editores da secção “Futebol Nacional”, onde colaborei. Durante esse período, acompanhei os processos, as rotinas e os métodos de trabalho da redação em prol da materialização do jornal para o dia seguinte. A leitura constante dos conteúdos ajudou-me a reforçar uma já antiga questão sobre a qual refletia: a desigualdade em termos de visibilidade mediática entre homens e mulheres neste tipo de publicações. O sexo masculino domina de forma esmagadora as notícias do jornal. As mulheres, que não parecem ser muito noticiadas, quando o são, nem sempre têm um tratamento noticioso que as remetam para feitos desportivos. Assim, importa compreender de que forma é que isso acontece, ao situar quais as secções em que as figuras femininas são enquadradas e quais os papéis sociais associados. Para guiar a investigação seleciono algumas perguntas de partida que ajudaram a desenhar os traços gerais do trabalho: De que forma é que as mulheres surgem representadas nos conteúdos do Record? Quais as diferenças de tratamento das mulheres nos conteúdos escritos e nos visuais? Que tipos de estereótipos de género são reproduzidos pelo jornal?

O campo de observação que foi objeto de análise foram os textos escritos, mas também imagéticos de todas as edições do jornal ao longo do período de estágio em que a mulheres eram intervenientes. No total, foram analisadas 1172 peças. Antes de o ter feito, precisei, no entanto, de ler alguma da literatura mais relevante sobre as lutas feministas e a progressão da representação das mulheres nos media. Ao fazê-lo, consegui compreender a relevância que os meios de comunicação assumem ao poderem contribuir para a diminuição ou o aumento da estereotipia e das ideias pré-concebidas, dado que são “um dos lugares sociais e políticos de construção de identidades” (Silveirinha, 2004: 9). A atenção a estes meios é, dessa forma, relevante e é por essa razão que muitas têm sido as investigações nacionais e internacionais que refletem sobre

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2

essa problemática (e.g. Carter & Steiner, 2004; Friedan, 1963; Gallagher 1995; Silveirinha, 2012; Tuchman, 1978, 2009). No entanto, os estudos existentes a nível nacional que cruzam a problemática dos estudos feministas com os media têm-se concentrado menos na imprensa desportiva, sendo ainda muito escassos os trabalhos académicos sobre estes meios em específico. Este trabalho pretende, desta forma, ajudar a colmatar um vazio académico na análise de uma área composta maioritariamente por homens e cujo público predominante é também o sexo masculino. Tendo essa ideia em mente, tratei de compreender se as mulheres são vistas como atletas pela publicação ou se são representadas de outra forma, o que agudiza o estereótipo de que o desporto é uma área masculina.

A estratégia metodológica recorreu fundamentalmente a técnicas de recolha documental: 1) pesquisa bibliográfica e análise crítica das principais referências sobre as questões de género e a sua relação com os media, em particular os media desportivos; 2) pesquisa de documentação institucional relativa ao jornal Record, bem como a recolha de todas as edições do jornal durante o período de estágio; e, por último, 3) uma análise de conteúdo temática quer aos textos escritos, quer às imagens publicadas durante o período em análise.

Este trajeto de investigação resulta num trabalho organizado em três capítulos. No primeiro, começo por dar conta da história do jornal Record. Num segundo momento, efetuo uma análise sociográfica aos jornalistas da publicação no período da realização do estágio, destacando em termos numéricos a presença/ausência de mulheres jornalistas, bem como a sua distribuição no organograma da publicação. Apresento alguns dados relativos ao mercado e ao público-alvo não só do jornal, como dos principais concorrentes, de forma a compreender se existem diferenças significativas entre eles. Por último, termino com o panorama da publicação após o período de estágio, onde dei conta das diferenças no número de recursos humanos e das alterações na estrutura do jornal.

No segundo capítulo, discorro sobre a “perspetiva feminista e os estudos dos media”, em particular no que diz respeito à imagem das mulheres nos media. Começo por alguns dos marcos históricos da história do movimento feminista ao longo do século XX para depois me centrar na análise da literatura que, a partir dos anos 70, começa a cruzar os estudos feministas com os estudos de comunicação e media. Encerro o capítulo

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3

focando-me exclusivamente nas principais discussões que têm sido colocadas relativamente à forma como as mulheres são representadas pelos meios de comunicação social desportivos.

O terceiro e último capítulo começa por dar conta da experiência de estágio, descrevendo as atividades realizadas e o tipo de jornalismo praticado, ao mesmo tempo que procura refletir de forma crítica sobre o mesmo. Na segunda parte, apresento e discuto, à luz dos ensinamentos adquiridos no enquadramento teórico da investigação, os resultados da análise de conteúdo aos textos escritos e às imagens.

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4

Capítulo I. Caracterização da empresa

1.1 Da criação ao amadurecimento: elementos para uma história do

jornal Record

O – agora – jornal diário desportivo Record1, apesar de já ter vivenciado situações profissionais pouco animadoras ao longo da sua história, vai a caminho de 68 anos de existência.

A ideia da criação desta publicação partiu de Manuel Dias, um maratonista português de alta competição, que participou a nível internacional nos Jogos Olímpicos de 1936 e conquistou o 2º lugar na “Maratona Sporting Life de Londres”. Por cá também não lhe faltaram prémios, a maioria deles enquanto representava o Sporting.

Depois de abandonar o atletismo, dedicou-se exclusivamente a um novo ofício: vender jornais na capital portuguesa. Aí, lidava diariamente com os mais diferentes periódicos em banca e foi a partir dessa altura que a ideia da criação de um jornal desportivo surgiu. Do passo à realização ainda existia, no entanto, um longo caminho a ser percorrido, mas Manuel Dias contou com um incentivo: um prémio de 40 contos (200 euros) na Lotaria Nacional, um valor considerável na época.

Estava conquistado o primeiro passo para a fundação do Record, faltava agora encontrar quem o acompanhasse nesta aventura. José Monteiro Poças e Afonso Lacerda, redatores que estavam na altura no jornal A Bola, deixaram-se seduzir pelo projeto de Manuel Dias e tornaram-se, respetivamente, o primeiro editor e chefe de redação da publicação. A eles juntou-se Fernando Ferreira, um professor de educação física que possuía uma certa notoriedade no desporto nacional. Foi o primeiro diretor do jornal (Morais, 2014: 23-24).

Com a equipa reunida, interessava agora começar a preparar o primeiro número e colocá-lo nas bancas ao dispor dos futuros leitores. Pois, tal como afirma R.E. Park: “Um jornal não é simplesmente impresso. É publicado e lido. Se não for assim, não será um jornal. A luta pela existência no caso do jornal tem sido a luta pela circulação”

1 “Record A História”, disponível em:

http://www.record.pt/historia-record/detalhe/20151221_1438_record--a-historia.html [Consult. 15.03.2017]

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5

(1973: 274)2. Assim, no final de novembro de 1949, mais precisamente no dia 26, chega às bancas a primeira edição, com oito páginas, o formato 29x42 e uma agenda bem definida: o futebol como tópico dominante, mas também com destaque a outras modalidades (Pinheiro, 2011: 278).

Logo na primeira página era apresentada a linha editorial que o jornal pretendia adotar, baseada em valores que promoviam a transparência dos conteúdos publicados, sem ceder a pressões ou simpatias e mantendo “uma posição de completa independência, pois não está ligado a outras empresas similares” (Pinheiro, 2011: 368).

O periódico começou como semanário, mas após o entretanto extinto Diário Popular ter comprado uma quota de 51% do Record, em 1952, o panorama financeiro da publicação melhorou significativamente. As mudanças começaram logo na dimensão e na periodicidade: o jornal passou a ser composto por 16 páginas, ao invés das habituais oito, e deixou de ser semanário para se tornar num bissemanário (saía às terças e sábados) (Morais, 2014: 25). Nos anos seguintes, a publicação foi conquistando posição no mercado editorial e começou a conquistar a audiência, ainda que estivesse muito longe do número de vendas que A Bola, o principal concorrente, já alcançava na altura.

Em 1972, já com Artur Agostinho como diretor, ocorreram novas reestruturações no jornal, que passou a trissemanário, indo para as bancas também às quintas-feiras. Mas no ano seguinte o Record teve de enfrentar uma série de condicionantes que estagnaram o seu crescimento: o aumento do preço do papel (em cerca de 50%) obrigou a reduzir para 12 o número de páginas por edição. Para além disso, o jornal foi censurado na edição de 28 de setembro de 1974 e a Sociedade Industrial de Imprensa forçou uma troca de diretores, com a substituição de Artur Agostinho por Rodrigo Pinto (Morais, 2014: 26).

Após a revolução democrática do 25 de abril o Record esteve, inclusive, em risco de deixar de existir devido ao processo de nacionalização de que foi alvo, e que foi transversal a uma parte substancial da comunicação social portuguesa3.

2

Tradução livre do original em inglês: “A newspaper is not merely printed. It is circulated and read. Otherwise it is not a newspaper. The struggle for existence in the case of the newspaper, has been a struggle for circulation.”

3 A nacionalização da banca levou a que esse processo se estendesse à imprensa diária portuguesa, detida

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Os tempos conturbados mantiveram-se até dezembro de 1975, já com Monteiro Poças como diretor. O elevado passivo do jornal obrigou a uma interrupção da publicação, que não saiu para as bancas entre 25 de novembro e 12 de dezembro de 1975. Os leitores estavam mais preocupados com a situação política do que propriamente com as notícias desportivas, o que conduziu a uma diminuição significativa das vendas (Pinheiro, 2009: 447).

Já na década de 80, o jornal conseguiu recuperar alguma estabilidade financeira e aumentou de forma progressiva as vendas.

O crescimento (…) na década de oitenta ter-se-á ficado a dever, sobretudo, a um conjunto de alterações exteriores ao seu comportamento, ligadas à conjuntura económica, à imprensa generalista e à desportiva, bem como ao próprio desporto (Murta, 1997: 20)

No mesmo período, A Bola, que era o líder dos desportivos, também subiu exponencialmente o número de leitores, o que levou a que o Record tomasse uma medida “de forma a evitar a concorrência direta” do seu rival (Pinheiro, 2011: 374): o jornal passou a ir para as bancas às sextas-feiras e domingos – ao invés de quintas-feiras e sábados –, mantendo-se às terças-feiras. Ainda nesta década, em 1984, o Record abriu duas novas delegações, no Porto e em Coimbra, face ao aumento sucessivo do número de leitores (Pinheiro, 2009: 484).

Em 1989, à data do quadragésimo aniversário, a publicação sofreu uma nova e decisiva reestruturação: a sua privatização. Com essa medida chegaram as cores ao jornal – na capa –, que passou ainda a oferecer aos leitores 40 páginas nas edições de domingo, o maior número desde a sua criação (Pinheiro, 2011: 410) e os resultados fizeram-se sentir rapidamente.

Rui Cartaxana – que substituiu Rodrigo Pinto na direção do jornal em 1986 – indicou num suplemento do jornal que, no último ano da década de 80, foram batidos “todos os recordes, com cerca 140 mil exemplares de tiragens durante o mês de agosto e uma tiragem média que se cifra em 114.318 exemplares por edição” (Pinheiro, 2009: 526).

de comunicação social intensificaram-se, (…) [e ocorreu um] alargamento drástico de intervenção estatal na maior parte da imprensa diária” (Mesquita, 1993: 368)

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Já no formato tablóide, também a periodicidade do Record foi alvo de mudanças nos anos seguintes. No verão de 1991, passou a quadrissemanário – saía aos domingos, segundas, terças e sextas-feiras –, e no início de fevereiro de 1995, passou a sair para as bancas cinco vezes por semana, até que, no primeiro dia de março do mesmo ano, passou a ser diário. Esta mudança em muito se deveu à Edisport, uma sociedade de publicações que adquiriu o jornal nesse mesmo ano.

O ano de 1999 é mais uma data que merece destaque na história da publicação. O grupo Cofina, com a aquisição de uma holding de media, passou a deter a Edisport e, por conseguinte, o Record, que foi um dos primeiros títulos da empresa – uma integração que ainda hoje se mantém. Este ano ficou também marcado pela entrada do jornal no universo do online, com a criação do seu website.

Nesta altura, João Marcelino já tinha entretanto substituído Rui Cartaxana e manteve-se em funções até 2001. Depois seguiram-se como diretores José M. Delgado (2001-2003), Alexandre Pais (2003-2013), João Querido Manhã (2013-2014) e António Magalhães, que à data da redação do presente relatório continua a assumir o cargo. A principal redação do Record está, desde 2012, sediada no edifício da Cofina, na Rua Luciana Stegagno Picchio (Lisboa), após ter abandonado a sua anterior redação, no Bairro Alto4, enquanto a do norte do país está sediada na Rua Manuel Pinto de Azevedo (Porto). A impressão do jornal está ao encargo da Grafedisport, em Lisboa, e da Unipress, no Porto.

Ao longo da sua história, o jornal conquistou alguns prémios individuais e colectivos pelo trabalho publicado. Em 1999, Jorge Sampaio, Presidente da República, decidiu atribuir o título de Membro Honorário da Ordem do Infante D. Henrique5 ao Record, por se tratar de um “importante veículo de promoção do desporto nacional e de ligação entre as comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo”, tal como se pode ler no site oficial da publicação.

4

O Bairro Alto, em Lisboa, reuniu ao longo do século XX os principais jornais diários. Atualmente, entre publicações que fecharam ou que mudaram de instalações para a periferia da cidade, apenas A Bola ainda continua sediada nessa zona.

5 A Ordem do Infante D. Henrique é um título atribuído pelo Presidente da República a quem tiver

“prestado serviços no País e no estrangeiro, assim como serviços na expansão da cultura portuguesa ou para conhecimento de Portugal, da sua História e dos seus valores”, definição presente no site “Ordens Honoríficas Portuguesas. Disponível em: http://www.ordens.presidencia.pt/?idc=186

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Em 2006, arrecadou o prémio de melhor publicação pela Associação de Jornalistas de Desporto (CNID), enquanto alguns dos seus jornalistas foram sendo galardoados, em anos anteriores e subsequentes pela mesma associação, com prémios nas áreas da “Fotografia”, “Revelação Imprensa Escrita” e “Imprensa Escrita”. O Record também conquistou o galardão Special Olympics em 2008, enquanto em 2016, voltou a receber o prémio de “melhor título desportivo em Portugal”, naquela que foi a sua 14.ª conquista, em outras tantas edições dos prémios “Meios & Publicidade”.

1.2 O crescimento da Cofina

A Cofina, grupo de media do qual faz parte o jornal Record, foi fundada em 1995, mas as suas áreas de negócio iniciais – desde vidro e aços até à pasta de papel – não faziam prever o impacto que esta empresa teria no panorama na comunicação social em Portugal. Hoje “é uma das principais empresas de media portuguesas”6, segundo informações disponibilizadas na sua página oficial, e conta com alguns títulos que são líderes de audiência nos seus segmentos.

Em 1999, faz uma incursão com o Banco Português de Investimento (BPI)7 e criam a Investimentos, Media e Conteúdos, uma parceria que conseguiu adquirir a Investec, uma holding de media que detinha o Record. Esse foi o primeiro passo do grupo na área dos media, que negociou no ano seguinte a Presslivre, que detinha, na altura, o Correio da Manhã. Para rentabilizar o capital da empresa, reduzindo os custos e atenuando as quebras na publicidade, foram criadas uma série de sinergias “sobretudo a nível administrativo e de gestão” (Silva, 2004: 115). A concentração de meios confirmou a forte posição da Cofina no mercado da imprensa, que foi aumentado o seu número de títulos. Em 2005, abdicou das áreas de negócios iniciais e deu sinais de que pretenderia aumentar a sua participação no mercado dos media, por ser mais rentável do ponto de vista financeiro. O que também mudou foi a identidade corporativa na área dos media e conteúdos, com a substituição do logótipo e do nome da marca de Investec para Cofina Media.

6 “Acerca da Cofina”, disponível em: http://www.cofina.pt [Consult. 15.03.2017]. 7

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Nesta sequência, a empresa deixou de fornecer ao público somente conteúdos ligados à área da imprensa e lançou o canal televisivo CMTV, em 2013, que conquistou rapidamente um considerável nível de audiências, tornando-se líder no cabo, com cerca de um milhão e meio de espectadores por dia8.

Apesar de nem todas as publicações terem conseguido captar leitores – tendo sido descontinuadas –, este grupo continua a contar com um variado leque de meios de comunicação social: para além da CMTV, no campo televisivo, a Cofina possui, à data da elaboração deste relatório, o Correio da Manhã, o Jornal de Negócios, o Destak e o Record, na área dos jornais, as revistas Sábado, TV Guia, e a Máxima, e ainda a Flash, como meio exclusivamente digital desde janeiro do corrente ano.

1.3 Redação do Record: disposição e caracterização de cada secção

Incorporada no lado direito do segundo andar do grupo Cofina, a principal redação do Record contava – durante o período do estágio curricular9 – com cerca de 100 pessoas a trabalhar em prol deste órgão de comunicação social, ainda que com funções muito distintas. Os profissionais desta empresa estão distribuídos em duas diferentes divisões: uma mais ampla, em que estão reunidos os diretores, os jornalistas, os revisores de texto e os técnicos do grafismo, e outra de menor dimensão, que acolhe os fotógrafos e a secretaria do jornal.

Neste último espaço, os fotógrafos fazem a filtragem das fotografias que tiraram nos serviços para os quais foram designados e procedem à sua edição. Já a secretaria trata do agendamento das deslocações que os jornalistas fazem para cobrir determinado evento e reúnem as condições para que tal aconteça. As acreditações são tratadas pelos funcionários deste departamento, assim como a disponibilização de transportes que

8 “CMTV é líder absoluto no cabo”, disponível em:

http://www.cmjornal.pt/tv-media/detalhe/cmtv-e-lider-absoluto-no-cabo-com-um-milhao-e-meio-de-espetadores-por-dia [Consult. 18.03.2017].

9 Foram anunciados uma série de despedimentos coletivos em todo o grupo Cofina no início do ano. O

Record foi um dos órgãos que sofreu com essa medida, perdendo alguns dos seus trabalhadores. Não

foram avançados números oficiais de despedimentos por cada meio de comunicação social, mas previa-se que fossem mais de 50 pessoas, com vista a reduzir a “estrutura de custos [do grupo] em cerca de 10%”. Disponível em: http://expresso.sapo.pt/economia/2017-04-11-Despedimento-coletivo-de-mais-de-50-pessoas-na-Cofina] [Consult. 30.04.2017]

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permitam a deslocação para determinado local e todas as questões logísticas e burocráticas necessárias.

Mas é na outra divisão, a principal, que estão reunidos a maioria dos trabalhadores deste diário desportivo. Divididos por diferentes secções, a redação está organizada da seguinte forma:

Figura 1. Disposição da redação do Record.

No canto esquerdo estão presentes cinco jornalistas de “Modalidades” que noticiam conteúdos de outros desportos para além do futebol, que costuma dominar o panorama deste (e de outros) media. O atletismo, o hóquei em patins, o basquetebol, o andebol e o ténis são dos alguns dos assuntos mais mediatizados nesta secção. Incorporada no último terço do jornal, a editoria de “Modalidades” costuma oferecer diariamente ao jornal cerca de três a cinco páginas.

Logo de seguida, surge o “Futebol Nacional (sul)”, que redige as páginas centrais do jornal. É uma das maiores secções da redação, com dez jornalistas, e o número de páginas varia entre nove a 13, o que corresponde a cerca de um quarto da publicação. A colaboração profissional com a redação do Porto, ao dividirem trabalho por regiões, também é um ponto que merece destaque, uma vez que é a única editoria da redação de principal que o faz. Os jornalistas de Lisboa tratam dos clubes de futebol da zona sul, que foi delimitada desde Coimbra até à região do Algarve e, ainda, as ilhas dos Açores e da Madeira. Já os jornalistas do Porto tratam das informações relativamente às equipas de futebol do norte. Isto é válido com os clubes da 1ª e da 2ª Liga. No caso do

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Campeonato de Portugal e das competições distritais é a secção do “Futebol Nacional (sul)” que assume a responsabilidade na íntegra. O futsal, o futebol de formação e o futebol feminino também são tratados aqui. Para a redação destes conteúdos, o Record conta, ainda, com uma forte rede de jornalistas correspondentes10, que acabam por fazer entrevistas, análises e crónicas de jogos destas modalidades. Cabe, depois, aos jornalistas desta editoria aproveitar esses conteúdos, adaptando-os ao espaço disponível ou transcrevendo-os numa linguagem que se coadune à prática do jornal.

O “Futebol Nacional (sul)” tem como vizinho o “Futebol Internacional”. Esta editoria tem um total de cinco jornalistas e foca-se nos principais campeonatos internacionais – Espanha, Alemanha, Inglaterra, Itália, França – e nos treinadores e jogadores portugueses que estão a ter sucesso desportivo fora do país. Ao ocupar entre quatro a seis páginas, não costuma ser, na maioria dos dias, uma secção com particular destaque no jornal, mas isso facilmente muda quando acontecem grandes competições a nível europeu ou mundial. Situa-se, geralmente, depois do centro do jornal, após o “Futebol Nacional”, mas antes das “Modalidades”.

Seguindo o corredor, a secção seguinte é a do “Benfica/Sporting”. Apesar de serem dois segmentos com jornalistas específicos para cada um deles, estão todos reunidos na mesma secretária, a trabalhar lado a lado. Com um total de onze jornalistas, é uma editoria numerosa, o que se justifica, uma vez que são os seus conteúdos que, regra geral, fazem capa no jornal e ocupam as primeiras páginas. No dia seguinte ao jogo ou na antevisão do mesmo, geralmente ao fim-de-semana, são atribuídas acima de 15 páginas a esta secção para falar de ambas as equipas e dos seus adversários. Nos restantes dias, a média anda por volta das dez páginas.

Ao lado desta secção temos o “Online”, com onze jornalistas destacados que fazem a atualização constante do site oficial do órgão. É este meio que disponibiliza as notícias em primeira mão, que faz o acompanhamento de alguns jogos de futebol e que disponibiliza informações e reportagens que nem sempre são publicadas no jornal.

Logo de seguida a “Hora Record”, que trata dos conteúdos para o programa televisivo do jornal, e que é transmitido na CMTV. É um programa desportivo que dá conta das

10 Não foi possível obter informações relativas ao número concreto de jornalistas correspondentes.

Sabemos, no entanto, que “Modalidades” e “Futebol Nacional” são as únicas secções que contam com a colaboração de correspondentes e que, esta última, contava com 17 profissionais em abril.

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principais novidades, mas o foco é, tal como acontece no jornal, quase exclusivamente direcionado para o futebol.

Já perto do final da sala estão os revisores de texto e de fotografia. Os revisores têm a função de ler as peças, depois de estas já terem sido corrigidas por jornalistas e editores, identificar possíveis erros que não foram detetados e corrigi-los, caso se tratem apenas de gralhas. Se os erros estiverem relacionados com o conteúdo informativo e não com a sintaxe, falam com os autores da peça jornalística para alterarem o que está errado. Já o departamento da fotografia trata de escolher qual a imagem que vai acompanhar a notícia.

A fila termina com o departamento da infografia que, para além das tabelas e infográficos que realiza, também trata do layout do jornal – que vai desde a decisão sobre as cores aplicadas em determinada notícia, ao ajustamento do tamanho dos títulos.

Voltando ao outro lado da sala, temos as duas jornalistas da editoria “People”, que escrevem três páginas incorporadas já na parte final do jornal. A primeira delas é a programação de alguns canais generalistas/informação e desportivos; a segunda é intitulada “O Jogo da Vida” e fala de aspetos triviais da vida de atletas ou dos seus familiares; enquanto na terceira e última página são abordadas temáticas relacionadas com a economia, na coluna “Negócios”, ou questões da sociedade, em “Fora de Campo”.

No centro da redação estão sentados os jornalistas de secções que não possuem espaço concreto no jornal, mas que coordenam e têm um grande poder de decisão. A “Chefia” é o cargo imediatamente abaixo dos diretores adjuntos e existe um representante no Sul e outro no Norte. A “Redação Principal” está encarregue de escrever artigos de opinião, assim como crónicas de jogos mais relevantes. O “Fecho” coordena o espaço da antepenúltima, penúltima e última página, a secção “A fechar” – que não é dedicada a nenhuma editoria em particular – e opta, diariamente, pelo que é mais relevante ser aí apresentado. Para além disso, é a secção responsável por ler o jornal na íntegra e confirmar se está tudo correto antes de o enviar para a gráfica. Por fim, os “Serviços Especiais”: esta é uma secção recente e foi criada para fazer reportagens mais aprofundadas sobre assuntos que não estão na ordem do dia e noticiarem possíveis furos jornalísticos.

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Na entrada da redação temos a Secretária, o gabinete do Diretor e os dois Diretores Adjuntos. Os três elementos da direção não escrevem notícias comuns, mas redigem alguns artigos de opinião, enquanto a secretária trata de estabelecer a ligação com estes três elementos e de solucionar questões administrativas.

Fora destas instalações estão os onze jornalistas da secção “FC Porto/ Futebol Nacional (norte)”, localizados no Porto, e que se dedicam aos clubes desta região e arredores, tal como já tivemos oportunidade de frisar. Com uma mediatização à parte está o Futebol Clube do Porto que, com a versão norte, ganha uma importância e o relevo semelhante ao que o Benfica e o Sporting têm na versão sul.

1.4 Composição da redação

O Record é um dos jornais diários desportivos mais lidos em Portugal e conta também com uma forte presença no online. Com duas redações, distribuídas entre o Porto e Lisboa, é a da capital que reúne a larga maioria dos jornalistas, onde está inclusive instalada a direção do periódico. António Magalhães, como diretor, e Bernardo Ribeiro e Nuno Farinha, enquanto diretores adjuntos, completam o quadro diretivo do jornal. São os três elementos com maior estatuto hierárquico e aqueles que dirigem o periódico, cabendo-lhes tomar as principais decisões internas.

Nas setores intermédios estão a “Chefia”, a “Redação principal” e o “Fecho”, que assumem, também elas, posições de grande relevo no jornal. Estes jornalistas possuem um estatuto profissional superior à grande maioria dos colegas e as suas secretárias de trabalho estão estrategicamente afastadas da generalidade da redação11. Para além destas secções, existem ainda mais duas que surgem destacadas no planeamento estrutural do Record: o editor multiplataformas, que participa de forma ativa no planeamento dos conteúdos multimédia e coordena esses processos, e os serviços especiais, que colaboram, maioritariamente, em reportagens e grandes entrevistas. As restantes secções apresentam um espaço definido e regular no jornal, excepto as editorias responsáveis pela atualização online dos conteúdos e pelo segmento televisivo, transmitido na CMTV. Apesar de o Record não possuir um canal televisivo – como ocorre com A Bola que

11 Mais à frente poderemos observar de que forma é que a redação do jornal Record se encontra

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14

desde 2012 tem uma versão audiovisual, A Bola TV –, transmite um noticiário desportivo, de segunda a sexta-feira, na estação televisiva do grupo Cofina: a CMTV. O segmento televisivo, designado “Hora Record”, surge na grelha do canal durante a tarde ou depois do programa “Notícias CM” da meia-noite.

Interessa, no entanto, destacar um dado relevante tendo em conta os objetivos da presente investigação: tanto os três elementos da chefia diretiva, como os jornalistas das chefias intermédias, dos serviços especiais e o editor multiplataformas têm em comum serem todos do sexo masculino. As mulheres não estão presentes neste lote12. Filipa Subtil (1996), em “Anotações sobre o processo de feminização da profissão de jornalista na década de 90”, já tinha dado conta que apesar da crescente participação das mulheres nas redações portuguesas, eram muito poucas as que na década de 90 ocupavam cargos de chefia. Não obstante essa realidade se encontrar em mutação vinte anos depois, em particular nos jornais diários, no Record o cenário manteve-se idêntico.

Apesar de continuar a existir um claro predomínio masculino, o restante quadro geral da redação não é completamente homogéneo em termos de sexos13. Aí, já é possível encontrar jornalistas do sexo feminino, repartidas por diferentes editorias. A redação do Record é composta por homens e mulheres, mas o desequilíbrio entre ambos é, ainda assim, assinalável. Do total de 74 jornalistas14, 11 são do sexo feminino. Este número indica que apenas 15% dos jornalistas da redação são mulheres – contra 85% de homens – que se dividem por cinco diferentes secções: “Benfica/Sporting”, “Futebol Nacional (sul)”, “Modalidades”, “People” e “Hora Record”.

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Em 2000, num dia em particular, o Record lidou com um panorama diferente do habitual. Como forma de celebrar o Dia Internacional da Mulher, o jornal aceitou o desafio proposto pela UNESCO e colocou sete mulheres a estruturar e coordenar a edição de 8 de março desse mesmo ano (cf. anexo 9). Das sete jornalistas que o fizeram, três ainda trabalham para o órgão de comunicação social atualmente.

13 No final de março, o Record procedeu a despedimentos e diminuiu o número de jornalistas e de

funcionários do departamento gráfico e de revisão.

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15 Secções do Jornal Sexo Total de Jornalistas Direção M M M 3 Chefia M M 2 Editor Multiplataformas M 1 Redação Principal M M 2 Fecho M M 2 Benfica/ Sporting F M M M M M M M M M M 11 FC Porto/ Futebol Nacional (norte) M M M M M M M M M M 10 Futebol Nacional (sul) M M M M M F M M M M 10 Futebol Internacional M M M M M 5 Modalidades F F M M M 5 People F F 2 Serv. Especiais M M M M 4 Online F M F M M M M M M M F 11 Hora Record M M M M F F 6 Legenda da tabela:

M – Jornalistas do sexo masculino ; F – Jornalistas do sexo feminino. (A negrito estão identificados os editores e a itálico os sub-editores)

Tabela 1. Distribuição dos jornalistas do Record por secção e sexo.

É necessário apresentar a distribuição por sexo na redação e por quais editorias é que os e as jornalistas estão repartidos, mas também refletirmos sobre a sua posição hierárquica. Apesar de não existir qualquer representação feminina na direção, algumas mulheres fazem parte das chefias intermédias ao ocuparem o cargo de editoras ou sub-editoras nas secções em que trabalham (cf. tabela 1).

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Em “Liga/Futebol Nacional (sul)” existe apenas uma jornalista, o mesmo número que em "Sporting/Benfica”, mas com uma pequena diferença entre os dois grupos: a figura feminina desta última secção é a editora da mesma e assume, por essa razão, um papel mais relevante e decisivo do que qualquer jornalista.

Na maioria das restantes secções que contam com a presença feminina, o número de mulheres sobe para duas. A exceção acontece no “Online”, em que num universo de 11 jornalistas, três são do sexo feminino. A “Hora Record” conta com duas jornalistas, mas nenhuma das intervenientes em questão é editora ou sub-editora da mesma.

Com números semelhantes, surge “Modalidades”, mas com particularidades distintas. Os dois elementos que coordenam a editoria são, precisamente, as duas mulheres presentes neste grupo, que assumem os cargos de editora e sub-editora. Também na “People” encontramos o mesmo número de mulheres, mas aí verificamos que existe uma composição exclusivamente feminina, uma vez que é um grupo que conta apenas com duas jornalistas. Esta é, aliás, a única secção de todo o jornal que é inteiramente composta por mulheres, mas é também a que mais se afasta da temática do desporto, dando primazia a temas relacionados com o bem-estar e a vida social e familiar dos/as atletas e dos seus pares.

No “Online”, a editoria com o maior número de mulheres (tal como já referimos), estas assumem diferentes posições hierárquicas. Uma das intervenientes em questão é editora, outra é uma das sub-editoras e o terceiro elemento é jornalista.

Apesar da escassa presença feminina nos quadros deste órgão de comunicação social e do seu afastamento dos cargos superiores, é possível verificar que grande parte ocupa cargos de editora ou sub-editoras das suas respetivas secções. Apenas quatro jornalistas, entre 15, são exclusivamente jornalistas sem cargos nesse sentido.

De fora da nossa esquematização e distinção por sexo, deixamos os departamentos dos “gráficos”, da “fotografia” e a “secretaria” do jornal. Apesar de serem profissionais fulcrais para a manutenção do órgão de comunicação, pelas diferentes funções que exercem, optamos por não enquadrá-los na análise por não produzirem conteúdos escritos e audiovisuais para o Record e por não ter sido possível aceder a esses dados.

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1.5 Posição do Record no mercado e a audiência dos ‘desportivos’

A evolução do jornal Record é visível. Atualmente, o jornal é a cores, na íntegra, e apresenta entre 40 a 48 páginas diariamente – um número que até já foi maior –, em formato tablóide.15 Seguindo a lógica de mercado, as direções foram adaptando as publicações e oferecendo-lhes diferentes toques de mudança ao longo dos anos. Medidas que pareciam ter resultado, face ao crescimento que esta publicação conseguiu atingir, chegando aos primeiros lugares no que diz respeito a tiragens de jornais a nível nacional. Os dados da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e circulação (APCT) comprovam, aliás, essa tendência.

Figura 2. Dados do APCT referentes a 2016 (Record, 2 de março de 2017).

Apesar de ter registado uma descida – tendência comum a praticamente todos os títulos – de 9% em relação aos números alcançados no ano passado, o Record ainda ocupa os primeiros lugares dos jornais com o maior número de vendas. À sua frente estão apenas o líder Correio da Manhã, o semanário Expresso e o diário Jornal de Notícias.

Com uma média de 37 671 exemplares, a publicação dirigida por António Magalhães vende mais 24 388 jornais por dia que O Jogo e assume a liderança na categoria dos “desportivos”. Fora deste estudo está o seu rival lisboeta, A Bola, que não autoriza que o

15

Excepto ao domingo, em que são impressas 48 páginas, o jornal não apresenta um número fixo nos restantes dias, variando entre as 40 e as 44.

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APCT faça auditorias às suas vendas, o que invalida a apresentação dos números de tiragens e circulação deste jornal16.

Existem, no entanto, outras alternativas para conhecermos o impacto que o diário, que conta com Vítor Serpa como diretor, pode ter no mercado. A Marktest, empresa que examina o mercado em diferentes áreas de consumo da sociedade, realiza frequentemente estudos em que são divulgadas as percentagens médias da audiência por cada jornal. O objetivo é compreender os índices de consumo de cada título, perceber as suas oscilações e fazer uma comparação com a concorrência. A análise é realizada duas vezes por ano, correspondentes à primeira vaga, entre março e maio, e à segunda vaga, de setembro a novembro, designada como Bareme Imprensa. Na segunda vaga de 2016, é exposto que A Bola, com 8.7%, vendeu mais que o Record, que se ficou pelos 8.2%. Na primeira vaga, de março a maio, os dois periódicos estavam empatados com 8.4%. A uma distância considerável está O Jogo, com 5.5%, mas que conseguiu recuperar duas décimas em relação a período homólogo de 2015.

Os 67 anos de existência trouxeram, contudo, diferentes fases na vida do Record, tal como já tivemos oportunidade de referir. Com mudanças constantes, e com a imprensa a enfrentar uma difícil situação financeira, é necessário serem estabelecidas uma série de mudanças a nível interno, o que pode complicar a missão dos jornais em criar um público fixo e constante. As características da audiência, no entanto, dificilmente mudam, a não ser que o órgão de comunicação opte por alterar a sua linha editorial. Com pequenas oscilações nos números, a tendência do público do Record tende a seguir um padrão específico, mas semelhante na maioria dos pontos em relação aos seus rivais – A Bola e O Jogo.

Ao nos basearmos em dados apresentados no Bareme Imprensa 201517, o primeiro grande padrão comum é o tipo de audiência. Os três desportivos são consumidos, quase

16

Em entrevista ao site Meios & Publicidade, a 3 de novembro de 2006, Vítor Serpa revelou não confiar na credibilidade dos dados apresentados pela APCT. “É cada vez mais fácil manipular as informações oficias sobre as vendas e sobre o controle das vendas de jornais em Portugal (…) Não! Claramente que não [confia nos dados da APCT] e digo-o com toda a franqueza, porque tenho conhecimento que não são fiáveis”. Entrevista disponível, na integra, em: http://www.meiosepublicidade.pt/2006/11/_Conhe_o_500_maneiras_de_alterar/

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Não conseguimos aceder aos dados referentes às características da audiência dos títulos em estudo, pelo que disponibilizamos os números avançados em 2015, disponibilizados pela Gatescope, disponível em: https://issuu.com/publishing_ligateamedia/docs/gatescope_2015_jornais [Consult. 19.03.17]

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exclusivamente, por homens. O Record é o que apresenta a maior dominância masculina no número de leitores (91.9%), mas A Bola (90%) e O Jogo (89.9%) seguem com indicadores muito semelhantes, o que comprova a tendência em Portugal. As mulheres são, no máximo, 10% do público dos jornais desportivos e parecem preferir outro tipo de media, ou pelo menos preferir um media desportivo que dê destaque a outras modalidades para além do futebol masculino. Com pouco espaço mediático nesse contexto, as mulheres percebem que a programação “é construída à volta das preferências masculinas e não femininas” (Gallagher, 2004 [1995]: 87) e talvez por isso não sejam consumidoras ativas destes jornais.

Também a classe social da audiência é transversal aos três periódicos. As classes média e média-baixa são aquelas que mais consomem informação desportiva. Juntas, perfazem um total de 59.2% do público do Record e de 56.6% e 58.4% d‟ A Bola e d‟ O Jogo, respectivamente. No sentido inverso, a camada social com menor percentagem é a classe alta. Apenas 7.6% da audiência do Record pertence a este grupo. N‟ A Bola (9.7%) e n‟ O Jogo (9.5%) o cenário é idêntico, apesar dos números serem um pouco mais altos. A classe baixa também apresenta dados parecidos e está, no Record (com 16.2%) e n‟ A Bola (13.7%), o segundo segmento com menor expressão, só acima da classe alta. Esse segmento social é o terceiro mais representado no jornal O Jogo (16.9%).

Os dados continuam a seguir uma tendência transversal aos três diários se atentarmos nos grupos etários. O público com idades correspondidas entre os 25 e os 34 anos são aqueles que mais leem os diários desportivos (23.8% no Record, 25.6% n‟ A Bola e 26.8% n‟ O Jogo), enquanto as pessoas com mais de 64 anos são o grupo menos representado, com números entre os 7% e os 10%. A audiência entre os 35 e os 44 anos também assume uma representação muito forte. É o segundo grupo de idades que apresenta a maior percentagem e com números próximos da faixa etária que referimos anteriormente. No caso do Record (22.7%), a variação é de apenas 1.1%, A Bola, (23.2%) apresenta uma diferença de 2.4% e n‟ O Jogo (21.9%) a distância entre o segmento 25-34 e os 35-44 anos é de 4.9%, a maior margem entre os periódicos em questão.

O único ponto em que os três jornais divergem, para lá do número de vendas, é no local onde são mais vendidos, o que mostra a dominância que exercem em determinados

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pontos do país. Segundo o domínio popular, O Jogo tem uma ideologia mais aproximada da região norte e A Bola e o Record preferem mediatizar clubes do sul. Uma questão que, apesar de não nos competir estudar neste trabalho, é pertinente ser mencionada tendo em conta o levantamento que iremos, de seguida, fazer. Ao dividirmos o quadro da audiência por zonas, verificamos que os números corroboram essa mesma teoria. Os leitores d‟ O Jogo situam-se, de forma clara, no Porto (24.5%), no interior norte (22.7%) e no litoral norte (29.8%), com os restantes 23% a estarem divididos pelo resto do país. Os dois jornais com sede em Lisboa apresentam números bem mais baixos nessas regiões, com o Record a ser, dos três, o que tem a menor percentagem de público. É a partir do litoral centro, no entanto, que o cenário muda. Este diário é o que tem tanto no litoral centro (17.6%), como no sul (12%) os maiores resultados, comparativamente aos seus dois rivais. O maior público-alvo do Record é, no entanto, de Lisboa (27.9%). A Bola apresenta uma tendência semelhante ao seu rival um pouco por todo país, tendo também na capital os seus leitores mais fiéis (27.3%) e vendendo mais no centro e sul, em relação ao norte.

1.6 Panorama do Record no pós período de estágio

À data do final do estágio (abril de 2017), os indicadores do número de vendas da publicação eram dos maiores do país entre os jornais desportivos e generalistas, mas começavam a existir sinais de preocupação e mostravam que os tempos de maior prosperidade financeira estavam a desaparecer. O Record, apesar de ser um dos jornais mais lidos do país, também tem lidado com fortes quebras no número de receitas, que se revelam preocupantes no que diz respeito ao seu futuro e dos seus funcionários.

No final do período de estágio, a 8 de abril, já havia sido noticiado que a Cofina tinha registado uma quebra de 14.4% de lucros em relação ao mesmo período do ano transato e que eventuais despedimentos eram uma hipótese real. O mês de Fevereiro trouxe, inclusive, um inédito resultado financeiro mensal negativo. Mas foi apenas a 11 de abril deste ano, numa ata do conselho de redação – representado por três jornalistas democraticamente eleitos pelos seus colegas –, que António Magalhães falou sobre essa questão ao grupo de trabalho do Record. Classificando o panorama como “particularmente delicado e difícil”, o diretor indicou que o jornal não conseguiu

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escapar da tendência geral da empresa e que foi necessário proceder ao emagrecimento do número de funcionários.

Em março de 2016 o jornal contava com 76 jornalistas e 20 profissionais no departamento gráfico e de revisão, sendo que o cenário em perspectiva aponta para 66 jornalistas e 16 profissionais das outras áreas acima referidas.

(Ata conselho de redação, 11 de abril de 2017)

Na altura da elaboração da ata do conselho de redação, 14 funcionários tinham abandonado o jornal devido ao processo de despedimento colectivo em curso na Cofina, embora o número tenha aumentado nos meses seguintes18. Para além dos jornalistas, o diretor anunciou que foi feita uma proposta de redução de salários a alguns colaboradores e colunistas.

Os cortes não se ficaram, no entanto, apenas pelos funcionários; também os recursos materiais do próprio jornal sofreram reestruturações. O custo do jornal manteve-se a 1€, de segunda a sábado, e a 1.20€ aos domingos, mas existem, agora, algumas mudanças em relação aos suplementos e ao número de páginas.

A “Revista R” 19, que pretendia mostrar o “lado mais leve e descontraído do futebol”, tal como se pode ler no site do Record, e que acompanhava o jornal aos domingos, foi extinta. Em sua substituição, e para justificar o preço mais elevado desse dia da semana, surgiu o “Record Mais”, incorporado no jornal e que o deixa com 64 páginas. Neste suplemento a aposta recai em entrevistas e reportagens de personalidades ligadas ao desporto, normalmente concentrando-se em clubes e figuras pouco mediatizados, mas que conquistaram algum feito pouco habitual.

Durante o período de estágio, o número de páginas do jornal, tal como já tivemos oportunidade de referir, variava entre as 40 e as 48 páginas. A partir de abril, contudo, essa quantidade mudou. O número subiu de forma exponencial para as 64 aos domingos, enquanto de terça a sexta-feira, são produzidas uma média de 36 páginas. Na segunda e no sábado, o número vai variando consoante a atualidade desportiva.

18

Alguns dos jornalistas que abandonaram a redação do Record depois do mês de abril fizeram-no em forma de protesto pelas medidas de despedimento em curso.

19 A revista semanal surgiu em 9 de agosto de 2015 e foi para as bancas pela última vez a 9 de abril de

2017, naquela que foi a sua 86ª. edição. Disponível em: http://www.record.pt/iniciativas/detalhe/revista-r-ja-esta-nas-bancas.html [Consult. 20.03.2017]

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Capítulo II. A perspetiva feminista e os estudos dos media

2.1 Antecedentes e origem dos estudos feministas sobre os media

Ainda que não se encontre uma data oficial, os primeiros relatos do movimento feminista20 surgem a partir do século XVIII e prolongam-se até aos dias de hoje na luta por uma maior igualdade social entre homens e mulheres. Apesar de já terem sido conquistadas uma série de melhorias para que o fosso entre os direitos dos dois géneros diminuísse, “ainda existe um longo caminho a ser percorrido” (Messa, 2008:156) para afastar os ideais e as práticas de uma sociedade de dominância masculina.

Apesar de o panorama ainda estar longe do ideal, muitas das conquistas alcançadas pelas mulheres só foram atingidos graças a alguns marcos históricos na luta por iguais direitos sociais e políticos. Um dos principais momentos registados nesse sentido foi protagonizado por Olympe de Gouges, revolucionária francesa, quando redigiu a “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”, em 1791 (Ferreira, 2014). Este texto pretende ser uma resposta à “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, elaborada em 1789, em plena Revolução Francesa, pela Assembleia Nacional Francesa. Para De Gouges a declaração era restrita ao sexo masculino e marginalizava as mulheres. A sua luta por uma maior igualdade entre homens e mulheres durou até à data da sua morte, que ocorreu em 1793, quando foi executada pela guilhotina a mando de Maximilien Robespierre, líder dos “Jacobinos” e uma das principais figuras da revolução gaulesa.

Em 1857, nos Estados Unidos da América, registou-se um dos acontecimentos mais marcantes na luta pelos direitos das mulheres. Um grupo de trabalhadoras da indústria

20

Maggie Humm, em The dictionary of feminist theory, e Rebeca Walker, em Becoming the Third Wave, propõem dividir o movimento feminista em três vagas. A primeira, que as autoras situam no século XVIII e se prolonga até cerca do meio do século XX, condenava a sociedade patriarcal. As feministas da época defendiam uma maior igualdade de direitos democráticos entre homens e mulheres no campo dos direitos civis, na educação e no direito ao voto. As investigadoras consideram que a segunda vaga se terá iniciado na década de 60 e durou até aos anos 80. Nesta fase, os movimentos feministas criticavam os ideais estipulados pela sociedade e representados pelos media, que enquadravam a mulher numa esfera privada, cuja função era tratar da casa e da família, longe dos domínios onde o homem atuava profissionalmente. A terceira, e última, terá tido início já no final do século XX, na década de 90 e pretendia a eliminação dos estereótipos e uma redefinição no tratamento atribuído pelos media às mulheres através da reflexão e debate sobre o tema (Humm, 1990 & Walker, 1992).

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têxtil, descontentes com as condições laborais que enfrentavam, efetuou uma marcha para reivindicar por melhores condições de trabalho e para uma maior igualdade de género. Cerca de meio século depois, em 1908, realizou-se uma nova marcha de um grupo de trabalhadoras não só a contestar a desigualdade, mas a pedir o direito a voto e o fim do trabalho infantil (TSF, 10 de julho). 21

Em 1910, Clara Zetkin propôs que fosse instituído o Dia Nacional da Mulher na Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, em Copenhaga (Cerqueira, 2007). A data oficial, no entanto, só seria designada pela Organização das Nações Unidas (ONU) décadas depois.

Alguns anos mais tarde, em 1949, Simone de Beavouir é pioneira de um momento marcante da luta feminista ao publicar Le Deuxième Sexe, uma obra literária de reflexão sobre o papel histórico das mulheres. Beavouir defende que as distinções entre o feminino e o masculino ultrapassam apenas a biologia do corpo humano, tendo em conta que são as questões sociais e culturais que provocam essa distanciação. O ser feminino é visto “como um objeto, o outro” (Beauvoir, 1949: 210), apresentando uma submissão das mulheres às vontades do homem. O livro de Beauvoir, que foi alvo de forte controvérsia na altura da sua publicação22, asseverava que a figura feminina era vista, de forma fundamental, como um ser sexual e pouco essencial.

Também o texto The Feminine Mystique, da autoria de Betty Friedan, publicado a 1963, foi outro dos principais impulsionadores do estudo da relação entre os meios de comunicação e as desigualdades entre homens e mulheres.

O livro foi usado “como verdadeira Bíblia pelo movimento de mulheres americanas” (Duarte, 200623), rompendo com os padrões da literatura sobre as mulheres na época, fornecendo uma das principais motivações para o estudo dos movimentos feministas e da sua ligação com os mass media. Friedan realizou uma análise às revistas femininas norte-americanas, com o objetivo de compreender como é que as mulheres eram aí representadas.

21 “Dia Internacional da Mulher: a história de uma luta com mais de um século”, disponível em:

http://www.tsf.pt/sociedade/interior/dia-internacional-da-mulher-a-historia-de-uma-luta-com-mais-de-um-seculo-5066442.html [Consult. 20.04.2017]

22

Uma fracção das críticas defendia que as premissas expostas por Beauvoir estavam incorretas, enquanto outros questionavam a originalidade da obra (Cyfer, 2015).

23 “Betty Friedan: morre a feminista que estremeceu a América”, disponível em:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2006000100015 [Consult. 06.06.2017]

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24

Os resultados da investigação mostraram que as figuras femininas eram reduzidas a papéis sociais ligados à vida familiar e doméstica. Os conteúdos destas publicações transmitiam a ideia de que as mulheres tinham o seu estado de espírito alterado, de forma negativa, se tivessem ocupações profissionais e pessoais fora do âmbito doméstico. Desta forma, segundo a análise realizada à representação feminina nos media, estava implícito que as mulheres só poderiam ser felizes inseridas num ambiente familiar: a cuidar das suas habitações, a satisfazer os pedidos dos seus maridos e a educar os filhos. Se estivessem inseridas num ambiente profissional, em que não se dedicassem a tempo integral ao ambiente doméstico e os seus pares, não conseguiriam ser plenamente felizes e viveriam neuróticas com o trabalho (Friedan, 1963).

A frustração e a insatisfação de algumas mulheres com a vida que tinham, sem encontrar justificações para que tal acontecesse, foi um problema que se fez sentir nos Estados Unidos da América, entre a década de 50 e 60. Para Friedan, no entanto, esta infelicidade não tinha como causa a dedicação ao trabalho e a falta de tempo para construir e cuidar de uma família, tal como os media reproduziam. A raiz do “problema sem nome”, como o apelidou, estava no modelo familiar e doméstico que era imposto às mulheres e que estas tinham de cumprir para estarem dentro dos padrões do socialmente aceitável.

Caso eu esteja certa, “o problema que não tem nome”, que fervilha hoje no íntimo de tantas mulheres, não é uma questão de perda de feminilidade, excesso de cultura ou exigências domésticas. É muito mais importante do que parece à primeira vista. É a solução daqueles novos e velhos problemas que vêm há anos torturando esposas, maridos e filhos, intrigando médicos e educadores. Pode muito bem ser a chave do nosso futuro como nação e cultura. Não podemos continuar a ignorar essa voz íntima da mulher que diz: «Quero algo mais que meu o meu marido, filhos e a minha casa» (Friedan, 1963: 31)

O livro de Betty Friedan abriu precedentes e ajudou a dar início à investigação sobre a ligação entre os estudos feministas e os estudos dos media. Quem também teve um papel fulcral na quebra de desequilíbrios entre homens e mulheres foi a ONU e as suas agências, tal como mostramos de seguida.

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