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AS CAUSAS SISTÊMICAS DO PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL

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Academic year: 2022

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Universidade Federal de Santa Catarina Centro Sócio-Econômico

Curso de Ciências Econômicas

Grupo de Pesquisa, Estudo e Crítica das Transformações do Capitalismo Contemporâneo Comitê Acadêmico: historia y fronteiras

Título do Trabalho: AS CAUSAS SISTÊMICAS DO PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL (1889-1930)

Autor: Fábio Pádua dos Santos E-mail: fabio_padua@yahoo.com.br

Palavras-chave: Brasil, Indústria, Capitalismo histórico.

1 Introdução

Desde a década de 1980, os cientistas sociais latino-americanos têm encontrado muitas dificuldades para explicar os obstáculos quase intransponíveis ao desenvolvimento econômico da região. Acredita-se que as chances de explicar a atual realidade social no Brasil, como também na América Latina, são pequenas se a unidade de análise for o sistema nacional, ou seja, o Estado e/ou a economia nacional. Usualmente, ao se estudar a evolução da economia brasileira, em específico o processo de industrialização, destacam-se forças endógenas como propulsoras ao estabelecimento da lógica capitalista sob base industrial.

Essa hipótese é facilmente confirmada se forem observadas citações de autores clássicos do pensamento econômico brasileiro. Em Suzigan (2000, p. 75), a hipótese de trabalho “(...) é a de que o desenvolvimento industrial no Brasil no século XIX pode ser explicado pela expansão do setor exportador”. Furtado1 (2003, p. 44) também parte das razões endógenas ao afirmar que “é das tensões internas da economia cafeeira em sua etapa de crise que surgirão os elementos de um sistema econômico autônomo, capaz de gerar seu próprio impulso de crescimento...”. Da mesma forma, Mello (1990, p. 100), especifica o processo da gênese do capital industrial a partir do desdobramento do complexo exportador do café.

Essas afirmações só podem ser tomadas como causa interna, ou externa, se ignorarmos que uma cadeia mercantil termina na venda final, momento onde culminam todas as etapas anteriores do processo de produção, de uma mercadoria. Ora, se as mercadorias exportadas de países latino-americanos são geralmente produtos primários consumidas em outros países como insumo, então se está diante de cadeias mercantis mundiais, destituindo o sentido da distinção interno/externo. Nesta perspectiva, as mercadorias exportadas são produtos da economia mundial. Circulam de uma área para outra desempenhando uma determina função num determinado processo produtivo num determinado tempo histórico que, ao final, contribui para a auto-reprodução do sistema.

À luz da “análise dos sistemas mundiais”, a compreensão do fenômeno

“industrialização brasileira”, talvez seja melhor compreendida se a unidade de análise for a economia-mundo. É condição necessária entender este fenômeno em sua origem – ou no contexto em que surge a indústria moderna – para depois compreender como a implantação de indústrias no Brasil se relaciona com as formas e funções atribuídas a cada indústria em seus respectivos espaços e períodos no sistema mundial moderno. Nesse sentido, a dimensão histórico-temporal é um importante elemento a ser observado para que se possa conseguir compreender os diferentes sentidos que podem assumir “fenômenos”

semelhantes em diferentes tempos. Captar elementos ao longo de espaçados tempos que descrevam ou que dêem substantividade a características locais no interior da economia- mundo quiçá ajude a entender a industrialização brasileira.

Com efeito, o presente trabalho é resultado de parte do projeto de pesquisa “O desenvolvimento econômico do Brasil à luz da análise do sistema-mundo: um estudo do período pós-1946” que vem sendo desenvolvido pelo Núcleo de Transformação do

1 Com esta citação pretende-se mostrar que, apesar de não falar em industrialização, Celso Furtado valoriza as forças endógenas como objeto de estudo esquecendo, ou pelo menos, não destacando a dinâmica do sistema mundial.

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Capitalismo Contemporâneo da Universidade Federal de Santa Catarina. Tal pesquisa tem avançado com algum sucesso na aplicação da análise dos sistemas mundiais ao estudo da realidade brasileira. O aperfeiçoamento metodológico para explicar como fatores locais são determinados, em grande medida, pelo todo tem sido a principal tarefa. Este artigo também não foge a esse esforço.

2 A visão sistêmica e a longa duração: objetivos e método

A primeira definição a ser entendida trata daquilo que Wallerstein (1990) chama de sistema histórico ou sistema social. Para ele, os sistemas históricos referem-se a conjuntos de estruturas (ou entidades), simultaneamente sistêmicos e históricos, cujas coexistências e sucessão representam o próprio conteúdo no mundo moderno, ou seja, apresentam seqüências de fatos distintos, porém com certo grau de regularidade. Os diferentes sistemas sociais erguem-se dentro do espaço e do tempo, à medida que seus limites encontram fronteiras naturais e culturais. Por definição, o autor diferencia três sistemas históricos: os

“mini-sistemas”; os “impérios-mundo”; e as “economias-mundo”. Os mini-sistemas são sistemas históricos geograficamente pequenos e de curta duração. Esfarelam-se no tempo.

Apresentam-se com baixa polarização social e tem como lógica central a reciprocidade nas trocas. Um império-mundo compreende um vasto território sob domínio de um único sistema político que abarca um conjunto de padrões culturais distintos. A dinâmica de funcionamento deste sistema fundamenta-se na tributação e transferência dos recursos adquiridos para o centro do império. Por outro lado, a economia-mundo também se apresenta sobre um vasto território, no entanto, difere quanto à organização político-espacial. As economias-mundo são constituídas por múltiplas unidades políticas, os estados (estado-nação ou cidade- estado), interligadas por várias cadeias de mercadorias que, ao se sobreporem, garantem a reprodução social do sistema e determina a extensão da economia-mundo. Tem por lógica a distribuição desigual do excedente.

Não obstante a noção espacial, representada pelas cadeias mercantis, a noção temporal (a longa duração) é fundamental à compreensão da maneira como a economia- mundo se apresenta, determinando ou sendo a própria realidade social. Fernand Braudel (1998b) introduz ao estudo da economia-mundo, os diferentes tempos históricos, a dialética das durações, o sentido histórico. Ao incorporar o conceito de economia-mundo de Wallerstein, Braudel define que:

(...) uma economia-mundo é uma soma de espaços individualizados, econômicos e não econômicos, agrupados por ela; que a economia-mundo representa uma enorme superfície (em principio, é mais vasta zona de coerência, em determinada época, em uma região determinada do globo); que, habitualmente, ela transcende os limites dos outros grupos maciços da história (Braudel, 1998b, p. 14).

Classificar o tempo em diferentes ciclos, uns mais curtos outros mais longos, foi uma grande contribuição de Braudel. Ao tratar das economias-mundo não só como unidades geográficas, mas também com unidades temporais, Braudel dá um passo à frente.

Para ele, as economias-mundo compreendem a longa duração, um ritmo lento quase imóvel. Desse modo, quando é possível identificar, ao longo de extensos períodos, um certo grau de organização e coerência sob relações bastante fixas entre as realidades e massa sociais, estamos diante de uma estrutura. “Certas estruturas, por viverem muito tempo, tornam-se elementos estáveis de uma infinidade de gerações: atravancam a história, incomodam-na, comandam-lhe o escoamento” (Braudel, 1992, p. 49). Ao sobreviverem por um dilatado período de tempo, e resistirem às muitas gerações, os processos e instituições econômicas, políticos ou culturais, tendem a se tornarem estruturas. A longa duração2 trata dos sistemas mundiais e, deste modo, da economia-mundo.

Dessa forma, optou-se por adotar a economia-mundo como unidade de análise, pois a partir de suas características, ao longo do capitalismo histórico, abre-se uma janela

2 “... a teoria braudeliana procura construir uma nova noção de duração, porque, para Braudel, os muitos tempos da história não são tempos individuais, mas sociais ou coletivos, tempos plurais e diversos, visto que as diferentes durações específicas das realidades históricas são igualmente coletivas, durações que, no entanto, se medem todas elas dentro e a partir do registro unitário e global, universalizador, do marco temporal” (Rojas, 2001, p. 76-77).

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para sair da ótica reduzida (nacional) e transcender para uma ótica dos sistemas mundiais.

Com isso, passa-se agora a caracterizar a unidade sob a qual o estudo se debruçou.

2.1 Economia-mundo capitalista: suas características e seus elementos

A economia-mundo capitalista é um sistema social e histórico, apresentando lógica própria: a acumulação incessante do capital. Suas raízes floresceram no século XV, distinguindo dos sistemas anteriores em dois aspectos: apresenta-se fragmentada em várias unidades políticas, como também, estratificada numa hierarquia espacial. Para verificar analiticamente essa descrição, observar elementos espaciais e temporais simultaneamente é condição indispensável, como também, elementos institucionais. Verificam-se assim:

Elementos Espaciais:

• Cadeias Mercantis: Referem-se a uma rede de processos de trabalho, processos produtivos, com também, processos comerciais, cujo resultado final é produzir uma mercadoria. Distribuí-se no espaço de forma assimétrica rompendo as fronteiras dos estados nacionais. Sugere, portanto, a existência de áreas especializadas em fornecer insumos distintos (matéria-prima, mão-de-obra, capital);

• Divisão mundial do trabalho: Falar de cadeias mercantis significa falar de uma divisão social estendida do trabalho, ao qual, ao longo do desenvolvimento do capitalismo histórico, tornou-se cada vez mais funcional e mais ampliada geograficamente, e ao mesmo tempo cada vez mais hierárquica (Wallerstein, 2001, p.28).

• Troca desigual: A existência das diferentes formas de controle de trabalho (escravo, servil e assalariado), ao longo das cadeias mercantis, cria espaços de valorização do capital. Dessa forma, o excedente gerado, quando distribuídos entre os agentes participantes da cadeia, assume proporções distintas;

• Estratos: A troca desigual do excedente dividi a economia-mundo capitalista em três níveis de apropriação do excedente. Uma área da economia-mundo se alça à categoria de centro por sua capacidade de apropriar parte relevante do excedente que é gerado ao longo das cadeias mercantis mundiais. Isto decorre da capacidade de controlar as atividades estratégicas como, por exemplo, no nível das empresas, o estabelecimento de uma nova função de produção. Já a área periférica, possui um comportamento quase que oposto ao do centro. Controla pouco do excedente gerado em seus domínios e praticamente nada do excedente gerado nos nódulos localizados fora de seus domínios. Por esta razão, na periferia o nível de recompensas – salários, remunerações e lucros – também são geralmente baixos. A área semiperiférica se caracteriza por ser um espaço que engloba, numa combinação mais ou menos igual, atividades tanto do centro quanto da periferia. É uma área cinzenta que exerce “o poder de evitar o rebaixamento de sua combinação, mas têm pouco poder para promover sua melhoria” (Arrighi, 1997, p. 160). Como Wallerstein (1990, p. 339) percebe, “a semiperiferia é um elemento estrutural necessário numa economia-mundo. De modo sucinto, as áreas semiperiféricas funcionam como linhas de transmissão no processo de transferências dos excedentes gerados nos nódulos das regiões periféricas para as áreas de centro”.

Elementos temporais:

• Formas temporais: Destacam-se três tempos: o geográfico, o social e o individual. O primeiro é um tempo imóvel, trata do homem com suas relações com o meio que o rodeia. O tempo social é uma espécie de ritmo lento, trata da história social, da história dos grupos.

Já, o tempo individual, é o ritmo rápido, a história dos fatos.

• Ciclos Sistêmicos de Acumulação (CSA´s): São como conjunturas longas, um tempo social que se alterna ao longo do capitalismo histórico permitindo a sustentação da estrutura. Sua lógica é tal que o ciclo divide-se em duas fases. As fases de expansão material (DM) “... constituem em fases de mudanças contínuas durante as quais a economia cresce por uma única vida de desenvolvimento” (Arrighi, 1996, p. 9). Estas fases iniciam-se quando um novo bloco dominante3 é capaz de acumular poder suficiente que através do

3 Bloco dominante pode ser entendido como a principal zona central da economia-mundo capitalista. Este espaço geográfico concentra um alto grau do capital circulante mundial aliado com um alto poder de coerção.

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capital indica uma nova via de desenvolvimento – inovações tecnológicas – e legitimam a mesma através do aparelho político do Estado. Conseqüentemente não se pode considerar como um resultado inintencional. Já as fases expansão financeira (MD’) “... consistem em fases de mudanças descontínuas, durante as quais o crescimento pela via estabelecida já atingiu ou está atingindo seus limites e a economia capitalista mundial se desloca, através de reestruturação e reorganização radicais, por outra via” (Arrighi, 1996, p. 9). A finalidade dos ciclos sistêmicos de acumulação é, portanto, mostrar “a formação, consolidação e desintegração” das principais vias de desenvolvimento criadas e legitimadas que permitem ao capital a sua auto-reprodução.

Elementos institucionais

• Estado:na perspectiva do capitalismo histórico, seu domínio está restrito a sua jurisdição territorial, tem nesta a capacidade de determinar regras de legitimação, tendo como principal objetivo o monopólio da força. Para a manutenção do aparelho coercitivo, a taxação é a principal fonte de renda (Wallerstein, 2001, p. 42-50);

• Empresa capitalista: esta tem a função de produzir ou comercializar as mercadorias necessárias à reprodução do sistema mundial. Sua inspiração é o lucro, procuram sempre a melhor combinação insumo-produto para maximizá-lo;

• Moderno sistema interestatal: configura um conjunto de regras sem as quais os Estados não sobreviveriam. Configura-se por ser um sistema essencialmente capitalista na gestão do Estado e da guerra4. Procura sempre o equilíbrio de poder. Cada Estado sede parte de sua autonomia no intento de reduzir seus custos de proteção. O desenvolvimento de relações de assalariamento consistiu em fazer com que as guerras se autocusteassem, através da tributação dos todos os cidadãos. Em essência, o moderno sistema interestatal apresenta uma hierarquia de estados que no tempo poder assumir espaços diferentes de concentração de poder, ou seja, governantes capitalistas podem adquirir a liderança no processo de desenvolvimento capitalista em diferentes momentos históricos. (Arrighi, 1996, p. 37-39).

Dessa forma, com o que foi exposto até agora, considerando-se a economia-mundo como unidade de análise, fica claro que fenômenos capitalistas (industrialização, financeirização, etc...) podem assumir funções e características distintas ao longo do tempo.

Portanto, o objetivo geral deste artigo consiste em estudar o Brasil, em específico o processo de industrialização, a partir do conjunto das realidades sistêmicas para verificar com a dinâmica da economia-mundo capitalista interferiu no desenvolvimento econômico brasileiro. Em outras palavras, situar a industrialização brasileira nas ondas da economia- mundo capitalista.

3 A indústria moderna na economia-mundo e no Brasil

3.1 A gênese da indústria como regime de acumulação capitalista

O processo de formação da indústria moderna capitalista é o processo de formação da indústria inglesa do século XVIII. Todavia, tal processo não foi espontâneo. A industrialização da Grã-Bretanha foi a síntese de sucessivos eventos no interior do sistema mundial moderno. O processo de constituição da esfera industrial como centro dinâmico da economia-mundo capitalista, nas fases de expansão material, deu-se em três momentos:

O primeiro momento constituiu na rápida expansão da indústria têxtil inglesa, ocorrida durante a fase de expansão financeira liderada pelos florentinos, no fim do século XIV e início do século XV;

o segundo momento constituiu na rápida expansão da indústria metalúrgica inglesa, durante a fase de expansão financeira liderada pelos genoveses no fim do século XVI e início do século XVII; e o terceiro momento – a chamada revolução industrial – consistiu na rápida expansão das indústrias têxtil e metalúrgica, durante a fase de expansão financeira liderada pelos holandeses no século XVIII (Arrighi, 1996, p. 213).

Isso permite observar que a Inglaterra construiu, ao longo de praticamente

4 “... indicam o poder com a extensão do seu controle sobre os recursos escassos e consideram as aquisições territorialistas um meio e um subproduto da acumulação de capital” (Arrighi, 1996, p. 33)

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quatrocentos anos, bases e condições estruturais para o advento da indústria moderna. De certa forma criou, ao longo desse período, a sua própria sorte, ou seja, utilizou a indústria moderna como plataforma para liderar o processo global de acumulação incessante de capital. Sem dúvida, a grande estratégia britânica foi aproveitar os momentos de crise sistêmica, nos períodos de expansão financeira das hegemonias precedentes, e se utilizar destes como alavancas de impulso e de dominação.

Na medida em que se intensificou o “comércio triangular”5 do Atlântico, realizado entre Inglaterra, África e Brasil, recursos como mão-de-obra escrava, açúcar e, sobretudo, o ouro brasileiro, transformou este novo eixo de trocas na “matriz comercial” britânica. O comércio triangular foi uma fonte importante de obtenção de recursos e na elevação da Inglaterra à condição de potência hegemônica em 1780.6 No entanto, o eixo triangular do Atlântico constituiu, em princípio, apenas um dos espaços em que se desdobravam as atividades comercias da economia-mundo capitalista. Outras áreas fundamentais à consolidação da hegemonia britânica foram àquelas cobertas pelas rotas comerciais mediterrâneas. Nestas áreas dominadas pela concorrência e o espírito capitalista, as Companhias Orientais Inglesas de Comércio obtiveram um rápido brilho, com o comércio indiano e chinês. Entretanto, o declínio das mesmas foi provocado por sua estrutura descentralizada. Por serem empresas de pequeno e médio porte, a descentralização permitiu a entrada de empresas concorrentes oriundas de povos árabes e nativos do oriente. Na tentativa de conter a expansão rival, as Companhias Inglesas, em 1740, reestruturam-se de modo a centralizar o controle sobre o comércio no oriente. Com efeito, os esforços foram alcançados garantindo fluxos regulares no período que compreende de 1780 a 1813, quando ocorre a abolição7 do monopólio britânico sobre o comércio indiano.

A Grã-Bretanha, desequilibrada estruturalmente, dividida entre o comércio do oriente e do ocidente: perdeu o monopólio sobre o comércio indiano; perdeu o domínio político sobre as treze colônias; e passou a dominar a rede de comércio com a China. Neste contexto, o monopólio do ópio se apresentou como uma alternativa muito rentável. Como lembra Arrighi (1996, p. 257) “o comércio chinês logo se tornou muito mais lucrativo e dinâmico que o comércio de tecido”. Contudo, essa capacidade de articulação e controle sobre um capitalismo de bases mercantis durou apenas até a década de 1830, quando “... a abolição do monopólio do comércio com a China, em 1833, marcou o princípio do fim da Companhia Inglesa das Índias Orientais” (Arrighi, p. 257).

Nesse período de constituição da indústria moderna ao longo do capitalismo histórico, “(...) as companhias de comércio e navegação foram organizações empresariais autorizadas por governos europeus a exercer no mundo extra-europeu, funções de gestão do Estado e da Guerra, seja como fins em si, seja como meios de expansão comercial”

(Arrighi, 1996, p. 258). Porém, com as abolições, destituídas de suas funções e contemplando a lógica do Estado Inglês de privilegiar aquelas atividades mais rentáveis ao Estado, as Companhias de Comércio foram despojadas de seus privilégios por não se mostrarem mais eficientes. A partir da aparente situação de descontrole, criaram-se condições no interior da economia-mundo capitalista para a consolidação de uma conjuntura. O deslocamento dessa conjuntura industrial, antes ofuscada pelo brilho comercial ou mesmo pelas fases anteriores de expansão financeira, levou a indústria moderna a uma posição de destaque na economia-mundo capitalista a partir de 1780.

A indústria moderna passou a ser o novo meio de acumulação do capital a taxas jamais vistas até então. Nesse momento do capitalismo histórico ocorreu, portanto, uma

5 Como afirmou Eric Williams (1964) em seu estudo clássico, o circuito de comércio através do que (1) fabricantes eram trocados por escravos africanos, (2) escravos africanos eram trocados por produtos tropicais americanos, e (3) produtos tropicais americanos eram trocados por artigos manufaturados britânicos, este circuito impulsionou, uma conjuntura crucial, a demanda efetiva e os recursos de capital exigidos pela decolagem da “revolução industrial” britânica (Arrighi, 1996, p. 203).

6 “O rápido desenvolvimento da produção de ouro no Brasil, a partir do primeiro decênio do século XVII (...) [um] acordo comercial celebrado com a Inglaterra em 1703, significou para Portugal renunciar a todo desenvolvimento manufatureiro e implicou transferir para a Inglaterra o impulso dinâmico criado pela produção aurífera no Brasil” (Furtado, 2003, p. 38). O ouro Brasileiro financiou em certa medida o desenvolvimento da indústria moderna inglesa como também o acordo acabou por criar um mercado de importações para os produtos ingleses.

7 O termo abolição deve ser entendido com uma decisão pragmática tomada pelo Estado Britânico a fim de conter tensões sociais existentes dentro de seus limites. Para uma melhor discussão ver Arrighi (1996, p. 255-56).

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transferência da dinâmica mercantil para a industrial. É importante ressaltar que essa nova dinâmica exigiu transformações não só na relação de trabalho com também nas relações de poder, ou seja, protagonizou todo um rearranjo nos processos de acumulação na economia- mundo capitalista. Como afirma Arrighi:

O advento do vapor e da fabricação mecanizada – a chamada indústria moderna – havia reorganizado completamente as redes mundiais de comércio, acumulação e poder. (...) essa reorganização deu origem a novos tipos de sociedades anônimas, na Europa continental e na América do Norte, que suplantaram as companhias de comércio e navegação como agentes primários da expansão capitalista (Arrighi, 1996, p. 258).

Em resumo, a Grã-Bretanha impulsionada pela própria concorrência intercapitalista no interior do sistema – sempre presente no capitalismo histórico – inovou no processo de acumulação capitalista lançando uma nova geração de empresas capitalistas. Com isso, garantiu, de certa forma, o controle do comércio sobre as atividades que lhes interessavam.

Portanto, a industrialização deve ser entendida como uma resposta que deu certo, diante da forte concorrência intercapitalista das empresas mercantis. Logo, alterou-se a conjuntura8 em favor da lógica do sistema mundial moderno.

3.2 A gênese da indústria no Brasil e a dinâmica da economia-mundo capitalista

3.2.1 Pré-requisitos e a lógica “descompassada”

Deslocando-se no tempo e no espaço, do centro britânico do século XVIII à economia-local periférica brasileira no fim do Século XIX, o processo de industrialização também exigiu alguns pré-requisitos. É condição necessária uma economia mercantil bem desenvolvida. Da mesma forma que se observou na Grã-Bretanha, um longo e lento desenvolvimento mercantil, no Brasil a condição também teve de ser satisfeitas. Cardoso oferece argumentos a essa suposição.

O processo de industrialização em qualquer região supõe, como pré-requisito, a existência de certo grau de desenvolvimento capitalista e, mais especificamente, supõe a preexistência de uma economia mercantil e, correlatamente, implica um grau relativamente desenvolvido da divisão social do trabalho. Este último processo, por sua vez, na medida em que se intensifica em moldes capitalistas, resulta na formação de um mercado especial, o da força de trabalho... Contudo, estes pré-requisitos são criados pela organização capitalista que antecede a produção propriamente industrial, o capitalista brasileiro já existia, nesta mesma qualidade de capitalista, como comerciante, como plantador ou como financista, e como tal, capitalista, criava as condições para a implantação do regime capitalista de produção industrial (Cardoso apud Mello, J. M. C., 1990, p.

99).

A necessidade de algumas condições indispensáveis ao desenvolvimento industrial, tais como: economia mercantil bem desenvolvida; novas relações de trabalho; um sistema financeiro desenvolvido; e ainda, novas regras de legitimação, dão luz no Brasil com o auge da economia cafeeira. Cabe destacar, por exemplo, a abolição da escravatura (1888) que substituiu a mão-de-obra escrava pelo trabalho livre. Como resultado, observou-se um fluxo migratório de europeus já deslocados pela industrialização européia. Segundo dados do IBGE, entre 1908 e 1912, foram registradas as entradas de 584.818 imigrantes europeus, sendo que a população do Brasil cresceu 42,15%, entre 1900 e 1912.

Com a mão-de-obra livre, ocorreu a expansão do mercado brasileiro. Esse impulso capitalista era estranho ao Brasil neste período. Tudo parecia ser novo. Entretanto, numa perspectiva histórica mais longa, percebe-se que o espírito capitalista penetrou no Brasil com os processos mercantis da economia açucareira a partir do século XVI, dois séculos depois do surgimento das primeiras cadeias de comércio que ligavam a Europa ao mediterrâneo. O grau de desenvolvimento das atividades localizada no Brasil em relação às das economias-centrais, em sua origem, já eram inferiores. Entre 1889-1930, enquanto a Inglaterra estava passando pela Segunda Revolução Industrial, já exportando bens de

8 É importante lembrar que o papel da indústria britânica foi apenas de dar um impulso ao novo movimento que viria a ser completado pelos Estados Unidos. Para uma melhor explanação ver os movimentos pendulares de Pirenne, Arrighi (1996, p.

252).

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capitais tais como maquinarias têxteis de segunda geração, e os Estados Unidos e a Alemanha apresentando novos modelos de organização (vertical e horizontal) da empresa capitalista. No Brasil as exportações de café representavam cerca de 70% da pauta de exportação. Isto implica dizer que a organização social aqui desenvolvida estava sustentada em relações de trabalho servil e escravo até 1888 de modo que, em termos de tecnologia, o subsistema brasileiro não apresentava expressão alguma na economia-mundo capitalista.

Era mais uma área típica do sistema propicia para a transferência de valores.

Em resumo, enquanto no centro da economia-mundo, o capitalismo sobre bases mercantis já estava consolidado e superado pela dinâmica industrial, a dinâmica mercantil foi sendo introduzida aos pouco no Brasil como conseqüência da expansão desse sistema europeu. O “atraso” do subsistema brasileiro em relação às áreas centrais quanto ao grau de desenvolvimento capitalista é, portanto, algo intrínseco da sociedade brasileira. Nesse sentido, o processo de formação da indústria local brasileira também acompanhou essa lógica “descompassada” em relação ao núcleo orgânico da economia-mundo capitalista.

3.2.2 O Agente estatal brasileiro e o capital

Como agentes do capitalismo histórico, o Estado e o capital se relacionam de forma singular no intuito de promover processo de acumulação capitalista. No Brasil essa idéia de relação também prevalece. Após o fim do ciclo do ouro, com o renascimento agrícola e com a formação do Estado brasileiro, em 1822, teve-se o reconhecimento do Brasil como Estado-nação por parte do sistema interestatal da economia-mundo capitalista. Entretanto, esse reconhecimento deve ser ponderado. Segundo Becker e Egler (2003, p. 53), “a independência brasileira foi, na verdade, parte da estratégia britânica como nova potência mundial, para controlar toda a América do Sul através do livre comércio”, com o que parece concordar Celso Furtado, quando afirma que “o problema fundamental da Inglaterra passa a ser a abertura dos grandes mercados europeus para as suas manufaturas, e com esse fim, tornava-se indispensável eliminar as ataduras da era mercantilista” (Furtado, 2003, p. 41).

De fato, à Grã-Bretanha importava saber se os comerciantes ingleses iriam continuar com os privilégios do período colonial. Portanto, tratando-se da legitimidade perante a potência hegemônica, em 1827, “... o governo brasileiro reconheceu à Inglaterra a situação de potência privilegiada, autolimitando sua própria soberania no campo econômico” (Furtado, 2003, p. 43).

Deve-se destacar que esta autolimitação foi uma condição para o reconhecimento do Estado Brasileiro no sistema interestatal9. Neste sentido, as forças políticas que almejavam o controle do aparelho estatal – se não o controle completo, mas pelo menos a obtenção de posições privilegiadas dentro dele – alcançaram seus objetivos. Estas forças agiram (e agem) pragmaticamente. Para elas, a soberania de que fala Furtado certamente não era necessária, pois não pensavam na nação em si, mas em sua reprodução enquanto classe social, o que exigia superar as resistências locais e sistêmicas. No plano local tratava-se de sobrepor-se tanto a outras facções das classes proprietárias como aos trabalhadores. No plano sistêmico, para desestimular agressões de outros estados, nada melhor do que se colocar sob a proteção da potência hegemônica. Nesta perspectiva, a mudança na ordem política10 no Brasil não provocou alterações nas posições ocupadas na divisão internacional do trabalho. Como se verificou, os grupos que promoveram as mudanças no aparelho estatal sustentaram suas posições políticas e sociais nos elos menos rentáveis das cadeias mercantis mundiais e, permanecerem aí, foi a condição para serem lançados ao aparelho de estado.

No caso do café, apesar do nível de remuneração do capital ser baixo, o ciclo

9 Sob a hegemonia britânica, “os povos não ocidentais não eram reconhecidos como comunidades nacionais (...), o

imperialismo britânico do livre comércio levou essa divisão [a holandesa de criação de um estado nacional] um passo adiante.

Enquanto a zona de amizade e comportamento civilizado se ampliou, de modo a incluir os Estados colônias recém-

emancipados das Américas, e enquanto o direito das nações ocidentais de ir em busca da riqueza elevou-se acima dos direitos absolutos de governo de seus governantes, os povos não ocidentais foram privados, por principio e na prática, do mais elementares direitos à autodeterminação, através de uma dominação colonial déspota e da invenção de ideologias apropriadas, como a do ‘orientalismo’” (Arrighi, 1996, p. 63-64).

10 Ver Wilson Cano (2000), capítulo 3.

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cafeeiro possibilitou uma acumulação de capital a nível local. Isto acabou por dar origem a uma classe local representativa, em certa medida ambiciosa, de capitalistas mercantis. Essa acumulação “primitiva” possibilitou aos empresários mercantis locais gerar certo grau de excedente que mais tarde veio a ser aplicado ao modelo de desenvolvimento industrial.

Embora existissem aspirações a industrialização no interior da economia-local brasileira, o processo não se fez sozinho.

Como agente aliado e cumprindo suas funções no moderno sistema interestatal, o Estado brasileiro passa então a preparar e desenvolver políticas – como ocorreu na Inglaterra durante a primeira metade do século XVIII – destinadas a criar condições locais ao desenvolvimento de atividades industriais no território brasileiro. A criação de uma infra- estrutura agrícola, através da Lei das Terras, em 1850, pretendia fomentar a produção de matérias-primas destinadas à indústria. A abolição da escravatura11, já mencionada, também surge neste contexto no sentido de alterar o tipo relação de trabalho exigido pela indústria. A concessão às Companhias estrangeiras para construção das estradas de ferro ou mesmo para geração de energia elétrica também teve papel importante no ciclo cafeeiro12. Outra medida importante fora a política econômica do Brasil de manutenção do preço do café a um nível que gerasse um superávit na balança comercial brasileira a fim de financiar a compra da tecnologia necessária à industrialização. Além disso, no plano interestatal, o Estado brasileiro preocupou-se em gerar atrativos para a massa de capital sistêmico circulante – do centro – que procurava valorização na esfera financeira. Como pode ser observado,

Os investimentos estrangeiros, cujo afluxo aumentou consideravelmente a partir de meados do século XIX, também foram encaminhados, sobretudo, para a infra-estrutura. No período de 1860 a 1889, por exemplo, foram concedidas licenças para a abertura de 137 companhias estrangeiras, 11 das quais eram inglesas. A maioria esmagadora das empresas foi criada na esfera financeira (bancos, companhias de seguros) e de serviços (estradas de ferro, navegação, transportes urbanos, abastecimento de gás), e, mais raramente, na industria mineira (Rego; Marques, 2004, p. 49).

Durante esse período de transição (1889-1930), do ciclo cafeeiro como centro dinâmico da economia-local brasileira para uma nova fase com destaque à indústria, vale destacar que o centro da economia-mundo capitalista passava pela Grande Depressão (1873-1896), que seguida pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918), reduziu o volume de troca (anexo I) entre os países criando assim brechas e espaços para o desenvolvimento local. Não obstante ao cenário favorável, os níveis de inversões exigidos ao desenvolvimento da indústria moderna eram altamente elevados se comparados com a capacidade do capital local brasileiro. Dessa forma, com a hegemonia britânica em fase de expansão financeira, foi possível para o Brasil adquirir, via dívida externa (anexo I), a quantidade de capital necessária para estimular a indústria local. Como pode ser observado na tabela do anexo I: a partir das volumosas entradas de capital em 1921; da retomada das exportações do café; e com as importações dos equipamentos industriais, a partir da década de 1920, verificou-se um salto no número de estabelecimentos industriais, pulando de 13.336, em 1920, para 43.250, em 1939. Em termos percentuais, esses números apresentam um crescimento de 324,31%, no período.

Número de Estabelecimentos Industrias - 1849-1939

1849 1869 1889 1909 1913 1920 1939

Nº de Estabelecimentos 67,0 154,0 636,0 4 940,0 9 475,0 13 336,0 43 250,0 Índice Agregativo Simples (1889 = 100) 10,5 24,2 100,0 776,7 1 489,8 2 096,9 6 800,3 Índice Agregativo Simples (1920 = 100) 0,5 1,2 4,8 37,0 71,0 100,0 324,3

Fonte: Adaptado IBGE, Estatísticas do Século XX, tabelas 7_03u_ind1912 e 7_07u_ind1920

11 Certamente a abolição da escravatura deveu-se também a um conjunto de outros fatores que aqui não estão sendo registrados. Objetivo é mostrar como a abolição favoreceu o desenvolvimento capitalista sob a édge da indústria.

12 A importância das estradas de ferro pro desenvolvimento da economia cafeeira não pode ser negada, porém, ao se observar as detentoras das concessões, ver-se-á que em sua grande maioria eram companhias de capital estrangeiro. Pode-se se citar a Brazil Railway Co.. No setor de energia, tinha-se a Rio de Janeiro Light & Power Co., a São Paulo Light & Power Co.. Sobre as diversas concessões feitas pelo governo ao capital estrangeiro ver Paul Singer (1989).

(9)

Todavia, ao ter em vista a hegemonia britânica no sistema interestatal, em fase de expansão financeira a partir de 1870, as atitudes tanto do governo como dos empresários brasileiros alinham-se com as iniciativas políticas e econômicas da Inglaterra, em sua fase de expansão material. Acreditava-se que o Brasil deveria se industrializar para sair do atoleiro da economia primário-exportadora13. Neste impulso nacionalista, “é interessante assinalar que o ideológico da burguesia industrial em vias de surgimento interpreta a dependência econômica exclusivamente como dependência comercial, e considerava o capital estrangeiro um elemento indispensável e útil ao desenvolvimento” (Rego; Marques, 2004, p. 51). Singer (1995), por outro lado, mesmo falando das multinacionais, da luz a questão da industrialização via substituição de ramos manufatureiros preexistente. A dependência tecnológica do capital local brasileiro frente ao capital central tende a perpetuar e prolongar com o passar do tempo. Do ponto de vista do Estado, o Brasil também tende a ter sua capacidade de decisão reduzida, mediante as fortes inversões de capital estrangeiro.

Entretanto, vale dizer que demonstrações de espírito local tentaram superar essas limitações sistêmicas. Já 1880 foi criada a Associação Industrial e como observa Edgard Carone, “O singular é ter nascido no Brasil uma associação profissional favorável a industrialização, antes de existir uma indústria propriamente dita” (Rego; Marques, 2004, p.

51).

Embora existissem esforços locais contra o movimento mundial de capitais, sugere- se que se a unidade de análise for a economia-mundo capitalista, o Brasil torna-se uma área condicionada, que cumpre funções e é produto do sistema mundial. Com isso, procurou-se mostrar com os argumentos como os fenômenos que ocorrem no Brasil não podem ser estudados isoladamentes sem considerar uma perspectiva social-histórica.

4 Considerações finais

Com o que foi exposto, assinalou-se que diante das dificuldades recentes de estudar os problemas da realidade latino-americana, cientistas sociais tem procurado novos métodos de análise na esperança de encontrar novas explicações que ajudem a superar as impossibilidades ao desenvolvimento. O presente trabalho ensaiou uma nova abordagem, a análise dos sistemas mundiais, na tentativa de dar luz a novos caminhos. Procurou-se, então, explicar o processo de industrialização brasileira no período de 1889-1930 adotando a economia-mundo como unidade de análise.

Verificou-se, portanto, que o Brasil em seu processo de industrialização sofreu influência direta da dinâmica da economia-mundo. Como resultado pôde-se observar dois aspectos cruciais: as motivações ideológicas e as restrições tecnológicas. Quanto ao primeiro, o processo de transferência da lógica mercantil para a dinâmica sustentada pela indústria, acompanhou o ideal da autodeterminação nacional. Imitar o centro – Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha – trazia consigo a fantasia de prosperidade. Fantasia, pois não se pode ignorar o sistema interestatal a qual o Brasil aceitou fazer parte.

Do ponto de vista técnico, o progresso tecnológico tem por natureza provocar rearranjos nas cadeias-mercantis, o que leva a uma ampliação da área geográfica da economia-mundo com inserção de novas áreas, ou mesmo, migrações de atividades entre as áreas de centro, semiperiferia e periferia. Com a saturação dos grandes capitais ingleses na esfera produtiva, as possibilidades sistêmicas de atração de capital circulante se ampliaram. Assim, os investimentos financeiros indicam ser um dos principais meios encontrado pelo Brasil para dar impulso à industrialização. Nesse sentido, o Brasil passou por um processo de industrialização de caráter não-inovativo, pois o processo de industrialização brasileira se deu num momento do capitalismo histórico em que o nível de tecnologia no centro estava muito a frente do padrão incorporado. A alternativa do centro para manutenção das suas taxas de lucros foi, ao mesmo tempo, a possibilidade brasileira de financiar a incorporação de elos mercantis industrializados e a principal restrição imposta pelo centro da economia-mundo capitalista a partir da dependência tecnológica e do endividamento externo.

13 Para mais detalhes ver Bandeira (1978, p. 133).

(10)

Portanto, o Brasil desde o ciclo do açúcar esteve ligado com os processos produtivos e mercantis da economia-mundo capitalista. Ao longo do século XVII e XVIII, constitui-se no Brasil a base para um capitalismo mercantil. Com o ciclo cafeeiro, estas bases foram consolidadas, permitindo assim o impulso industrializador que ocorreu após 1930.

Referências:

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________________. The Essential Wallerstein. New York: The New York Press, 2000.

ANEXO

Valor de Importação de

Equipamento Industrial(1) Endividamento Externo: Dívida

"Velha"(2)

Dívida

Registrada(3) Número de Estabelecimentos Industriais(4)

(em libras esterlinas a preços de 1913) (em libras) (US$ milhões)

Ano Valor Entradas Saldo Valor Ano Qtd

1907 1 591 210 5 650 91 246 443,5 1889 636

1908 1 457 111 23 750 111 599 542,4 1909 4 940

1909 1 476 458 4 300 113 685 552,5 1913 9 475

1910 1 733 234 18 200 128 260 624,6 1920 13 336

1911 2 222 300 9 900 132 184 643,2 1939 43 250

1912 2 693 600 4 200 131 526 640,5 1949 83 703

1913 2 857 718 19 620 144 233 702,1 1959 110 771

1914 1 157 885 18 702 160 987 786,3 1970 164 793

1915 337 491 3 530 161 900 770,0 1975 187 238

1916 375 121 1 158 161 623 770,6 1980 214 158

1917 487 195 158 545 755,3

1918 424 971 346 153 678 732,3

1919 794 953 2 019 152 423 675,1

1920 1 271 030 150 335 550,4

1921 1 607 563 20 336 169 368 651,4

1922 1 453 184 17 716 185 377 820,7

1923 1 322 218 183 442 839,1

1924 1 939 346 181 683 802,5

1925 2 609 991 3 082 182 982 883,6

1926 2 167 597 29 246 210 454 1.022,4

1927 2 144 788 26 622 234 186 1.138,4

Fonte: Tabela contruída a partir de dados do IBGE, Estatística do Século XX

(1) Tabela: 7_06u_ind1869_39 (2) Tabela:16_setor_externo_1824_1950 (3) Tabela: 17_setor_externo_1901_45 (4) Tabela: 7_03u_ind1912; 7_07u_ind1920 e 7_14ab_ind1939_85

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