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POR ONDE CAMINHA O SERVIÇO SOCIAL?: A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO SERVIÇO SOCIAL A PARTIR DO ESTADO DA ARTE

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POR ONDE CAMINHA O SERVIÇO SOCIAL?: A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO SERVIÇO SOCIAL A PARTIR DO ESTADO DA ARTE

Charles Machado Hoepner1 Resumo: O presente trabalho, por meio da realização de um estado da arte, objetiva discutir a formação profissional em Serviço Social destacando o processo sócio-histórico de constituição desta profissão no Brasil bem como os desafios postos aos assistentes sociais na atualidade, dada à precariedade no campo da política de educação superior e da formação profissional. Por meio do estudo evidenciou-se que a produção do conhecimento tem dado pouca atenção ao Serviço Social como objeto de estudos e pesquisas, fazendo-se necessário um retorno ao Serviço Social articulado à dinâmica societária para compreender e desmistificar os processos contraditórios que o cercam enquanto profissão.

Palavras-chave: Formação Profissional; Serviço Social; Conservadorismo; Estado da Arte.

1. INTRODUÇÃO

O Serviço Social brasileiro em seu estatuto de profissão, curso superior e área do conhecimento reconhecida pelas agências de fomento vem se modificando à partir das transformações societárias, acompanhando os ranços, avanços e acúmulos das lutas sociais e disputas de poder entre as classes antagônicas.

A partir de sua gênese, em que pese, suas manifestações inicias na perspectiva da coesão social e assumindo, claramente, o papel de ajustamento dos indíviduos ao modo de produção capitalista muitas foram as alterações significativas no terreno profissional ao longo de sua trajetória no Brasil.

Impulsionado pelos movimentos contra-hegemônicos e a partir do questionamento de práticas que estavam às avessas daquilo que se entendia e pretendia enquanto profissão o Serviço Social foi amadurecendo organizativa e politicamente enquanto categoria profissional comprometida com as lutas da classe trabalhadora.

Esse amadurecimento pode ser identificado tanto no que concerne à formação profissional quanto ao trabalho profissional, perpassando pelo amadurecimento no campo da

1 Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Especialista em Serviço Social e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutorando em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: charles19922009@hotmail.com.

IV SERPINF- Seminário Regional de Políticas Públicas, Intersetorialidade e Família

II SENPINF- Seminário Nacional de Políticas Públicas, Intersetorialidade e Família: Marcas históricas e movimentos contemporâneos. Resistir é preciso! | 2018 ISBN: 978-85-397-1214-4

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construção do conhecimento quanto o protagonismo no que diz respeito à defesa de políticas sociais universais para a todos os sujeitos.

O presente artigo propõe analisar como esta profissão veio se colocando nos espaços ao longo de sua trajetória no cenário brasileiro, sendo de preocupação desta produção elencar os desafios, particularidades e conquistas que se puseram no bojo desta profissão até a contemporaneidade.

Para tanto esta produção ora apresenta visa destacar elementos da formação profissional em tempos de avanço do conservadorismo e quais os possíveis rebatimentos da precarização deste processo para os atuais e futuros profissionais do Serviço Social.

Nesse sentido a produção está dividida em dois momentos. Em um primeiro momento apresenta-se as configurações desta profissão e os desafios para o campo da formação e trabalho profissional especialmente no que se refere ao desmonte da Universidade pública, os avanços do conservadorismo e as novas demandas postas ao profissional de Serviço Social.

No segundo momento são apresentados os dados coletados para a realização do estado da arte, apontando as tendências no campo da produção do conhecimento no Serviço Social. Por fim, são apresentadas algumas considerações finais com os principais aspectos apresentados no trabalho, bem como, perspectivas para o Serviço Social em sua manifestação atual.

2. CONCEPÇÕES, DESAFIOS E TENDÊNCIAS DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL:

No ano em que o Serviço Social brasileiro completou 80 anos de trajetória, marcado pela intensificação das lutas e mobilizações da classe trabalhadora, dado o cenário de derrocada no campo dos direitos sociais e um avanço das forças conservadoras, inclusive no seio da categoria profissional dos assistentes sociais, torna-se tarefa irremediavelmente necessária problematizar a formação profissional em Serviço Social.

Com o avanço do conservadorismo nos quatro cantos do mundo forças conservadoras vêm centrando suas ações no campo da desmobilização da classe trabalhadora, na desregulamentação dos direitos trabalhistas, no aumento da idade para a aposentadoria e na intensificação da jornada de trabalho (MARQUES, 2013). Não obstante esse processo, temos no cenário brasileiro o agravamento do conservadorismo no campo da política, ganhando representação por meio dos interesses particularistas da bancada BBB (boi, bala e bíblia)

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cujos interesses vêm dominando a câmara dos deputados e tem pautado uma série de projetos e emendas constitucionais2 que vão à contramão das conquistas da classe trabalhadora, arduamente requisitadas, ao longo de nossa trajetória histórica.

O Serviço Social, enquanto profissão inserida na divisão sócio-técnica do trabalho não está inerte a estas transformações decorridas na sociedade brasileira. Inserido em uma realidade dinâmica, cujos interesses antagônicos estão em constante processo de disputa esta profissão encontra-se permeada por esse progresso do conservadorismo. Os reflexos podem ser visualizados a partir do avanço da ideologia pós-moderna no campo da formação profissional em Serviço Social como um dos impactos da incorporação dos princípios neoliberais na atuação do Estado. Conforme Barroco (2015) o

neoconservadorismo apresenta-se, então, como forma dominante de apologia conservadora da ordem capitalista, combatendo o Estado social e os direitos sociais, almejando uma sociedade sem restrições ao mercado, reservando ao estado a função coercitiva de reprimir violentamente todas as formas de contestação à ordem social e aos costumes tradicionais” (BARROCO, 2015, p. 624-625).

Tendo em vista a centralidade do trabalho profissional dos assistentes sociais enquanto profissão interventiva na divisão sócio-técnica do trabalho e situando o contexto emergente de avanço do Estado pautado nos valores neoliberais cujos resultados têm rebatimento direto no campo das políticas sociais, dentre elas, a política de educação superior, urge a necessidade de serem realizadas pesquisas que tenham como objeto de estudo o Serviço Social3.

Partindo desse pressuposto, os estudos no campo do Serviço Social, especialmente no que se refere à formação e trabalho do assistente social são essenciais para compreendermos os processos contraditórios que vem permeando esta profissão, com vistas a identificar possibilidades de articulação e fortalecimento da resistência perante esse cenário de desmonte no campo das conquistas da classe trabalhadora e para a afirmação da direção social assumida pela profissão nos últimos 30 anos.

2 Dentre elas a PEC 241 que prevê o congelamento dos gastos públicos para políticas como saúde e educação, por exemplo, por um período de 20 anos.

3 “[...] realizar a ‘viagem de volta’ para apreensão do exercício e da formação profissionais em suas múltiplas determinações e relações no cenário atual. E assim extrair da dinâmica societária suas incidências nos fundamentos e processamento do trabalho profissional, retomando, assim, sob novas luzes, o Serviço Social, mergulhado na tessitura das relações e contradições sociais que movem a sociedade brasileira, como objeto de sua pesquisa” (IAMAMOTO, 2011, p. 44).

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Com o aumento significativo do número de assistentes sociais na última década e com a presença dos cursos de Serviço Social na modalidade a distância, intensificou-se a pressão oriunda de interesses distintos, ditados pelo mercado, para a redução da carga horária mínima dos cursos de Serviço Social, da mesma forma que, flexibilizar a formação sob o ponto de vista da predominância da formação profissional em caráter tecnicista. Sob esse aspecto “A qualidade da formação e a produção de conhecimento estariam ameaçadas pelo “aulismo” em detrimento da pesquisa, pela falta de formação de pesquisadores e de intercâmbio desinteressado (sem estar submetido à lógica comercial/lucrativa) com a sociedade” (KOIKE, 2009, p.9).

Hoje um novo perfil profissional está sendo requisitado, esse perfil, a serviço do capital, acompanha as transformações no mundo do trabalho que exigem profissionais cada vez mais habilidosos e polivalentes. Essa concepção voltada para atender as necessidades do mercado “tende a substituir dispositivos consolidados da formação profissional, exigindo do sistema educacional, dos processos e requisitos educativo‐formativos adequações que os tornem funcionais ao novo padrão produtivo” (KOIKE, 2009, p.6).

Para, além disso, este trabalho aponta como necessário e relevante dar visibilidade ao debate das influências conservadoras também no campo da formação profissional em Serviço Social que vem ameaçando o projeto de formação profissional, construído coletivamente no âmago da categoria profissional cujo um dos princípios foi a “adoção de uma teoria social crítica que possibilite a apreensão da totalidade social em suas dimensões de universalidade, particularidade e singularidade” (ABEPSS, 1996).

No que tange a produção de conhecimentos acerca da temática da formação profissional em Serviço Social nos periódicos mais qualificados pela CAPES (Qualis A1) na área do Serviço Social (Serviço Social & Sociedade e Katálysis) quando pesquisados os termos “formação profissional”, “Questão Social”, “Conservadorismo”, “Projeto Ético- Político” e “Pós-modernidade” foram encontrados os seguintes resultados na revista Serviço Social & sociedade conforme apresenta o gráfico 1:

Gráfico 1- Produção do conhecimento na revista Serviço Social &Sociedade

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A partir das informações apresentadas no gráfico de um total de 255 artigos4 publicados em 29 volumes da revista em um período de 7 anos5 pode-se identificar que os trabalhos publicados na área da formação profissional não representam nem 10% das discussões abordadas no periódico, o que pode sinalizar a incipiente produção na área e, por sua vez, a urgência de problematização do Serviço Social como objeto na produção do conhecimento.

Se observar o dado referente à discussão da Questão Social as discussões aparecem em, aproximadamente, 2,3% dos artigos publicados. Embora a pesquisa tenha buscado as categorias acima mencionadas apenas no título das produções acredita-se que este número não seria expressivamente maior se fossem observadas as palavras-chave dos trabalhos, por exemplo.

Esse dado é importante uma vez que a Questão Social é o objeto de intervenção do Serviço Social. Cardoso (2000) destaca a importância da categoria Questão Social no processo de formação profissional em Serviço Social, dadas as alterações no mundo do

4 Na modalidade artigos compreende-se também ensaios teóricos, relatos de experiência, relatos de pesquisa e/ou outras modalidades de artigo científico que aparecem na revista estudada.

5 Ressalta-se que, para estas categorias, foram pesquisados apenas os volumes disponíveis em modo digital (online), ou seja, apenas as revistas publicadas a partir do ano de 2010. Essa pesquisa é diferenciada da outra apresentada no terceiro item deste artigo, pois apresenta algumas tendências particulares da Revista Serviço Social e Sociedade.

n= 255

Formação Profissional Questão Social Conservadorismo 3,1%

2,3 0,7%

3,5%

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trabalho que tem transformado a dinâmica das relações trabalhistas a partir do processo de reestruturação produtiva e tem ocasionado novas demandas no trabalho profissional do assistente social, tendo em vista sua inserção no conjunto das relações de produção e reprodução da vida social.

Diante dos elementos elencados, o que nos é posto em questão é, como pensarmos em um profissional crítico-propositivo, defensor dos direitos sociais e compreensivo das relações contraditórias que o cercam enquanto sujeito se o seu processo de formação profissional encontra-se emergido pelos ditames mercadológicos e precarizados da educação sob a ótica do capital?

Conforme o cenário brasileiro foi se redesenhando ao longo do século XX e início do século XXI, novas perspectivas profissionais foram sendo exigidas dos Assistentes Sociais brasileiros. Para a formação profissional dos Assistentes Sociais um marco foi as Diretrizes Curriculares de 1982 que foram resultado da mobilização da categoria profissional acerca de seu posicionamento e exercício profissional, que articulou a categoria em âmbito nacional e internacional, denominado Movimento de Reconceituação (NETTO, 2005).

O Currículo de 1982, pela primeira vez desde o surgimento do Serviço Social no Brasil, problematizou que o Serviço Social está situado no bojo das relações sociais e conforme a realidade vai se reconfigurando, novos desafios surgem para a categoria profissional. Dessa forma o mesmo trouxe questões que precisavam ser revistas no conjunto da categoria profissional tais como,

[...] a busca pela efetiva capacitação teórica dos profissionais, das estratégias incentivadoras de uma real aliança da profissão com os trabalhadores e do entendimento de que a formação está situada no interior das relações de classe (MACIEL, 2006, p. 98).

Ainda na década de 1980 com os reflexos do fim da Autocracia Burguesa e vivenciando os reflexos do Movimento de Reconceituação temos um momento divisor de águas no Serviço Social Brasileiro que é a busca pela direção social da profissão, avessa da expressa até então. Segundo Barroco (2006) “O Código e a reformulação curricular de 1982 são marcos de um mesmo projeto que pressupõe o compromisso ético-político com as classes subalternas e a explicitação da direção social da formação e da prática profissional”

(BARROCO, 2006, p. 170).

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O Projeto Ético-político do Serviço Social, fortemente discutido na segunda metade da década de 1990, trata a direção social e política da profissão e sintetiza o direcionamento da ação profissional a partir da década de 1990. Está intimamente ligado aos rumos que a categoria profissional começa a seguir. Ele é um dos avanços que o Serviço Social alcançou por meio dos debates e discussões acerca da profissão e sua observância consiste em um dos maiores desafios para os profissionais do Serviço Social, pois é pautado nele que o assistente social deve direcionar o seu exercício profissional interventivo (NETTO, 2009). Para Pereira (2008, p.167), “A profissão do Serviço Social nos anos 1990, principalmente após a promulgação da CF 88, assistiu a uma significativa ampliação e reconfiguração de seu

mercado de trabalho”.

Em 1996 tem-se com a Lei de Diretrizes e bases da Educação nacional (LEI nº 9.394/96) uma série de formulações e prerrogativas no campo da educação superior, direcionadas para as transformações que naquele momento estavam em curso no país. Essa lei traz as formulações e competências mínimas que as Instituições de Ensino Superior (em suas diversas modalidades) devem obrigatoriamente seguir.

A partir dessa legislação, tem-se, no mesmo ano, a formulação das Diretrizes Curriculares da ABEPSS, que traziam elementos fundamentais para o campo da formação profissional em Serviço Social. Essas diretrizes foram uma revisão do currículo de 1982 e trouxeram elementos que estavam em efervescência no âmago da categoria profissional.

Esse documento é um marco para a profissão, uma vez que, delineou os rumos necessários e a direção da formação profissional para atender aos requisitos indispensáveis para uma formação de qualidade. Essas Diretrizes abarcaram e definiram as exigências fundamentais para a formação dos novos assistentes sociais. Além da definição das competências teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa o documento apresentou alguns princípios que deveriam ser adotados, sendo eles:

1. Apreensão crítica do processo histórico como totalidade; 2. Investigação sobre a formação histórica e os processos sociais contemporâneos que conformam a sociedade brasileira, no sentido de apreender as particularidades da constituição e desenvolvimento do capitalismo e do Serviço Social no país; 3. Apreensão do significado social da profissão desvelando as possibilidades de ação contidas na realidade; 4. Apreensão das demandas - consolidadas e emergentes - postas ao Serviço Social via mercado de trabalho, visando formular respostas profissionais que potenciem o enfrentamento da questão social, considerando as novas articulações entre público e privado; 5. Exercício profissional cumprindo as competências e

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atribuições previstas na Legislação Profissional em vigor (ABEPSS,1996, p.

7).

Esses princípios estavam em conformidade com as transformações societárias emergentes na década de 1990, bem como esclareciam os elementos componentes da formação profissional com vistas a contemplar as novas exigências as quais os assistentes sociais estavam sendo convocados.

Para, além disso, o documento delineou as matérias básicas que representam áreas do conhecimento necessárias que deveriam conter nos cursos de Serviço Social, de modo que foram organizadas por meio de três núcleos de fundamentação: Núcleos de Fundamentos Teórico-Metodológicos da Vida Social, Núcleo de Fundamentos da Formação Sócio-Histórica da Sociedade Brasileira e Núcleo de Fundamentos do Trabalho Profissional (ABEPSS, 1996).

O atendimento às questões introduzidas por esses núcleos foi requisito indispensável para que cada Instituição de Ensino Superior pudesse construir sua grade curricular sem deixar de atender os pressupostos gerais previstos no documento, tendo garantida a sua autonomia na elaboração da mesma.

Contraditoriamente, em 13 de março de 2002 temos a aprovação, via Ministério da Educação, da Resolução CNE/CES 15/2002 que estabeleceu as Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social. Essas diretrizes que deveriam orientar a formulação do projeto pedagógico dos cursos de Serviço Social representaram um retrocesso comparado às Diretrizes Curriculares da ABEPSS, trazendo, dentre outros elementos, que uma das competências e habilidades do Assistente Social deveria ser “a utilização dos recursos de informática” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2002). Essas diretrizes dão base para a compreensão da lógica mercadológica que deveria permear a formação profissional em Serviço Social. Faleiros (2000) suscita que “as mudanças curriculares estão profundamente vinculadas às políticas de ensino superior, hoje inseridas no contexto neoliberal de sucateamento, privatização e mercantilização do Estado e da universidade” (FALEIROS, 2000, p. 165).

Com base nesses elementos pode-se perceber que as fragilidades e limites que permeiam o cotidiano interventivo do Assistente Social podem ser resquícios de uma

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formação enfraquecida6. Essas fragilidades podem ser um risco para a construção da criticidade no âmbito da categoria profissional, uma vez que o Assistente Social pode estar sendo formado para colaborar no consenso entre a classe trabalhadora e as necessidades do capital (PEREIRA, 2008).

Para além do crescente aumento de cursos de Serviço Social em Instituições Privadas7 (que, no caso das faculdades e centros universitários, não exige a obrigatoriedade de atividades de ensino, pesquisa e extensão) tem-se a partir de 2003 a abertura desenfreada de cursos de Serviço Social e do número de vagas na modalidade à distância8. Essa realidade pode estar pondo em cheque lutas da categoria profissional de décadas como é o caso da formação pública, gratuita e de qualidade.

Não obstante a esse cenário, tem-se, com o avanço dos valores conservadores delineados pela direita brasileira, uma forte influência do pensamento pós-moderno que ameaça as conquistas históricas frutos do amadurecimento intelectual, político e organizativo da categoria profissional dos assistentes sociais brasileiros. Conforme Fonseca (2016),

No processo de fortalecimento da direção do projeto profissional, é necessário considerar as repercussões que o pensamento pós-moderno apresenta. Primeiramente, no plano do conhecimento, o ideário da pós- modernidade traz, como questionamento central, a validade teórica do marxismo e da razão dialética na compreensão do mundo em transformação, ou seja, trata-se de um questionamento que atinge o núcleo central do projeto profissional: sua opção pelo referencial marxiano/marxista, portanto, pela razão crítico-dialética. Como resposta, o pensamento pós-moderno recupera e fortalece a razão instrumental e a tradição conservadora, reatualizando tendências que reforçam um determinado tipo de legitimidade do Serviço Social, o que se coloca a serviço dos interesses do capital e da sua expressão de classe, a burguesia (FONSECA, 2016, p. 204).

Nesse sentido, o Serviço Social é hoje um espaço de afirmação e negação constante, acompanhando os movimentos contraditórios gerados pela vida em sociedade, não podendo

6 A Universidade que se defende é aquela que cultiva razão crítica e o compromisso com valores universais, coerente com sua função pública, não limitada e submetida a interesses particulares de determinadas classes ou frações de classes (IAMAMOTO, 2011, p.432).

7 Ao lado do EaD, crescem os cursos privados, que muitas vezes são de baixa qualidade, em que pesem os esforços de jovens e comprometidos docentes, em função das condições de trabalho: contrato horista, ausência de pesquisa e extensão, turmas enormes, estágios que não asseguram supervisão acadêmica e de campo articuladas (CFESS, 2011, p.12).

8 A portaria nº 301 de 7 de abril de 1998 do Ministério da Educação traz a regulamentação da educação a distância no Brasil, enquanto forma de acompanhamento dos avanços tecnológicos para o campo da educação.

Por sua vez, o Parecer CNE/CES nº 301/2003, aprovado em 3 de dezembro de 2003, autoriza a aprovação da oferta de cursos a distância por Universidades e Centros Universitários sem a necessidade de autorização do Ministério da Educação.

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dela desvincular-se. Iamamoto (2014) nos possibilita visualizar o cenário contemporâneo no Serviço Social. Não externo às transformações societárias ocorridas no sistema capitalista

“dificilmente a oferta de trabalho poderá acompanhar, no mesmo ritmo, o crescimento do número de profissionais, podendo desdobrar-se na criação de um exército assistencial de reserva, como recurso de qualificação do “voluntariado”, e no reforço ao clientelismo político” (IAMAMOTO, 2014, p.630).

Todas essas discussões remetem ao fato de que o cenário no interior da categoria profissional dos assistentes sociais está se alterando e, consequentemente, a formação profissional precisa reafirmar algumas questões. É preciso dar conta de atender as lacunas geradas pelas novas exigências, sem, contudo, perder de vista a direção política e profissional construída coletivamente em todos esses anos da afirmação do Serviço Social enquanto profissão necessária e requisitada socialmente. Na sequência, se apresentam os principais resultados oriundos da realização do estado da arte.

3. OS “ACHADOS” DA PESQUISA DO ESTADO DA ARTE:

A pesquisa para a realização do estado da arte se utilizou de cinco fontes: O banco de teses e dissertações da CAPES; O portal de periódicos da CAPES; A biblioteca nacional de Teses e dissertações; Revista Serviço Social e Sociedade (1996-2017) e Revista Temporalis (2010-2017). Como descritores foram utilizados “formação profissional em Serviço Social”,

“Diretrizes Curriculares” e “Educação Superior e Serviço Social” em razão destes três circundarem o objeto de pesquisa. A delimitação temporal da pesquisa é dos anos de 1996 a 2017 sendo que este recorte tem relação direta com a aprovação das Diretrizes Curriculares da ABEPSS, que foram aprovadas pela categoria profissional dos assistentes sociais em 1996 e que compõem um dos descritores desta pesquisa, já discutidos no primeiro item desta produção. Apenas a revista Temporalis tem o recorte temporal entre os anos de 2010 a 2017, uma vez que, optou-se por realizar a pesquisa apenas nas edições da revista disponíveis em meio eletrônico, dada a dificuldade em acessar as revistas impressas. Na sequência serão apresentados os dados encontrados e os trabalhos que atendem os objetivos do estado da arte.

No banco de dados de teses e dissertações da CAPES ao ser pesquisado o termo

“formação profissional em serviço social” foram encontrados, inicialmente, 932.361 trabalhos com essa temática, sendo 654.838 dissertações de Mestrado e 216.967 teses de Doutorado.

Quando aplicado o filtro para produções na área de Ciências Sociais Aplicadas foram

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encontrados 120.870 resultados, sendo 87.862 dissertações de Mestrado e 17.884 teses de Doutorado. Ao ser selecionado o Serviço Social como área do conhecimento foram encontrados 7.293 resultados, sendo destes 5.928 dissertações de Mestrado e 1.365 teses de Doutorado. Quando selecionados os trabalhos elaborados a partir do ano de 1996 foram encontrados 6.710 resultados, sendo estes 5.432 dissertações de Mestrado e 1.278 teses de Doutorado. Após aplicar o filtro por programas de Serviço Social foram encontrados 5.001 resultados, sendo destes 3.910 dissertações de Mestrado e 1.091 teses de Doutorado. Ao aplicar como área de concentração “Serviço Social: fundamentos e prática profissional”;

“Serviço Social: políticas e processos sociais”; “Serviço Social” e “Fundamentação teórico- prática do Serviço Social” foram encontrados 240 resultados, sendo 175 dissertações de Mestrado e 65 teses de Doutorado. A partir dos critérios de análise chegou-se aos seguintes resultados: 10 dissertações e 7 teses.

Ao ser pesquisado o termo “Diretrizes Curriculares da ABEPSS” foram encontrados os seguintes resultados 966.980 teses e dissertações. Ao serem aplicados os filtros conforme relatado acima chegou-se aos seguintes resultados, 2 dissertações de mestrado e 2 teses de doutorado.

Ao pesquisar o termo “formação profissional em Serviço Social” na biblioteca digital brasileira de teses e dissertações foram encontrados 95 resultados, sendo destes foram selecionados 16 trabalhos (4 teses e 12 dissertações).

Ao pesquisar o termo “diretrizes curriculares” no site da Biblioteca Nacional de Teses e Dissertações foram encontrados 120 resultados. Destes foram selecionados os seguintes resultados: 4 dissertações e 3 teses.

Ao pesquisar o termo “educação superior e serviço social” no site da Biblioteca Nacional de Teses e Dissertações foram encontrados 45 resultados. Destes foram selecionados os seguintes resultados: 4 dissertações de mestrado e 1 tese de doutorado.

No portal dos periódicos da CAPES foram encontrados 38 resultados referentes ao termo “formação profissional em Serviço Social”. Destes foram selecionados 8 artigos que se enquadravam nos critérios estabelecidos.

Quando pesquisado o termo “diretrizes curriculares” no portal de periódicos da CAPES foram encontrados 313 resultados. Com os filtros chegou-se à 1 resultado.

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Na Revista Serviço Social e Sociedade de um total de 676 artigos publicados desde o ano de 1996 30 destes abordam os descritores desta pesquisa, ou seja, 4,4% do total das produções. Já na Revista Temporalis de um total de 170 artigos publicados desde que a revista passou a ser disponibilizada online (2010), foram encontrados 29 artigos que contemplam os descritores da pesquisa, ou seja, 17,05% das produções compreendem o campo da formação profissional em Serviço Social.

O que pode se concluir da elaboração do estado da arte é que o tema da formação profissional em Serviço Social ainda é secundário na produção do conhecimento do Serviço Social brasileiro. Tem-se uma predominância de discussões ligadas ao campo das políticas sociais e pouco vem se debatendo a profissão como objeto. Esse cenário já foi apresentado por Kameyama (1998) em pesquisa realizada acerca da trajetória da produção de conhecimento no Serviço Social (1975-1997) onde a autora constatou que até 1997, o tema da formação profissional em Serviço Social ocupava a terceira posição das produções elaboradas no campo do Serviço Social, com especial atenção à relação teórico-prática oriunda do Estágio e Supervisão em Serviço Social.

Nesse sentido, resgata-se o compromisso já requerido por Iamamoto (2011) de colocar o debate do Serviço Social na agenda da produção do conhecimento na área, dados os rebatimentos das transformações societárias que tem impactos significativos no campo profissional.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Serviço Social, no decorrer de sua trajetória histórica no Brasil abarcou uma série de contradições e desafios acompanhados pelas transformações sociais. Ao longo de seus 80 anos de inserção no Brasil foram apresentadas e incorporadas por esta profissão distintas perspectivas teóricas bem como exigências profissionais.

O referido artigo teve como propósito discorrer sobre a profissão do Serviço Social especialmente no que se refere ao processo de amadurecimento político-organizativo construído pela categoria durante o movimento de reconceituação.

Destaca-se desse processo de amadurecimento profissional a construção do Código de ética profissional de 1993, a Lei de Regulamentação da Profissão e as Diretrizes Curriculares da ABEPSS, em 1996. Da mesma forma, cabe referir o posicionamento da categoria

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profissional em defesa da classe trabalhadora dada também a inserção do profissional assistente social na divisão sócio-técnica do trabalho.

Desde os anos 1990 muitos são os desafios colocados no campo da formação e trabalho profissional do Serviço Social. Tem-se um cenário de desmonte no campo das políticas sociais a partir da ofensiva neoliberal, bem como uma fragilização da formação profissional por meio da expansão majoritária de instituições privadas e a distância. Da mesma forma novas exigências têm sido postas aos profissionais de Serviço Social, sendo necessárias estratégias que construam a ponte entre as demandas requisitadas e os preceitos profissionais preconizados nas legislações da área.

Tem-se ainda um ressurgimento do conservadorismo que impacta diretamente tanto na sociedade como na formação profissional em Serviço Social. A influência de teorias pós- modernas tem rebatido principalmente no que diz respeito à tradição marxista, de forma a fragmentar os processos sociais e deslocar do debate da totalidade, historicidade e contradição os fenômenos sociais incorrendo um grande risco para as conquistas que o Serviço Social teve, inclusive no campo da construção do conhecimento, nas últimas décadas.

Destaca-se que é urgentemente necessário a discussão de pesquisas e produção do conhecimento que tenham o Serviço Social como objeto de investigação, como identificado no estado da arte, com vistas a fortalecer as conquistas profissionais no campo teórico como também no campo político-organizativo da categoria profissional, retomando o horizonte vislumbrado pelo Projeto Ético-Político profissional para que essa profissão siga na posição radical contrária ao desmonte no campo dos direitos sociais e reafirme enfaticamente “não passarão!”.

REFERÊNCIAS

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Referências

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