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Ponto de Vista O que esperar de Poupança A oportunidade gerada na pandemia. Investimentos Equilibrando risco e retorno

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Academic year: 2022

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Editada desde 1947 • www.conjunturaeconomica.com.br • Janeiro 2022 • volume 76 • nº 01

Entrevista

Joaquim Falcão Membro da ABL, professor de Direito Constitucional

Carta do IBRE

IVAR, novo índice de preços de aluguel do FGV IBRE, pode aprimorar contratos e política econômica

Ponto de Vista

O que esperar de 2022

Artigos

Joisa Dutra

José Roberto R. Afonso Lia Baker Valls Pereira Lucas Thevenard Gomes Natasha Schmitt Caccia Salinas Samuel Pessôa

Thiago Felipe R. Abreu

Poupança

A oportunidade gerada na pandemia Investimentos

Equilibrando risco e retorno Comércio exterior

Incertezas e desafios

Economia sem impulso, incerteza fiscal e turbulências no campo político apontam mais um ano árduo para os brasileiros

pressão Sob

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N E S T A E D I Ç Ã O

Instituto Brasileiro de Economia | Janeiro de 2022

J a n e i r o 202 2 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 3

Carta do IBRE

6 IVAR, novo índice de preços de aluguel do FGV IBRE, pode aprimorar contratos e política econômica O FGV IBRE lançou o IVAR, índice de variação de aluguéis residenciais, que se espera seja uma importante adição ao conjunto de índices de preços produzidos pelo IBRE. A evolução dos preços de aluguéis é uma variável econômica de enorme relevância, e cuja aferição não é nada trivial. A dificuldade em estimar adequadamente a inflação dos aluguéis é um tradicional problema que afeta as negociações de milhões de contratos e, também, a análise macroeconômica em diversos aspectos, incluindo até o fiscal. A correta medição da evolução dos preços dos aluguéis, quando o IVAR calculado retroativamente é inserido nos índices de preços ao consumidor, indica que a inflação total efetiva nos últimos anos não foi exatamente a registrada nos índices oficiais – e as diferenças são significativas em alguns casos.

Entrevista

12 “Cada dia mais, a Constituição é menos”

Quando perguntado sobre as preocupações em torno da economia e das perspectivas políticas para 2022, tratadas exaustivamente na mídia a partir da análise de pesquisas e projeções, Joaquim Falcão sai da superfície da conjuntura e, de seu mergulho, retorna com temas basilares que reconfiguram a ordem do debate. Nesta entrevista para a Conjuntura Econômica, o membro da Academia Brasileira de Letras defende que o sistema financeiro precisa de uma cirurgia institucional “para aprender com as consequências”

que ajuda a provocar sobre o processo de produção de bem-estar para os brasileiros. Alerta sobre a dificuldade do Supremo de dar conta dos processos a decidir, fazendo bypasses que ampliam a insegurança, inclusive econômica.

E afirma que a ameaça à democracia não é eleitoral, mas sim a da pobreza.

Macroeconomia

18 A poupança que fica(rá)

O aumento da poupança constituiu um diferencial no cenário macroeconômico da pandemia da Covid-19. Como em outras crises, marcadas por grave incerteza, houve uma disparada da poupança dita precaucional. Desta vez, as restrições ao consumo acentuaram esse fenômeno. Este também é marcado por mudanças de comportamento

decorrentes das novas tendências estruturais na economia e na sociedade, mais digitalizada, mais automatizada, mais trabalho independente, menos proteção social pública.

Capa | Perspectivas

30 2022 sob pressão

Com uma reação melhor que a esperada da atividade no início do ano, 2021 se despediu deixando uma expansão do PIB acima da inicialmente projetada – de 4,6% conforme prevê o Boletim Macro de dezembro –, mas em preocupante desaceleração, quitando impulso para 2022. As estimativas do IBRE são de que este ano a economia crescerá 0,7%.

Com uma economia andando de lado, uma recuperação do mercado de trabalho incompleta, e um período eleitoral que promete dose extra de turbulência, espera-se mais um ano árduo à frente. “A atividade oscilará muito. No primeiro trimestre, a tendência é de crescimento, com ajuda do desempenho do agronegócio, talvez serviços públicos.

Mas no segundo trimestre o agro já sai de cena, a base de comparação com o segundo tri de 2021 é desfavorável, e podemos ter um PIB negativo. Talvez no terceiro tri haja uma acomodação. Na média, a sensação será de uma economia estagnada”, resume Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE. “Nada que se assemelhe a um desastre, mas que efetivamente não terá grande força.”

Saneamento

42 Equilibrando riscos e retornos nos investimentos A evolução da variante ômicrom no hemisfério Norte não dá muita razão para alento quanto ao fim da pandemia que nos assombra nos últimos 2 anos. Apesar de ficar cada vez mais claro que teremos que aprender a conviver com o vírus, o comportamento dos mercados reflete incerteza e preocupação aumentadas. Investimentos em infraestrutura são vistos como importantes instrumentos na recuperação da crise da pandemia ao redor do mundo. Mais do que fechar gaps e aumentar a produtividade, trata-se de aproveitar a oportunidade de adaptar ativos na transição para uma economia de baixo carbono. Estados Unidos e Europa, notadamente, têm feitos esforços para canalizar recursos para investimentos em infraestrutura sustentáveis.

O Brasil nos últimos 5 anos tem tido avanços importantes em infraestrutura, a despeito das crises recentes. Mais de uma centena de leilões permitiram alocar ativos e direitos em telecomunicações, transportes (rodovias, aeroportos, portos) e energia.

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Fundador Richard Lewinsohn Editor-Chefe

Luiz Guilherme Schymura de Oliveira Editor-Executivo

Claudio Roberto Gomes Conceição Editora

Solange Monteiro

Editoria de arte: Marcelo Nascimento Utrine Capa e projeto gráfico: Marcelo Nascimento Utrine Ilustração da capa: Istockphoto

Revisão: Mariflor Rocha

Colaboram nesta edição: Joisa Dutra, José Roberto R. Afonso, Lia Baker Valls Pereira, Lucas Thevenard Gomes, Luiz Guilherme Schymura, Natasha Schmitt Caccia Salinas, Samuel Pessôa e Thiago Felipe R. Abreu

Secretaria e apoio administrativo Rua Barão de Itambi, 60 – 8o andar

Botafogo – CEP 22231-000 – Rio de Janeiro – RJ Tel.: (21) 3799-6840 – Fax: (21) 3799-6855 conjunturaredacao@fgv.br

Conjuntura Econômica é uma revista mensal editada pelo Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas, desde novembro de 1947.

As manifestações expressas por integrantes dos quadros da Fundação Getulio Vargas, nas quais constem a sua identificação como tais, em artigos e entrevistas publicados nos meios de comunicação em geral, representam exclusivamente as opiniões dos seus autores e não, necessariamente, a posição institucional da FGV.

A reprodução total ou parcial do conteúdo da revista somente será permitida com autorização expressa dos editores.

ISSN 0010-5945Conjuntura Econômica. – Vol. 1, n. 1 (nov. 1947) -.- Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1947-v. il.; 28cm. Mensal.

Órgão oficial de: Instituto Brasileiro de Economia. Diretores: Nov. 1947-mar. 1952, Richard Lewinsohn;

Maio 1952-dez. 1968, José Garrido Torres; Jan. 1969-mar. 1974, Sebastião Marcos Vital; Abr. 1974-mar.

1979, Antonio Carlos Lemgruber; Abr. 1979-abr. 1994, Paulo Rabello de Castro; Maio 1994-set 1999, Lauro Vieira de Faria; Out. 1999-nov. 2003, Roberto Fendt; Dez. 2003-jun. 2004, Antonio Carlos Pôrto Gonçalves; Jul. 2004, Luiz Guilherme Schymura de Oliveira.

ISSN 0010-5945

1. Economia — Periódicos. 2. Brasil — Condições Econômicas — Periódicos. I. Fundação Getulio Vargas.

II. Instituto Brasileiro de Economia.

CDD 330.5 Instituição de caráter técnico-científico, educativo e filantrópico, criada em 20 de

dezembro de 1944, como pessoa jurídica de direito privado, tem por finalidade atuar no âmbito das Ciências Sociais, particularmente Economia e Administração, bem como contribuir para a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável.

Praia de Botafogo, 190 – CEP 22250-900 – Rio de Janeiro – RJ Caixa Postal 62.591 – CEP 22257-970 – Tel.: (21) 3799-4747

Primeiro Presidente e Fundador

Luiz Simões Lopes

Presidente

Carlos Ivan Simonsen Leal

Vice-presidentes: Francisco Oswaldo Neves Dornelles (licenciado), Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque

Conselho Diretor

Presidente: Carlos Ivan Simonsen Leal

Vice-presidentes: Francisco Oswaldo Neves Dornelles (licenciado), Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque

Vogais: Armando Klabin, Carlos Alberto Pires de Carvalho e Albuquerque, Cristiano Buarque Franco Neto, Ernane Galvêas, José Luiz Miranda, Lindolpho de Carvalho Dias, Marcílio Marques Moreira, Roberto Paulo Cezar de Andrade

Suplentes: Aldo Floris, Antonio Monteiro de Castro Filho, Ary Oswaldo Mattos Filho, Eduardo Baptista Vianna, Gilberto Duarte Prado, José Ermírio de Moraes Neto, Marcelo José Basílio de Souza Marinho

Conselho Curador

Presidente: Carlos Alberto Lenz César Protásio

Vice-presidente: João Alfredo Dias Lins (Klabin Irmãos & Cia.)

Vogais: Alexandre Koch Torres de Assis, Jorge Irribarra (Souza Cruz S/A), Antonio Alberto Gouvêa Vieira, Carlos Eduardo de Freitas, Cid Heraclito de Queiroz, Eduardo M. Krieger, Estado da Bahia, Estado do Rio de Janeiro, Estado do Rio Grande do Sul, José Carlos Cardoso (IRB-Brasil Resseguros S.A), Luiz Chor, Luiz Ildefonso Simões Lopes, Marcelo Serfaty, Marcio João de Andrade Fortes, Miguel Pachá, Isaac Sidney Menezes Ferreira (Federação Brasileira de Bancos), Pedro Henrique Mariani Bittencourt, Ronaldo Vilela (Sindicato das Empresas de Seguros Privados, de Previdência Complementar e de Capitalização nos Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo), Willy Otto Jordan Neto

Suplentes: Almirante Luiz Guilherme Sá de Gusmão, Carlos Hamilton Vasconcelos Araújo, General Joaquim Maia Brandão Júnior, José Carlos Schmidt Murta Ribeiro, Leila Maria Carrilo Cavalcante Ribeiro Mariano, Luiz Roberto Nascimento Silva, Manoel Fernando Thompson Motta Filho, Solange Srour (Banco de Investimentos Crédit Suisse S.A), Olavo Monteiro de Carvalho (Monteiro Aranha Participações S.A), Patrick de Larragoiti Lucas (Sul América Companhia Nacional de Seguros), Ricardo Gattass, Rui Barreto

Instituto Brasileiro de Economia

Diretor: Luiz Guilherme Schymura de Oliveira Vice-diretor: Vagner Laerte Ardeo

Superintendência de Estatísticas Públicas: Aloisio Campelo Junior

Superintendência de Infraestrutura e Mercados Governamentais: Túlio Barbosa Superintendência de Inovação e Mercados: Pedro Guilherme Ferreira Superintendência de Pesquisa, Dados e Operação: André Lavinas Superintendência de Economia Aplicada: Armando Castelar Superintendência de Publicações: Claudio Roberto Gomes Conceição Superintendência de Gestão Estratégica e Organizacional: Joana Braconi

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J a n e i r o 202 2 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 5

Com o objetivo de atender às de- mandas da sociedade para uma mais correta e detalhada mensu- ração e compreensão da inflação e da variação de preços em geral, em inúmeros setores e aspectos, o FGV IBRE lançou o índice de variação de aluguéis residenciais (IVAR), que se soma à série de indicadores produzidos pelo IBRE. O novo indicador tem como base os preços dos aluguéis efe- tivamente praticados, já que são captados diretamente dos contratos de aluguel firmados entre locador e locatário.

Acompanhar adequadamente a evolução dos preços dos aluguéis residenciais no Brasil sempre foi um grande desa- fio, já que os valores anunciados nas ofertas de locação de imóveis, por anúncios em jornais ou divulgados em sites das imobiliárias, normalmente não refletem os preços prati- cados. É comum haver negociações que levam a uma queda no preço originalmente pedido, o que não é computado nos valores que vão modelar a inflação de aluguéis.

Paulo Picchetti, pesquisador do FGV IBRE, que lide- rou os esforços para a criação do IVAR, comenta na Car- ta do IBRE que está circulando na revista Conjuntura Econômica, que “não se trata de mais um índice baseado na oferta de preços de aluguel, mas sim efetivamente de um índice dos preços praticados no mercado em contra- tos de aluguel”.

A Carta ressalta que “ao lançar um produto como o IVAR, a intenção do FGV IBRE não é a de torná-lo

Nota do Editor

necessariamente o indexador dos contratos de aluguéis residenciais no Brasil, mas sim a de colaborar com a sociedade brasileira ao disponibilizá-lo para que seja utilizado quando e nas circunstâncias que os agentes econômicos julgarem apropriadas. Acreditamos que o IVAR tem potencial de se tornar um importante índice para os contratos de aluguel, mas é a própria socieda- de que deve decidir se isso ocorrerá, e sob que condi- ções. Nosso compromisso, como de hábito, é com a excelência técnica e a total transparência da metodo- logia do novo indicador, dos seus componentes e dos respectivos pesos”.

O novo indicador, no entanto, poderá ter impactos relevantes nas análises macroeconômicas, como chama a atenção Silvia Matos, coordenadora do Boletim Ma- cro FGV IBRE, mencionada na Carta: “o fato de que a correta medição da evolução dos preços dos aluguéis, quando o IVAR calculado retroativamente é inserido nos índices de preços ao consumidor, indica que a inflação total efetiva nos últimos anos não foi exatamente a re- gistrada nos índices oficiais”. Outros impactos poderão ser sentidos na questão fiscal e na política monetária, em função de uma análise mais correta da evolução dos preços no país.

Claudio Conceição claudio.conceicao@fgv.br

Carta do IBRE

6 IVAR, novo índice de preços de aluguel do FGV IBRE, pode aprimorar contratos e política econômica Luiz Guilherme Schymura

Ponto de Vista

10 O que esperar de 2022 – Samuel Pessôa Entrevista

12 Joaquim Falcão – Solange Monteiro Macroeconomia

18 A poupança que fica(rá) – José Roberto R. Afonso e Thiago Felipe R. Abreu

Retrospectiva

24 Brasil em debate – Solange Monteiro

Capa | Perspectivas

30 2022 sob pressão – Solange Monteiro 40 Sem melhoras no horizonte – S.M.

Saneamento

42 Equilibrando riscos e retornos nos investimentos Joisa Dutra

Regulação

45 A dispensa de AIR na Anvisa – Natasha Schmitt Caccia Salinas e Lucas Thevenard Gomes

Comércio Exterior

48 O comércio mundial em 2021 – Lia Baker Valls Pereira

Sumário

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CARTA DO IBRE

O FGV IBRE está lançando o IVAR, índice de variação de alu- guéis residenciais, que se espera que seja uma importante adição ao conjunto de índices de preços produzidos por nossa instituição.

A evolução dos preços de aluguéis é uma variável econômica de enor- me relevância, cuja aferição não é nada trivial. A dificuldade em es- timar adequadamente a inflação dos aluguéis é um tradicional pro- blema que afeta as negociações de milhões de contratos e também a análise macroeconômica em diver- sos aspectos, incluindo até o fiscal, como se verá adiante nesta Carta.

Dessa forma, o FGV IBRE espera que o IVAR possa também ser útil para os policy-makers brasileiros.

A coleção de índices de preços do FGV IBRE, à qual se soma agora o IVAR, tem como objetivo atender às demandas da sociedade brasilei- ra em termos da correta e detalhada

mensuração e compreensão da infla- ção e da variação de preços em ge- ral, em inúmeros setores e aspectos.

São indicadores com metodologias tecnicamente bem fundamentadas, abertas e transparentes, para que os usuários conheçam não apenas os resultados, mas também os pro- cessos e as dinâmicas nas quais os preços se movimentam.

O FGV IBRE entende e saúda o fato de que não detém a exclusivida- de desse importante trabalho, sendo parte de um grupo de respeitadas instituições, como o IBGE, o orga- nismo oficial de estatísticas públicas do governo federal, e a Fipe, que se dedica ao cálculo da evolução dos preços na economia brasileira. O ambiente de colaboração e saudável competição entre essas instituições explica por que o Brasil é um país em desenvolvimento que se destaca pela abrangência e qualidade dos seus índices de inflação.

Da mesma forma, ao lançar um produto como o IVAR, a intenção do FGV IBRE não é a de torná-lo necessariamente o indexador dos contratos de aluguéis residenciais no Brasil, mas sim a de colaborar com a sociedade brasileira ao dis- ponibilizá-lo para que seja utilizado quando e nas circunstâncias que os agentes econômicos julgarem apro-

IVAR, novo índice de preços de aluguel do FGV IBRE,

pode aprimorar contratos e política econômica

Luiz Guilherme Schymura

Pesquisador do FGV IBRE e doutor em economia pela FGV EPGE

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CARTA DO IBRE

J a n e i r o 202 2 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 7

flação dos aluguéis, teria fechado o ano em 3,9%. No caso, 0,4 ponto percentual (p.p.) abaixo do resulta- do oficial de 4,3%. Já o INPC teria ficado em 4%, 0,5 p.p. abaixo do resultado oficial de 4,5%. Em 2020, o IVAR praticamente não alteraria o resultado, e tanto o IPCA quan- to o INPC repetiriam o resultado oficial de, respectivamente, 4,5% e 5,5%. Já em 2021, Braz estima que o IPCA e o INPC, com a inclusão do IVAR, ficarão ambos 0,2 p.p. abai- xo do resultado oficial, que ainda

não havia sido divulgado quando esta Carta foi redigida.

Picchetti frisa que o fato de que a inclusão do IVAR no cálculo do IPCA tenha de forma geral mostra- do que o índice oficial de inflação superestimou a alta de preços de 2019 a 2021 não significa que uma aferição mais correta da inflação dos aluguéis sempre provocará efei- tos nessa mesma direção. É perfeita- mente possível que em outras con- junturas o IPCA, ao ser comparado priadas. Acreditamos que o IVAR

tem potencial de se tornar um im- portante índice para os contratos de aluguel, mas é a própria sociedade que deve decidir se isso ocorrerá, e sob que condições. Nosso com- promisso, como de hábito, é com a excelência técnica e a total trans- parência da metodologia do novo indicador, dos seus componentes e dos respectivos pesos.

Como se sabe, a grande dificul- dade em se mensurar a inflação dos aluguéis é que os valores anuncia- dos nas ofertas de imóveis para lo- cação usualmente não retratam os preços efetivamente praticados. No caso do IVAR, porém, os preços são captados diretamente de contratos de aluguel. Como explica o pesqui- sador do FGV IBRE Paulo Picche- tti, que liderou os esforços para a criação do IVAR: “não se trata de mais um índice baseado na oferta de preços de aluguel, mas sim efe- tivamente de um índice dos preços praticados no mercado em contra- tos de aluguel”.

Como usuária dos índices de pre- ço do FGV IBRE, Silvia Matos, coor- denadora do Boletim Macro do FGV IBRE, chama a atenção para o fato de que a correta medição da evolu- ção dos preços dos aluguéis, quando o IVAR calculado retroativamente é inserido nos índices de preços ao consumidor, indica que a inflação total efetiva nos últimos anos não foi exatamente a registrada nos ín- dices oficiais – e as diferenças são significativas em alguns casos, como indicam os cálculos do pesquisador André Braz, do FGV IBRE, especia- lista em inflação.

Em 2019, indica Braz, o IPCA, caso computasse o IVAR como a in-

Coleção de índices de preço do FGV IBRE tem

o objetivo de atender a demandas da sociedade

em termos da correta e detalhada mensuração e compreensão da inflação

com sua versão em que o IVAR é incluído, subestime a inflação. Não há nada no cálculo do IVAR e na metodologia atual de se computar os aluguéis no IPCA que determine que um resultado será sempre supe- rior ou inferior ao outro.

De qualquer forma, essas di- ferenças entre a inflação oficial e aquela calculada com a inclusão do IVAR, mais próxima da realidade por computar de forma mais veraz a variação do preço dos aluguéis, são obviamente relevantes para a política monetária e para as tran- sações do mercado financeiro, pois impactam os juros e outras variá- veis em termos reais. Outro aspecto macroeconômico relevante, contu- do, que será destacado nesta Carta, é a política fiscal. A razão é que o IPCA corrige o teto constitucional dos gastos públicos e o INPC, além de reajustar o salário mínimo, inde- xa ou é parâmetro para diversos be- nefícios sociais e previdenciários.

Bernardo Motta e Juliana Damas- ceno, pesquisadores da equipe do Boletim Macro do FGV IBRE, revi- saram indicadores fiscais a partir da correção mencionada dos índices de inflação pela inclusão do IVAR.1 Eles explicam que, a partir da aprovação do teto de gastos em 2016, a execu- ção orçamentária passou a ter sua dinâmica majoritariamente ditada pela inflação. De acordo com o IPCA acumulado em 12 meses até junho do ano anterior, a correção do teto fixou apenas uma correção monetária ao conjunto de despesas primárias, com poucas exceções. Entre elas, estão as transferências constitucionais e do Fundeb, além dos créditos extraordi- nários abertos em virtude de despesas imprevisíveis e urgentes.

(8)

CARTA DO IBRE

Assim, com a introdução do IVAR e as mudanças que o novo índice te- ria causado nos índices de preços, cabe reconsiderar o quanto teria sido o teto de gastos e as respectivas despesas primárias. A diferença en- tre o teto e os gastos primários como um todo, é bom lembrar, reside jus- tamente nas despesas excetuadas do teto, principalmente em anos de uso expressivo dos créditos extraordiná- rios, como em 2020, diante do en- frentamento aos efeitos da pandemia da Covid-19.

Para o recálculo das despesas, a partir do IVAR, a metodologia re- quer que o ponto de partida seja o limite estabelecido pelo teto. Após aplicar o IPCA considerando os nú- meros apurados no IVAR acumula- do até junho para o teto de 2020 (cuja base é 2019) e 2021 (cuja base é 2020), é preciso ainda considerar a proporção dessas despesas em relação ao histórico de gastos com pagamento efetivo. A razão para isso é lidar com a diferença cau-

sada pelas exceções ao teto, como mencionado anteriormente. Cabe esclarecer que pagamento efetivo é o critério adotado pelo Tesouro Nacional para computar o resul- tado primário do governo central, considerando os valores com saque efetuado na Conta Única. A partir dessa correção, é possível obter, então, o novo volume de despesas primárias para 2020 e 2021, res- peitando os demais parâmetros de execução do orçamento.

A fim de se chegar ao impacto primário líquido, é preciso recalcu- lar também a receita líquida do go- verno, já que mudanças nos índices de inflação acabam por impactar preços de bens e serviços, salários, faturamento das empresas e demais itens que compõem a base de arre- cadação federal. Nesse sentido, para incorporar o impacto do IVAR, a metodologia parte do cálculo da variação real e nominal da receita líquida de 2019 a 2021, a partir dos valores correntes e constantes (cal- culados considerando o IPCA ofi- cial) disponibilizados no Boletim do Resultado do Tesouro Nacional.2

Essa decomposição, por sua vez, permite obter o componente infla- cionário implícito do crescimento nominal da receita líquida naqueles anos. O exercício seguinte consiste em reajustar a parcela inflacionária com o IPCA corrigido pelo IVAR, acumulando-a com a variação real obtida ateriormente. Dessa compo- sição resulta a nova variação nomi- nal da receita. Por fim, obtém-se a receita líquida corrigida de 2019 a 2021 pelo encadeamento das novas taxas de variação nominal da recei- ta líquida, a partir da receita líquida efetiva de 2018.

Dificuldade de mensurar inflação de aluguéis é que valores em ofertas de locação não são usualmente

os dos contratos. No caso do IVAR, porém, preços

são os de contratos

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CARTA DO IBRE

J a n e i r o 202 2 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 9

Com esses procedimentos, a re- ceita líquida de 2019, 2020 e 2021 cai, respectivamente, R$ 5,187 bilhões (-0,39%), R$ 4,637 bi- lhões (-0,39%) e R$ 8,813 bilhões (-0,57%). Todos os números refe- rentes a 2021 já mencionados são projeções, pois os dados do ano fechado de 2021 ainda não haviam sido disponibilizados quando esta Carta foi produzida.

Em relação à despesa, é relevante notar que o teto era reajustado, até 2021, pelo IPCA acumulado entre julho de 2 anos antes e junho do ano anterior à sua validade (do teto rea- justado). Como o recálculo do IPCA levando em consideração o IVAR recuou até 2018, só foi possível rees- timar o teto de 2020 (corrigido pelo IPCA de julho de 2018 a junho de 2019) e o de 2021, corrigido pelo IPCA de julho de 2019 a junho de 2020. No caso da correção do teto de 2020, a inclusão do IVAR fez com que a inflação de julho de 2018 a ju- nho de 2019 caísse em 0,1 p.p., para 3,3%. Já no teto de 2021, o IPCA de julho de 2019 a junho de 2020, com a inclusão do IVAR, recua 0,35 p.p., para 1,75%.

Assim, a despesa total cai R$ 1,884 bilhão (-0,1%) e R$ 5,691 bilhões (-0,34%) em 2020 e 2021, respectivamente.

Em valores, tem-se uma recei- ta líquida ajustada pelo IVAR de R$ 1,342 trilhão, R$ 1,199 trilhão e R$ 1,536 trilhão em, respectiva- mente, 2019, 2020 e 2021. Já a des- pesa total ajustada é de R$ 1,945 trilhão e R$ 1,655 trilhão em 2020 e 2021, respectivamente.

Os impactos no resultado primá- rio são – em 2019, só pelo lado da re- ceita, pelas razões já explicadas – de

quedas de R$ 5,2 bilhões (-0,07 p.p.

de PIB), R$ 2,8 bilhões (-0,04 p.p.) e R$ 3,1 bilhões (-0,04 p.p.) em 2019, 2020 e 2021, respectivamente.

Como se vê, o IVAR, além do seu potencial de aprimorar o mercado de aluguéis no Brasil, tem impacto relevante em diversas dimensões da política econômica e do funciona- mento dos mercados. É com gran- de satisfação, portanto, que o FGV IBRE coloca à disposição da socie- dade brasileira o seu novo índice de variação dos preços do aluguel.

1Uma análise mais detalhada do estudo de Bernardo Motta e Juliana Damasceno pode ser encontrada em texto publicado no Blog do IBRE.

2Os valores referentes aos meses de novembro e dezembro de 2021 foram projetados a partir da média histórica do peso relativo desses me- ses no somatório anual.

O texto é resultado de reflexões apresentadas em reunião por pesquisadores do IBRE. Dada a pluralidade de visões expostas, o documento traduz minhas percepções sobre o tema. Dessa feita, pode não representar a opinião de par- te, ou da maioria, dos que contribuíram para a confecção deste artigo.

Diferenças entre inflação oficial e a calculada

com a inclusão do IVAR são relevantes

para a política monetária, mercados e

números fiscais

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PONTO DE VISTA

Primeira coluna do ano. Férias de ve- rão. É o momento de olhar para 2022 e tentar observar o que nos espera.

A economia caiu 4,1% em 2020 e recuperou-se da queda em 2021.

Provavelmente a economia cresceu 4,6% em 2021. Segundo as estima- tivas da equipe do Boletim Macro FGV IBRE, no quarto trimestre de 2021 a economia rodou 0,6 ponto percentual acima do mesmo trimes- tre de 2019.

A recuperação, após a parada sú- bita produzida pela epidemia no se- gundo trimestre de 2020, teve dois tempos. Nos três trimestres até o primeiro de 2021, a economia retor- nou em “V”, com a recuperação dos setores de maior produtividade. Ti- vemos muito PIB e pouco emprego.

Ao longo dos demais trimestres do ano, tivemos a economia andando de lado (com leve melhora no quarto trimestre), mas com razoável gera- ção de emprego.

A composição setorial do quar- to trimestre de 2021 indica que os dois setores que mais demoraram a se recuperar, outros serviços e ser- viços da administração pública, que

correspondem respectivamente a 14% e 15% do PIB, rodaram 0,9%

e 0,7% acima do nível do quarto trimestre de 2019.

Essa normalização da economia em dois tempos, em seguida à pa- rada súbita, apareceu no mercado de trabalho. A tabela a seguir apre- senta a recuperação da população ocupada (PO). Os dados estão em milhares de postos de trabalhos e a tabela considera três períodos de retomada (o terceiro é a soma dos dois primeiros). A queda do emprego promovida pela crise que resultou da epidemia ocorreu entre março e junho de 2020. A recu- peração no primeiro período teve muito PIB e pouco emprego – entre julho de 2020 e março de 2021 – e, no segundo, aconteceu com pouco PIB e muito emprego – entre abril de 2021 e outubro de 2021, último dado disponível.

No segundo período foram cria- dos 80% a mais de empregos do que no primeiro. Adicionalmente, se, no primeiro período, para cada emprego formal foi criado um ou- tro informal, no segundo período,

para cada emprego formal, foram criados pouco menos de dois em- pregos informais.

Em 2021 tivemos diversos cho- ques de preços. A inflação terminou o ano na casa de 10%, ante previsão de 3,5% que fiz em dezembro de 2020.

Essa enorme surpresa inflacionária teve elementos domésticos, como a seca que gerou forte inflação das ta- rifas de energia elétrica. Para termos uma ideia, a inflação de serviços admi- nistrados foi de 18% em 2021, para 1,5% em 2020. Somente a inflação de administrados adicionou 4 pontos percentuais à inflação de 2021.

O que esperar de 2022

Samuel Pessôa

Pesquisador associado do FGV IBRE

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PONTO DE VISTA

J a n e i r o 202 2 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 11

Adicionalmente, tivemos o cho- que de preço dos bens industriais, principalmente dos bens de consumo duráveis. A volta rápida da demanda mundial, em seguida à parada súbita da economia global no segundo tri- mestre de 2020, ainda em plena epi- demia, gerou forte desequilíbrio. A demanda de bens veio forte enquanto a demanda dos serviços não voltava.

A recuperação rápida da economia, com desequilíbrio da demanda, pro- vocou queda dos estoques de bens e dos insumos empregados na sua pro- dução e, por fim, desorganização das cadeias produtivas.

As cadeias globais de produção de bens, principalmente de bens de consumo duráveis, engasgaram. Por exemplo, segundo a sondagem da indústria do FGV IBRE, no quarto trimestre de 2021, 20% da indústria de transformação reportava proble- mas com falta de matérias-primas.

Para a indústria de bens de con- sumo duráveis, esse número subia para pouco menos de 60%. A infla- ção de bens industriais, de 2,5% em 2020, fechou 2021 em 11,6%. So- mente a inflação de bens industriais adicionou uns 2 pontos percentuais à inflação de 2021.

Para 2022, esperamos que a in- flação caia. Penso que o ciclo de alta da Selic irá até 11,5% ou 12%

e ficará nesse patamar até que a in-

flação recue. Talvez o novo ciclo de baixa ocorra somente a partir de meados de 2023. Mas aí já estou especulando. O importante é que, com a Selic a 11,5% e nossa pre- visão de inflação fechando o ano em 5,5%, teremos juros reais na casa de 6%. Dado que a taxa neu- tra – aquela que não contrai nem expande a demanda – é da ordem de 3%, a contração monetária será de aproximadamente 3 pontos per- centuais ou um pouco mais. Uma contração monetária dessa ordem reduz a atividade em 0,7 ponto percentual. Exatamente o valor do carregamento estatístico que o crescimento de 2021 legará para

2022. Assim, o efeito conjunto do carregamento estatístico e da con- tração monetária faria com que o crescimento de 2022 fosse zero.

Mas em 2022 teremos eleições.

Haverá impulso fiscal, tanto da União, quanto dos estados. A re- ceita de ICMS rodou, em 2021, 16% acima de 2019, em termos re- ais, deflacionada pelo IPCA. Penso que o crescimento será da ordem de 1-1,5% em 2022, impulsiona- do principalmente pela expansão fiscal. Teremos em 2022, como foi normal ao longo da primeira déca- da do século, pé no acelerador da política fiscal e pé no freio da polí- tica monetária.

Com relação ao câmbio, con- sidero que a taxa atual, algo em torno de R$ 5,6 por dólar, é muito desvalorizada. Dado o comporta- mento dos preços das commodi- ties, o câmbio deveria estar próxi- mo de R$ 4. A fraqueza de nossa moeda deve-se à enorme incerteza com relação ao regime da política fiscal. Haverá a partir de 2023 um retorno à agenda de construção de um superávit estrutural compatível com a redução da dívida pública?

Não se sabe. Se o novo governo eleito se comprometer com a res- ponsabilidade fiscal, deverá haver, no final do ano, expressivo fortale- cimento da moeda.

Valores em mil

PO PO FORMAL PO INFORMAL

Perda entre março e junho de 2020 -12.613 -5.494 -6.934

Recuperação de julho de 2020 até março de 2021 4.754 2.324 2.392

Recuperação de abril de 2021 até outubro de 2021 8.693 3.031 5.649

Recuperação de julho de 2020 até outubro de 2021 13.447 5.355 8.041

Para 2022, esperamos que a inflação caia.

Penso que o ciclo de alta da Selic irá até 11,5%

ou 12% e ficará nesse patamar até que a

inflação recue

Fonte: Equipe Boletim Macro IBRE.

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ENTREVISTA

Conjuntura Econômica — Fecha- mos 2021 com mais inflação, mais juros, e a economia andando de lado. Como avalia as expectativas para 2022?

Revi recentemente as estimativas do Boletim Focus de 24 de dezembro de 2020. Apontavam inflação de 3,34%

no final de 2021, com a Selic em 3,13%, câmbio em R$ 5 e PIB cres- cendo 3,49%. Todas erradas. Mesmo quando indicou crescimento do PIB.

Este seria mais um exercício de pre- visões frustradas não fosse o fato de o Banco Central tomar esse conjunto de expectativas do chamado merca- do como base para as expectativas de toda a política financeira do Brasil.

Tomam-se, data venia, como ex- pectativas nacionais, anseios que são Quando perguntado sobre as preocupações em torno da economia e das pers-

pectivas políticas para 2022, tratadas exaustivamente na mídia a partir da análi- se de pesquisas e projeções, Joaquim Falcão sai da superfície da conjuntura e, de seu mergulho, retorna com temas basilares que reconfiguram a ordem do debate.

Nesta entrevista para a Conjuntura Econômica, o membro da Academia Brasileira de Letras defende que o sistema financeiro precisa de uma cirurgia institucional

“para aprender com as consequências” que ajuda a provocar sobre o processo de produção de bem-estar dos brasileiros. Alerta sobre a dificuldade do Supremo de dar conta dos processos a decidir, fazendo bypasses que ampliam a insegurança, inclusive econômica. E afirma que a ameaça à democracia não é eleitoral, mas sim a da pobreza. “O plebiscito que o país tende a fazer (em 2022) – assim espero – é entre a experiência da pobreza e o talão de cheques do governo”, diz.

Joaquim Falcão

Membro da Academia Brasileira de Letras, professor de Direito Constitucional

Foto: Reprodução/YouTube/FGV

Solange Monteiro, do Rio de Janeiro

“Cada dia mais, a

Constituição é menos”

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ENTREVISTA JOAQUIM FALCÃO

J a n e i r o 202 2 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 13

previsões. Conjunturas. Sobre o cur- to prazo. Mas quem está com febre é a estrutura do sistema financeiro.

Precisa de cirurgia institucional.

As concepções, doutrinas ou te- orias, quaisquer que sejam, jurídica ou econômica, não podem ser fe- chadas. Ortodoxas, dogmáticas, re- petidoras de erros. Como diz Silvio Meira (cientista, fundador do Porto Digital, em Pernambuco), qualquer teoria é uma organização que deve- ria ter uma característica fundamen- tal: aprender com as consequências que ajuda a provocar. O desprezo pelas consequências tem corroído o processo macroeconômico de pro- dução do bem-estar equilibrado de todos os brasileiros.

Considera que um Banco Central in- dependente, como determina a nova lei, com mandatos presidenciais fi- xos, pode corrigir esses erros?

A independência do BC é uma ilusão geracional. Da década de 1960. Des- conheço nos últimos anos qualquer episódio público de interferência do presidente da República. Todos fo- ram respeitosos. Quem mais mudou a liderança do BC foi o presidente Fernando Henrique Cardoso; quem menos mudou foram os presidentes Lula e Dilma Rousseff e Jair Bolso- naro. Não há notícias na mídia so- bre interferências desses governos no BC. Os presidentes foram e são pes- soas corretas: Henrique Meirelles, Alexandre Tombini, Ilan Goldfajn, Roberto Campos.

A nova lei do BC foi a vitória do passado contra um problema que não existia. O livro Unelected power, do economista inglês Paul Tucker, mos- tra que as democracias ocidentais de apenas um setor da economia: o

mercado. E não de toda a linha de produção e circulação da moeda.

Essa escolha estatística equivocada pode sugerir as graves dificuldades não só da política financeira oficial, mas do próprio ecossistema financei- ro. E da democracia. Perde-se credi- bilidade e legitimidade institucional.

Como me disse um banqueiro sobre as previsões: “Isso é ridículo”. E para o final de 2022 preveem cerca de 5%

de inflação. Em ano eleitoral?

Por que então tanto erro?

Porque a concepção do sistema fi- nanceiro e seus processos – inclusi- ve do Boletim Focus, resoluções do Banco Central e parte dos debates acadêmicos – decorre do que deno- mino dogmática financeira. Há anos está equivocada. Ela não se retroali- menta dos fatos que provoca. Ela se dogmatiza a si própria. Guimarães Rosa diria: “De tão egocêntrica, ela se coleciona”. Ou os economistas, fi- nancistas, especialistas mudam essa concepção macroeconômica, ou vão aumentar a crise.

Desde 1988, a crise da democra- cia resulta do conflito entre a con- centração do poder da renda versus a desconcentração do poder do voto.

Este é um dos produtos visíveis da atual política macroeconômica.

Parecem existir duas macroecono- mias: a da nuvem conceitual, na lin- guagem tecnológica. E a outra: a de suas consequências quando aplicadas.

Quando as autoridades tentam con- cretizar a nuvem, não produzem bons tempos. No máximo, sol a pino em cerca de 3% ou 4% dos brasileiros.

Receio que o debate econômico seja demasiadamente controlado por

estão em geral sob o comando de duas instituições: o Banco Central e o Supremo. O que as caracteriza é que seus membros não são eleitos. Não há eficaz controle institucional, político ou social. Mesmo diante do erro.

Para Tucker, a independência legal de um BC, sozinha, não corrige os er- ros da atual estrutura. E ele fala sobre a Inglaterra. É preciso uma reinstitu- cionalização mais ampla do sistema.

Requer, por exemplo, diz Tucker, a proibição de portas giratórias (revol- ving doors) para que o BC não seja capturado pelo mercado financeiro.

Esta questão da independência do BC é do regime militar. Com Dênio No- gueira (primeiro presidente do BC, de 1965 a 1967) e Costa e Silva. Ques- tão velha, medo idoso e ultrapassado.

Sobretudo diante dos novos proble- mas: a digitalização galopante.

Se fosse fixada uma nova formata- ção institucional do Banco Central, qual agenda o senhor projetaria para esse novo arranjo?

A principal agenda dos BCs em 2020-30 deveria ser a questão da digitalização, dos bitcoins, das crip- tomoedas e do impacto dos algorit- mos não somente sobre decisões de Banco Central, dos bancos, das fin- techs, das empresas, mas também do próprio Supremo. Como evitar uma batida de frente, uma ruptura entre os diversos tipos de moeda, ativos físicos e os criptoativos? Que tipo de regulação sincrônica precisamos?

Como enfrentar a eventual lavagem de dinheiro que pode e ocorre nesse setor digitalizado? Qual o poder de polícia do Estado, se é para ter al- gum, sobre este bravo mundo novo

“figital”, como diz Silvio Meira?

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ENTREVISTA JOAQUIM FALCÃO

Qual é a autonomia dos múltiplos criptoativos diante da lei? Teremos uma legislação de conflito? De uso da força legal contra algoritmos? O presidente Roberto Campos já ace- nou nessa direção. Nosso setor ban- cário sempre foi pioneiro na inova- ção tecnológica. Trata-se de avançar.

Esta é a agenda da geração atual. Es- tarão as lideranças econômicas, e até jurídicas, preparadas para ela?

Considera que medidas como a in- trodução do objetivo de fomentar o pleno emprego dentro das metas secundárias do Banco Central, pre- visto na lei de 2021 que estabelece a autonomia do BC, colaboram para aproximar essas duas realidades macroeconômicas que mencionou?

Quanto à questão do pleno empre- go, outros bancos centrais, como o dos Estados Unidos, já têm este mandato. Seria ótimo. Tomara que dê certo. Mas atenção. Inexiste um consenso sobre os dados de desem- prego no Brasil. Existe um menu de tipos de desempregos, que cada um escolhe conforme seu interesse po- lítico. Ocupados, desocupados, su- bocupados, desalentados, o imenso setor de informais, os trabalhadores por conta própria, empregados no setor privado sem carteira assinada, desiludidos, invisíveis, procurando emprego, nem-nem. Uma Babel.

Para o BC ser eficaz, a primeira ta- refa seria uma reorganização concei- tual dos dados. Não somente na tipo- logia, mas desde logo na coleta, para que todos pudessem falar a mesma lín- gua. O que é difícil quando o governo é contra o censo. Não quer enfrentar os fantasmas que cria. Esconde-se nas nuvens de sua própria cegueira.

Gilberto Freyre uma vez disse que os juristas precisavam fazer psicaná- lise. Algumas autoridades econômi- cas também. Psicanálise conceitual, acrescento. Mas nem todos.

O FGV IBRE, por exemplo, pas- sou o ano inteiro de 2021 indicando que o desemprego era maior do que as estatísticas oficiais apontavam (entre outros fatores, pelo aumento da população fora da força de traba- lho). Estava e tem estado certo.

Este ano o Supremo esteve presen- te em vários temas-chave para a sociedade brasileira, da anulação das condenações do ex-presidente Lula, tornando-o novamente elegí- vel, aos temas envolvendo a vacina- ção. Qual balanço faz da atuação do STF em 2021?

O Supremo teve boa performance na defesa e expansão dos direitos fundamentais, direitos humanos, ga-

rantia da liberdade de imprensa, as- segurando eleições com paridade de armas, como diz Ayres Britto. Além do combate às fake news. A grande dificuldade é a fragmentação e poli- tização do Supremo, inclusive, como acentua Wallace Corbo (professor de Direito Constitucional da FGV Direito Rio), no Estadão, com a for- mação de uma emergente ala bolso- narista dentro do Supremo. O sonho máximo do antidemocrata.

Outra dificuldade é o processo interno de decisão. Sem controle suficiente. É grave. O Supremo não dá conta dos processos a decidir.

Pior. Começa a usar a tecnologia para fazer bypasses, como o Plená- rio Virtual. Não permite um devido processo legal. Produz um indevido processo legal.

No Supremo, adiar é muitas ve- zes não uma necessidade processual, mas um interesse politizado. A poli- tização judicial se esconde hoje de- baixo do processualismo patológico.

O caso mais recente explícito é o do ministro Nunes Marques, que depois de o placar estar 8x0, pede destaque no processo sobre o passaporte das vacinas. Adiou a decisão que contra- ria Bolsonaro.

O Supremo não enfrentou o mé- rito para absolver ou condenar o ex- presidente Lula. Mandou tudo co- meçar outra vez. Não sabemos, até hoje, em definitivo, se houve ou não algum comportamento ilícito. Nem decidiu se provas obtidas por gra- vações obscuras são lícitas ou não.

Silenciou. Adiou.

O notável antropólogo Luís da Câmara Cascudo, nordestino, dizia que o Brasil é o país das soluções...

adiadas. O Supremo às vezes se pa- rece com esse Brasil.

Gilberto Freyre uma vez disse que os juristas

precisavam fazer psicanálise. Algumas autoridades econômicas

também. Psicanálise

conceitual, acrescento

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ENTREVISTA JOAQUIM FALCÃO

J a n e i r o 202 2 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 15

maior parte da população. Quando observados os temas de maior re- percussão que passaram pelo crivo do STF em 2021, qual balanço con- sidera que prevalecerá para a socie- dade brasileira em geral?

Receio que a instabilidade, imprevi- sibilidade e insegurança que o Supre- mo às vezes provoca pode criar um estado de anomia social, inclusive econômica. E atingir o cotidiano de todo brasileiro.

Um dos fatores, por exemplo, para empresas brasileiras irem mais

e mais a Wall Street, com IPOs, não é apenas acesso a capital. Conta também que lá há maior grau de previsibilidade e segurança na apli- cação das leis. O monocratismo in- controlado pelo próprio Supremo é causa e consequência dessa deterio- ração processualística.

Na realidade, a cada dia mais, a Constituição é menos. Explico. Mi- lhões de brasileiros vivem debaixo do Estive vendo minha última entre-

vista para a Conjuntura Econômica (https://bit.ly/3mmsGCY), e lá eu citei que o Supremo não podia se- quer lançar mão da jurisprudência, porque cada acórdão podia ter 2 pá- ginas ou 20. Eram decisões formal- mente incomparáveis. Nesse sentido, um bom momento do Supremo este ano foi quando o presidente Luiz Fux passou a regulamentar as emen- tas das decisões, para que todas pas- sem a ter um determinado padrão.

Isso permite que se possa comparar, saber qual a jurisprudência que pre- valece em cada caso.

Em sua opinião, não houve excessos na intervenção do Supremo em te- mas dos demais poderes?

Costumo dizer que os três poderes não são harmônicos. Isso é mito. Eles são interindependentes. Não existe diálogo entre os poderes. Se houver, não é democracia. É negociação po- lítica e não decisão constitucional.

O que deve existir é mútuo respeito e tensão. Basta. Supremo não nego- cia nada. Nem salários, orçamento, muito menos decisões e prazos. Nem pode interferir em indicações para tribunais superiores.

As eventuais incursões do Supre- mo, e vice-versa, são naturais quan- do existe uma indefinição constitu- cional. Antinomias, por exemplo.

Fazem parte dessa tensão inerente à democracia. Colaboram para a inde- pendência dos poderes.

O senhor citou uma avaliação posi- tiva de ordem técnica – a padroniza- ção de ementas – que provavelmen- te está longe do conhecimento da

que chamo de lex militiæ e lex tra- fficus. Se analisarmos Rio de Janeiro ou São Paulo, constatamos que as comunidades de periferia e as favelas são menos comandadas pela Consti- tuição e mais pelas leis das milícias.

Recentemente, em São Paulo, o PCC (Primeiro Comando da Capi- tal) decidiu que não admite mais as- saltantes e assassinos nas áreas sob o seu domínio. Eles têm seus próprios códigos penal e civil! Lá, o império da lei não é das normas infraconsti- tucionais. Mas das normas do PCC.

O rule of law, ali, se traduz como império das leis do PCC.

Se levarmos em conta que nessas grandes capitais 40%, 50% da po- pulação vive em territórios sob o comando da lex militiæ, trata-se de algo preocupante.

E essa lex militiæ não é apenas uma disputa de poder, mas também uma disputa econômica, não regula- da pelas instituições de governo.

Quanto mais a lex militiæ se ex- pande, mais a Constituição se retrai.

Esse cenário, aliás, estimula o empreendedorismo dos invisíveis.

Em São Paulo, atualmente há mais de 100 mil habitações em áreas de risco. Isso significa uma indústria da construção invisível. No Rio, criou-se uma espécie de iFood das favelas. Como a empresa legal não consegue entrar dentro das favelas, os clientes criaram outra empresa local que recolhe as entregas na en- trada das favelas e as leva até os labirintos das casas. Um novo bu- siness. São milhares de exemplos.

É preciso que se leve a sério a cres- cente economia informal, como sempre alerta o economista Clóvis Cavalcanti. O PIB do PCC cresce mais do que o do Brasil.

O Supremo não enfrentou o mérito para absolver ou

condenar Lula. Mandou tudo começar outra vez. Não sabemos, até

hoje, se houve algum

comportamento ilícito

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ENTREVISTA JOAQUIM FALCÃO

A quem fica a responsabilidade primeira de devolver esse poder à Constituição?

A Constituição não é um texto. É um fluxo. Começa por um projeto, um pacto, diria com certeza Samuel Pessôa (pesquisador-associado do FGV IBRE). Depois vem a Assem- bleia Constituinte, logo a legislação, decisões judiciais sobre se determi- nado comportamento é constitucio- nal ou não. Em seguida, a validade – se uma lei entra em vigor ou não –, a avaliação e, logo, a eficácia, que é a conclusão se as pessoas estão se comportando como a legalização mandou. Mas Direito e a teoria de Direito hoje não fazem avaliação nem medem a eficácia da lei pro- mulgada, ou da decisão judicial. In- terrompem o fluxo.

A Constituição se torna um fluxo interrompido. A sociedade vaza ile- galidade por todos os lados. Todos se molham. Cada um joga a respon- sabilidade sobre o outro.

Este ano, o presidente e outros membros do Executivo se destaca- ram por declarações contra a demo- cracia e o STF. Ambos estarão em risco em 2022?

Considero que a Constituição e o Es- tado Democrático de Direito não cor- rem riscos políticos. Mesmo com o risco de a campanha eleitoral vir a ser um filme de Tarantino. Teremos elei- ções livres, como defendem com vigor Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber e a imensa maioria da magistratura e dos ministérios públicos nacionais.

A ameaça à democracia não é uma ameaça eleitoral. Mas, diria Bill Clin- ton: “É a economia, estúpido!”. A

crise é a pobreza. Melhor, é o conflito entre a descentralização do poder de voto – cada dia mais votam mais – e a centralização do poder de renda.

Cada dia menos ganham mais.

Como observa esse desafio da defe- sa democrática em relação aos de- mais países latino-americanos?

O destino dos demais países da re- gião certamente influenciará as pró- ximas eleições brasileiras. Não sabe- mos ao certo como, mas o exemplo

do Chile já vem se destacando. Não sabemos quão vital ou necessária será essa influência, mas sim que ela será recíproca. Este é um ativo do candidato Lula. Mantém boas rela- ções internacionais. Mas é bom lem- brar que Donald Trump perdeu nos Estados Unidos, mas aumentou seu número de votos. Não está morto.

As elites têm que pagar um preço se querem democracia. Este preço é

um adequado colchão social de ur- gência para eliminar a pobreza que já é miséria.

Em nossa conversa, o senhor tocou em vários temas importantes para se ordenar a casa brasileira em busca de desenvolvimento socioe- conômico em bases democráticas.

Como considera que esses temas deveriam se refletir nas campanhas eleitorais que temos à frente?

Nas décadas passadas, isto é, nas gerações passadas não tecnológi- cas, os protestos populares iam às ruas. Hoje é diferente. São protestos midiáticos e/ou fisicamente dissemi- nados. É a violência urbana, a frag- mentação do Estado. Os assaltos. O avanço da ilegalidade. Que vão se acumulando e tornando perigosa a vida urbana.

Eleições em meio a essa crise da democracia parecem um susto. Se- riam eleições plebiscitárias, uma es- colha entre sim e não, governo A ou B. Radicalizações. O plebiscito que o país tende a fazer – assim espero – é entre a experiência da pobreza e o talão de cheques do governo.

Que envolve os múltiplos auxílios, isenções, empréstimos. Diante da amarga experiência do desemprego, da fome, de um capitalismo sem di- reito de propriedade. Sem um teto.

Sem um lar.

O Barão de Itararé, destaque do humor político brasileiro nos anos 1920, disse certa feita que: “Tudo seria mais fácil... se não fossem as di- ficuldades”. A democracia tem essa vantagem. Ela é um conceito aberto.

Pode mudar e tem mudado. Por isso, pode enfrentar melhor as dificulda- des. Tomara!

É preciso que se leve a sério a crescente economia

informal, como sempre alerta o economista Clovis

Cavalcanti. O PIB do PCC cresce mais do que

o do Brasil

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MACROECONOMIA

O aumento da poupança constituiu um diferencial no cenário macroeco- nômico da pandemia da Covid-19.

Como em outras crises, marcadas por grave incerteza, houve uma dis- parada da poupança dita precaucio- nal. Dessa vez, as restrições ao con- sumo acentuaram esse fenômeno.

Este também é marcado por mudan- ças de comportamento decorrentes das novas tendências estruturais na economia e na sociedade, mais di- gitalizada, mais automatizada, mais trabalho independente, menos pro- teção social pública.

A variável poupança deveria re- querer mais atenção nas avaliações macroeconômicas, atualmente e so- bretudo em termos prospectivos. Já não era objeto de acompanhamento mais apurado – talvez porque seja apurada como resíduo nas contas nacionais. Quando o IBGE adotou a atual metodologia da contabilidade nacional, desde a década passada, a curva da poupança (em proporção da renda ou do PIB) saltou para cima e raras foram as análises pu- blicadas sobre o tema. Os técnicos do órgão informaram, na época, que a mudança resultou, sobretudo, do maior conhecimento sobre reti-

das condições econômicas, de modo que os gastos são retidos mais pelo medo de infecção e pela incerteza so- bre o futuro do que pelas medidas restritivas. Destacam, portanto, que mesmo com a epidemia progressiva- mente controlada, uma maior atitu- de de precaução, possivelmente re- forçada pelas “cicatrizes” deixadas pela crise da Covid-19, poderia de- sacelerar a desacumulação das pou- panças guardadas após a eclosão da pandemia, atenuando as pressões da demanda reprimida.2

Outro artigo de destaque é de De- mary et al. (2020), que enfatiza não a poupança das famílias, mas a das empresas. De acordo com os auto- res, em período pré pandêmico, em- préstimos corporativos aumentavam há décadas devido a vários fatores, desde o aumento da incerteza após a crise financeira global até o aumen- to da dependência de financiamento interno para despesas de pesquisa e desenvolvimento. Porém, conside- ram razoável a ideia de que o choque provocado pela Covid-19 fortalece- rá a poupança corporativa no lon- go prazo, uma vez que as empresas podem tentar restaurar seus buffers de liquidez e capital próprio para

A poupança que fica(rá)

José Roberto R. Afonso

Economista, professor do IDP e pesquisador do CAPP/

Universidade de Lisboa e GV Europa

Thiago Felipe R. Abreu

Economista, doutorando em Economia pela PPGCE/UERJ

radas de lucros pelos proprietários de pequenos negócios.

As transformações estruturais em curso podem afetar tanto a poupança quanto a esperada passageira pande- mia da Covid e restrições temporárias ao consumo. É preciso estudar mais o tema e já se encontra correspon- dência na bibliografia internacional, mas ainda parece ter pouca atenção na brasileira.

Artigos vêm sendo publicados para tentar explicar tal mudança de comportamento pelas famílias.

Dossche et al. (2021), por exemplo, tentaram estimar os aspectos da ele- vação da taxa europeia. De acordo com os autores, a maior poupança reflete, em grande parte, o menor consumo, uma vez que as transfe- rências fiscais estabilizaram a ren- da do setor familiar, de modo que a maior parte da poupança pelas fa- mílias se dá de forma involuntária, ou seja, por conta da incapacidade de poder consumir.1

Semelhantemente, Guglielminetti e Rondinelli (2021), em artigo para o Banco D’Italia, encontraram como resultados que apenas metade da queda no consumo privado na Itália pode ser explicada pela deterioração

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CONJUNTURA MACROECONOMIA

J a n e i r o 202 2 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 19

melhor se preparar para choques fu- turos. Isso, por sua vez, criará uma pressão maior sobre taxas de juros reais menores dificultando a condu- ção da política monetária.3

Por último, Hurwitz et al. (2021) estudam as percepções dos indiví- duos e os conselhos aos outros em relação à poupança para a aposenta- doria durante a pandemia na tenta- tiva da busca de compreender as im- plicações potenciais de longo prazo da pandemia em relação à poupança para a aposentadoria. Encontraram que muitas pessoas recomendaram que outros economizassem mais para a aposentadoria, mas os mais afetados pela pandemia diziam aos outros para economizar menos. Po- rém, não houve alterações sobre o otimismo em relação às probabilida- des de sobrevivência.

Os artigos citados e os dados no gráfico a seguir mostram que a ele- vação da taxa de poupança é vista

em todos os países. Em Portugal a taxa duplicou e Christine Lagarde, presidente do Banco Central Eu- ropeu, alertou às famílias que au- mentassem seus gastos represados pela poupança acumulada durante a pandemia e aos políticos que de- finissem um ambiente de confiança para os consumidores.4

Já no Brasil, a poupança já foi tema de três publicações pelos au- tores na revista Conjuntura5 e a matéria tem voltado à tona com a recente crise da Covid-19, isso por conta do seu elevado aumento em virtude do caráter precaucional da crise econômica e de uma poupança involuntária devido às necessidades de lockdown, inibindo o consumo das famílias.

Os dados sobre poupança em ní- vel familiar brasileiro são mais difí- ceis de se encontrar. Todos os países devem adotar a mesma metodologia, definida pelas Nações Unidas (Ma-

nual Internacional SNA), que apura a poupança das famílias por resíduo – isto é, o saldo entre a renda dis- ponível e o consumo final. O último dado disponível para o país é do ano de 2019, produzido pelo IBGE em seu Sistema de Contas Nacionais (SCN). Não por acaso houve tenta- tivas de mensurar o impacto da crise da Covid-19 sobre a poupança.

Afonso e Abreu (2020) tenta- ram fazer estimativas para o ano de 2020 com base nos dados das Contas Nacionais Anuais do IBGE, chegando a uma taxa de poupança de 15,1% em relação ao rendimen- to disponível das famílias para o ano de 2020, utilizando dados atu- alizados, o que na época foi divul- gado a partir de projeções do mer- cado no período já defasadas. Uma dificuldade da metodologia empre- gada está nos choques recentes de transferências governamentais às famílias,, o que pode ter provo-

Fontes: Eurostat e U.S. Bureau of Economic Analysis. Elaboração própria.

6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26

set/18 nov/18 jan/19 mar/19 mai/19 jul/19 set/19 nov/19 jan/20 mar/20 mai/20 jul/20 set/20 nov/20 jan/21 mar/21 mai/21

Área do euro EUA

Poupança das famílias ao redor do mundo:

em % do rendimento disponível (set. 2018-jun. 2021)

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CONJUNTURA MACROECONOMIA

cado alteração na relação entre a taxa de crescimento do PIB e dos rendimentos das famílias para os dois últimos anos.6

Gottlieb e Barbisa (2020) tenta- ram estimar a taxa de poupança das famílias a partir da criação de uma série que pretendia medir a renda disponível para famílias, que se trata da soma da massa salarial e de trans- ferências governamentais, entre elas FGTS, Bolsa Família, Auxílio Emer- gencial etc., reduzido dos impostos pagos pelas famílias. Tal série carece de outros rendimentos que as famí- lias obtêm via juros, capital, dividen- dos etc., o que acaba subestimando o valor dos rendimentos disponíveis das famílias. De todo modo para o ano de 2020 a taxa de poupança mé- dia nos quatro trimestres calculados foi de 19,8%.7

Mais recentemente, o Banco Cen- tral, em seu Relatório de Inflação de dezembro de 2021, apresenta uma

estimativa mensal da Renda Nacio- nal Disponível Bruta das Famílias (RNDBF), construída em virtude da diferença metodológica das Contas Nacionais e a série da Massa Salarial Ampliada Disponível, também pro- duzida pelo Bacen. A taxa de pou- pança é calculada a partir de dados de consumo das famílias das Con- tas Nacionais Trimestrais (CNT) do IBGE reduzido do proxy mensal da Renda Nacional Disponível Bruta das Famílias. O relatório destaca que como o proxy é uma aproxima- ção imperfeita, a taxa de poupança obtida deve ser interpretada com cautela, além do mais, como o con- sumo das famílias nas CNT inclui o consumo das instituições sem fins lucrativos a serviço das famílias, a taxa de poupança resultante é me- nor do que a que seria obtida com dados das Contas Nacionais Anu- ais, o mesmo vale para Gottlieb e Barbisa (2020).8

O gráfico a seguir apresenta a projeção da poupança das famílias, seguindo a metodologia usada pelo Bacen, subtraindo da série RNDBF trimestralizada o valor do consumo das famílias das CNT/IBGE. O pico da taxa de poupança no terceiro tri- mestre de 2020 evidencia os efeitos das transferências extraordinárias de renda do governo para as famí- lias e da redução do consumo no período de maior distanciamento social na pandemia.

Recentemente, em Nota Infor- mativa divulgada pelo Ministério da Economia acerca do resultado do PIB para o terceiro trimestre de 2021, o governo buscou explicar as causas da redução de 0,1% do PIB no período mencionado. De acordo com a Secretaria de Política Econô- mica, “mais importante do que con- siderar o número do crescimento, é observar a sua qualidade”. A nota cita como sinônimo de qualidade a

Fontes: Bacen e CNT/IBGE. Elaboração própria.

Poupança das famílias brasileiras:

em % da renda nacional disponível bruta das famílias (2013.IV-2021.III) – acumulado 4o trimestre 15,4

5 7 9 11 13 15

dez/03 jul/04 fev/05 set/05 abr/06 nov/06 jun/07 jan/08 ago/08 mar/09 out/09 mai/10 dez/10 jul/11 fev/12 set/12 abr/13 nov/13 jun/14 jan/15 ago/15 mar/16 out/16 mai/17 dez/17 jul/18 fev/19 set/19 abr/20 nov/20 jun/21

Referências

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