• Nenhum resultado encontrado

TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO"

Copied!
8
0
0

Texto

(1)

TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO

KÁTIA VICTORIANO BUNN

“Os que se encantam com a prática sem a ciência são como os timoneiros que entram no navio sem timão nem bússola, nunca tendo certeza do seu destino”.

RESUMO

O presente artigo trata das implicações práticas da Teoria do Domínio do Fato para avaliar a conduta do indivíduo tanto no aspecto objetivo quanto na sua contribuição subjetiva para ofensa do bem penalmente tutelado, determinando que a teoria estudada complementa a teoria restritiva, adotando critérios objetivos e subjetivos para ampliar o conceito de autor e partícipe. Discute-se se há possibilidade de aplicação da referida teoria e seus reflexos no conceito de partícipe, pois sendo este um terceiro que colabora em crime alheio, seja auxiliando materialmente ou moralmente, jamais terá o domínio do fato, além de trazer a modificação estrutural do conceito de autor. É possível imputar a autoria do crime aos indivíduos que nunca praticam o fato típico? A técnica utilizada será a pesquisa bibliográfica e dedutiva, utilizando-se como fundamento referencial principal a obra do jurista alemão Claus Roxin, sistematizador da Teoria do Domínio do Fato que também é abordada conforme lições de Hans Welzel.

Palavras-chave: teoria do domínio do fato; subjetividade; admissibilidade; autoria;

participação.

Acadêmica do Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

(2)

INTRODUÇÃO

A Teoria do Domínio do Fato é dominante na Alemanha, berço do seu surgimento, e vários autores a utilizam promovendo assim, importante projeção internacional tanto na Europa quanto na América Latina.

O cenário atual da criminalidade está mudando. Os crimes contra a administração pública, tráfico ilícito de entorpecentes, o tráfico de armas, de pessoas, a pedofilia, o crime organizado e a lavagem de dinheiro, por exemplo, estão sendo praticados por grupos ou bandos organizados e, hoje, são considerados a grande mazela da criminalidade pelos efeitos que geram na população. São inúmeras as razões pela escolha da empresa criminosa. No entanto, merece destaque especial à impunidade, o fácil acesso a informações privilegiadas, o poder que tanto fascina o ser humano além do enriquecimento fácil e rápido.

Por isso, é dada grande importância à pessoa do mandante do crime, já que é ele o responsável direto por persuadir a ideia do fato ilícito na cabeça do indivíduo que irá executá-la. Aquele que detém o domínio ou o mentor é quem escolhe as vítimas, planeja as ações do grupo, financia e determina ordens a serem executadas pelos subordinados. Sendo assim, observa-se que a doutrina e a jurisprudência estão recepcionando e aplicando a teoria do domínio do fato com o objetivo de considerar autor do delito aquele que possui controle e domínio da ação criminosa, apesar de não ter executado materialmente nenhuma conduta típica.

Toda teoria, direta ou indiretamente, tem como objetivo final ser uma resposta a um problema que existe de forma material. O problema que a Teoria do Domínio do Fato se propõe a resolver é a distinção entre autor e partícipe. Por isso, é preciso refletir sua aplicação ao caso concreto, para que então, seja ponderada e fundamentada nas bases científicas de Claus Roxin, seu grande sistematizador, motivado pelos crimes cometidos na época do nacional-socialismo.

O professor Roxin ficou insatisfeito com a interpretação dada a Teoria do Domínio do Fato no Brasil, pois afirmou-se que a teoria teria foi criada para tornar mais severas as penas das pessoas que comandam as estruturas políticas. Esclarece Roxin que, ao contrário da afirmação, o objetivo é punir os responsáveis pelas ordens e as pessoas que as executam em uma estrutura hierarquizada que atue fora da lei.

É fundamental ratificar a relevância da Teoria do Domínio do Fato para a efetiva modernização da Justiça Penal devido aos inúmeros equívocos ao tentar importá-la para os tribunais brasileiros.

Embora muitas sejam as críticas em relação à teoria, é essencial que esta seja reconhecida pelo Direito levando-se em consideração que no âmbito da justiça criminal os crimes que mais se destacam são: aqueles praticados por várias pessoas - das quais uma é a mentora ou detém o domínio sobre toda a ação criminosa do grupo, ou seja, aquela que escolhe as vítimas elabora as ações do grupo, custeia as despesas e determina ordens a serem executadas pelos subordinados.

1. ORIGEM E EVOLUÇÃO

Em 1915, Hegler, no trabalho intitulado “Die Merkmale des Verbreches” utilizava pela primeira vez a expressão “domínio do fato”. Todavia, estava fundamentada na culpabilidade, pois o termo era utilizado para designar “quem como autor imputável e não coagido havia sido senhor do fato na sua manifestação concreta” e também o autor imprudente (autoria culposa), porque este teria agido com falta de vontade para impedir o que aconteceu quando assim se esperava dele1.

1 ROXIN, Claus. Autoria y dominio del hecho em derecho penal. Madri/Barcelona: Marcial Pons, 2000.p.82.

Tradução de Joaquim Cuello e José Luis Serrano González de Murillo.

(3)

Já em 1933, Lobe deu à expressão domínio do fato a primeira ideia da teoria no plano de autoria, atribuindo ao termo conteúdos objetivo e subjetivo e, referindo-se tanto a querer o resultado como a conduzir a execução2.

Somente em 1939, o jurista alemão Hans Welzel, com a criação do finalismo no tocante ao concurso de agentes, utilizou o termo “domínio do fato” como um dos elementos para delimitar o que chamou de “autoria final”3.

Welzel foi considerado o pai da Teoria Finalista da Ação. Com o intuito de julgar os crimes ocorridos na Alemanha pelo Partido Nazista, baseando-se na aplicação da pena ao mandante de um crime, porém como autor e não como partícipe4.

Welzel descreve a autoria sob dois aspectos, do dolo e da culpa. No que se refere ao dolo, o conceito de autor é: aquele que possui o domínio final do fato, isto é, o domínio consciente do fato a que se destina a um propósito estabelecido, o que representa a característica geral da autoria, ainda que o tipo exija elementos pessoais. Sendo assim, partícipe seria aquele que contribui para a execução delituosa de terceiro ou quem instigou a decidir praticá-la, não tendo, portanto, domínio do fato5.

Foi atribuído a Welzel a maior contribuição para delimitar autoria no que se refere ao termo

“domínio do fato”6. Nessa época, devido a jurisprudência Alemã, a teoria não foi aceita.

Esta teoria ganhou projeção internacional no ano de 1963, na obra “Täterschaft und Tatherrschaft” de Claus Roxin, considerada a principal obra sobre o tema7. Tempos depois sua obra foi traduzida para o espanhol com o título “Autoría y Dominio del Hecho en Derecho Penal” sem tradução ainda no Brasil.

Roxin, um dos mais importantes penalistas contemporâneos, professor emérito da Universidade de Munique e detentor de 19 doutorados honoris causa pelo mundo inteiro8, estava insatisfeito com a jurisprudência alemã que não reconhecia como autor e sim mero partícipe quem ocupava uma posição dentro de um aparato organizado e emitia comando para execução de um delito, isto é, este domínio materialmente considerável está tão marcante ao ponto de permitir a realização de tal fato, podendo, inclusive, decidir sobre sua interrupção, modificação ou consumação. Sendo assim, determinou-se com Roxin um novo critério em relação aos anteriores para distinguir autoria de participação9.

Roxin não tentou dar continuidade ou superar a concepção de Welzel, pois ele expressamente a rejeita e tenta superá-la. Em sua crítica, Roxin foi enfático ao explicar que Welzel inseriu o conceito

“de forma absolutamente repentina e sem explicação, como se seu significado fosse compreensível por si mesmo”10 e, por outro lado, que a “unilateralidade dos critérios compreendidos de forma lógica e exata” e a “sua incapacidade de satisfazer as diversas formas de manifestação da vida em suas expressões individuais” não servem como critérios para definir a ideia de domínio do fato11. Mesmo assim, a teoria foi ignorada pelos Tribunais Alemães.

2 AFLEN, Pablo Rodrigo. Teoria do domínio do fato, p. 85.

3 AFLEN, Pablo Rodrigo. Teoria do domínio do fato, p. 89.

4 ROXIN, Claus. Autoria y domínio del hecho em derecho penal, Madri/Barcelona: Marcial Pons, 2000.p.88.

Tradução de Joaquim Cuello e José Luis Serrano González de Murillo.

5 WELZEL, Hans. Direito penal. Tradução de Afonso Celso Rezende. Campinas: Romana, 2004.p. 101.

6 ROXIN, Claus. Autoria y domínio del hecho em derecho penal, Madri/Barcelona: Marcial Pons, 2000.p.88.

Tradução de Joaquim Cuello e José Luis Serrano González de Murillo.

7 AFLEN, Pablo Rodrigo. Teoria do domínio do fato, p. 91.

8 GRECO, Luis; LEITE, Alaor. Claus Roxin, 80 anos. In: Revista Liberdades. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. nº 7 – maio-agosto de 2011, p. 99.

9 GRECO, Luis, et alii. Autoria como domínio do fato, p. 42.

10 ROXIN, Claus. Autoria y domínio del hecho em derecho penal, Madri/Barcelona: Marcial Pons, 2000.p.109.

Tradução de Joaquim Cuello e José Luis Serrano González de Murillo.

11 ROXIN, Claus. Autoria y domínio del hecho em derecho penal, Madri/Barcelona: Marcial Pons, 2000.p.112.

Tradução de Joaquim Cuello e José Luis Serrano González de Murillo.

(4)

A Teoria do Domínio do Fato volta ao cenário jurídico na década seguinte. Desta vez na Argentina onde Jorge Rafael Videla, presidente da Junta Militar Argentina, foi processado como responsável pelo desaparecimento de pessoas durante a Ditadura Militar Argentina12 A referida teoria também foi aplicada no Peru, pela Suprema Corte para julgar Alberto Fujimori pelos crimes ocorridos no seu governo (1990-2000), pois ele tinha o controle sobre os sequestros e homicídios, além de ter ordenado a esterilização de mais de 250 mil mulheres sem consentimento, com objetivo de “prevenir epidemias” e diminuir o número de nascimentos nas áreas mais pobres do Peru.13

Em 1979. Nilo Batista trouxe a teoria para o Brasil, na sua clássica obra Concurso de Agentes, já na primeira edição. E em 2013 e 2014, devido a sua aplicação pelo Supremo Tribunal Federal, no caso em que José Dirceu foi processado pelo crime de corrupção ativa na Ação Penal 470 tornou-se nacionalmente conhecida14.

2. CONCEITO

Sua função dogmática é fazer a distinção entre autor e partícipe. Trata-se de uma composição distinta às teorias até então conhecidas, já que diferencia com clareza autor e partícipe e admite a figura do autor mediato, além de facilitar o entendimento da coautoria. Prevista no concurso de agentes, tem como objetivo o ponto de vista nos crimes praticados em concurso de pessoas, seja pelo domínio da ação, pelo domínio da vontade ou pelo domínio funcional do fato15.

Segundo Roxin, o grande sistematizador da teoria, há três possibilidades para estabelecê-la:

1) é autor quem possui o domínio da ação (caso de autoria de crime de mão própria - Neste caso, quem, sem ser coagido, realizar todos os elementos do tipo de própria mão, é considerado autor. Em todas as hipóteses possíveis este tem o domínio do fato; 2) quem possui domínio de volição e/ou cognição (caso de autoria mediata ou autoria intelectual - o autor imediato realiza o tipo penal atuando sob erro ou coação, se dá o domínio da vontade. Uma vez que este tem sua vontade dominada pelo autor mediato que, assim, deixa de ser mero participe instigador ou cúmplice; 3) quem possui o domínio funcional (caso clássico de coautoria) - aquele que realiza parcialmente a conduta típica, ou ainda que não o faça, detenha o domínio funcional do fato. Portanto, o sujeito que tem o domínio funcional realiza o fato em conjunto com aqueles que executam diretamente a conduta típica. Se, por exemplo, o sujeito que presta auxilio desempenha uma função essencial e independente - de acordo com o plano delitivo - durante a execução do delito, deixará de ser mero cúmplice e passara a figurar, de acordo com o critério do domínio funcional do fato, como autentico autor16.

No domínio do fato o agente possui em suas mãos, dominado pelo dolo, o curso típico de acontecimentos. Leciona Jakobs que esse domínio terá que corresponder a “qualquer um que possa, ao arbítrio de sua vontade, deter, deixar continuar ou interromper a realização do resultado final”17.

Ainda sobre o assunto, o ilustre criminalista Juarez Cirino dos Santos esclarece que:

A teoria do domínio do fato parece adequada para definir todas as formas de realização ou de contribuição para a realização do fato típico compreendidas sob a forma de autoria e de

12 FOLHA DE SÃO PAULO. Saiba mais sobre Jorge Rafael Videla – ex-presidente argentino. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/ folha/mundo/ult94u66234.shtml. Acesso em: 15/12/2016.

13 EL PAÍS. O Peru arquiva o caso das esterilizações forçadas de Fujimori. Disponível em:

http://brasil.elpais.com/brasil/2014/01/24/ internacional/1390588949_715046.html. Acesso em: 25/11/2016.

14 AFLEN, Pablo Rodrigo. Teoria do domínio do fato na doutrina e na jurisprudência brasileira: Considerações sobre a APn 470 do STF. In: Revista Eletrônica de Direito Penal AIDP-GB – UFRGS – vol. 2, nº 2, 2014. p.140.

15 GRECO, Luis, et alii. Autoria como domínio do fato, p. 44.

16 ROXIN, Claus. Autoria y domínio del hecho em derecho penal, Madri/Barcelona: Marcial Pons, 2000.p.114.

Tradução de Joaquim Cuello e José Luis Serrano González de Murillo.

17 JAKOBS, GÜNTHER. Crítica à teoria do domínio do fato: (uma contribuição à normativização dos conceitos jurídicos). Tradução de Maurício Antônio Ribeiro Lopes. Barueri, SP: Manoele, 2003. p. 47.

(5)

participação: 1) autoria (a) direta, como forma de realização pessoal do fato típico, (b) mediata, como utilização de outrem para a realização do fato típico e, (c) coletiva, como decisão comum e realização comum do fato típico; 2) participação como contribuição acessória em fato principal doloso de outrem, sob as formas (a) de instigação, como determinação dolosa a fato principal doloso de outrem e (b) de cumplicidade, como ajuda dolosa a fato principal doloso de outrem18.

Observa-se então que a teoria do domínio do fato reconhece um novo gênero de autoria fundamentada em elementos subjetivos de vontade e controle das ações dos que estão sob suas ordens.

Roxin afirma que o conceito de domínio do fato não se aplica a todos os crimes, mas com exclusividade aos comuns, comissivos e dolosos. Afinal, apenas nos crimes dolosos se pode falar em domínio final do fato, pois a característica essencial dos crimes culposos é exatamente a perda desse domínio19.

No entendimento de Juarez Cirino dos Santos, autoria e participação devem ser estudados de acordo com os postulados da teoria do domínio do fato, generalizada na literatura contemporânea como critério de definição de autor e de partícipe20.

A ideia basilar da teoria do domínio do fato é: considerar autor aquele que tem o domínio para realizar o fato típico, ou seja, tem o poder de controlar a continuação ou a interrupção da ação típica. Por outro lado, o partícipe não tem o domínio para realizar o fato típico além de não possuir o controle nem para continuar nem interromper a ação típica21.

3. APLICAÇÃO DA TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO NO BRASIL

Há uma grande lacuna no Direito Penal brasileiro em relação à conceituação de autor e partícipe.

A teoria adotada pelo nosso Código Penal após a reforma de 1984 é a Teoria Restritiva ou Formal- Objetiva. Determina um conceito restritivo de autor, isto é, faz a distinção entre autor e partícipe quando expressa no art. 29 que: “Quem de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida da sua culpabilidade”22.

Para a Teoria Restritiva é necessário que o autor pratique o núcleo do verbo incriminador, por outro lado, o partícipe é aquele que participa de qualquer outra forma para a efetivação do delito sem realizar elementos do tipo.

Dessa forma, considera-se autor aquele que concorre para a realização do fato ilícito praticando elementos do tipo. Já o coautor é aquele que concorre para a realização do crime praticando parte do tipo, isto é, ele presta uma ajuda considerada fundamental, dividindo tarefas imprescindíveis ao crime. Por outro lado, o partícipe contribui de qualquer forma para realização de um crime, sem realizar elementos do tipo.

De acordo com o professor Rogério Greco:

(...) Para os que assumem um conceito restritivo, autor é aquele que pratica a conduta descrita no tipo penal. Todos os demais que, de alguma forma, o ‘auxiliam, mas que não venham a realizar a conduta narrada pelo verbo do tipo penal será considerado partícipe23.

Embora a teoria restritiva tenha sido recepcionada no Brasil, fica claro que possui falhas. Surge então, a teoria do domínio do fato aplicada na tentativa de retificá-las.

18 SANTOS, Juarez Cirino dos. A Moderna Teoria do Fato Punível. Curitiba: Editora Fórum, 3. ed., 2004. p. 270.

19 GRECO, Luis, et alii. Autoria como domínio do fato, p. 44.

20 SANTOS, Juarez Cirino dos. Ob. Cit. p.276.

21 GRECO, Luis, et alii. Autoria como domínio do fato, p. 45.

22 SANTOS, Juarez Cirino dos. Ob. Cit. p.273.

23 GRECO, Luis, et alii. Autoria como domínio do fato, p. 69 e 70.

(6)

3.1 Teoria do Domínio do Fato e a Ação Penal 470

No Brasil são inúmeros os equívocos na aplicação da Teoria do Domínio do Fato, mas foi no julgamento da Ação Penal 470 do STF que a colocou em grande evidência dentro e fora do meio jurídico.

A teoria foi utilizada pelo Ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, para fundamentar e dessa forma, condenar o ex-ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu, no processo popularmente conhecido como “mensalão”24.

Nos autos da referida ação penal, a teoria do domínio do fato surge não somente na inicial acusatória, mas também nos votos da maioria dos ministros-membros da Suprema Corte.

Visitando o Brasil em um seminário de Direito Penal, em entrevista dada ao Jornal Folha de São Paulo, Claus Roxin manifestou sua insatisfação com a interpretação, segundo ele, equivocada de

“sua” teoria do domínio do fato, pelo Supremo Tribunal Federal25. O jurista alemão fez os seguintes esclarecimentos:

1. Que não é possível usar a teoria para fundamentar a condenação de um acusado supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica, visto que, a pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Caso contrário, isso seria exemplo de mau uso.

2. O dever de conhecer os atos de um subordinado não implica em corresponsabilidade, pois a posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção [“dever de saber”] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados”.

3. A opinião pública pede punições severas no mensalão. Na Alemanha temos o mesmo problema afirma Roxin. Para ele é interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública”.26

Não sendo assim, nega-se o direito penal da culpabilidade. Ao contrário da interpretação brasileira no caso “mensalão”, não é possível apenas ostentar uma posição de superioridade ou de representante efetivo de um grupo. Ratifica Roxin que: “Quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E isso deve ser provado”27.

Ou seja, segundo Roxin, não é suficiente que haja indícios de sua ocorrência, além disso, a base do Direito Penal de fato exige um juízo de certeza consolidado em prova incontestável.

Destaca-se uma lição primária sobre o assunto que é a soma de indícios não os converte em prova provada. A dúvida ocasional sobre a culpabilidade de um indivíduo, por menor que seja, é fundamento competente para determinar sua absolvição e faz valer no entendimento de Juarez Cirino dos Santos: “um dos grandes princípios jurídicos do Direito Penal da presunção da inocência

24 SCOCUGLIA, Livia. Claus Roxin critica a aplicação da teoria do domínio do fato. Disponível em:

http://www.conjur.com.br/2014-set-01/claus-roxin-critica-aplicacao-atual-teoria-dominio-fato. Acesso em:

12/10/2016.

25 GRILLO, Cristina; MENCHE, Denise. Entrevista de Claus Roxin concedida à Folha de São Paulo. Publicada no domingo dia 11 de novembro de 2012. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ poder/1131756-entenda- o-que-e-a-teoria-do-dominio-do-fato-citada-porgurgel.shtml. Acesso em: 15/12/2016.

26 GRILLO, Cristina; MENCHE, Denise. Entrevista de Claus Roxin concedida a Folha de São Paulo. Publicada no domingo dia 11 de novembro de 2012. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ poder/1131756-entenda- o-que-e-a-teoria-do-dominio-do-fato-citada-porgurgel.shtml. Acesso em: 15/12/2016.

27 GRILLO, Cristina; MENCHE, Denise. Entrevista de Claus Roxin concedida a Folha de São Paulo. Publicada no domingo dia 11 de novembro de 2012. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ poder/1131756-entenda- o-que-e-a-teoria-do-dominio-do-fato-citada-porgurgel.shtml. Acesso em: 15/12/2016.

(7)

que é o in dubio pro reo, que diz que em casos de dúvidas (por exemplo, insuficiência de provas) se favorecerá o réu”28.

CONCLUSÃO

A Teoria do Domínio do Fato vem sendo bastante discutida e trabalhada por quase um século e ainda está em constante evolução.

No cenário nacional, a teoria ainda não é amplamente explorada pela doutrina e jurisprudência.

Entretanto, vem ganhando força no mundo contemporâneo e por consequência, uma expressividade mais efetiva.

Observa-se que a teoria do domínio do fato atribui um complemento à teoria restritiva da autoria fundamentada pelo Código Penal brasileiro que em seu artigo 29 determina pena diferenciada para autor e partícipe embora não os discrimine de forma expressa. Sendo, portanto, um instrumento muito importante para a argumentação jurídica.

Entende-se que utilizando os preceitos desta teoria, denomina-se autor aquele que detiver o controle de todos os atos, desde o início até seu resultado e não aquele que pratica o delito. Isto significa dizer que aquele que for o mandante, apesar de não ter praticado nenhuma conduta inserida no tipo penal, não é tratado como mero partícipe e será considerado autor, já que detém do controle final do fato, pois ordenou a prática delitiva. Sendo assim, responderá penalmente nessa qualidade.

Quanto à dimensão dos efeitos da teoria do domínio do fato às várias espécies de delito, conclui- se que não há possibilidade nos crimes multidinários, omissivos e culposos, tendo em vista ser imprescindível uma conduta positiva, prévia, e tendenciosa a convencer outrem a delinquir.

Apesar de muito presente nos estudos de Direito Penal, a Teoria do Domínio do Fato virou tema de grandes discussões no Brasil, em virtude do julgamento da ação penal 470 e por consequência de como foi citada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Necessário se faz a observação de que o fulcro da aplicação da referida teoria não é o da condenação sem provas, nem mesmo por simples ocupação de posto de chefia em organização hierárquica.

O estudo não teve a pretensão de esgotar assunto de bibliografia ainda tão escassa, mas de suscitar ao menos curiosidade aos operadores de Direito para ampliar ainda mais as possibilidades de estudo sobre a teoria do domínio do fato.

BIBLIOGRAFIA

AFLEN, Pablo Rodrigo. Teoria do domínio do fato. São Paulo: Saraiva, 2014.

_______. Teoria do domínio do fato na doutrina e na jurisprudência brasileira: Considerações sobre a APn 470 do STF. In: Revista Eletrônica de Direito Penal AIDP-GB – UFRGS – vol. 2, nº 2, 2014. p.140.

EL PAÍS. O Peru arquiva o caso das esterilizações forçadas de Fujimori. Disponível em:

http://brasil.elpais.com/brasil/2014/01/24/internacional/1390588949_715046.html. Acesso em: 25/11/2016.

GRILLO, Cristina; MENCHE, Denise. Entrevista de Claus Roxin concedida a Folha de São Paulo. Publicada no domingo dia 11 de novembro de 2012. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/1131756-entenda- o-que-e-a-teoria-do-dominio-do-fato-citada-porgurgel.shtml. Acesso em: 15/12/2016.

GRECO, Luís; LEITE, Alaor; TEIXEIRA, Adriano; ASSIS, Augusto. Autoria como domínio do fato: estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito penal brasileiro. São Paulo: Marcial Pons, 2014.

GRECO, Luis; LEITE, Alaor. Claus Roxin, 80 anos. In: Revista Liberdades. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. nº 7 – maio-agosto de 2011.

JAKOBS, GÜNTHER. Crítica à teoria do domínio do fato: (uma contribuição à normativização dos conceitos jurídicos). Tradução de Maurício Antônio Ribeiro Lopes. Barueri, SP: Manole, 2003. 47 p.

28 SANTOS, Juarez Cirino dos. A Moderna teoria do fato punível. Curitiba: Editora Fórum, 3. ed., 2004. p. 124.

(8)

ROXIN, Claus. Autoría y dominio de hecho en derecho penal. Tradução de Joaquín Cuello Contreras e José Luis Serrano Gonzáles de Murillo. Madri: Marcial Pons, 2000.

SANTOS, Juarez Cirino dos. A Moderna Teoria do Fato Punível. 3. ed. Curitiba: Fórum, 2004.

_______. Direito penal: parte geral: 5ª ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012.

SCOCUGLIA, Livia. Claus Roxin critica a aplicação da teoria do domínio do fato. Disponível em:

http://www.conjur.com.br/2014-set-01/claus-roxin-critica-aplicacao-atual-teoria-dominio-fato. Acesso em:

12/10/2016.

VINCI, Leonardo da – Grandes pensadores – Pensamentos de Leonardo da Vinci. Disponível em:

https://pensador.uol.com.br/autor/leonardo_da_vinci/. Acesso em: 26/12/2016.

WELZEL, Hans. Direito penal. Tradução de Afonso Celso Rezende. Campinas: Romana, 2004.p.101.

Referências

Documentos relacionados

Estudos anteriores consideraram diferentes agrupamentos do CBBE, como é o caso dos trabalhos de Konecnik e Gartner (2007), que adotaram um modelo

Similarly, the literatu- re reports that those in need of dental prosthesis present significantly higher mean OHIP scores in comparison to those that did not need dental

3- Fichas de compensação (guias) recolhidas, originalmente, para determinado serviço não poderão ser utilizadas para outra finalidade.. O interessado deverá

Neste momento, cumpre ressaltar que o principio da dignidade humana desempenha multiplas funcoes, entre as quais a de servir de criterio material para a ponderacao de

Analisando a pressão arterial em milímetros de mercúrio (mmHg) antes dos animais serem submetidos ao protocolo de estresse (Gráfico 1), é possível observar que os animais

 Análise técnica-e-económica das soluções existentes e propostas de melhoria Resumidamente os objetivos do projeto prendem-se com uma séria tentativa de