UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA EM PORTUGAL
Elza Amaral
Escola de Ciências e Tecnologia Departamento de Matemática UTAD
Vila Real-Portugal
António Carlos Brollezi
Instituto de Matemática e Estatística USP
São Paulo-Brasil
Palestra aos alunos de Pós-graduação em Ensino da Matemática do IME, no âmbito da disciplina de Tendências da Educação Matemática
A problemática relacionada ao ensino de matemática foi mais propriamente identificada como objeto de estudo a partir do início do século XX. Mas foi na década de 60 que a temática adquiriu outras características, como a internacionalização das perspetivas e uma nova forma de conceber a formação dos professores, incluindo a formação continuada. A partir do movimento de reformas do ensino de matemática, que ficou conhecido como Movimento da Matemática Moderna, houve uma crescente
preocupação com a formação continuada de professores e com a relação
CONTEXTUALIZAÇÃO
Em particular, Brasil e Portugal desenvolveram suas estratégias de certa forma independentes, mas com elementos comuns, como por exemplo a preocupação com as abordagens e currículos tendo em vista a inserção de novos conteúdos e linguagens na matemática básica. Compreender esse fenômeno é uma forma de dar luz às tendências internacionais do ensino de matemática.
CONTEXTUALIZAÇÃO
Mértola, 12 de Dezembro de 1914 Lisboa, 25 de Maio de 1972
Licenciou-se em Ciências Matemáticas, em 1937
Doutorou-se em Matemática em 1949, na Faculdade de Ciências
de Lisboa, com a dissertação “As funções analíticas e a análise funcional”
Notável Matemático e Pedagogo do séc. XX Militante e investigador em matemática
Foi bolseiro do Instituto de Alta Cultura em Portugal (1940-1942) Foi bolseiro em Itália (1942-1946) onde se especializou em Análise
DADOS BIOGRÁFICOS
Para além do seu trabalho de investigação, Sebastião e Silva teve um papel fundamental na racionalização e atualização do ensino da Matemática em Portugal.
O pensamento de Sebastião e Silva sobre o Ensino da Matemática ficou claramente expresso numa entrevista por ele dada ao “Diário de Notícias”, em Janeiro de 1968.
SEBASTIÃO E SILVA E O ENSINO DA MATEMÁTICA
“Diário de Notícias” em 23-1-1968
(...) a educação, na era científica, não pode continuar, de modo nenhum, a ser feita segundo os moldes do passado. Em todas as
escolas o ensino das ciências tem que ser intensificado e remodelado desde as suas bases, não só quanto a programas mas ainda quanto a métodos. Uma vez que a máquina vem substituir o homem
progressivamente em trabalhos de rotina, não compete à escola produzir homens máquinas mas, pelo contrário, formar seres pensantes, dotados de imaginação criadora e de capacidade de adaptação em grau cada vez mais elevado.
SEBASTIÃO E SILVA E O ENSINO DA MATEMÁTICA
“Diário de Notícias” em 23-1-1968
O que se pretende acima de tudo é levar o aluno a compreender o
porquê dos processos matemáticos, em vez de lhe paralisar o espírito, automatizando-o desde logo. (...) No ensino tradicional o aluno é
tratado, precisamente, como se fosse uma máquina, enquanto no ensino moderno se procura, por todos os meios, levá-lo a reflectir e a reencontrar por si as ideias fundamentais que estão na base da
Matemática.
SEBASTIÃO E SILVA E O ENSINO DA MATEMÁTICA
“Sebastião e Silva teve em relação ao Ensino da Matemática uma visão globalizante capaz de compreender o que se passava desde o Ensino Primário ao Ensino Superior. Via a Matemática não como um conjunto de técnicas a dominar mas como um meio de conseguir a formação integral de um cidadão. Como referia A. Franco de Oliveira (ver "Ensino da
Matemática - Anos 80", SPM, 1982, pg. 162): "uma directriz essencial do projecto de modernização veiculado por José Sebastião e Silva: dar ao estudante uma visão do porquê, a par do como se faz." Contudo, nem sempre as suas ideias foram bem compreendidas, tendo os seus
"Compêndios de Álgebra" e a Reforma da Matemática Moderna sido bastante criticados.” [1]
SEBASTIÃO E SILVA E O ENSINO DA MATEMÁTICA
Para que serve o Ensino da Matemática?
Sentido Crítico
Autonomia Mental
Qualidades que um Professor se deve
esforçar por
desenvolver nos seus alunos
OBJETIVOS DO ENSINO DA MATEMÁTICA
Espírito de Investigação:
1. Intuição
2. Experiência
3. Lógica Indutiva 4. Lógica Dedutiva
OBJETIVOS DO ENSINO DA MATEMÁTICA
… meios que se alternam constantemente na Inv. Cient., numa cadeia sem fim em que é difícil destriçar uns dos outros…
DN-1968
Sebastião e Silva preocupou-se profundamente com o ensino da matemática!
O seu pensamento provocou uma renovação profunda nos currículos, e a introdução de novas pedagogias e didáticas, tendo como principal objetivo fomentar o gosto pela investigação, quer no aprofundamento do
conhecimento científico, quer no estudo da história do pensamento matemático.
MÉTODO HEURÍSTICO
(introduzido, pela 1ª vez, nos
programas do 3º ciclo liceal - atual Ensino Secundário).
PARTICULAR GERAL
CONCRETO ABSTRATO
RESULTADO RIGOROSO COM DEFINIÇÕES E
DEMONSTRAÇÕES DE LÓGICA
TIPO DE ENSINO
Sentindo a necessidade de alterar os programas e métodos de EM:
Concebeu e orientou experiências pedagógicas, efetuadas a partir de 1963 nos liceus
Segundo Yolanda Lima [4], foi a “melhor experiência pedagógica feita em Portugal no âmbito do ensino liceal de Matemática, não só pela qualidade ímpar de quem a liderou, mas pelos cuidados de que foi rodeada a sua
PORQUÊ UMA ALTERAÇÃO?
No início dos anos sessenta 60, a comunidade científica portuguesa sabia que algo de novo e muito diferente estava a acontecer no Ensino da
Matemática em vários países da Europa.
Sebastião e Silva era um grande entusiasta das profundas mudanças que a evolução científica impunha ao Ensino da Matemática a todos os níveis.
SITUAÇÃO DO ENSINO…
CURSO DE INTRODUÇÃO À MATEMÁTICA MODERNA (1962/63 Liceu Normal de Pedro Nunes)
Frequentado por mais de 150 professores que aí “foram sensibilizados para a necessidade de mudanças pela clareza da exposição, pelas notas pedagógicas nela inseridas, pelo interesse dos temas e pelo peso do prestígio e da autoridade do mestre.”
Ministério da Educação, informado sobre a extensão do movimento de
1º CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES…
COMISSÃO DE ESTUDOS PARA A MODERNIZAÇÃO DO ENSINO DA MATEMÁTICA NO 3º CICLO DE CIÊNCIAS DOS LICEUS PORTUGUESES (Criada pelo Ministério da Educação, em Julho de 1963, e presidida por Sebastião e Silva)
Experiência ímpar, com o patrocínio da OCDE, que embora enquadrada nas recomendações internacionais para a modernização do ensino, seguia textos 100% originais
Entre as experiências patrocinadas pela OCDE, esta foi considerada a melhor
1ª COMISSÃO…
1. Formar professores
2. Experimentar num grupo muito restrito de escolas
3. Afinar os textos após as primeiras experiências; alargar progressivamente o número de escolas e de professores formados
4. Apresentar programas de Matemática Moderna na TV para todo o público.
OBJETIVOS DA COMISSÃO…
TRÊS TURMAS PILOTO NO 3º CICLO DOS LICEUS PORTUGUESES
(Protocolo, assinado em Dezembro de 1963, entre a OCDE e o Ministério da Educação): uma em cada liceu normal (Lisboa, Porto e Coimbra)
Os manuais eram totalmente da responsabilidade de S.S. e os outros membros da Comissão (que integravam professores do liceu, como por exemplo Silva Paulo) encarregavam-se da adequação ao nível etário e ao número de aulas e propor exemplos e exercícios.
Grande conhecimento científico Excecionais dotes pedagógicos Grande cultura humanística
Segurança de perspetivas e de modernidade
CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS…
Agosto de 1964 – 1º Curso de Oeiras para a atualização de Professores regido pelos membros da Comissão
1964/65 – 11 turmas piloto do 6º ano em várias cidades com programas já ajustados pela prática nas 3 turmas do ano anterior e pelas conclusões de Atenas. Estes alunos já tiveram acesso aos textos piloto policopiados
Setembro de 65 – Segundo curso de atualização em Oeiras
NOS ANOS SEGUINTES…
Em 1969, existiam as seguintes turmas piloto do 6º ano:
• 60 turmas no Continente (em quase todas as cidades)
• 6 em Luanda
• 2 em Lourenço Marques (Atualmente Maputo)
• 1 em S. Tomé
• 3 em Colégios (privados)
SITUAÇÃO EM 1969…
Esta experiência portuguesa foi muito apreciada no estrangeiro.
Pedidos de manuais e guias e inúmeros convites para ministrar cursos e apresentar conferências chegaram da Itália, Bélgica, França, Espanha e Brasil, entre outros.
A Professora Maria Madalena Garcia, ligada à experiência no Porto, regeu um curso de um mês no Brasil e bolseiros brasileiros foram a Portugal
O IMPACTO A NÍVEL INTERNACIONAL…
ORIENTAÇÃO ADOTADA EM
PORTUGAL ORIENTAÇÃO
BELGA
MUITO ABSTRATA
ORIENTAÇÃO INGLESA
MAIS PRAGMÁTICA
Descrição da experiência, feita por Sebastião e Silva, em entrevistas ao DN (66 e 68) e em carta enviada ao GEPAE (em 1969)
QUAL A ORIENTAÇÃO SEGUIDA?
No entanto, este projeto iniciado em 1963 e continuado pelos anos seguintes – onde os monitores eram aqueles que tinham sido anteriormente formandos – foi abruptamente interrompido pela morte prematura de Sebastião e Silva, em 1972.
Segundo Yolanda Lima, S.S. já se encontrava doente quando enviou a carta ao GEPAE em 69, onde SS faz uma descrição da experiência e se mostra satisfeito com a sua evolução… Parece no entanto que já receava pelo futuro da experiência!!!
ATÉ QUANDO?
A mesma idade (15 anos) Exame de Admissão ao Liceu Exame Nacional no 2ºAno Exame Nacional no 5ºAno
Programas até ao 5ºAno (9ºAno EB) eram muito mais exigentes*
*Por exemplo, o livro de Geometria de Palma Fernandes, para o 3º,
6ºANO (1963) / 10ºANO (1997)
Note-se portanto que o Programa de Matemática das turmas piloto (apresentado nos slides 31 e 32) destinava-se a alunos que tinham sido já naturalmente selecionados, mesmo que não fossem
escolhidos apenas aqueles sem reprovação em Matemática no 5ºAno.
Um dos aspetos originais a salientar neste programa é uma
profunda introdução sobre questões da linguagem escrita ou falada, sinais, termos, expressões, proposições, diferença entre designação e designado, tipos de escritas… universo do discurso
6ºANO (1963) / 10ºANO (1997)
Sebastião e Silva valorizava os aspetos da linguagem!
Acreditava que as dificuldades em matemática resultavam
principalmente de deficiências na comunicação e na leitura, além da má compreensão dos conceitos mais básicos.
“A matemática, língua científica por excelência, está sujeita a uma evolução contínua que alarga cada vez mais o seu campo de
acção… Há que insistir num sistema gradual de traduções e
retroversões entre a linguagem matemática e a linguagem comum.
IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM…
Textos frequentemente intercalados com reflexões culturais e filosóficas.
Uma reflexão profunda sobre os fundamentos de cada tema, antes de os iniciar; uma desmontagem das práticas mais triviais para lhes encontrar a origem e a justificação, o “porquê” e o “para quê” – não deixar nada
obscuro na mente do aluno!
Segundo SS, o ensino tradicional paralisava o espírito do aluno
automatizando-o na execução árida de tarefas, antes de saber o que elas significam; no ensino moderno, procura-se por todos os meios levar o aluno a refletir e redescobrir por si as ideias fundamentais em que se
OS TEXTOS…
COMISSÃO DE ESTUDOS PARA A MODERNIZAÇÃO DO ENSINO DA MATEMÁTICA NO 3º CICLO DE CIÊNCIAS NOS LICEUS PORTUGUESES Atuação em 4 fases:
1. Formar professores
2. Experimentar num grupo muito restrito de escolas
3. Afinar os textos após as primeiras experiências; alargar progressivamente o número de escolas e de professores formados
4. Apresentar programas de Matemática Moderna na TV para todo o público.
PROJECTO 1 – JULHO 1963
O Movimento da Matemática “Moderna”, nas décadas de 60 e 70 do século XX, é um marco na história do ensino da Matemática em todo o mundo.
Analisar e comparar o projeto de desenvolvimento curricular em
Matemática, protagonizado em Portugal, nos anos 60 (séc. XX), por José Sebastião e Silva, com as reformas de Francisco Campos, em 1931, e com o período de penetração e difusão do movimento da “Matemática Moderna”
no Brasil, em 1960 – 1970
Estudar: o impacto e a inovação das reformas no Ensino da Matemática, na década de 1960, em Portugal e no Brasil; quais os principais intervenientes no movimento de renovação e qual o seu papel; que tipo de recursos
existiam e quais os que foram implementados.
A INVESTIGAR…
1. O pensamento pedagógico de José Sebastião e Silva
- uma primeira abordagem, Jaime Carvalho e Silva (Departamento de Matemática, Universidade de Coimbra)
2. Ciência em Portugal – Personagens e Episódios
3. Universidade de Coimbra - Biblioteca Matemática - José Sebastião e Silva http://www.uc.pt/fctuc/dmat/departamento/bibliomat/
4. Modernização da Matemática no Liceu: Um programa inédito de
Sebastião e Silva, Yolanda Lima. Actas do Colóquio de Homenagem a Sebastião e Silva, Departamento de Matemática da FCUL, Lisboa (1997)