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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Programa de Pós-Graduação em Educação Faculdade de Educação

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

Programa de Pós-Graduação em Educação

Faculdade de Educação

Dissertação

A escola pública hoje:

desafios e possibilidades de uma discussão/reflexão ancorada nas

perspectivas teórico-metodológicas de Karl Marx e Paulo Freire e na

experiência profissional de um educador

Dirlei de Azambuja Pereira

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DIRLEI DE AZAMBUJA PEREIRA

A escola pública hoje:

desafios e possibilidades de uma discussão/reflexão ancorada nas

perspectivas teórico-metodológicas de Karl Marx e Paulo Freire e na

experiência profissional de um educador

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Avelino da Rosa Oliveira

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Banca examinadora:

Prof. Dr. Alceu Ravanello Ferraro (UFRGS) Prof. Dr. Avelino da Rosa Oliveira (UFPel) Prof. Dr. Gomercindo Ghiggi (UFPel)

Profa. Dra. Heloisa Helena Duval de Azevedo (UAB/UFPel) Profa. Dra. Neiva Afonso Oliveira (UFPel)

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Aos meus pais, Dilon e Arlete, e ao Prof. Dr. Avelino da Rosa Oliveira.

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Agradecimentos

Agradecer, em minha opinião, é a melhor forma de revelar que qualquer caminho percorrido sempre se dá em companhia de alguém. Partindo desta premissa, gostaria de registrar os meus mais sinceros agradecimentos a quem esteve ao meu lado no decorrer da vida, da caminhada profissional e da trajetória de pesquisa.

Primeiramente, agradeço a Deus pelo dom da vida e por ter sido constante em minha existência.

Aos meus pais, Dilon e Arlete, além de dedicar-lhes o presente estudo, sou extremamente grato a eles por tudo o que fizeram por mim no transcorrer dos anos. Sem seus exemplos de superação diante das adversidades da vida, sem o amor que me dedicaram, sem a confiança em minha capacidade, enfim, sem tudo aquilo que realizaram por mim ao longo da vida, nada teria sido possível. Talvez um simples agradecimento seja pouco diante de tudo o que merecem, mas os ofereço, com todo o meu amor, este MUITO OBRIGADO a vocês que tanto me deram sem exigir nada em troca.

Igualmente grato sou ao Prof. Dr. Avelino da Rosa Oliveira pela importância do mesmo no caminhar desta investigação e na minha inserção no vasto mundo da pesquisa em educação. Contar com sua presença, ao meu lado, ao longo deste período foi fundamental. Tenho a absoluta certeza que jamais conseguiria prosseguir, no decorrer desta investigação, sem seu apoio, sua amizade, sua orientação precisa e rigorosa. Meu muito obrigado por tudo o que fez por mim e meu profundo reconhecimento pelo grande mestre que é.

Ao Prof. Dr. Alceu Ravanello Ferrraro, agradeço por sua importante participação em minhas bancas de qualificação e de defesa e, por suas sempre precisas contribuições oferecidas à pesquisa.

Agradeço também ao Prof. Dr. Gomercindo Ghiggi por ter, de inúmeras formas, contribuído para esta investigação e para minha formação enquanto educador e pesquisador.

À Profa. Dra. Heloisa Helena Duval de Azevedo, agradeço por sua participação e por suas relevantes contribuições na banca de qualificação do projeto de pesquisa e na de defesa da dissertação. Agradeço também pela amizade e pelos conhecimentos compartilhados comigo ao longo desta jornada.

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À Profa. Dra. Neiva Afonso Oliveira, meu profundo agradecimento por sua presença em todas as fases percorridas por esta investigação. Seu exemplo de pesquisadora e de ser humano me acompanharão para sempre.

Ao Darlan, meu irmão, que sempre esteve ao meu lado, de uma forma ou outra, agradeço pelo apoio e pelo carinho a mim dedicados.

Às amigas Ana Paula Manetti Porto, Angela Alves dos Passos, Angélica Ferreira de Mendonça, Arani Corrêa dos Santos, Ariela dos Santos Canielles, Carla Simone dos Santos de Moura, Cibele da Cruz Cardoso, Cipriana D’Ávila Ulguim, Claudia Batesttin, Cristiane Azambuja dos Passos, Cristiane de Oliveira Madruga, Daiana Corrêa Vieira, Darlene Rosa da Silva, Denise Gamio Dias, Denise Lopes Furtado, Elizete Oliveira das Neves, Élke de Jesus Ferreira, Eva Maria Dutra Pinheiro, Fabiane Tejada da Silveira, Jeonice Duarte Nunes, Josiane Moraes Quevedo, Joziane Garcia Ortiz Duarte, Ligiana Lopes Carvalho, Lucimar Madruga e Silva, Lucimar Peres Farias, Márcia dos Santos da Silveira, Marcia Frizzo Amaral, Maria Cristina Madeira, Maria Zilma Karan, Marlenir Nunes Garcia, Maria Joaquina da Silva Louzada, Miriam Madruga Greque, Nelma Dutra Sória Leite, Patrícia Bonow Fassbender, Patrícia Rutz Bierhals, Patrícia Silveira Zaneti, Patrícia Tarouco Manetti Becker, Santa Ivoni do Amaral Carvalho, Simone Duarte Nunes, Tanize Duarte Nunes e Tatiane Madruga Lucas e, aos amigos Éderson Pereira Madruga e Flademir Pereira Becker, o meu muito obrigado pelo carinho oferecido, pela amizade compartilhada e pelo apoio dado em diferentes momentos da minha vida.

Às professoras Andréa Paz Genovese, Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet, Cristiane dos Santos Azevedo, Denise Nascimento Silveira, Mariza Espíndola de Ávila, Rita de Cássia Oliveira Hax, Rosimeire Simões de Lima, Tânia Maria Tarouco Manetti e ao professor Márcio Xavier Bonorino Figueiredo, meu agradecimento por serem importantes referências na minha trajetória profissional.

A todos educandos e todas educandas com os/as quais tive a oportunidade de dialogar nestes anos de profissão, meu sincero muito obrigado.

Aos professores do Curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal de Pelotas, meu agradecimento pelos conhecimentos construídos.

Ao Grupo de Pesquisa FEPráxiS, meu muito obrigado pela acolhida e pelos diálogos realizados.

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“A doutrina materialista sobre a mudança das circunstâncias e da educação se esquece de que tais circunstâncias são alteradas pelos homens e que o próprio educador deve ser educado. [...] A coincidência da alteração das circunstâncias com a atividade humana e a alteração de si próprio só pode ser compreendida e entendida racionalmente como práxis revolucionária”. Karl Marx (III Tese sobre Feuerbach, 2000, p. 109).

“Escolhi a sombra desta árvore para repousar do muito que farei, enquanto esperarei por ti. Quem espera na pura espera vive um tempo de espera vã. Por isto, enquanto te espero trabalharei os campos e conversarei com os homens. Suarei meu corpo, que o Sol queimará; minhas mãos ficarão calejadas; meus pés aprenderão o mistério dos caminhos; meus ouvidos ouvirão mais; meus olhos verão o que antes não viam, enquanto esperarei por ti. Não te esperarei na pura espera porque meu tempo de espera é um tempo de quefazer. [...] Estarei preparando a tua chegada como o jardineiro prepara o jardim para a rosa que se abrirá na primavera”. Paulo Freire (Canção Óbvia, 2000, p. 5).

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Resumo

PEREIRA, Dirlei de Azambuja. A escola pública hoje: desafios e possibilidades de uma discussão/reflexão ancorada nas perspectivas teórico-metodológicas de Karl Marx e Paulo Freire e na experiência profissional de um educador. 2010. 104f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Educação - Faculdade de Educação - Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.

O estudo tem como foco problematizar, com base nas perspectivas teórico-metodológicas de Karl Marx e Paulo Freire e na experiência profissional do autor da pesquisa, o atual modelo de escola pública, buscando elementos para a construção de um novo projeto de instituição escolar. O objeto da pesquisa, a escola pública, é analisado como um todo concreto – resultado de múltiplas relações e inter-relações que ocorrem em seu interior. Para que haja uma leitura radical, global e rigorosa que resulte num concreto real e não em um concreto imediato, a pesquisa indica que sejam observadas as bases epistemológicas das perspectivas teórico-metodológicas de Marx (a dialética) e Freire (a conscientização). Postula-se que um olhar dialético e conscientizador sobre a escola pública possibilitará conhecer o que é verdadeiramente esta instituição e, com efeito, oferecer a oportunidade da edificação de ações capazes de construir um outro projeto de escola pública, diferente do modelo hoje implementado, o qual não serve como espaço para a fomentação de um mundo humano, justo e democrático. O referido estudo ancora-se na metodologia filosófica. Para tanto, em um primeiro momento, procura-se engendrar uma compreensão sobre “O que é a Filosofia”, indo à raiz do que realmente pretende a mesma. A seguir, parte-se em busca de orquestrar a metodologia filosófica como um movimento de problematização da realidade, especialmente neste caso, a realidade educacional-escolar. Conclui-se que, com base em um referencial teórico substantivo, as alternativas possíveis para transformar a realidade da escola pública atualmente tornam-se concretude, ou seja, entendendo-se o que é realmente a escola pública, infinitas possibilidades se abrem a fim de que se possa construir um novo projeto de escola, capaz de contribuir decisivamente na organização de um novo projeto de sociedade. Constata-se que a realidade e os projetos de escola atuais são opressores, desiguais e conduzem homens e mulheres ao ser menos. O que se deseja é uma organização social que tenha como princípios básicos a solidariedade, a humanização, a esperança e a justiça social. É mirando este tipo de sociedade que a escola deve conduzir o seu processo educacional. Com este horizonte de transformação da escola pública, os contributos das perspectivas teórico-metodológicas de Marx e Freire tornam-se indispensáveis. Palavras-Chave: Escola pública; Karl Marx; Paulo Freire; método; experiência profissional.

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Abstract

PEREIRA, Dirlei de Azambuja. The public school today: challenges and possibilities of a discussion/reflection anchored on Karl Marx’s and Paulo Freire’s theoretical-methodological perspectives and also on the professional experience of an educator. 2010. 104f. Dissertation (Master’s thesis) - Education Post-Graduation Program – Education College – Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.

The focus of this study is to problematize, based on Karl Marx’s and Paulo Freire’s theoretical-methodological perspectives and also on the professional experience of the research author, the current public school model, pursuing elements for the construction of a new schooling institution project. The research object, public school, is analysed as a concrete whole – as a multiple relations and interrelationships result that occur in their interior. For a radical, global and rigorous reading resulting in a real concrete, not an immediate concrete, the research indicates the observation of Marx’s (dialectic) and Freire’s (awareness) theoretical-methodological perspectives epistemological basis. It is postulated that a dialectic and conscientizing view on public school will enable the knowledge of what this institution truly is and with effect, offer an opportunity of the action edification able to build another public school project, unlike today’s implemented model, which does not suit as a place for a humane, fair and democratic world fomentation. The referred study is anchored on the philosophical methodology. Therefore, at first, it seeks to engender a comprehension on “What Philosophy is”, going to the source of what it really intents. Hereafter, it starts a search to orchestrate the philosophical methodology as a problematization motion of reality, especially in this case, educational-academic. In conclusion, basing on a substantive theoretical reference, the possible alternatives to process the current reality on public school become concreteness, that is, understanding what public school really is, infinite possibilities arise for the purpose of constructing a new school project, capable of decisively contribute with the organization of a new society project. It is in evidence that reality and current school projects are oppressor, unequal and lead men and women to being less. What it is desired is a social organization that has, as its basic principles, solidarity, humanization, hope and social justice. It is aiming this kind of society that school must conduct its educational process. By this transformation of public school horizon, Marx’s and Freire’s theoretical-methodological perspectives contributions become indispensable.

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Lista de Figuras

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Sumário

PRIMEIRAS PALAVRAS: COMEÇANDO O DIÁLOGO, APRESENTANDO A

DISSERTAÇÃO... 12

1 A METODOLOGIA FILOSÓFICA NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO... 18

1.1 Caminhando ao encontro da Filosofia... 20

1.2 A Filosofia como possibilidade de problematização da realidade educacional: a constituição do método filosófico... 25 2 O CAMINHO TEÓRICO ESCOLHIDO: KARL MARX E PAULO FREIRE... 30

2.1 Karl Marx... 32

2.1.1 Os caminhos percorridos por Karl Marx... 32

2.1.2 Karl Marx e sua perspectiva teórico-metodológica... 37

2.2 Paulo Freire... 43

2.2.1 Os caminhos percorridos por Paulo Freire... 43

2.2.2 Paulo Freire e sua perspectiva teórico-metodológica... 49

3 ESCOLA PÚBLICA E EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL: (DES)CAMINHOS (RE)CONSTRUIDOS ATRAVÉS DA MEMÓRIA... 59

3.1 Sobre memória, narrativa escrita e experiência: apontamentos balizadores na construção de um memorial... 61

3.2 Escola pública e experiência profissional: princípios constituintes de uma reflexão... 68

3.2.1 O começo da caminhada: primeiras aproximações com o mundo da escola... 68

3.2.2 A experiência profissional de um educador (re)construída: bases para a problematização sobre a escola pública hoje... 70

4 O CAMINHO TEÓRICO EM DIÁLOGO COM A CAMINHADA PROFISSIONAL: DESAFIOS E POSSIBILIDADES NA CONSTRUÇÃO DE UMA OUTRA ESCOLA PÚBLICA... 80

4.1 A práxis como contribuição emergente na relação pesquisa-pesquisador... 83

4.2 Mirando um pouco além: contributos das perspectivas teórico-metodológicas de Karl Marx e de Paulo Freire na construção de uma outra escola pública... 86

PALAVRAS FINAIS: REFLEXÕES SOBRE UM MOVIMENTO INCONCLUSO... 94

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Primeiras palavras: começando o diálogo, apresentando a

dissertação

“A dissertação constitui portanto, neste sentido, uma espécie de pré-exercício de toda atividade filosófica chegada a maturidade, um treinamento em tamanho natural

para pensar filosoficamente. Longe de ser um exercício de escola impessoal e rotineiro, ela torna-se a ocasião privilegiada para um pensamento inexperiente pôr-se à prova, pôr-se em jogo assumindo riscos, efetuando escolhas, formulando conclusões, ainda que provisórias ou hipotéticas”.

Folscheid e Wunenburger

Apresentar uma pesquisa é sempre um exercício delicado pois, ao realizá-lo, é necessário, ainda que sucintamente, deixar claro ao leitor e à leitora1 todo o arcabouço da investigação desenvolvida. Tal procedimento ainda requer, como afirmaram Folscheid e Wunenburger, na epígrafe anteriormente exposta, a disponibilidade de pôr à prova o conhecimento construído ao longo do estudo desenvolvido buscando problematizar a relevância, ou não, do mesmo perante a realidade em que este se inscreve.

Ciente do desafio posto e com o intento de produzir, de forma mais precisa possível, um sobrevoo pela investigação desenvolvida, penso ser interessante começar a dialogar sobre a questão inicial que me instigou a realizá-la: o lugar do qual profiro meu discurso – o de ser educador na escola pública. Desenvolvo minha escrita, no decorrer desta pesquisa, a partir de um movimento fundamentado no constante indagar sobre a realidade da escola pública hoje. Ao me colocar contra a atual forma de estruturação deste espaço escolar-público, pretendo, frente à compreensão da possibilidade da minha constituição enquanto sujeito histórico e, desta maneira, capaz de escolha e de decisão, construir uma discussão que favoreça a edificação de um projeto de escola capaz de possibilitar a formação de

1 No decorrer desta dissertação utilizarei o masculino e o feminino dos substantivos, como também os

apresentarei alternadamente, por acreditar que a escrita atual deve contrapor-se à opressão instituída dos homens para com as mulheres ao longo da história da humanidade e que, por ordem de uma cultura opressora, extingue do discurso escrito a referência do feminino.

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um novo homem. Neste sentido, ao fazer a presente análise, concordo com Ferraro (2004, p. 13) quando afirma: “Há que transformar a escola. Há que revolucionar a lógica que rege seu funcionamento”. A transformação da realidade escolar hodierna requer ações imediatas no presente, tendo como objetivo a construção de um novo vir-a-ser da mesma no futuro. Portanto, para se chegar até este horizonte é necessário escolher um caminho2. Mas qual caminho? Sobre a importância de tal interrogativa, uma passagem que ilustra bem a reflexão apresentada é o diálogo entre Alice, aquela do País das Maravilhas, e o Gato Cheshire, outro personagem da mesma história:

“O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho que devo tomar para sair daqui?”

“Isso depende muito de para onde você quer ir”, respondeu o Gato. “Não me importo muito para onde...”, retrucou Alice.

“Então não importa o caminho que você escolha”, disse o Gato. “...contanto que dê em algum lugar”, Alice completou.

“Oh, você pode ter certeza que vai chegar”, disse o Gato, “se você caminhar bastante” (CARROLL, 2002, p. 59).

Ao trazer esta passagem de um clássico da literatura infantil, almejo discutir duas questões que me parecem evidentes frente a uma pesquisa sobre a escola pública: Qual o caminho que devemos tomar diante da construção de um debate problematizador acerca da fundamentação de um outro projeto de escola pública? e Onde queremos chegar com a realização deste projeto?.

Observando a pergunta dirigida à Alice pelo Gato Cheshire quando este a indagou para onde ela gostaria de ir e a resposta da mesma declarando que não importaria o caminho a ser percorrido já que para a menina qualquer ponto de chegada serviria, penso que esta falta de objetivos concretos e a ausência de uma reflexão sobre que resultados estes podem oferecer, presentes na declaração da personagem, resumem bem o contexto da escola pública nos dias de hoje. Assim como para Alice, na maioria das escolas, tanto faz o caminho a ser trilhado, não há horizonte para ser conquistado ou construído. Absolutamente contra este tipo de

2 Ao assumir a necessidade da escolha de um caminho para ser trilhado na construção de um projeto

de mudança diante da forma como se assenta a escola pública atualmente não pretendo, de maneira alguma, afirmar que existe somente um rumo a ser tomado, uma vez que a escolha de um caminho sempre pressupõe uma série de fatores e, neste sentido, também acarreta na multiplicidade de caminhos possíveis a serem construídos. Como toda escolha feita, a opção adotada traz consigo todo o ônus e o bônus a que ela se relaciona. Entretanto, o que não pode deixar de ser feito é o ato de escolher um caminho que possibilite a efetivação de uma escola pública capaz de contribuir na formação de mulheres e de homens plenos e sujeitos de suas histórias.

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atitude, ou ainda em oposição à falta de uma opção coerente e provocadora de transformação, fiz a escolha por um caminho a seguir, embora sabendo que “escolher é sempre um risco” (GARCIA, 2005, p. 65). E que bom que assim seja! Somente quando nos aventuramos em um voo que, em um primeiro momento, pouco dele sabemos, nos desconstruímos para uma construção ainda maior. Mesmo assumindo os riscos das escolhas que fazemos, nunca as optamos firmadas no nada, no vácuo. Nossas escolhas contam sempre o que somos e onde queremos chegar. Foi substancialmente por este motivo que optei pelos autores Karl Marx e Paulo Freire3 bem como por suas teorias.

Para corroborar a escolha destas matrizes teóricas para a presente pesquisa, trago algumas declarações que consolidam esta opção.

Gadotti (1991, p. 4), ao comentar sobre sua viagem à Alemanha, para tomar contato com a história de vida de Marx e apreender suas ideias, quando então começou a escrever seu livro4, afirma que também estava naquele lugar porque “encontrava em Marx as armas de uma teoria capaz de transformar o mundo”. E, ao apresentar o primeiro capítulo de sua obra, declara: “O revolucionário barbudo já morreu, mas suas idéias estão presentes no nosso cotidiano, mesmo que não o percebamos” (GADOTTI, 1991, p. 7). Ainda nesta esteira de compreensão da importância de Marx e de sua teoria perante a realidade atual, Oliveira (1997, p. 180) assevera: “A fecundidade da teoria marxiana reside nela instigar o pensamento presente, dirigindo-o à busca de alternativas de práxis transformadoras em todos os campos da vida”. A obra de Marx está impregnada por uma chama que atiça homens e mulheres a lutarem pela construção de espaços realmente humanos e críticos e que, por sua vez, contribuam para a emancipação social.

Já Ghiggi, ao justificar a escolha por Freire como aporte teórico em sua pesquisa A pedagogia da autoridade a serviço da liberdade: diálogos com Paulo Freire e professores em formação, faz uma declaração a qual tomo emprestada para referendar a opção pelo mesmo autor na presente investigação:

A decisão pela leitura de textos de Freire foi uma atitude a favor da transformação do instrumental teórico em ferramenta, a fim de que

3 A partir deste momento da dissertação, todas as referências atribuídas a Karl Marx e a Paulo Freire

poderão ser feitas também fazendo o uso apenas do sobrenome dos autores em questão, ou seja, os nomes Marx e Freire, citados no decorrer do escrito, estarão reportando-se a Karl Marx e a Paulo Freire, respectivamente.

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pudéssemos olhar para o que fazíamos com nossos alunos com outra lente, não para mudar a visão dos outros, mas para produzir novos e problematizadores espelhos e possibilidades para pensar a prática social. [...] Assim encontrei Freire: que dá o que pensar, cujos conceitos modificam comportamentos pedagógicos, epistemológicos, éticos e políticos. Um Freire que quer educadores aptos à intervenção social, analistas sociais pesquisadores de sua própria ação. Um Freire que quer educadores reflexivos, capazes de tomar o fazer docente como projeto pedagógico e investigação permanentes que, em confronto com referenciais teóricos, são capazes de revisar práticas e provocar intervenções que mobilizem e criem comportamentos a favor de mudanças na organização social (GHIGGI, 2002, p. 167-170).

Dialogando com a afirmação desenvolvida por Ghiggi no que tange a importância de Freire e de sua produção teórica, Freitas (2004, p. 54) também contribui à discussão dizendo que:

Freire nos desafia à leitura e à escrita enquanto processos indicotomizáveis de pensar a existência; nos desafia a fazer com que as experiências vividas constituam-se em fonte de reflexão teórica. A leitura de Freire nos ensina a fazer da teoria um instrumento necessário, desafiando-nos, sobretudo, a sermos sujeitos no processo de reconstrução permanente da práxis educativa libertadora.

Apoiando-me nestes construtos argumentativos, objetivo com esta investigação problematizar, com base nas perspectivas teórico-metodológicas de Karl Marx e Paulo Freire e na minha experiência profissional, o atual modelo de escola pública, e, realizado tal movimento, possibilitar, enquanto horizonte possível e partindo do mesmo referencial teórico, elementos para a construção de um novo projeto de instituição escolar.

Por tudo que foi exposto, acredito que as perspectivas teórico-metodológicas de Marx e de Freire contribuem decisivamente para a organização de um projeto que promova a melhoria substantiva da escola pública, pois partindo da possibilidade da constituição de um diálogo que elas podem vir a estabelecer com a realidade educacional-escolar, não fornecendo respostas, mas problematizando questões, permitirá aos educadores e às educadoras democráticos, éticos, progressistas e comprometidos com o seu fazer, a busca por uma escola que tenha, definitivamente em suas bases, a esperança em construir uma nova história para todos.

Ainda no que tange a este tema, gostaria de ressaltar que o diálogo proposto entre as teorias de Marx e Freire não ocorreu ao acaso. Este se estruturou frente à compreensão da íntima ligação existente entre a dialética, enquanto perspectiva

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metodológica em Marx, e a conscientização, como perspectiva teórico-metodológica em Freire. Mesmo sendo evidente a contribuição teórica de Marx na construção do pensamento de Freire, penso ser interessante chamar atenção em relação a pontos convergentes entre a dialética e a conscientização, com o propósito de tornar mais palpável a intenção deste estudo, como ainda esclarecer de que forma a teoria escolhida vai se inserindo no corpo desta investigação sobre a escola pública.

Partindo da dialética marxiana, quando existe a intenção de apreender a totalidade de um determinado objeto de estudo, há que, em um primeiro momento, desconstruir o alvo da reflexão buscando compreender todas as partes que o compõem, observando ainda as relações que estas partes realizam entre em si e no interior das mesmas, sempre concebida tal análise a partir da premissa de que tudo isto se desenvolve em constante movimento para, em um estágio superior, termos a posse da síntese deste processo enquanto totalidade concreta.

Desenvolvendo um diálogo entre esta fundamentação teórico-metodológica de Marx com a conscientização de Freire, logo na apresentação das etapas presentes no trabalho com a alfabetização de adultos, é possível observar a presença da dialética de Marx neste caminho metodológico. Freire, ao instituir as etapas de investigação, de tematização e de problematização, ao longo da alfabetização, compreende, e intencionalmente as estabelece como bases no desenvolvimento de seu trabalho, a necessidade de construir, com os sujeitos inseridos neste movimento, o entendimento de todas as partes que constituem o mundo da vida dos mesmos e, com efeito, organizar uma ampla rede de reflexão sobre o tema. Esta perspectiva teórico-metodológica objetiva também favorecer a passagem da consciência intransitiva para a consciência crítica, no olhar freiriano, ou, em outras palavras, a superação do todo caótico e da pseudo-concreticidade do objeto analisado, a partir do movimento de mediação dialético pela via do pensamento e da reflexão, na concepção marxiana.

Estabelecendo ainda uma outra analogia entre o método de Freire e o de Marx, quando o primeiro autor propõe que, na terceira etapa, toda a discussão construída no decorrer das fases anteriores seja problematizada, tendo em vista a urgência da concretização da práxis transformadora fundamentada na conscientização, Marx assegura que a volta ao mundo concreto conclama o homem à ação revolucionária.

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Diálogo desenvolvido sobre as relações existentes entre a dialética, em Marx, e a conscientização, em Freire, me parece interessante problematizar a realidade da escola pública fundamentada nestes movimentos e envolvendo, justamente porque estas perspectivas teórico-metodológicas também estão assentadas neste princípio, a permanente reflexão filosófica enquanto um constante caminhar indagador.

Argumentos iniciais desenvolvidos acerca desta investigação, passo a apresentar a estrutura dos quatro capítulos que compõem este estudo. O Capítulo 1, intitulado A metodologia filosófica na pesquisa em educação, pretende, em um movimento inicial, resgatar o que seja a Filosofia para, em um movimento posterior, discutir o Método Filosófico como possibilidade de problematização da realidade educacional-escolar. Já no Capítulo 2, O caminho teórico escolhido: Karl Marx e Paulo Freire, trago as biografias dos autores que sustentam esta pesquisa e suas perspectivas teórico-metodológicas. O Capítulo 3, Escola pública e experiência profissional: (des)caminhos (re)construídos através da memória, primeiramente pretende fundamentar a importância de um memorial em uma pesquisa na área da educação para, logo a seguir, apresentar as minhas memórias acerca da escola pública como forma de problematizar esta realidade educacional-escolar atualmente. Na construção da discussão proposta, o Capítulo 4, O caminho teórico em diálogo com a caminhada profissional: desafios e possibilidades na construção de uma outra escola pública, debate a importância da práxis, da dialética (em Marx) e da conscientização (em Freire) como bases problematizadoras na edificação de um novo projeto de instituição escolar-pública. Por fim, apresento ainda, como palavras finais (porém, inconclusas) algumas considerações acerca desta investigação.

Ao desenvolver estas primeiras aproximações em torno da pesquisa realizada, dialogo com Oliveira quando destaca a importância da teoria frente aos problemas da hodiernidade. Diz ele: “O que há de mais fértil numa construção teórica é a sua capacidade de sempre renovar-se, pôr-se diante dos dilemas históricos, atiçar o pensamento e fornecer-lhe os meios de ainda avançar” (OLIVEIRA, 2004, p. 15-16). É com este entendimento sobre a teoria e sua contribuição para o pensar a atualidade histórica da escola pública e possibilitar a construção de um sonho possível diante de um outro projeto de instituição escolar, que também fundamento esta investigação.

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1 A metodologia filosófica na pesquisa em educação

“Em que a filosofia poderá nos ajudar a entender o fenômeno da educação? Ou, melhor dizendo: se pretendemos ser educadores, de que maneira e em que medida a filosofia poderá contribuir para que alcancemos o nosso objetivo? [...] Será que o educador precisa realmente da filosofia? Que é que determina essa necessidade? Em outros termos: que é que leva o educador a filosofar? Ao colocar essa questão, nós estamos nos interrogando sobre o significado e a função da Filosofia em si mesma. Poderíamos, pois, extrapolar o âmbito do educador e perguntar genericamente: que é que leva o homem a filosofar?”.

Dermeval Saviani

As interrogativas acima expostas por Dermeval Saviani, acerca da relação entre filosofia e educação, tornam-se relevantes no momento em que se faz uma discussão sobre as questões do método5 utilizado em uma investigação já que, diante das concepções metodológicas aplicadas em pesquisas na área da educação, as quais se configuram, em sua maioria, como pesquisas qualitativas e quantitativas, a cultura educacional acabou, de certo modo, atribuindo às pesquisas filosóficas um valor menor ou até mesmo insignificante (se é que podemos atribuir valores às pesquisas, haja vista que cada uma, ao seu modo, contribui para o avanço do saber humano)6. Quando o pesquisador utiliza uma metodologia que se

enquadre em uma das duas concepções apontadas anteriormente, a simples

5 O texto apresentado neste capítulo foi publicado, em coautoria com o Prof. Dr. Avelino da Rosa

Oliveira, em: AZEVEDO, Heloisa Helena Duval de; OLIVEIRA, Neiva Afonso; GHIGGI, Gomercindo (Orgs.). Interfaces: temas de Educação e Filosofia. Pelotas: Editora Universitária/UFPel, 2009. p.93-108. Aproveito a oportunidade para externar meu agradecimento à Profa. Dra. Neiva Afonso Oliveira pela leitura da primeira versão do texto aqui exposto e pelas importantes contribuições oferecidas a ele no momento em que o escrito fora submetido à apreciação para a publicação no livro acima mencionado.

6 Marli André (2007), em seu artigo Questões sobre os Fins e sobre os Métodos de Pesquisa em

Educação, comenta que as pesquisas qualitativas “englobam um conjunto heterogêneo de métodos,

de técnicas e de análises que vão desde os estudos antropológicos e etnográficos, as pesquisas participantes, os estudos de caso, até a pesquisa-ação e as análises de discurso, de narrativas, de histórias de vida”. Posso ainda nomear as conexões qualiquantitativo ou quantiqualitativo, as quais resultam da união entre as metodologias qualitativa e quantitativa (ou vice-versa).

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descrição das estratégias investigativas empregadas é, na maioria das vezes, aceita sem questionamentos como reflexão metodológica suficiente7. Tal constatação

leva-me a pensar em dois aspectos: 1) há uma concepção equivocada de leva-metodologia, entendida como se fosse um simples sinônimo de técnica, ou seja, um conjunto de procedimentos que, se utilizados em determinada ordem, levam a um tipo de conhecimento; 2) é necessário resgatar a importância da filosofia e, por conseguinte, da metodologia filosófica nas pesquisas em educação.

A partir desta perspectiva, caminho na direção de resgatar o que é a filosofia e, por conseguinte, o método filosófico, ressaltando sua importância para a realidade contemporânea que, indubitavelmente, reclama uma “reflexão radical, rigorosa e global8” sobre o contexto educacional. Importa ainda sublinhar que, em linhas gerais, minha concepção de metodologia filosófica não se configura como uma série de regras e/ou instrumentos, senão enquanto constante pensar, questionar e agir, num processo de permanente busca, na direção de uma outra forma do ser.

7 É importante salientar que os autores que realizam estudos aprofundados sobre as metodologias

qualitativas e quantitativas jamais renegaram o valor da teoria para o avanço das pesquisas em educação. O que há por parte da grande maioria das pessoas que se sujeitaram ao praticismo alienante da atualidade é “uma supervalorização da prática e um certo desprezo pela teoria” (ANDRÉ, 2007). Neste sentido, muitos pesquisadores ingênuos acabaram acreditando que as metodologias qualitativas e quantitativas seriam as melhores maneiras de se apreender a realidade e solucionar os problemas atuais. Por certo, estas metodologias podem, sim, apreender a realidade e solucionar os

problemas atuais se vieram acompanhadas de uma bem feita fundamentação teórica. No artigo já

citado, André (2007) alerta sobre a importância da teoria nas pesquisas em educação porque esta rompe com a “prática adaptativa” atual e promove uma “prática transformadora”.

8 Trabalho com as categorias de radicalidade, rigorosidade e globalidade (ou de conjunto) a partir da

obra Educação: do senso comum à consciência filosófica, de Dermeval Saviani, que as determina da seguinte forma: “Quero dizer, em suma, que a reflexão filosófica, para ser tal, deve ser radical, rigorosa e de conjunto. Radical: Em primeiro lugar, exige-se que o problema seja colocado em termos radicais, entendida a palavra radical no seu sentido mais próprio e imediato. Quer dizer, é preciso que se vá até às raízes da questão, até seus fundamentos. Em outras palavras, exige-se que se opere uma reflexão em profundidade. Rigorosa: Em segundo lugar e como que para garantir a primeira exigência, deve-se proceder com rigor, ou seja, sistematicamente, segundo métodos determinados, colocando-se em questão as conclusões da sabedoria popular e as generalizações apressadas que a ciência pode ensejar. De conjunto: Em terceiro lugar, o problema não pode ser examinado de modo parcial, mas numa perspectiva de conjunto, relacionando-se o aspecto em questão com os demais aspectos do contexto em que está inserido. É neste ponto que a filosofia se distingue da ciência de um modo mais marcante. Com efeito, ao contrário da ciência, a filosofia não tem objeto determinado; ela dirige-se a qualquer aspecto da realidade, desde que seja problemático; seu campo de ação é o problema, esteja onde estiver. Melhor dizendo, seu campo de ação é o problema enquanto não se sabe ainda onde ele está; por isso se diz que a filosofia é busca. E é nesse sentido também que se pode dizer que a filosofia abre caminho para a ciência; através da reflexão, ela localiza o problema tornando possível a sua delimitação na área de tal ou qual ciência que pode então analisá-lo e, quiçá, solucioná-lo. Além disso, enquanto a ciência isola o seu aspecto do contexto e o analisa separadamente, a filosofia, embora dirigindo-se às vezes apenas a uma parcela da realidade, insere-a no contexto e a examina em função do conjunto” (SAVIANI, 1996, p. 17).

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1.1 Caminhando ao encontro da Filosofia

A filosofia, tomando como base a tradicional definição etimológica de amor ao saber, é o constante caminhar do homem em busca do conhecer, sem jamais prescindir das interrogações que surgem naturalmente e das que são criadas pelos sujeitos para problematizar o contexto. A filosofia constitui um jogo de interrogações fundadas na “decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido” (CHAUÍ, 1997, p. 12). A filosofia desacomoda, desloca ideias e conceitos pré-concebidos, justamente porque entende que não é somente a verdade o ponto principal de sua ação, mas também o próprio caminhar e a reflexão que este favorece. Neste sentido, para que haja atitude crítica e pensamento crítico, estes devem ser constituídos pelas faces negativa e positiva da atitude filosófica. Chauí (1997, p. 12) afirma:

A primeira característica da atitude filosófica é negativa, isto é, um dizer não ao senso comum, aos pré-conceitos, aos pré-juízos, aos fatos e às idéias da experiência cotidiana, ao que “todo mundo diz e pensa”, ao estabelecido. A segunda característica da atitude filosófica é positiva, isto é, uma interrogação sobre o que são as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os comportamentos, os valores, nós mesmos. É também uma interrogação sobre o porquê disso tudo e de nós, e uma interrogação sobre como tudo isso é assim e não de outra maneira. O que é? Por que é? Como é? Essas são as indagações fundamentais da atitude filosófica. A face negativa e a face positiva da atitude filosófica constituem o que chamamos de atitude crítica e pensamento crítico.

De acordo com a historiografia, o surgimento da filosofia ocorreu do final do século VII ao início do século VI a.C. nas colônias gregas da Ásia Menor. Particularmente na região da Jônia, em Mileto, Tales é reconhecido como o primeiro filósofo. Para Platão (427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.), foi o thauma, ou seja, a experiência profunda de espanto, admiração e perplexidade, que originou o pensar filosófico. É a esta experiência que se refere Sócrates no diálogo com Teeteto:

Teeteto — Pelos deuses, Sócrates, causa-me grande admiração o que tudo

isso possa ser, e só de considerá-lo, chego a ter vertigens.

Sócrates — Estou vendo, amigo, que Teodoro não ajuizou erradamente tua

natureza, pois a admiração é a verdadeira característica do filósofo. Não tem outra origem a filosofia. Ao que parece, não foi mau genealogista quem disse que Íris era filha de Taumante (2008, edição eletrônica, p. 15-16).

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Diante da admiração (thauma), os homens dão origem à arte de filosofar. “A filosofia, pois, começa quando algo desperta nossa admiração, espanta-nos, capta nossa atenção (que é isso? por que é assim? como é possível que seja assim?), interroga-nos insistentemente, exige uma explicação” (IGLÉSIAS, 2005, p. 14-15). Com efeito, esta ação de admirar-se e interrogar-se frente aos diversos acontecimentos da vida cotidiana é característica do ser humano.

Perseguindo a raiz do conceito philósophos, em Heidegger encontro a afirmação de que foi criado por Heráclito. Para Heidegger (1999, p. 32),

O adjetivo grego philósophos significa algo absolutamente diferente que os adjetivos filosófico, philosophique. Um anèr philósophos é aquele, hòs philei

tò sophón; philein, que ama a sophón significa aqui, no sentido de Heráclito: homologein, falar assim como o Lógos fala, quer dizer, corresponder ao Lógos. Este corresponder está em acordo com o sophón. Acordo é harmonía. O elemento específico de philein do amor, pensado por Heráclito,

é a harmonia que se revela na recíproca interação de dois seres, nos laços que se unem originariamente numa disponibilidade de um para com o outro. O anèr philósophos ama a sophón. O que esta palavra diz para Heráclito é difícil traduzir. Podemos, porém, elucidá-lo a partir da própria explicação de Heráclito. De acordo com isto, tò sophón significa: Hèn Pánta “Um (é) Tudo”. Tudo quer dizer aqui: Pánta tà ónta, a totalidade, o todo do ente.

Hèn, o Um, designa: o que é um, o único, o que tudo une. Unido é,

entretanto, todo o ente no ser. O sophón significa: todo ente é no ser. Dito mais precisamente: o ser é o ente. Nesta locução, o “é” traz uma carga transitiva e designa algo assim como “recolhe”. O ser recolhe o ente pelo fato de que é o ente. O ser é o recolhimento – Lógos. Todo ente é no ser. Ouvir tal coisa soa de modo trivial em nosso ouvido, quando não de modo ofensivo. Pois, pelo fato de o ente ter seu lugar no ser, ninguém precisa preocupar-se. Todo mundo sabe: ente é aquilo que é. Qual a outra solução para o ente a não ser esta: ser? E entretanto: precisamente isto, que o ente permaneça recolhido no ser, que no fenômeno do ser se manifesta o ente; isto jogava os gregos, e a eles primeiro unicamente, no espanto. Ente no ser: isto se tornou para os gregos o mais espantoso.

É vital a elucidação feita por Heidegger para o entendimento do que é a filosofia. A partir da ligação do ente no ser, a filosofia "procura o que é o ente enquanto é. A filosofia está a caminho do ser do ente, quer dizer, a caminho do ente sob o ponto de vista do ser” (HEIDEGGER, 1999, p. 33). Na mesma linha de raciocínio, Heidegger também traz, em sua Conferência Que é isto – A filosofia?, uma discussão muito salutar em torno do espanto.

[...] o espanto é arkhé – ele perpassa qualquer passo da filosofia. O espanto é páthos. Traduzimos habitualmente páthos por paixão, turbilhão afetivo. Mas páthos remonta a páskhein, sofrer, aguentar, suportar, tolerar, deixar-se levar por, deixar-deixar-se convocar por. É ousado, como deixar-sempre em tais casos, traduzir páthos por dis-posição, palavra com que procuramos expressar uma tonalidade de humor que nos harmoniza e nos con-voca por

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um apelo. Devemos, todavia, ousar esta tradução porque só ela nos impede de representarmos páthos psicologicamente no sentido da modernidade. Somente se compreendermos páthos como dis-posição (dis-position) podemos também caracterizar melhor o thaumázein, o espanto. No entanto detemo-nos (être em arrêt). É como se retrocedêssemos diante do ente pelo fato de ser e de ser assim e não de outra maneira. O espanto também não se esgota neste retroceder diante do ser do ente, mas no próprio ato de retroceder e manter-se em suspenso é ao mesmo tempo atraído e como que fascinado por aquilo diante do que recua. Assim o espanto é a posição na qual e para a qual o ser do ente se abre. O espanto é a dis-posição em meio à qual estava garantida para os filósofos gregos a correspondência ao ser do ente (HEIDEGGER, 1999, p. 38).

Estas palavras de Heidegger, assim como as de Chauí, Saviani e Platão ditas anteriormente, em torno da filosofia e do ato de espantar-se, são fundamentais para a compreensão da raiz conceitual dos termos empregados na caminhada metodológica das pesquisas que se ancoram no Método Filosófico como também na ação problematizadora que estas originam. Fundamentais, afirmo ainda, porque possibilitam a efetivação do ato de filosofar.

Desde o século VI a.C. até os nossos dias, a filosofia passou por diversos períodos: Filosofia Antiga (do século VI a.C. ao século VI d.C.), Filosofia Patrística (do século I ao século VII), Filosofia Medieval (do século VIII ao século XIV), Filosofia da Renascença (do século XIV ao século XVI), Filosofia Moderna (do século XVII a meados do século XVIII), Filosofia da Ilustração ou Iluminismo (meados do século XVIII ao começo do século XIX) e Filosofia Contemporânea (meados do século XIX em diante). Esta ideia de periodização, embora reconhecendo-se que não há unanimidade entre os historiadores quanto à delimitação de cada período, e mesmo que aqui não seja analisado profundamente cada um deles, permite ampliar o olhar sobre o transcorrer da história da filosofia, bem como perceber em cada período importantes avanços no pensar filosófico. Guardadas as especificidades de cada tempo histórico, na base de toda esta evolução – ainda que muitos não a entendam como avanço – esteve sempre presente o amor ao saber e o espanto diante dos fatos que se apresentaram em cada época.

Hodiernamente, em face do avanço das ciências9, muitos questionam a

validade do conhecimento filosófico. Será que na atualidade a filosofia perdeu sua

9 A partir do Renascimento, estudiosos procuraram novas formas para compreender os fenômenos

naturais. Sendo assim, criaram o Método Experimental (utilizado inicialmente pela Física e, posteriormente, pela Química, pela Biologia, entre outras). Desta forma, a Filosofia, assim como a História, a Sociologia e as demais Ciências Humanas que trabalham com outros métodos, acabou

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razão de existir? O ato de filosofar acabou sendo substituído pelo praticismo dos tempos modernos? Por que a filosofia precisa ainda e sempre reafirmar sua importância? São inúmeros os questionamentos que advêm acerca do pensar filosófico na contemporaneidade. Theodor Adorno, na exposição sobre A atualidade da filosofia, faz este importante alerta no que tange à desvalorização da filosofia atualmente: “A liquidação da filosofia tem sido empreendida, com uma seriedade jamais vista, por parte da ciência, particularmente da lógica e da matemática” (ADORNO, 2007, p. 4). Além desta influência, apontada por Adorno, insisto no praticismo com que as pessoas conduzem suas vidas, como também um dos fatores que conduziram a filosofia para este lugar paradoxal de pouca relevância. Tal praticismo é resultante da estrutura capitalista em que vivemos. Muitos se indagam sobre as vantagens de refletir de forma crítica sobre o que está acontecendo. As pessoas passaram a agir mecanicamente. A grande maioria, seguindo os passos da Ciência Moderna, apoia-se numa “prática cega” que leva a uma “mecanização” da vida, como denuncia Horkheimer no texto Responsabilidad y Estudio. Esta mecanização ganha força e pode converter-se

[...] en una ideología para los que propiamente no querrían que fuese de otro modo y que tranquilizam su conciencia pensando que no puede ser de otro modo, pues lo que impide a los hombres la distancia intelectual y la independencia no es solamente algo poderoso y enemigo suyo, sino asimismo algo cómodo que reclaman porque está ya preformado en ellos mismos (HORKHEIMER, 1966, p. 84).

Como bem afirmou Horkheimer, a mecanização leva a um processo de acomodação que acaba legitimando-se como ideologia que promove a estagnação social. O ato de refletir criticamente sobre a realidade tornou-se desnecessário e até perigoso, pois à medida que as pessoas questionam o seu entorno, desacomodam-se, inserem-se num processo de conscientização e assim podem ser ameaças ao regime instituído. Enfim, outro ponto a ser destacado é o modismo que dita padrões comportamentais e acaba por alienar as pessoas ainda mais. Infelizmente, diante da atual conjuntura social, econômica, histórica e educacional, filosofar não parece estar na moda.

Poderia enumerar outros fatores que levaram a filosofia ao lugar (ou seria não-lugar?) onde se encontra. Aponto estes três aspectos (praticismo, mecanização

desconsiderada como saber válido. Hoje, quando alguém fala de Ciência, logo surge a identificação com aquelas áreas que utilizam o Método Experimental.

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do pensamento e modismo) por entender que são os mais relevantes para discutir a filosofia no âmbito das pesquisas educacionais. Cabe destacar, neste sentido, que os pesquisadores que conduzem suas investigações amparados pela metodologia filosófica, experimentam cotidianamente um certo descrédito em relação a seus trabalhos em virtude destes três entraves que se tornaram corriqueiros nas pesquisas da área. É mister, portanto, resgatar a importância da reflexão filosófica como forma de problematizar os contextos em que se inserem as pesquisas em educação, desacomodando o praticismo ingênuo e a mecanização do conhecimento fortemente presentes na prática educacional contemporânea. É necessário, ainda, retomar o questionamento de onde parti: Para que filosofia? Por que é ainda comum a indagação acerca do porquê e do para quê da filosofia, da sua importância, e não nos questionamos sobre a relevância de outras áreas do conhecimento? Chauí (1997, p. 13) faz uma importante declaração neste sentido:

Em nossa cultura e em nossa sociedade, costumamos considerar que alguma coisa só tem o direito de existir se tiver alguma finalidade prática, muito visível e de utilidade imediata. Por isso, ninguém pergunta para que as ciências, pois todo mundo imagina ver a utilidade das ciências nos produtos da técnica, isto é, na aplicação científica à realidade. [...] As ciências pretendem ser conhecimentos verdadeiros, obtidos graças a procedimentos rigorosos de pensamento; pretendem agir sobre a realidade, através de instrumentos e objetos técnicos; pretendem fazer progressos nos conhecimentos, corrigindo-os e aumentando-os. Ora, todas essas pretensões das ciências pressupõem que elas acreditam na existência da verdade, de procedimentos corretos para bem usar o pensamento, na tecnologia como aplicação prática de teorias, na racionalidade dos conhecimentos, porque podem ser corrigidos e aperfeiçoados. Verdade, pensamento, procedimentos especiais para conhecer fatos, relação entre teoria e prática, correção e acúmulo de saberes: tudo isso não é ciência, são questões filosóficas. O cientista parte delas como questões já respondidas, mas é a Filosofia quem as formula e busca respostas para elas.

Resta, portanto, evidente a presença da filosofia nos próprios fundamentos da ciência. O que importa, agora, é legitimar cotidianamente esta presença nos mais diferentes contextos, principalmente no âmbito das pesquisas em educação.

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1.2 A Filosofia como possibilidade de problematização da realidade educacional: a constituição do método filosófico

O movimento argumentativo empreendido anteriormente buscou trazer à discussão a origem, a caminhada na história e a imagem atual da Filosofia para que, desta forma, pudesse ser mais nitidamente compreendida a Metodologia Filosófica aplicada nas pesquisas em educação. Antes, porém, de enfrentar mais detidamente esta questão, é pertinente recordar a diferenciação entre método de pesquisa e método de exposição, conforme a abordagem de Marx no Prefácio da 2ª edição de O Capital.

É mister, sem dúvida, distinguir, formalmente, o método de exposição do método de pesquisa. A investigação tem de apoderar-se da matéria, em seus pormenores, de analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e de perquirir a conexão íntima que há entre elas. Só depois de concluído esse trabalho é que se pode descrever, adequadamente, o movimento real. Se isto se consegue, ficará espelhada, no plano ideal, a vida da realidade pesquisada (MARX, 2003b, p. 28).

A partir da afirmação de Marx, é possível perceber a atividade de pesquisa como duplo movimento: o primeiro é a investigação dos conceitos e, somente após a realização deste, ocorre o segundo movimento, que é a exposição dos achados. A partir desta pista inicial, entretanto, é preciso avançar para o núcleo mesmo da metodologia filosófica, ou seja, é necessário atentar para a articulação do conceito com a verdade. “Cada conceito deve ser visto como fragmento de uma verdade total em que encontra o seu significado. É precisamente a construção da verdade a partir desses fragmentos que é a principal preocupação da filosofia” (HORKHEIMER, 2003, p. 168). A não observância deste princípio leva a um esvaziamento do conceito, enfraquecendo-o. Deste modo, a utilização exacerbada de certos conceitos acaba por convertê-los em modismos, sem o necessário rigor e, por consequência, sem articulação com a totalidade complexa da verdade. Um exemplo, que temos observado no presente momento histórico, é o caso do conceito exclusão (Cf. OLIVEIRA, 2004, p. 16 et seq.). Não se trata, no entanto, de um caso isolado. Fato semelhante vem ocorrendo com o emprego de muitos conceitos nas pesquisas em educação.

A Metodologia Filosófica procura, justamente, colocar-se contra este tipo de utilização do conceito. Ela busca radical e rigorosamente sua origem, sempre

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observando-o dentro da estrutura global. Em face da análise radical, rigorosa e de conjunto, rompe com o utilitarismo dos demais métodos (que se embasam na forma simplista de técnicas) e se propõe a refletir criticamente acerca da realidade, problematizando-a. Folscheid e Wunenburger (1999, p. VIII) auxiliam na compreensão da questão.

O método obedece a uma necessidade interna e não a um capricho vindo de alguma outra parte. Seria inútil, portanto, esperar dominar técnicas se não se compreende a razão de ser que está inscrita no modo de pensar filosófico. Por isso a metodologia filosófica não tem existência em si, autonomia em relação à disciplina; ao contrário, ela se confunde com o conjunto das exigências teóricas e especulativas do ato de filosofar, cujo objetivo é dar às idéias e à reflexão o mais obstinado rigor e a maior perfeição possível. A preocupação metodológica ultrapassa assim, largamente, a ambição utilitarista, uma vez que segue o movimento pelo qual a reflexão espontânea se transforma em pensamento filosófico.

Ao observar o modo como Folscheid e Wunenburger abordam questões como necessidade, rigor e preocupação, lembro dos três tipos de responsabilidades descritas por André Berten, os quais se tornam imprescindíveis quando o pesquisador se apoia nesta concepção metodológica. Berten (2004, p. 116) argumenta que a responsabilidade filosófica decorre da aproximação da responsabilidade ética e, posterior a esta responsabilidade filosófica, ocorre a aproximação da responsabilidade intelectual. Dito de outro modo, diante da reflexão filosófica a que se propõe a pesquisa, que parte de um enfrentamento eticamente responsável do pesquisador com o objeto de estudo, ele se aproxima da questão epistemológica da discussão que pretende fazer. Tais aproximações (ética, filosófica e epistemológica) do pesquisador para com o seu objeto de estudo se dão, primeiramente, através das obras produzidas pelos teóricos que estudam este objeto, especialmente os chamados clássicos. Há, neste sentido, um constante ler e reler as obras. Ítalo Calvino, em seu livro Por que ler os clássicos, cita quatorze razões para a leitura/releitura dos clássicos. Destaco, entre elas, as seguintes:

4. Toda leitura de um clássico é uma releitura de descoberta como a primeira. 5. Toda primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura. [...] 6. Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer. [...] 7. Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo as marcas das leituras que precederam a nossa (CALVINO, 2002, p. 11).

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As observações de Calvino são pertinentes nesta discussão, pois é a partir da leitura e releitura das obras de importantes teóricos que o pesquisador ilumina sua aproximação com o objeto de estudo. Na mesma direção, Hans-Georg Gadamer retoma o conceito de clássico subestimando sua qualidade meramente temporal com a finalidade de enfatizar seu potencial normativo:

[...] lo clásico es una verdadera categoría histórica porque es algo más que el concepto de una época o el concepto histórico de un estilo, sin que por ello pretenda ser un valor suprahistórico. No designa una cualidad que se atribuya a determinados fenómenos históricos, sino un modo característico del mismo ser histórico, la realización de una conservación que, en una confirmación constantemente renovada, hace posible la existencia de algo que es verdad (GADAMER, 1984, p. 356).

Este processo de ler e reler os textos clássicos é uma das partes que compõem a Metodologia Filosófica. As posições de Calvino e Gadamer ainda são reveladoras de um outro ponto a ser destacado dentro do exposto: a presença da Dialética10 neste movimento. A fertilidade das teorias e a capacidade delas sempre

renovarem-se no transcorrer da história possibilitam o novo olhar para os problemas da realidade a partir dos olhos da teoria. Mesmo que esta teoria já tenha sido construída há algum tempo, a renovação sempre se dá quando confrontada no mesmo ou em outro contexto, por um pesquisador que já tenha realizado suas reflexões baseadas nela e a retoma, ou ainda por aquele que a encontra pela primeira vez. Na verdade, todo reencontro é um novo encontro, toda releitura é uma nova leitura (ou vice-versa). Na fala de Calvino, vejo muito de Heráclito de Éfeso11 e

10 Para fins de explicitação do conceito Dialética tomo, a partir da matriz marxiana, a seguinte

contribuição de Japiassú e Marcondes (2006, p. 74): “Marx faz da dialética um método. Insiste na necessidade de considerarmos a realidade socioeconômica de determinada época como um todo articulado, atravessado por contradições específicas, entre as quais a da luta de classes. A partir dele, mas graças, sobretudo, à contribuição de Engels, a dialética se converte no método do materialismo e no processo do movimento histórico que considera a Natureza: a) como um todo coerente em que os fenômenos se condicionam reciprocamente; b) como um estado de mudança e de movimento; c) como o lugar onde o processo de crescimento das mudanças quantitativas gera, por acumulação e por saltos, mutações de ordem qualitativa; d) como a sede das contradições internas, seus fenômenos tendo um lado positivo e o outro negativo, um passado e um futuro, o que provoca a luta das tendências contrárias que gera o progresso”. Tomo também a contribuição de Triviños no esclarecimento e na importância deste conceito para esta metodologia: “A dialética afirma que tudo muda, se transforma, que nada é absoluto, salvo a mudança; que tudo é passageiro, é histórico, que tudo está em movimento. Esse movimento é produzido pela dialética. Por isso diz-se que a contradição é o motor da dialética. Aceitar esse ponto de vista significa ter uma concepção ontológica que exige do pesquisador uma abordagem epistemológica capaz de apreender a dinamicidade dos fenômenos que se pretende estudar” (TRIVIÑOS, 1999, p. 22). No próximo capítulo, o tema em questão será tratado com mais profundidade.

11 Trabalho com a edição organizada por Gerd Bornheim e doravante me refiro aos fragmentos pelo

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do constante devir. No fragmento XII, ele diz: “Para os que entram nos mesmos rios, correm outras e novas águas. Mas também almas são exaladas do úmido”. De fato, no movimento construído pelo pesquisador com a teoria, a cada nova leitura, ele já não é mais o mesmo nem a obra é como anteriormente: pesquisador e teoria já são outros ou, como diria Heráclito de Éfeso, “o homem e o rio mudaram”.

Não posso concluir a exposição do que é a Metodologia Filosófica sem a adequada compreensão do conceito de problema e, por conseguinte, da problematização. Tomando o argumento desenvolvido por Saviani (1996), em obra já citada anteriormente, constato a necessidade de ultrapassar os usos correntes do termo12, para que seja possível “recuperar a problematicidade do problema” (SAVIANI, 1996, p. 13). Para tanto, o autor chama especial atenção à necessidade:

[...] este conceito de necessidade é fundamental para se entender o significado essencial da palavra problema. Trata-se, pois, de algo muito simples, embora freqüentemente ignorado. A essência do problema é a necessidade. Com isto é possível agora destruir a "pseudo-concreticidade" e captar a verdadeira "concreticidade". Com isto, o fenômeno pode revelar a essência e não apenas ocultá-la. Com isto nós podemos, enfim, recuperar os usos correntes do termo "problema", superando as suas insuficiências ao referi-los à nota essencial que lhes impregna de problematicidade: a necessidade. Assim, uma questão, em si, não caracteriza o problema, nem mesmo aquela cuja resposta é desconhecida; mas uma questão cuja resposta se desconhece e se necessita conhecer; eis aí um problema. Algo que eu não sei não é problema; mas quando eu ignoro alguma coisa que eu preciso saber, eis-me, então, diante de um problema. Da mesma forma, um obstáculo que é necessário transpor, uma dificuldade que precisa ser superada, uma dúvida que não pode deixar de ser dissipada são situações que se nos configuram como verdadeiramente problemáticas (SAVIANI, 1996, p. 14).

Neste processo de esclarecimento sobre o conceito de problema, Saviani declara que há um lado subjetivo e um lado objetivo na construção do mesmo e que estes se unem intimamente, numa relação dialética. Em face disto, o autor afirma que a compreensão do conceito de problema acontece a partir da necessidade. Contudo, Saviani (1996, p. 14-15) pondera que esta necessidade

[...] só pode existir se ascender ao plano consciente, ou seja, se for sentida pelo homem como tal (aspecto subjetivo); há, porém, circunstâncias concretas que objetivizam a necessidade sentida, tornando possível, de um

12 As observações de Saviani, diferenciando o conceito em debate dos simples termos problema ou

questão, confirmam o que já expus anteriormente ao discutir a importância da análise radical, rigorosa e global dos conceitos utilizados nas pesquisas em educação. É preciso, pois, superar o uso apressado e irrefletido dos termos e atentar criticamente para os conceitos que se quer expressar por meio destes.

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lado, avaliar o seu caráter real ou suposto (fictício) e, de outro, prover os meios de satisfazê-la. Diríamos, pois, que o conceito de problema implica tanto a conscientização de uma situação de necessidade (aspecto subjetivo) como uma situação conscientizadora da necessidade (aspecto objetivo).

Por fim, Saviani (1996, p. 16) assevera que ao “desafio da realidade, representado pelo problema, o homem responde com a reflexão”. Desta forma, a problematização se origina e se constitui como a reflexão filosófica crítica, radical e global oriunda da necessidade subjetiva e objetiva, diante da realidade. A problematização busca a desacomodação das situações-problema do cotidiano a fim de colocá-las sob permanente movimento de indagação, de pergunta. Tomo ainda a contribuição de Adorno (2007, p. 5) ao comentar que:

[...] a filosofia deva proceder interpretando cada vez mais com a pretensão da verdade, sem possuir nunca uma chave segura de interpretação; que nas figuras-enigma do existente e em seus admiráveis entrelaçamentos não lhe sejam dados mais que fugazes indícios, que se esfumam.

Com efeito, ao longo do desenvolvimento de uma pesquisa, a metodologia filosófica coloca-se sempre como um movimento de investigação e de problematização da temática em estudo. Assim, a partir deste pressuposto, acredito ser pertinente insistir na relevância da metodologia filosófica para as pesquisas em educação. Um campo de estudos que visa compreender as relações educacionais em sua complexidade histórica não pode prescindir de uma concepção epistemológica que toma com a máxima radicalidade a reflexão crítica e indagadora. Entendo, portanto, que a metodologia filosófica constitui importante diferencial em relação a outras formas de investigação, contribuindo para as mais diversas pesquisas no campo das ciências humanas, na medida em que ultrapassa a simples exposição de técnicas e avança para o intenso e inconcluso caminhar indagador que surge de um problema.

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2 O caminho teórico escolhido: Karl Marx e Paulo Freire

“Hay hombres que luchan un día y son buenos. Hay otros que luchan un año y son mejores. Hay quienes luchan muchos años y son muy buenos.

Pero hay los que luchan toda la vida: esos son los imprescindibles”.

Bertolt Brecht

Partindo do movimento empreendido no capítulo anterior, no qual busquei delinear como se sustentaria uma metodologia filosófica, que tivesse como fundamento balizador a problematização, bem como discutir a importância desta no desenvolver de toda a caminhada da pesquisa, no presente capítulo busco tematizar as perspectivas teórico-metodológicas de Karl Marx e Paulo Freire. Gostaria ainda de destacar, nestas linhas iniciais, a relevância da epígrafe acima mencionada. As palavras de Bertold Brecht cabem, perfeitamente, no contexto da apresentação deste escrito tendo em vista os autores aqui estudados. Tanto Marx quanto Freire são homens que transcenderam seus tempos. As lutas travadas ao longo de suas vidas, as quais estão impregnadas em suas obras, revelam o quanto estes dois homens “são imprescindíveis”, como disse Brecht em seu poema. Marx e Freire são imprescindíveis porque iluminam a reflexão nos mais distintos lugares onde homens e mulheres estão inseridos. Iluminam porque os tornam indignados com as situações que fazem estes homens e estas mulheres se desviarem de sua caminhada natural em busca da humanização.

Dada a importância de Marx e Freire, primeiramente, antes da apresentação das teorias propriamente ditas, trago as suas histórias de vida13. Mesmo correndo o risco de ser um tanto quanto desnecessária tal atitude, em virtude de que há um vasto e disponível material que realiza essa função, desenvolvo esse movimento, pois entendo que ao estarmos completamente inseridos nas histórias de vida daqueles que baseiam nossas pesquisas compreendemos melhor suas teorias. Isso

13 A expressão história de vida (como também o seu plural – histórias de vida), quando utilizada neste

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