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ECLI:PT:TRL:2012: TBALM.A.L

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ECLI:PT:TRL:2012:1555.09.0TBALM.A.L1.7.00

http://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRL:2012:1555.09.0TBALM.A.L1.7.00

Relator Nº do Documento

Orlando Nascimento rl

Apenso Data do Acordão

04/12/2012

Data de decisão sumária Votação

unanimidade

Tribunal de recurso Processo de recurso

Data Recurso

Referência de processo de recurso Nivel de acesso Público

Meio Processual Decisão

Incidente levantamento do sigilo bancáro

Indicações eventuais Área Temática

Referencias Internacionais

Jurisprudência Nacional

Legislação Comunitária

Legislação Estrangeira

Descritores

sigilo bancário; processo de inventário; relação de bens;

(2)

Sumário:

1. O segredo bancário, estabelecido pelo art.º 78.º do Dec.lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, não é apenas um segredo das instituições de crédito e sociedades financeiras, mas um dever

estabelecido em função de uma triplicidade de interesses.

É, antes de mais, um segredo estabelecido em benefício da própria atividade bancária, em que o elemento “confiança” assume uma relevância acrescida face a outras atividades económicas (elementos respeitantes à vida da instituição).

É também, e em seguida, estabelecido em benefício dos cidadãos, clientes diretos das sociedades bancárias (relações destas com os seus clientes), neste âmbito se inserindo a primeira exceção acima referida.

E é também, e por último, estabelecido em benefício dos terceiros que, como clientes indiretos (clientes da atividade embora não da instituição), se relacionam com a instituição bancária através dos seus clientes (outras operações bancárias).

2. Na situação a que se reportam os art.ºs 519.º, n.º 4 do C. P. Civil, 135.º, n.º 3, do C. P. Penal e 79.º, n.º 1, al. d) do Dec.lei n.º 298/92, o confronto entre o dever de segredo bancário e o dever de cooperação para a descoberta da verdade deve ser decidido: “…segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente, tendo em conta a imprescindibilidade…para a

descoberta da verdade”, em conformidade com o princípio de proporcionalidade estabelecido pelo art.º 18.º, n.º 2, da C. R. P. para a restrição de direitos liberdades e garantias, nos termos do qual as restrições de direitos se devem limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

3. Estando demonstrado em processo de inventário que as contas bancárias de que o inventariado era titular foram movimentadas e liquidadas por terceiro depois da sua morte e o respetivo saldo levantado através da emissão de um cheque, deve ser ordenado o levantamento do segredo

bancário, em ordem a que o banco possa informar o tribunal em que conta foi depositado o cheque, quem é titular dessa conta e juntar aos autos o talão de depósito do cheque assinado pelo

depositante ou o talão de levantamento, caso não tenha sido depositado, uma vez que só na posse dessa informação os herdeiros poderão exercer o seu direito de acesso à herança.

(Sumário do Relator)

Decisão Integral:

Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO.

Nos autos de inventário por óbito de A. …, ocorrido em 19/7/20…, um dos interessados apresentou reclamação contra a relação de bens, dizendo ter sido omitida uma conta bancária existente em banco que indica.

Ouvida a cabeça de casal, o tribunal de 1.ª instância notificou o banco em causa para informar:

“…sobre se o inventariado A. …; à data do seu óbito (19/7/20…) era titular de conta ou contas bancárias naquela instituição e, em caso afirmativo, quais os seus montantes”.

Em resposta, o banco indicou a existência de uma conta, sob o n.º …54-3, com o saldo de € 25.043,31, liquidada em 31/07/20... e de uma conta sob o n.º …25-0, com o saldo de 50.250,00, liquidada em 21/07/20….

Na sequência desta informação, a requerimento da cabeça de casal, o tribunal notificou o banco

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para: “…enviar para estes autos cópias dos extratos dos movimentos nas contas ali identificadas entre 19/7/20…, 21/7/20… e 31/7/20… e a identificação de quem liquidou tais contas”.

O banco enviou os documentos de fls 17 a 21, dos quais constam:

- A fls. 17, na conta n.º …-3, saldo € 24.043,31 e movimentos em 20/7/20… (compra florista...débito de € 160,00), em 21//2006 (levantamento € 200,00), 21/7/20… (tfr. De dep. Prazo n.º …-0, crédito de

€ 50.250,00) e 21/7/20… (déb. Cheque 012…1, € 74,933,31 e liquidação conta 0,00);

- A fls. 18, na conta …, um movimento em 21/7/20…, no valor de € 50.250,00, mobilização para a conta n.º …-3;

- A fls. 19, um impresso sob o título “mobilização de depósito a prazo”, referente à conta …-0 e ao valor de € 50.250,00, com rabiscos manuscritos ilegíveis sob a expressão “ass:”;

- A fls. 20, a face e verso de um cheque cruzado, sobre a conta n.º …-3, ao portador, com a data de 21/7/20…, o valor de € 74.933,31 e o nome manuscrito, “ALS.”, no lugar da assinatura;

- A fls. 21, um impresso de “liquidação de conta D. O”, referente à conta n.º …-3, com a data de 31//20…, dois “rabiscos manuscritos (rubricas?) e com um nome manuscrito sob a expressão

“ass:”, que neste tribunal se nos afigura ser: “L. …”.

A requerimento de um dos interessados que, além do mais, alegou que L. … não é herdeira, o tribunal notificou o banco “…para informar em que conta foi depositado o cheque, quem é titular dessa conta, juntando aos autos o talão de depósito do cheque assinado pelo depositante ou o talão de levantamento, caso não tenha sido depositado”.

Informou o banco, nos termos do escrito de fls. 24, entrado a 3/4/2012: “…que os elementos

solicitados…se encontram sujeitos a sigilo bancário, nos termos do artigo 78.º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 292/92, de 31 de dezembro e alterado pelo Decreto-Lei n.º 201/2002, de 26 de setembro, pelo que não poderá…

revelá-lo sem o consentimento dos seus clientes ou sem decisão judicial que ordene o

levantamento do sigilo bancário, nos termos da Lei Processual Penal, sob pena de incorrer nos crimes de abuso de confiança e de violação de segredo”.

Em face desta informação, o tribunal a quo considerou legitima a escusa e a requerimento de um interessado no inventário, nos termos do disposto nos artigos 135.º, n.º 3, do Código de Processo Penal e 519.º n.º 4, do Código de Processo Civil, ordenou a autuação como Incidente de Dispensa de Sigilo e o envio dos autos a esta Relação para decisão sobre o levantamento do sigilo bancário.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

A) OS FACTOS.

A matéria de facto a considerar é a acima descrita, indiciariamente provada nos autos, sem embargo de a questão submetida à nossa apreciação se configurar, essencialmente, como uma questão de direito.

B) O DIREITO APLICÁVEL.

Atentos os factos supra descritos, a questão submetida ao conhecimento deste Tribunal da Relação consiste em saber se o banco deve ser dispensado da observância do sigilo bancário, para prestar ao tribunal de 1.ª instância a informação por este ordenada, sem incorrer na violação das disposições legais que estabelecem o seu dever de segredo.

Vejamos.

I. A delimitação do dever de segredo bancário e as condições em que o seu cumprimento pode ser

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dispensado.

O segredo profissional, no âmbito da atividade bancária, está consagrado nos art.ºs 78.º e 79.º, do Dec.lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

Dispõe o n.º 1 do art.º 78 que os: “membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços”.

E dispõe o n.º 2 do mesmo preceito que: “estão, designadamente, sujeitos a segredo, os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias”.

Esta a regra geral.

O art.º 79.º do mesmo diploma, tipifica as exceções a esse dever de segredo, a primeira das quais é a constante do seu n.º 1, permitindo que: “os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição”, a qual se nos afigura importante para a apreensão da ratio legis e da amplitude deste dever de sigilo.

Para além do direito de reserva, comum a outras atividades societárias privadas, o segredo bancário não é, exclusiva nem principalmente, um segredo das instituições, ou melhor, não é apenas um segredo das instituições de crédito e sociedades financeiras, mas um dever estabelecido em função de uma triplicidade de interesses.

É, antes de mais, um segredo estabelecido em benefício da própria atividade bancária, em que o elemento “confiança” assume uma relevância acrescida face a outras atividades económicas (elementos respeitantes à vida da instituição).

É também e em seguida estabelecido em benefício dos cidadãos, clientes diretos das sociedades bancárias (relações desta com os seus clientes), neste âmbito se inserindo a primeira exceção acima referida.

E é também e por último estabelecido em benefício dos terceiros que, como clientes indiretos (clientes da atividade embora não da instituição), se relacionam com a instituição bancária através dos seus clientes (outras operações bancárias).

O dever de sigilo bancário tem a natureza jurídica de uma obrigação de facto negativo, traduzindo- se numa omissão, ou melhor, num “não fazer”, num não revelar, não utilizar.

Para além da exceção que resulta da dispensa de segredo por parte do cliente direto, no que respeita às relações deste com a instituição, estabelecida pelo n.º 1 do art.º 79.º, o n.º 2 do mesmo preceito estabelece um conjunto de exceções em beneficio da própria atividade bancária e sua regulação (als. a), b) e c)), em beneficio da realização da justiça (als. d), e)) e em beneficio de outros valores que o legislador venha a considerar prevalecentes (al. f)).

A intervenção deste Tribunal da Relação enquadra-se no âmbito de uma dessas exceções, a consagrada sob a al. d).

O art.º 519.º, C. P. Civil, relativo ao dever de cooperação para a descoberta da verdade, dispõe no seu n.º 1 que: “todas as pessoas… têm o dever de prestar a sua colaboração para descoberta da verdade…” e no seu n.º 2, que: “Aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercivos que forem possíveis…”, nestes se compreendendo o acesso coercivo à informação necessária à realização da justiça.

O n.º 2, al. c) desse mesmo preceito permite, todavia, a recusa de colaboração, entre outros, nos

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casos em que tal importe violação do sigilo profissional.

Para estas situações de recusa legitima de colaboração estabelece, todavia, o n.º 4 do art.º 519.º, do C. P. Civil, que “…é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado”.

E o que o processo penal dispõe para que, em cada caso concreto, seja aferida a prevalência ou não prevalência da recusa de colaboração, com fundamento em dever legal de segredo, é que o tribunal decidirá se a colaboração deve ser prestada, mesmo com quebra do segredo profissional,

“…segundo o principio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente, tendo em conta a imprescindibilidade…para a descoberta da verdade”, como determina o n.º 3, do art.º 135.º, do C.

P. Penal[1].

O quadro de valores em que este Tribunal da Relação deve estruturar a sua decisão é, pois, o do principio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente, tendo em conta a

imprescindibilidade…para a descoberta da verdade”, tendo ainda e atenção a natureza dos interesses em causa, que são de natureza civilista, de ilícito civil e não de natureza penal.

De facto, como se decidiu no acórdão desta Relação, de 3 de julho de 2012[2], o facto de a alínea d), do n.º 2, do art.º 79 do Dec. Lei n.º 298/92 ter sido alterada pela Lei n.º 36/2010, de 2 de

setembro, dela passando constar a expressão: “Às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal”, em vez da expressão: “nos termos previstos na lei penal e de processo penal”, em nada contende com a aplicação do instituto no âmbito do processo civil como, aliás, é

jurisprudência uniforme desta Relação[3].

Assim delimitado o quadro legal em que somos chamados a decidir o incidente, passemos à análise dos interesses em presença.

II. O interesse preponderante.

Como acima referimos, o segredo bancário prossegue uma tríade de interesses, o primeiro dos quais é o interesse da própria atividade bancária e do banco que, em concreto a exerce, o segundo é o interesse dos clientes diretos da instituição bancária, e o último é o interesse dos terceiros que, se relacionam com a instituição bancária, como seus clientes indiretos.

II. 1. O interesse do banco e da atividade bancária.

O banco prestou todas as informações que lhe foram ordenadas no que respeita à conta bancária do que foi titular o de cujus, A. …, fazendo-o de forma esclarecedora, como acima consta, apenas se escudando no segredo bancário no que respeita à conta de destino do dinheiro, veiculado por

cheque cruzado (art.ºs 37.º e 38.º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque – LUCH) e ao portador (art.º 5.º da mesma Lei), que dessa conta saiu para a conta de um outro cliente e que será, ou não, a L.

…, que o banco aceitou a praticar atos de movimentação da conta de A. …, depois do decesso deste.

O interesse do banco, por si próprio definido, é o respeito do segredo bancário relativo ao titular da conta de destino do dinheiro em causa, já que outro não invoca.

Vislumbramos que o banco, por si próprio e pela atividade exercida, atento o valor confiança em causa, tem também interesse na averiguação da legalidade dos atos em que interveio

relativamente à conta bancária de que foi titular A. …, até pela responsabilidade civil que daí lhe pode advir, mas na ausência de declaração expressa, este interesse será por nós considerado, apenas, em confronto com o possível contrainteresse de algum dos outros agentes, em benefício dos quais é estabelecido o segredo bancário.

II. 1. O interesse do titular da conta.

O interesse do titular da conta, em termos de segredo bancário, corresponde ao interesse de A. …

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até à sua morte, ocorrida em 19/7/20…, passando a partir daí a ser o interesse dos seus herdeiros, no que respeitar à defesa dos direitos de personalidade do de cujus, nos termos do disposto nos art.ºs 70.º e 71.º, n.º 2, do C. Civil, e no que respeitar à defesa do seu próprio direito a suceder na titularidade das relações jurídicas do falecido, nos termos do art.º 2032.º, n.º 1, do C. Civil.

No que respeita ao interesse do de cujus, A. …, a jurisprudência tem decidido que o segredo bancário pode ser oposto aos próprios herdeiros do cliente do banco[4].

Mas não é este que está em causa nos autos, uma vez que os movimentos bancários que interessam à herança, porque através deles se realizou a apropriação de bens da herança por terceiros, que não os herdeiros, foram executados em 20, 21 e 31 de julho de 20…, datas posteriores à morte do depositante A. ….

Nesta medida o interesse do titular da conta, do cliente do banco, é o interesse dos herdeiros interessados no inventário e, consequentemente, traduz-se em conhecer o destino do dinheiro da herança.

A este propósito, e com mais amplitude ainda, decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.), de 7/10/2010[5], que: “Os herdeiros de um depositante bancário não podem ser tidos como terceiros, relativamente às contas do mesmo, razão por que não lhe pode ser oposto o segredo bancário”.

Este interesse é, pois, conforme ao levantamento do segredo bancário, como resulta do requerimento de um dos interessados, aceite pelos restantes.

II. 3. O interesse dos terceiros.

Terceiro, no caso sub judice, é a pessoa que o banco aceitou a movimentar a conta do de cujus depois da sua morte e que, indiciariamente, será L. …, único nome que, como tal, surge no impresso de liquidação da conta, a fls. 21 destes autos de Incidente, e o destinatário do dinheiro que nessa conta se encontrava e que, também indiciariamente, será titular da conta onde foi depositado o cheque utilizado no levantamento do saldo da conta, na importância de € 74.933,31.

Na primeira veste, de movimentador da conta de que foi titular o de cujus, cujos exatos termos não foram ordenados pelo tribunal nem esclarecidos de motu proprio pelo banco, não vislumbramos interesse do terceiro na manutenção do sigilo bancário que seja digno de proteção legal.

Com efeito, a prática dos atos inerentes à movimentação da conta do de cujus, por parte de terceiro, só poderia ser feito com mandato por este outorgado, nos termos do disposto nos art.ºs 258.º e 262.º do C. Civil.

Esse mandato, a existir, terminou em 19/7/20…, data em que cessou a personalidade jurídica do de cujus (art.º 68.º do C. Civil) e se abriu a sua sucessão (art.º 2031.º do C. Civil).

Assim, relativamente aos atos praticados em 20, 21 e 31 de julho de 20…, com a movimentação da conta de que foi titular o de cujus, mas já não era nessa data, em termos de segredo bancário, o terceiro não dispõe de qualquer proteção legal.

O mesmo não acontece, todavia, na segunda veste que assume, como recebedor da quantia que nessa conta se encontrava, e que dela saiu através de cheque depositado numa conta a que era estranho o de cujus e são estranhos os herdeiros.

Neste caso, o terceiro deixa de o ser para, na qualidade de titular da conta de destino, assumir a veste de cliente do banco.

E nesta qualidade, de titular de conta bancária, goza da proteção aos atos da sua vida privada, consagrada no art.º 26.º da Constituição da República Portuguesa (C. R. P) e no art.º 80.º do C.

Civil, e que o estabelecimento do segredo bancário se propõe, também prosseguir.

Assim sendo, o cerne da questão, tal como a temos vindo a definir, consiste em saber se essa

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proteção deve ceder em nome de outros interesses, também eles dignos de proteção legal.

II. 4. O interesse que deve prevalecer.

Como dispõe o art.º 135.º, n.º 3, do C. P. Penal, o confronto entre o interesse dos herdeiros do de cujus e, nessa perspetiva de descoberta da verdade, também o interesse da atividade bancária, por um lado, e o interesse do titular da conta que recebeu o dinheiro proveniente da conta, que foi do de cujus, por outro, deve ser decidido: “…segundo o princípio da prevalência do interesse

preponderante, nomeadamente, tendo em conta a imprescindibilidade…para a descoberta da verdade”.

O primeiro desses interesses, para além da sua perspetiva imediata como interesse no recebimento dos bens da herança, reconduz-se, numa perspetiva mais vasta, à realização do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art.º 20.º da C. R. P.

O segundo insere-se no âmbito do direito pessoal à reserva da intimidade da vida privada e familiar, constitucionalmente reconhecido (art.º 26.º, n.º 1, da C. R. P).

O confronto entre um e outro deve ser dirimido em conformidade com o princípio de

proporcionalidade estabelecido pelo art.º 18.º, n.º 2, da C. R. P. para a restrição, pelo legislador ordinário, de direitos liberdades e garantias, nos termos do qual as restrições de direitos se devem limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente

protegidos.

No caso sub judice, a restrição ao segredo bancário, em que se traduz a dispensa de observância do respetivo dever por parte do banco a ele obrigado, só deve ser ordenada se e na justa medida necessária à realização do direito sucessório dos interessados no inventário.

Como decidiu o acórdão do S.T.J. de 17/12/2009[6]: “Destinando-se o dever de sigilo a proteger os direitos pessoais, como o direito ao bom nome e reputação e o direito à reserva da vida privada, consagrados nos artigos 26º, da CRP, e 80º, do CC, bem como o interesse da proteção das relações de confiança entre as instituições bancárias e os seus clientes, enquanto que o dever de cooperação para a descoberta da verdade visa a satisfação do interesse público da administração da justiça, a contraposição dos dois interesses em jogo deve, no caso concreto, ser dirimida, …com prevalência do princípio do interesse preponderante, segundo um critério de proporcionalidade na restrição de direitos e interesses, constitucionalmente, protegidos, como decorre do artigo 18º, nº 2, da CRP…”.

Tal como resulta da configuração da questão, suscitada nos autos de inventário por morte de A. …, os herdeiros deste têm interesse em conhecer o destinatário final do dinheiro, que se encontrava na conta bancária e que faz parte da herança (art.ºs 2050.º, e 2031.º do C. Civil), saber se este é a mesma pessoa que se apresentou no banco a movimentar a respetiva conta depois da morte do seu titular, e conhecer as condições em que esta movimentação ocorreu.

Como o dinheiro foi retirado da conta bancária através de um cheque com o nome manuscrito, “A.

…”, no lugar da assinatura, têm ainda interesse em saber em que conta foi depositado esse cheque, quem é titular da conta, quem depositou aí o cheque ou quem procedeu ao levantamento da

quantia em causa, tudo tendo em vista o seu relacionamento e partilha pelos herdeiros.

Apesar da multiplicidade de atos em causa, todos eles mais não constituem que uma simples

sequela de uma coisa, a quantia monetária, que se encontrava na titularidade do de cujus à data da sua morte.

Estando toda essa informação em poder do banco, os interessados no inventário só poderão exercer o correspondente direito sucessório se este, alijado do seu dever de segredo, a prestar, de uma forma completa e esclarecida.

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De outro modo, depararão sempre com a aparência formal do cheque em causa, que até tem aposto o nome, “A. …”.

Sem prejuízo de os atos que integram a movimentação da conta, incluindo a emissão do cheque, poderem vir a assumir natureza criminal, os herdeiros têm interesse em conhecer o destinatário final do dinheiro, em ordem a incluírem, ou não, na relação de bens o direito que, sobre essa quantia, se arrogarem em face da informação que não podem obter de outro modo, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1347.º do C. P. Civil.

O interesse do titular desta conta não é posto em causa no seu direito de reserva da vida privada, para além do que respeita ao cheque e à quantia por ele representada, e atentas as condições em que esta quantia, indiciariamente, saiu da conta bancária de que era titular o de cujus, não pode deixar de ceder para permitir a realização do direito dos herdeiros, interessados no inventário, não sendo digno de qualquer proteção legal, por ausência de valor a proteger, eventual interesse em esconder os termos em que o cheque, e a quantia por ele titulada, saiu da conta, depois da morte do seu titular.

III. O destino do incidente.

Nos termos expostos, não podemos deixar de julgar procedente o Incidente, dispensando o banco da observância do dever de segredo e ordenando que preste ao tribunal de primeira instância as informações por este determinadas.

C) EM CONCLUSÃO.

1. O segredo bancário, estabelecido pelo art.º 78.º do Dec.lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, não é apenas um segredo das instituições de crédito e sociedades financeiras, mas um dever

estabelecido em função de uma triplicidade de interesses.

É, antes de mais, um segredo estabelecido em benefício da própria atividade bancária, em que o elemento “confiança” assume uma relevância acrescida face a outras atividades económicas (elementos respeitantes à vida da instituição).

É também e em seguida estabelecido em benefício dos cidadãos, clientes diretos das sociedades bancárias (relações desta com os seus clientes), neste âmbito se inserindo a primeira exceção acima referida.

E é também e por último estabelecido em benefício dos terceiros que, como clientes indiretos (clientes da atividade embora não da instituição), se relacionam com a instituição bancária através dos seus clientes (outras operações bancárias).

2. Na situação a que se reportam os art.ºs 519.º, n.º 4 do C. P. Civil, 135.º, n.º 3, do C. P. Penal e 79.º, n.º 1, al. d) do Dec.lei n.º 298/92, o confronto entre o dever de segredo bancário e o dever de cooperação para a descoberta da verdade deve ser decidido: “…segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente, tendo em conta a imprescindibilidade…para a

descoberta da verdade”, em conformidade com o princípio de proporcionalidade estabelecido pelo art.º 18.º, n.º 2, da C. R. P. para a restrição de direitos liberdades e garantias, nos termos do qual as restrições de direitos se devem limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

3. Estando demonstrado em processo de inventário que as contas bancárias de que o inventariado era titular foram movimentadas e liquidadas por terceiro depois da sua morte e o respetivo saldo levantado através da emissão de um cheque, deve ser ordenado o levantamento do segredo

bancário, em ordem a que o banco possa informar o tribunal em que conta foi depositado o cheque, quem é titular dessa conta e juntar aos autos o talão de depósito do cheque assinado pelo

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depositante ou o talão de levantamento, caso não tenha sido depositado, uma vez que só na posse dessa informação os herdeiros poderão exercer o seu direito de acesso à herança.

3. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o incidente e ordenar o levantamento do segredo bancário, por parte do banco, o qual deverá informar, no que respeita ao destino do dinheiro saído da conta de que foi titular o de cujus, A. …, em que conta foi depositado o cheque utilizado no levantamento desse dinheiro, quem é titular dessa conta, juntando aos autos o talão de depósito do cheque assinado pelo depositante ou o talão de levantamento, caso não tenha sido depositado e prestar as informações que com estas se mostrem conexas.

Custas do incidente pelos interessados na partilha.

Lisboa, 04 de dezembro de 2012.

Orlando Nascimento Ana Resende

Dina Monteiro

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.

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[1] O acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ de 13/2/2008, in dgsi.pt (relator Maia Costa), decidiu que este n.º 3 rege para os casos em que a escusa por parte do banco tenha sido considerada legítima, que é o caso dos autos, como referimos.

[2] In dgsi.pt (relatora Graça Amaral).

[3] Cfr. v. g. os acórdãos de 23-3-2011 (relator Rui Vouga), 28-2-2012 (relator Pimentel Marcos), 5-7-2012 (relator Ferreira de Almeida) e 2-9-2012 (relatora Teresa Prazeres Pais).

[4] Cfr. v. g.: os acórdãos do STJ de 28/6/1994 (Col. J., 1994, tomo 2, pág. 163), de 10/12/1997 (Col. J., 1997, tomo 3, pág 170) e de 21/3/2000 (Col. J., 2000, tomo 1, pág 130) e os acórdãos desta Relação de 9/11/1999 (Col. J., 1999, tomo 5, pág. 78), de 14/11/2000 (Col. J., 2000, tomo 5, pág. 95) e de 28/2/2002 (Col. J., 2002, tomo 1, pág. 130.

[5] In dgsi.pt (relator Azevedo Ramos).

[6] In dgsi.pt (relator Hélder Roque).

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