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O ESPAÇO NA ARTE E NA CIÊNCIA

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Academic year: 2021

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O ESPAÇO NA ARTE E NA CIÊNCIA

Francisco Caruso

1,2

& Roberto Moreira Xavier de Araújo

1

1

Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas

Rua Dr. Xavier Sigaud, 150 – 22290-180, Urca, Rio de Janeiro, RJ 2

Instituto de Física da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 – 20559-900, Rio de Janeiro, RJ

Neste artigo mostra-se como Arte e Ciência se articulam através da Geometria, como representação do espaço no qual o homem vê, conhece, representa e modifica a Natureza. Nesse contexto, dois períodos históricos são paradigmáticos: o Renascimento Italiano e o início do Séc. XX.

Na Antigüidade, foi exatamente a partir de necessidades práticas, como medir e dividir terrenos a serem cultivados, que teve início a Geometria.

Embora detivessem um conhecimento geométrico capaz de dar origem a construções monumentais e a outras conquistas técnicas importantes, os egípcios não foram capazes de organizar este conjunto de conhecimentos empíricos em um sistema lógico formal, como fizeram mais tarde os gregos.

A sistematização da geometria certamente foi um dos maiores legados da Grécia Antiga à Cultura e foi o Ocidente que se apropriou, de modo muito particular, desta sistematização para construir, muito mais tarde, os alicerces da Ciência, a partir do Renascimento.

Segundo Aristóteles  que ordenou o conhecimento produzido na Grécia Antiga nos dois séculos que o antecederam  para Pitágoras e seus adeptos “os números pareciam ser as primeiras coisas no total da natureza, [e eles] supuseram que os elementos dos números eram os elementos de todas as coisas, e que todo o céu era um acorde e um número”. Desde a harmonia da Música até o movimento dos corpos celestes, tudo tem origem nos números e nas relações numéricas, na simetria das figuras geométricas e na beleza. Esta taxativa realidade atribuída aos números é reflexo da importância dada à Matemática, como instrumento de racionalização da multiplicidade de fenômenos encontrada na Natureza e como linguagem da simetria e, portanto, da beleza do Universo. É preciso lembrar que nesta época só existia o conceito de número racional, ou seja, aquele que pode ser escrito como uma razão entre dois números inteiros.

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números. Ora, sabemos da geometria que, no espaço tridimensional, existem apenas cinco sólidos regulares. Na filosofia platônica, que também valoriza muito a simetria, estes cinco sólidos representam um papel fundamental na descrição do cosmo. Assim, podemos dizer que tem origem, com a filosofia de Platão, a primeira geometrização da Física.

Cerca de um século depois da importante contribuição de Platão, o matemático grego Euclides, de Alexandria, escreveu seu famoso livro “Os Elementos” que sistematizaram (em postulados, axiomas, teoremas e corolários) o conhecimento geométrico dos antigos, fundando o que, ainda hoje, se chama Geometria Euclidiana. A importância deste livro é enorme, pois é também um tratado sobre os números e a primeira introdução decisiva do método axiomático. Consolida-se, assim, a Geometria Clássica: nasce a Matemática como nós a concebemos. Por outro lado, foi a Física de Aristóteles, e não a de Platão, que predominou até o final da Idade Média. Aristóteles, embora compartilhasse o ideal platônico de beleza e de ordem do Universo (Kosmos), não tinha uma concepção geométrica do espaço. Para ele, cada coisa tinha o seu lugar natural e, portanto, o espaço físico de Aristóteles não é o espaço da geometria, homogêneo e isotrópico.

Somente no Renascimento a Física se aproxima de novo da Geometria. É a época em que Galileu Galilei afirma:

“o grandíssimo livro [da natureza] está escrito em língua matemática e os caracteres são os triângulos, círculos e outras figuras geométricas (...) sem as quais se estará vagueando em vão por um obscuro labirinto.”

Ao combinar, de forma indissolúvel, o conhecimento empírico com a Matemática, Galileu faz a síntese que vai originar o que se chama de o método científico moderno. Na verdade, este novo método, é parte da transformação intelectual que desencadeou a Revolução Científica dos sécs. XVI e XVII.

Freqüentemente, o Renascimento é visto apenas como o período das grandes navegações, da revolução de Copérnico e de mudanças profundas na Arte. Na verdade, pode-se considerar que as origens dessas transformações remontam ao séc. XII, época em que os progressos técnicos da Idade Média (uso do arado, do estribo, do moinho de vento) já estavam sedimentados e o homem passou a valorizar mais a Natureza. Um século depois, a própria Religião é diretamente afetada; essa é a época de São Francisco de Assis, que fala com os animais e inventa o presépio de Natal. Por outro lado, a Arte, influenciada pelos franciscanos, sinaliza a maior integração do Homem com a Natureza. Ao pintar o Céu de azul (“O Retiro de São Joaquim entre os Pastores”, Giotto, Pádua, Itália), ao invés do tradicional dourado (“Entrada em Jerusalém”, Duccio, 1311. Museu da Catedral de Sienna, Itália), Giotto o incorpora à Natureza. O Céu perde, portanto, seu caráter sagrado, sua conotação de casa de Deus; deixa de ser objeto de adoração e pode, então, ser estudado empiricamente. Uma cultura que pinta o Céu de dourado é incapaz de produzir a Revolução Copernicana.

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transcendental importância, redefine o que se chama realismo e estabelece novos parâmetros para o desenvolvimento da Arte, inclusive da Arquitetura.

As Figs. 1 e 2 são exemplos de quadros renascentistas onde é muito evidente o uso da perspectiva.

Fig. 1 – “Cristo dando as chaves da Igreja a São Pedro”, Perugino, cerca 1482. Capela Sistina, Vaticano.

Fig. 2 – “Cidade Ideal”, Anônimo, final do séc. XV. Staatliche Gemaldegalerie, Berlim.

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geométrico, do espaço euclidiano. Isso evidencia a presença de novas concepções do espaço arquitetônico, aponta para um novo urbanismo e antecipa o surgimento de um novo espaço da Ciência  geométrico, homogêneo e isotrópico , o espaço da mecânica newtoniana.

O que se vê na Arte desse período é o reflexo de uma nova tendência de representar o mundo no espaço pictórico, em que a tela deixa de ser apenas o veículo de uma simbologia bidimensional, e passa a dar vida e significado ao espaço empírico, ao espaço perceptivo tridimensional. Esta nova concepção artística do Renascimento espelha um forma diferente de o Homem se relacionar com a Natureza e antecipa a ruptura com a cosmovisão religiosa, ainda dominante no final da Idade Média. Essa tendência, entretanto, não deve ser entendida como um fato cultural isolado; na verdade, a mudança de concepção artística do mundo é um presságio do que se pode chamar de a segunda geometrização da Física.

Uma das ciências que muito contribuíram para essa segunda geometrização foi a Astronomia. A partir do século XV, a astronomia observacional ganha novo impulso, à medida que se relaciona com as navegações e com a reforma do calendário juliano, já muito defasado do solar. Em 1543, cerca de 100 anos após a introdução da perspectiva na pintura, Copérnico publica sua obra maior intitulada “Sobre a Revolução dos Orbes Celestes”, expondo seu sistema do Universo. Já na folha de rosto de sua primeira edição, o autor manifesta sua convicção de quanto suas idéias dependem da geometria, escrevendo uma frase muito semelhante àquela que Platão teria escrito na porta de sua Academia: “Que não entre aqui ninguém que não seja treinado em geometria”.

O sistema heliocêntrico de Copérnico é fundamentado na Geometria de Euclides e na Filosofia de Platão e de Pitágoras. Este sistema, ao se contrapor ao geocêntrico, ptolomaico de raízes aristotélicas, introduz na Ciência de sua época um enorme problema. Passa a haver uma inconsistência entre a Física, que permanece aristotélica, utilizada para descrever os fenômenos sub-lunares, e a Astronomia, agora copernicana, usada para explicar os fenômenos celestes. Esta contradição só será resolvida por Newton, como veremos mais adiante.

Mais tarde, Kepler, calcado nas observações de Tycho Brahe, descobriu as leis do movimento da Terra e dos demais planetas ao redor do Sol. Para Kepler, a harmonia do Universo tinha a ver com a Santíssima Trindade, razão pela qual o espaço teria três dimensões. Ele chegou a imaginar que existiriam anjos a guiar os planetas em suas órbitas, mas também considerou a possibilidade de haver apenas uma ação do Sol sobre eles, antecipando Newton.

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Fig. 3 – Fac-simile do Pródromo das Dissertações Cosmográficas de Kepler.

Na obra de Kepler se vê com muito mais nitidez do que em Copérnico a combinação do método experimental e da matemática. O esquema geométrico rígido de seu modelo cosmológico, baseado nos poliedros regulares de Platão, está reproduzido na Fig. 4.

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O filósofo e matemático René Descartes deu grande importância à Geometria (inclusive criou a Geometria Analítica) e nela tentou fundamentar a sua Física. Para ele é a extensão da matéria, e não a massa, que deve ser considerada como a propriedade fundamental dos corpos. Entretanto, a filosofia natural cartesiana, de caráter essencialmente geométrico, não foi capaz de gerar uma teoria física com a qual se pudessem fazer cálculos e previsões quantitativas a respeito do movimento. Coube a Newton resolver este problema e iniciar uma nova fase da Ciência, com grande impacto sobre a Cultura Ocidental.

Newton consegue unificar a Física e a Astronomia, a partir de sua genial percepção de que o movimento de queda de uma maçã do topo de uma árvore é de mesma natureza que o movimento da Lua ao redor da Terra e, portanto, devem ambos ser descritos pela mesma lei: a lei da gravitação universal. Esta unificação entre a Física do Céu e a da Terra resolve a contradição que havia no tempo de Copérnico e só foi possível porque Newton abandonou completamente a noção de lugar natural de Aristóteles. Toda a sua Física depende de uma nova concepção de espaço, que é de natureza geométrica. Assim como as figuras, as propriedades físicas dos corpos não dependem do lugar que ocupam. A esse espaço geométrico receptor, que funciona como palco dos fenômenos físicos, Newton chamou de espaço absoluto.

Com vistas ao séc. XX, vale a pena mencionar o impacto transformador da importante síntese feita por James Clerk Maxwell, onde a Óptica, a Eletricidade e o Magnetismo são unificados em sua teoria eletromagnética, sem a qual não haveria telefone, rádio, televisão, computador, satélite etc. Note-se que enquanto o desenvolvimento da técnica medieval antecedeu à Mecânica de Newton, uma parte expressiva da tecnologia desenvolvida no séc. XX só foi possível graças à formalização efetuada por Maxwell – que previa a existência das ondas eletromagnéticas, observadas na virada do século por Hertz  e, numa segunda fase, aos novos conceitos da Mecânica Quântica.

A Teoria da Relatividade Restrita de Einstein, construída tendo por base a estrutura do eletromagnetismo de Maxwell, provocou uma enorme transformação de dois conceitos basilares da Física: o de espaço e o de tempo. Surge o espaço-tempo quadridimensional. A partir das idéias da Relatividade Restrita, Einstein desenvolveu seu projeto de geometrizar a Gravitação. A viabilidade deste projeto em muito dependeu do desenvolvimento das chamadas geometrias não-euclidianas, ocorrido no séc. XIX, para o qual deram contribuições fundamentais Gauss, Lobatchevski, Bolyai, Riemann, dentre outros. A descoberta de novas geometrias repercutiu também na Arte.

No início do século, com a Teoria da Relatividade, afirma-se um novo conceito de espaço-tempo na Ciência. Em paralelo, na Pintura, o espaço absoluto da perspectiva é abandonado.

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Fig. 5 - Akua'ba, Ídolo da Fertilidade, Ashanti, Gana.

Fig. 6 - "Senecio", Paul Klee, 1922.

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Fig. 8 - "Cabeça Humana", Picasso, cerca 1906.

Além disso, o espaço da pintura torna-se fragmentado e rearticulado com o tempo, como uma espécie de eco da Relatividade e da revolução pela qual a própria Geometria passava, com o surgimento das geometrias não-euclidianas. O movimento que maior influência sofreu neste sentido foi o Cubismo (Figs. 9 e 10).

Fig. 9 – “Nú descendo a escada No. I”, Marcel Duchamp, 1911-12. Philadelphia Museum of Art.

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Fig. 10 – “O Homem com Violino”, Picasso, 1911-12. Philadelphia Museum of Art. O espaço

fragmentado.

Os adeptos deste movimento vão contribuir para um processo de codificação do mundo a partir de formas geométricas. Foi Mondrian que levou o ideal geométrico às últimas conseqüências, pregando um afastamento do artista em relação à Natureza. Arte e Ciência se reencontram: físicos e pintores destróem a concepção clássica de espaço. Em outras palavras, Mondrian estava convencido de que cabe ao artista buscar nas formas mutáveis da Natureza aquelas que são puras e permanentes: as formas geométricas. Não é essa afinal a essência do programa filosófico de Einstein?

Um exemplo notável dessa determinação de Mondrian nos é dado em sua “composição com duas linhas” (Fig. 9).

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Ao criarem novas imagens do Mundo, os papéis e as limitações dos físicos e dos artistas se entrelaçam. O espaço euclidiano da perspectiva clássica e da mecânica newtoniana é abandonado. Inicia-se uma nova Era, fortemente marcada pela Geometria não-euclidiana e pela utilização de espaços abstratos, que será prevalente ao longo do século. Esse é o período da terceira geometrização da Física.

No que concerne ao macrocosmo, destaca-se o programa einsteiniano de geometrizar a Gravitação. Com a Teoria da Relatividade Geral estabelecem-se, pela primeira vez, as bases físicas de uma Cosmologia Científica. A Física passa, então, a poder tratar de problemas como a origem e a história do Universo, que estavam circunscritos ao domínio filosófico. Mais do que isto, este é um programa que adquire grande prestígio por permitir a formulação de novas questões antes impensadas.

Procuramos mostrar ao longo do artigo que existem pelo menos três grandes períodos de geometrização da Física, cujos respectivos expoentes foram: Platão, Galileo e Einstein. Paralelamente a isto, a Arte também apresentou seus momentos de geometrização: a escultura e a arquitetura antigas (especialmente gregas), o Renascimento Italiano e o Cubismo.

Tudo isso constitui um legado de vinte e seis séculos de história do pensamento ocidental, impregnados de conceitos como ordem e simetria, os quais, em última análise, são a essência do ideal geométrico. Este ideal ainda determina as concepções de espaço e a forma de pensar do homem deste século.

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