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ESCOLA: ESPAÇO ABERTO PARA A DIVERSIDADE SEXUAL?! A diversidade sexual no contexto escolar como problema de pesquisa

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ESCOLA: ESPAÇO ABERTO PARA A DIVERSIDADE SEXUAL?!

Helder Júnio de Souza1

Adla Betsaida Martins Teixeira2

Resumo: Trazer a temática sobre a diversidade sexual dentro do ambiente escolar faz-se necessário não somente em

relação à discussão de gênero e questões LGBTQ, mas também no que tange a questão dos direitos humanos e sua concretização dentro da escola. Neste contexto, a proposta aqui apresentada é a de se discutir até que ponto a diversidade sexual, dentro do ambiente escolar, é respeitada por aqueles que fazem parte deste ambiente, ou seja, alunos, professores, direção e corpo administrativo. A proposta é decorrente da minha pesquisa de mestrado que tem como objetivo compreender como alunos gays vivenciam sua orientação sexual dentro do ambiente escolar. A metodologia aqui utilizada foi a entrevista com alunos gays e professores de uma instituição de Ensino Médio, fazendo um recorte sobre a questão da diversidade sexual. Após a coleta e análise, fez-se um grupo focal com alunos da mesma instituição, buscando analisar a partir da fala dos três grupos (alunos gays, professores e demais alunos) como os mesmos compreendem a diversidade sexual dentro de tal ambiente. Abrir um diálogo sobre a temática no ambiente escolar torna-se não somente necessário, mas também um desafio por ter que quebrar padrões vinculados à questão de preconceitos e resistências em relação à discussão de gênero.

Palavras-chave: Escola, Gênero, Diversidade Sexual; Direitos.

A diversidade sexual no contexto escolar como problema de pesquisa

A pesquisa buscou trabalhar no campo da micropolítica, analisando especificamente a forma

como alunos gays3 vivenciam sua orientação sexual4 dentro de uma organização escolar pública

de Ensino Médio em Sabará/MG.

O presente estudo é resultado da pesquisa de mestrado feita no período de 2015 – 2017, trazendo os seguintes questionamentos: como gays vivenciam sua orientação sexual dentro de uma organização escolar? Como são construídas suas relações interpessoais dentro desse ambiente? Os gays são tratados de forma diferenciada por sua orientação sexual? Se sim, como os mesmos percebem isto? E os demais (corpo discente, docente e técnico), como compreendem isso? Questionamentos esses que foram ampliados à medida do estudo e das entrevistas. A partir da

1 Mestrando pela UFMG – FaE, Belo Horizonte, Brasil. 2 Professora Adjunta da UFMG – FaE, Belo Horizonte, Brasil.

3 Utilizarei o termo gay como uma afirmação da identidade homossexual masculina, cunhada dentro do movimento LGBT(Lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, transgêneros e travestis). O termo “ relações homoafetivas” não será utilizado, pois não se busca nesta pesquisa compreender o relacionamento afetivo entre as pessoas do mesmo sexo dentro da organização escolar.

4 Uso o termo “orientação sexual” como uma construção social que se dá a partir das relações e interações sociais. Relações que passam pela cultura, bem como pelas relações de poder. (SOUSA FILHO, 2004). Já “opção sexual” remete, como sugere Mello et tal a “ideias como “opção”, “escolha” ou “preferência” sexual possuem um componente de vontade racional e deliberada que não faz parte das experiências sexuais e amorosas da maioria dos indivíduos modernos”. (2004, p. 165). Por isso, orientação sexual é “um processo profundo, contraditório e extremamente complexo de constituição, no decorrer do qual cada indivíduo é levado a lidar com uma infinidade de fatores sociais, vivenciando-os, interpretando-os, (re)produzindo e alterando significados e representações, a partir de sua inserção e trajetória social específica”. (SECAD, 2007, p.17).

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compreensão da problemática, espera-se que a pesquisa seja capaz de colaborar na promoção de inclusão dos sujeitos no processo de ensino/aprendizagem, garantindo a eles direitos essenciais.

Atualmente, a discussão sobre a homossexualidade tem-se ampliada na realidade, seja no campo social e político, seja em relação ao debate acerca dos direitos ou em relação à violência desses direitos. Temas como diversidade sexual, direitos LGBT, orientação sexual são recorrentes, sobretudo quando vinculados ao ambiente escolar. Vianna (2015) informa que o movimento LGBT vem lutando para inserir não somente um debate sobre o tema da diversidade sexual, sobretudo em garantir direitos àqueles que são excluídos por sua orientação sexual. Dá-se início não somente um discurso educacional sobre direitos, mas uma luta política de afirmação da possibilidade de todos vivenciarem livremente sua sexualidade.

Sexualidade e gênero: conceitos culturalmente construídos

A compreensão sobre a homossexualidade está relacionada com a forma como se constrói o conceito de gênero e sexualidade dentro da nossa sociedade ocidental. Esses conceitos são construtos sociais em que perpassam por relações de poder, sejam eles nas esferas macro e/ou micro sociais. A macropolítica, de forma sintética, busca compreender como as instituições estruturam o discurso e a forma como esse é construído a partir do poder. No caso do estudo, a forma como a sexualidade foi construída por instituições (dentre eles família, igreja, escola) e seus discursos acerca das permissões e proibições do sexo (Foucault, 1988) dentro da sociedade. O estudo sobre a micropolítica chama a atenção para a forma como o poder formal e informal dos indivíduos e/ou grupos é utilizado para se alcançar os objetivos dentro das organizações. “Não existe um só, mas muitos silêncios e são parte integrante das estratégias que apoiam e atravessam os discursos” (FOUCAULT, 1988, p.30). Para isso, as ações dos indivíduos são motivadas, consciente ou inconscientemente, de forma que os interesses individuais sejam atingidos ou protegidos, havendo assim uma interação entre a macro e a micropolítica. (BLASE and ANDERSON in TEIXEIRA, 1998). Dessa forma,

[...]a sexualidade não é apenas uma questão pessoal, mas é social e política. O segundo, ao fato de que a sexualidade é "aprendida", ou melhor, é construída, ao longo de toda a vida, de muitos modos, por todos os sujeitos. (...) As possibilidades da sexualidade — das formas de expressar os desejos e prazeres — também são sempre socialmente estabelecidas e codificadas. As identidades de gênero e sexuais são, portanto, compostas e definidas por relações sociais, elas são moldadas pelas redes de poder de uma sociedade. (LOURO, 2013b, p.11)

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Estudar sobre a sexualidade e os temas relacionados a ela é relevante para compreender a construção cultural dos valores e práticas vinculados a mesma, sobretudo o entendimento sobre o conceito de gênero e da forma como foi construído histórico, social, temporal e culturalmente, reafirmando na sociedade ocidental os valores que remetem a um padrão voltado para o homem branco urbano, classe média, heterossexual e cristão perpassando por relações de poder (Foucault, 1988; Weeks, 2013).

Mediante o exposto acima, gênero não será entendido aqui a partir do sentido biológico, mas enquanto uma construção social e de poder que é construída ao longo dos tempos, sendo diversa social, cultural ou historicamente (Scott, 1995).

A compreensão de gênero, a partir de uma perspectiva sociocultural, permitiu ultrapassar os limites dos papéis sexuais. “Com a proliferação dos estudos sobre sexo e sexualidade, “gênero” tornou-se uma palavra extremamente útil, pois oferece um meio de distinguir a prática sexual dos papéis sexuais atribuídos às mulheres e aos homens” (SCOTT, 1995, p. 75). Nesse sentido, tem-se

não só uma multiplicidade5 de possibilidades que se inter-relacionam com o masculino/feminino,

mas também uma estrutura que não é estática, imutável. Pelo contrário, ao se trabalhar com o gênero nessa perspectiva cultural, o mesmo pode ser modificado no decorrer da própria vida, na qual “estão continuamente se construindo e se transformando” (LOURO, 2013a, p. 32).

Nessa perspectiva de se compreender o gênero como uma construção cultural, o diálogo acerca da homossexualidade, foco central na pesquisa, ganhou o campo acadêmico para ser compreendido e discutido como uma das várias possibilidades de concretização do gênero e da identidade sexual dentro da sociedade.

Escola e heteronormatividade

A escola tem um papel imprescindível dentro da sociedade, uma vez que a mesma tem como função ampla a formação do indivíduo para uma vivência cidadã, passando assim pelos processos educativos de letramento – socialização – construção das identidades (dentre outras tantas funções), formando homens e mulheres “de verdade” (LOURO, 2013b).

Nesse processo de formação, a heteronormatividade é ensinada das mais diversas formas nas rotinas da escola. Nelas, “meninos e meninas são expostos a mensagens sobre como devem se comportar, sobre o que se espera deles e delas, ou o que lhes é permitido ou proibido e, mesmo do

5 A multiplicidade ultrapassa a questão da heterossexualidade e da homossexualidade. Inclui-se nela os bissexuais, a(o)s transexuais, as travestis, a(o)s transgêneros... (JUNQUEIRA, 2009)

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que é “normal” a cada um gostar” (TEIXEIRA, 2010, p. 41). Rotinas como brincadeiras reforçam posturas dentro da escola, na qual o menino irá desenvolver sua “virilidade” e a menina sua “sensibilidade”. Tem-se como exemplo os brinquedos a utilização de carrinhos e bola de futebol para o sexo masculino e o uso de bonecas e utensílios para a casa para o sexo feminino, indicando o desenvolvimento de quais os papéis devem ser seguidos. Afirma Felipe (2009, p. 150) “o brincar e o brinquedo são, portanto, nesse contexto, um instrumento de poder que é acionado constantemente para definir/produzir determinadas formas de gênero”, na qual as “temáticas relativas às homossexualidades, bissexualidades e transgeneridades são invisíveis no currículo, no livro didático e até mesmo nas discussões sobre direitos humanos na escola” (JUNQUEIRA, 2009, p.30).

Dessa forma, a heterossexualidade além de ensinada, é vivenciada por todos ali presentes como algo “natural” ao ser humano, excluindo assim as outras possibilidades. Porém, como a sexualidade é construída, o interesse e a “curiosidade” por outras formas aparece nas mais diferentes idades, na qual não são levadas em consideração no ambiente escolar. Junqueira (2009, p.30) informa, ao analisar pesquisas consagradas, que “a escola se nega a perceber e a reconhecer as diferenças de públicos, mostrando-se “indiferente ao diferente””. Ou seja, não reconhece em suas práticas a existência da diversidade, seja ela de etnia, classe, religião, orientação sexual, dentre outras.

De acordo com autores e com a pesquisa feita pela UNESCO (2004), uma grande parte dos alunos acaba abandonando a escola, devido ao preconceito que sofrem continuamente dentro do ambiente escolar e não consegue ver na mesma o apoio para dar continuidade aos estudos.

Ao ensinar práticas que determinam uma forma específica de gênero, a escola anula outras possibilidades, caindo num grande dilema do século XXI: como ensinar as crianças sem anular a diversidade? Se a escola reforça a heteronormatividade, como ficam aqueles que fogem a esse padrão? Sabe-se que a escola tem um papel claro de formar indivíduos para a vida cidadã. Como conciliar o discurso sobre inclusão de todos com a prática excludente em relação à sexualidade?

O século XXI é marcado não só por inúmeras transformações políticas, econômicas e tecnológicas, mas também por inúmeras lutas de reconhecimento das diferenças por tanto tempo excluídas e marginalizadas. Dentre os movimentos, pode-se citar o movimento feminista, que buscou questionar não somente a condição de exclusão da mulher, mas em argumentar que as experiências masculinas e femininas devem ser tratadas como equivalentes. (Narvaz e Koller, 2006). Nessa reivindicação, aparecem àqueles que não se enquadram na heteronormatividade, ou

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seja, homossexuais , bissexuais, travestis, transgêneros e transexuais. Mas, será que na escola esses sujeitos têm voz ativa em relação aos seus direitos?

Se a escola busca formar indivíduos para a prática cidadã, deve não somente estar atenta à diversidade existente (étnica, religiosa, sexual...), mas também

tornar as pessoas preparadas para o convívio com as diferenças por meio da produção de sentimentos e atitudes de fraternidade, solidariedade e igualdade de direitos, valorizando o coletivo e garantindo o acesso à informação, sem o que é impossível às pessoas a construção de suas cidadanias. (PERES, 2009, p.249)

Por isso mesmo a pesquisa aqui proposta busca somar esforços compreendendo como alunos gays vivenciam sua orientação sexual dentro de uma organização escolar pública, de forma a dar não somente a voz ao mesmo, mas que possa garantir aos alunos e alunas ali inseridos um ambiente de respeito mútuo.

Discussão sobre os resultados da pesquisa

Este é um estudo qualitativo que buscou compreender como os alunos gays vivenciam sua homossexualidade dentro de uma organização escola pública de Ensino Médio em Sabará.

A pesquisa de campo foi realizada em 2016, tendo o primeiro contato com o corpo administrativo, em especial as pedagogas responsáveis pelos turnos, buscando identificar alunos

que tenham sua orientação sexual “assumida”6, chegando ao número de três alunos com orientação

homossexual. O número pequeno era esperado, uma vez que – a partir de pesquisas - alunos do sexo masculino têm uma dificuldade maior de assumirem sua homossexualidade, com medo de sofrerem represálias por parte dos colegas, havendo um ocultamento da orientação homossexual (LOURO, 2013; JUNQUEIRA, 2009).

Assumir-se gay: um processo de angústia e aceitação

Perguntado aos entrevistados sobre quando e como resolveram “assumir-se” socialmente, os mesmos demonstraram que esse foi um processo de aceitação decorrente de angústias e receios sobretudo relacionado à forma como os outros, principalmente família, iriam reagir.

Raphael informa que à noite tinha pensamentos negativos, na qual “colocava a música brad pra caramba (...) eu pensava um tanto de merda, aí eu ficava mal, ai eu ficava chorando”. Ao ser

6 Utilizo o termo em aspas, pois os entrevistados não saíram assumindo sua homossexualidade para todos da escola, porém colegas e professores próximos, bem como a orientadora já haviam desenvolvido um diálogo com os mesmos sobre a orientação sexual.

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perguntado sobre as “merdas” pensadas, ele informou que chegou a pensar em suicídio, justamente por não ter a certeza que se sua mãe iria aceitar sua orientação sexual.

Kauan afirma, em relação ao aceitar-se, que achava que ia “ser uma vergonha, mas depois eu percebi que seria normal. (...) só foi por alguns dias que eu me senti mal. Eu nem vinha na escola. Eu entrei em “depressão”, mas depois eu levei isso de boa”. Nota-se novamente o processo de angústia gerado não por aceitação de sua orientação sexual, mas por causa do que os outros irão pensar em relação a ela. Aqui vale ressaltar também o medo que ele teve de ir à escola, demonstrando também que nesse ambiente havia uma possibilidade de não aceitação de sua orientação.

Fernandes, ao contrário, assumir-se não foi algo que partiu dele, já que foi pressionado a contar para sua tia sobre sua orientação sexual, afirma quando contou para a tia foi complicado, pois “ela pegou e falou assim, olha só, eu já meio que desconfiava, mas só que esse não era o que eu queria, né? (...)Aí ela pegou e ficou uma semana sem conversar comigo”.

Para os três entrevistados as motivações de não se assumir estão relacionadas as inseguranças do que os outros irão dizer, pensar e agir em relação a esse fato, gerando angústia nos mesmos. Nota-se que esse processo é parte integrante da formação do indivíduo, porém se socialmente a diversidade sexual fosse encarada como algo “normal”, possivelmente esse processo não seria angustiante.

Escola: um ambiente aberto à diversidade sexual?

As trajetórias dos três entrevistados apontam para vivências bem diversas em relação à orientação sexual dentro da escola. Perguntado a eles sobre a forma como vivenciam sua orientação sexual dentro desse ambiente, Kauan e Fernandes já sofreram uma discriminação abertamente, enquanto Raphael informou não sofrer, porém demonstrou ter receio de sofrer, sobretudo ao mudar de escola:

KAUAN: Eu acredito que aqui na escola, os professores e a maioria dos funcionários não têm essa coisa de fazer bullying, de zoar com as pessoas por causa da orientação sexual. Mas com os alunos sim. A maioria tem esse preconceito. Pode não fazer verbalmente ou fisicamente, mas tem o preconceito sim.

FERNANDES: quando eu cheguei na escola X, não sei o que aconteceu que o pessoal já sabia da minha vida toda, então...

RAPHAEL: Olha, quando eu entrei na escola X foi assim: eu entrei com muito medo, por causa que eu não estava acostumado com isso de mudar de escola, pois fiquei oito anos direto numa escola.(...) Então quando eu mudei para lá já fui com uma carga de receio grande(...) Como será que vai ser? (...) Mas eu tinha muitas amigas lá. Então foi mais tranquilo. Só que eu fui com um certo receio enorme [ao se referir da sua orientação sexual].

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É relevante esclarecer que os três entrevistados já tinham assumido sua homossexualidade antes de entrarem no Ensino Médio, porém um ambiente novo trouxe a eles insegurança em relação ao que os outros irão dizer. Louro (2013a, p.26) informa que

Aqueles e aquelas que se atrevem a expressar, de forma mais evidente, sua sexualidade são alvo imediato de redobrada vigilância, ficam "marcados" como figuras que se desviam do esperado, por adotarem atitudes ou comportamentos que não são condizentes com o espaço escolar.

Dessa forma, os entrevistados têm que utilizar estratégias para reduzirem os impactos desse estigma. Nota-se na fala de Raphael que isso se dá através da companhia de amigas no mesmo ambiente, fato que garantia a ele a tranquilidade por estar junto àqueles que aceitavam sua orientação sexual. Fernandes, ao contrário, já chega “marcado” por sua orientação sexual, mesmo não informando sobre ela. E Kauan deixa claro que havia vivenciado experiências de discriminação, através de “zoações”, sobre sua orientação, fechando no ambiente escolar.

Perguntado se sofreram alguma discriminação dentro da escola por parte dos estudantes, os mesmos tiveram experiências diversas, porém não significa que não tenham tido o mesmo sentimento acerca dessas.

RAPHAEL: Oh... quando eu estou com meu bonde, quando eu estou com meu pessoal, eu meio que me sinto protegido em si. (...) Mas eu fico meio com aquela coisa de evitar fadiga, sabe? Tipo passar no meio de um tanto de gente que eu não conheço. Quando é só menino então, por exemplo, está um grupo de meninos e eu tenho que passar e ouvir comentário infeliz ... bichinha, viado, rir, alguma coisa.

FERNANDES: Lógico que ia ter aquelas brincadeirinhas: que é gay, que é viado, que é baitola, aqueles trem, né? (...) Porque é baitola, porque não sei o quê, isso é falta de mulher, essas coisas assim. (...)

de vez em quando um debochinho assim ó lá, tá passando, ó... né, ficava assim aquele... uma zoeirinha assim, de leve, mas eu ignorava, né.

KAUAN: Foi os meninos da minha sala que me assediaram dentro da sala, da própria sala. (...) Aí os meninos tentavam me agarrar, assim, querendo me beijar dentro da sala, assim... isso me deixou muito constrangido, por que foi a primeira vez que aquilo aconteceu. (...) Já tinha sofrido bullying por palavras assim, mas corporal nunca.

Raphael esclarece que a presença de amigos faz com que ele tenha confiança para enfrentar as questões da realidade, porém demonstra ter receio de estar sozinho e passar no meio de um grupo tipicamente masculino, inferindo o medo de ouvir comentários homofóbicos. Pesquisas têm demonstrado que a cobrança da sexualidade é maior para os meninos, na qual “são constantemente vigiados e instigados para a construção de um determinado tipo de masculinidade” (FELIPE; BELLO, 2009, p.147).

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Nota-se também o uso dos termos pejorativos que muitas vezes são considerados como brincadeiras dentro da escola, porém não têm esse mesmo significado para os entrevistados, já que demonstram que são “deboches”, “comentários infelizes”, “zoeirinha”. Junqueira(2009, p.17) afirma que

Tratamentos preconceituosos, medidas discriminatórias, ofensas, constrangimentos, ameaças e agressões físicas ou verbais têm sido uma constante na vida escolar e profissional de jovens e adultos LGBT. Essas pessoas vêem-se desde cedo às voltas com uma “pedagogia do insulto”, constituída de piadas, brincadeiras, jogos, apelidos, insinuações, expressões desqualificantes – poderosos mecanismos de silenciamento e de dominação simbólica.

Perguntado no grupo focal sobre a questão da homossexualidade dentro da escola, os participantes foram unânimes informando que haviam discriminação, muitas vezes velada, por parte dos colegas em relação a alunos gays. Afirmam:

Tem muito preconceito, os alunos não se veem, não aceitam a escolha que eles fizeram, alguns nem conversam, nem chegam a querer conversar. (SHAY, 18)

Eu acho o comportamento do homem muito escroto em relação sobre a homossexualidade porque o menino é diferente, eles julgam, eles faz piada, eles humilham, chegam humilhar a pessoa por causa desse gênero, por causa da pessoa escolher ser assim.(AMORA, 18) As escolas até tentam trazer a questão do debate, que é a homossexualidade... mas o problema é que o corpo estudantil não aceita muito bem esse debate que a escola quer trazer. (CARLOS, 17)

Estas respostas também foram reforçadas quando feitas aos professores entrevistados, demonstrando que os mesmos também percebem que na escola há um preconceito relacionado à orientação sexual. Uma entrevista, ao citar um caso, afirmou “que ele já veio inúmeras vezes reclamar que os meninos tão mexendo com ele, chamando ele de gay, que ele é muito... que ele é muito bichinha, que ele é assim, que ele é assado(...) (Professora 1). Outra, ao fazer referência de um aluno que se assumiu na escola, informa que “depois dele ter se assumido alguns colegas de sala o hostilizavam por isso, tentando inferioriza-lo perante aos demais alunos da escola” (Orientadora). Junqueira (2009, p.15) informando que

A escola configura-se um lugar de opressão, discriminação e preconceitos, no qual e em torno do qual existe um preocupante quadro de violência a que estão submetidos milhões de jovens e adultos LGBT – muitos/as dos/as quais vivem, de maneiras distintas, situações delicadas e vulneradoras de internalização da homofobia, negação, autoculpabilização, auto-aversão. E isso se faz com a participação ou a omissão da família, da comunidade escolar, da sociedade e do Estado.

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Trazer a discussão sobre a diversidade sexual dentro do ambiente escolar torna-se necessária, uma vez que a escola tem como um de seus papéis formar os alunos para a prática da cidadania e, consequentemente, o respeito à diversidade. Por outro lado, a escola não somente reproduz a heteronormatividade, como muitas vezes os sujeitos nela inseridos se silenciam em relação aos casos de homofobia existentes dentro da mesma, fazendo com que o diálogo sobre a diversidade sexual seja quase nulo.

Por isso, a importância de se discutir sobre a diversidade sexual na escola; ambiente este em que todos que ali estão presentes, sobretudo gestão e docentes não podem fechar os olhos à existência da diversidade sexual, bem como de outras categorias, nem tão pouco anular a mesma dentro do seu ambiente. Lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, transgêneros e travestis devem encontrar nesse ambiente a possibilidade de vivenciarem a sua orientação tal como àqueles que são heterossexuais, firmando assim suas identidades enquanto sujeitos.

Ao se compreender o espaço escolar como um ambiente também da diversidade sexual, a escola colabora não somente em formar cidadãos para a prática da igualdade e da liberdade, mas também é capaz de desenvolver o respeito perante aqueles que foram excluídos e que ainda sofrem discriminação devido à sua orientação sexual divergente da heterossexual.

Portanto, a diversidade sexual na escola não é apenas um ideal, mas uma realidade necessária, já que há muitos alunos que ainda sofrem diversas formas de violência velada. Mais que isso, significa reconhecer e respeitar o outro como sujeito de liberdade e direitos dentro da escola e da sociedade.

Referências

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School: open space for sexual diversity?!

Astract: To bring the issue of sexual diversity into the school environment is necessary not only in relation to the gender discussion and the LGBTQ issues, but also in regard to the issue of human rights and its concretization within the school. In this context, the proposal presented here is to discuss the extent to which sexual diversity, within the school environment, is respected by those who are part of this environment, i.e., students, teachers, principal and administrative staff. The proposal comes from my master's research that aims to understand how gay students experience their sexual orientation within the school environment. The methodology used here was the interview with gay students and teachers of a High-School institution, focusing on part of the issue of sexual diversity. After the collection and analysis, a focus group was made with students from the same institution, in order to analyze from the speech of the three groups (gay students, teachers and other students) how they understand the sexual diversity within such an environment. To open a dialogue on the subject in the school environment becomes not only necessary, but also a challenge, because it has to break the standards linked to prejudices and resistances in relation to the gender discussion.

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