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Como são formadas as barreiras ecológicas no ambiente marinho?

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Academic year: 2021

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Como são formadas as barreiras ecológicas no ambiente marinho?

Felipe Theocharides Oricchio

Em ambientes marinhos, a distribuição de uma determinada espécie está associada à estrutura espacial das populações conectadas, principalmente pela troca de larvas entre essas populações, uma vez que a grande maioria dos organismos marinhos tem desenvolvimento indireto. Assim, a conectividade entre essas populações se torna um parâmetro central da estruturação dessas comunidades. A formação de barreiras físicas é um dos meios mais claros de se reduzir essa conexão, mas em ambientes marinhos, nos quais os ecossistemas são espacialmente muito dinâmicos, outras barreiras devem ter um papel fundamental na estruturação de comunidades e populações. Barreiras não físicas que alteram a conectividade entre populações são chamadas de barreiras ecológicas. No mar, elas são muito frequentes e são de difícil detecção (Marshall et al. 2010). Mas quais serão os processos associados à formação de barreiras ecológicas no ambiente marinho?

Os processos biológicos e ecológicos que podem diminuir a conectividade entre populações no ambiente marinho são diversos. Sobrevivência da prole em ambientes novos, diferenças comportamentais entre populações, diferenças físicas entre ambientes, dinâmicas de correntes e salinidade são apenas alguns exemplos associados à formação de barreiras ecológicas. Como a maioria das espécies marinhas tem desenvolvimento indireto, a fase larval é a mais afetada por essas barreiras e as diferenças entre população adulta e larval tendem a ser bastante acentuadas. Ao contrário dos ambientes terrestres, as populações marinhas, embora consideradas discretas, aparentemente não apresentam barreiras físicas entre elas, o que levou os pesquisadores a pensar que não há qualquer restrição para troca de material genético entre as populações. No entanto,

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no processo de dispersão larval algumas etapas devem ser cumpridas: inicialmente as larvas devem migrar, o que representa um alto custo energético e uma vez atingido o local do desenvolvimento para a fase adulta, tanto a metamorfose quanto a competição com organismos nativos já estabelecidos tendem a aumentar muito a taxa de mortalidade (Corwen&Sponaugle, 2009).

Até o século passado, acreditava-se que a maioria das populações marinhas se encontrava em alto grau de conexão e que o fluxo gênico entre elas era intenso, uma vez que barreiras físicas são raras nesses ecossistemas. De fato, muitas dessas populações se encontram nessa situação. A maioria dos peixes pelágicos oceânicos, grandes mamíferos aquáticos como baleias e mesmo algumas espécies neríticas, que vivem associadas a águas costeiras, tem altíssimo grau de conectividade entre populações. Um dos exemplos mais extremos dessa condição talvez seja o das enguias norte americanas do atlântico. Um estudo realizado com esses organismos revelou que a população é praticamente panmítica e que o número efetivo populacional é virtualmente igual ao tamanho da população (Côté et al. 2013). Nesse caso, não há barreiras físicas e provavelmente poucas barreiras ecológicas reduzindo a conectividade entre populações, que trocam informação genética livremente no tempo e no espaço. Como consequência, a taxa de polimorfismo dessas populações é bem baixa e os efeitos da seleção natural tendem a ser amortecidos pelo intenso fluxo gênico.

No entanto, a idéia de que o ambiente marinho favorece a alta conexão entre populações vem sendo contestada cada vez mais. Uma das principais evidências de que o ambiente marinho não é totalmente conectado é que várias espécies dispersam muito menos do que as capacidades de dispersão de seus respectivos propágulos. Diferentes processos podem estar associados a esse padrão, sendo que pesquisadores dessas áreas tendem a dividi-los em dois tipos: pré e pós colonização (Marshall et al. 2010). A

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principal barreira pré-colonização é a altíssima taxa de mortalidade que as larvas experimentam na fase planctônica, ocasionada tanto por predação quanto por competição e estima-se que mais de 90% das larvas não atinja a fase adulta. Quanto às barreiras pós colonização, há dois processos que valem destaque: os altos custos fisiológicos associados à dispersão e um fenômeno chamado desencontro entre fenótipo e ambiente (do inglês, phenotype and envirolmental mismatch). Em organismos com larvas lecitotróficas, que se alimentam de suas reservas e não do plâncton, o recrutamento é fortemente afetado pelo tempo que a larva passa no plâncton. Assim, larvas que demoram a assentar tem menor probabilidade de sobrevivência durante a fase de metamorfose devido ao dispêndio energético da fase dispersora, o que reduz a conexão entre populações, que em alguns casos se encontram bem próximas espacialmente. Quanto ao fenômeno do desencontro entre fenótipo e ambiente, trata-se de um processo bastante subestimado no ambiente marinho, mas que atualmente tem recebido mais atenção e tem se mostrado fundamental na estruturação de comunidades. Organismos nativos de um determinado ambiente tem melhor desempenho nesse mesmo ambiente do que os imigrantes. Tanto a seleção natural quanto a plasticidade fenotípica atuam melhorando a performance dos organismos sob determinadas condições ambientais e biológicas, assim quando larvas adaptadas, por seleção ou plasticidade fenotípica, migram e tentam colonizar outros ambientes a taxa de sucesso é bastante reduzida (Marshall et al. 2010).

Outra causa para o desencontro entre fenótipo e ambiente ocasionado por plasticidade fenotípica é um fenômeno bastante interessante chamado efeito materno. É bastante frequente em organismos bentônicos de larvas lecitotróficas. Nesse processo, o sucesso da prole está associado à semelhança entre o ambiente do assentamento com o ambiente no qual a mãe estava exposta no momento da produção da larva (Marshall et

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al. 2008). Alguns estudos mostram que determinados organismos são capazes de alterar o investimento larval, produzindo larvas melhor adaptadas a condições específicas e que são capazes de sobreviver a alguma condição estressante (Dias & Marshall, 2010). Esse tipo de herança altera o sucesso da prole de acordo com variações abióticas. Em 2008, Marshall e colaboradores demonstraram em um elegante experimento que larvas originadas por organismos de ambientes ricos em cobre, que é um poluente frequente no ambiente marinho e está presente em tintas anti-incrustante de cascos de navios, assentam muito mal em ambientes sem o poluente, o que desconecta populações muito próximas. Dessa forma, o desencontro entre fenótipo e ambiente, seja causado por adaptação local ou por plasticidade fenotípica, tanto na mesma geração como entre gerações, atua reduzindo a conectividade entre populações no ambiente marinho e representa uma forte barreira ecológica a esses organismos.

Mudanças nas taxas de mortalidade ou de sucesso de colonização não são os únicos processos envolvidos na formação de barreiras ecológicas no mar. Assim como no ambiente terrestre, diferenças comportamentais são capazes de reduzir fortemente a conectividade entre populações próximas. Comportamento reprodutivo, hábitos alimentares e atividade diária são alguns exemplos de traços capazes de separar populações e oferecer uma barreira ao fluxo gênico delas. Um exemplo notável no ambiente marinho e o caso das populações de orcas (Orcinus orca). Muitas dessas populações apresentam traços culturais como técnicas de caça e vocalização. São características comportamentais típicas de uma determinada população e que são ensinadas entre gerações. Deecke e colaboradores publicaram um trabalho em 2000 avaliando diferenças na vocalização das populações de orcas. Cada grupo tem sons próprios e estima-se que estes sejam aprendidos pelos indivíduos ao longo do desenvolvimento. Como consequência, muitas dessas populações se encontram

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desconectadas geneticamente e há poucos registros de cruzamentos entre indivíduos de populações diferentes. Assim, o comportamento diferenciado de cada população atua como uma barreira ecológica, mesmo em situações de simpatria. Os autores desse estudo não avaliaram as diferenças populacionais quantos às estratégias de caças desses grupos. Mas sabe-se que, por exemplo, orcas dos mares antárticos são especializadas em caçar focas isoladas e afastadas da linha de costa, já as da costa sul da América aperfeiçoaram a caça de leões marinhos nas praias da Patagônia. Essas diferenças comportamentais intensificam a separação dessas populações que compartilham os mesmos mares.

Dessa forma, fica clara a importância de barreiras ecológicas para a estruturação das comunidades marinhas. Há casos que o ambiente marinho favorece o fluxo gênico e a existência de populações praticamente panmíticas. Nesses exemplos, não há barreiras nem físicas ou ecológicas reduzindo a conectividade populacional. Mas em um ambiente tão dinâmico como o mar, eventos de vicariância são mais raros e estima-se que grande parte da diversidade marinha seja resultado de especiações simpátricas. Assim, barreiras ecológicas parecem desempenhar um papel central tanto na formação da altíssima diversidade marinha, como na manutenção da mesma.

Explorei aqui alguns exemplos de formação de barreiras ecológicas, que atuam reduzindo a conexão entre populações podendo favorecer o processo de especiação. A alta taxa de mortalidade larval diminui o alcance específico e restringe a distribuição de uma espécie. O desencontro entre fenótipo e ambiente pode ser gerado por três processos distintos: adaptação local, plasticidade fenotípica e efeito materno. Eles atuam reduzindo a conectividade no mar porque a heterogeneidade espacial marinha é acentuada mesmo em escalas restritas. Assim, ambientes vizinhos podem apresentar condições bióticas e abióticas muito diferentes, reduzindo a capacidade de colonização

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dos organismos. Diferenças comportamentais também podem isolar populações, como no caso das orcas, que tem suas populações relativamente isoladas por apresentarem tanto vocalizações como estratégias de caça diferentes. Mas os desafios para se avaliar conectividade e seus efeitos nas populações estabelecidas não são simples. Escalas temporais e espaciais variam muito de organismo para organismo e os fatores físicos que definirão esses parâmetros estão longe de serem bem descritos e compreendidos (Cowen et al. 2007). Há muito estudo a ser realizado ainda nessa área, uma vez que só recentemente a academia tem dado mais atenção tanto ao processo de especiação simpátrica como à formação de barreiras não físicas, mas ainda capazes de reduzir fortemente o fluxo gênico entre populações. O ambiente marinho é um excelente sistema para esses estudos, mas é ainda sub-amostrado. O crescimento da ecologia marinha recentemente é bastante promissor e pode resolver relevantes questões teóricas sobre efeitos de conectividades e, consequentemente, processos de especiação.

Referências Bibliográficas

Côté, C.L., Gagnaire, P.A., Bourret, V., Verreault, G., Castonguay, M., Bernatchez, L. (2013) Population genetics of the American eel (Anguilla rostrata): FST = 0 and North Atlantic Oscillation effects on demographic fluctuations of a panmictic species. Molecular Ecology. 22, 1763-1776.

Cowen, K. R., Gawarkiewicz, G., Pineda, J., Thorrold, S.R., Werner, F.E. (2007). Connectivity in marine seas. An overview. Oceanographer. 20, 14-21.

Cowen, K. R., Sponaugle, S. (2009). Larval dispersal and marine population connectivity. Annu. Rev. Mar. Sci.1, 43-66

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Deecke, V.B., Ford, J.K.B., Spong, P. (2000) Dialect change in resident killer whales: implications for vocal learning and cultural transmission. Animal Behaviour. 60, 629-638

Dias, G.M. and Marshall, D.J. (2010). Does the relationship between offspring size and performance change across the life-history? Oikos. 119, 154-162

Marshall, D.J. (2008). Transgenerational plasticity in the sea: context-dependent maternal effects across the life-history. Ecology. 89, 418-427.

Marshall, D.J., Monro, K., Bode, M., Keough, Swearer, S. (2010). Phenotype– environment mismatches reduce connectivity in the sea. Ecology Letters. 13, 128-140.

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