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'Pretendo apenas ser um visitante naquele mundo'

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA DORALINA ENGE MARCON

“PRETENDO APENAS SER UM VISITANTE NAQUELE MUNDO”: A INTERVENÇÃO DE PSICÓLOGOS DA ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA

COM PESSOAS COM PSICOSE

Palhoça 2011

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DORALINA ENGE MARCON

“PRETENDO APENAS SER UM VISITANTE NAQUELE MUNDO”: A INTERVENÇÃO DE PSICÓLOGOS DA ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA

COM PESSOAS COM PSICOSE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Psicologia, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Psicólogo.

Orientadora: Profª. Nádia Kienen, Drª.

Palhoça 2011

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Dedico este trabalho ao meu pai, que hoje eu sei que olhava para o meu coração e olharia para essa conquista com muito carinho. Sinto sua falta.

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AGRADECIMENTOS

Mais uma etapa da vida parece estar indo... E como sozinha nunca estive, quero agradecer a quem se fez presente, do jeito que fez... Apesar de as palavras não exprimirem metade dos sentimentos...

Obrigada mãe, por ter acreditado que eu era capaz. Por todo o apoio em casa. E por você simplesmente estar aqui. Você sabe que é por sua ajuda que estou finalizando essa etapa.

Obrigada pai, porque, além de te amar mais todos os dias, hoje eu entendo que você foi o maior facilitador para que minhas potencialidades fossem desenvolvidas. Devo a você todo o carinho que existe dentro de mim. Você se faz presente em cada respirar meu.

Obrigada Bruno, meu namorado querido. Você é o maior presente que eu podia ganhar. Obrigada por ser meu companheiro. Obrigada por todos os dias me ajudar como podia, com esse seu jeito amado, inclusive traduzindo textos. Escrever todo esse trabalho e poder olhar para o lado e ver você me deu muita força. Toda essa etapa final foi menos dolorida por sua causa.

Obrigada Dani, por hoje ser minha tia/sogra e amiga. Obrigada pelas oportunidades, pelas ajudas, pela compreensão, por me escutar, me fazer rir e dividir um pouco da sua vida e da sua família comigo. Sou muito feliz por estar participando disso tudo.

Obrigada Jason, Adjelson, vó Raquel e vô Loro, por me acolherem desse jeito querido.

Obrigada Jade, por ter me feito companhia tantas vezes em que estava muito chato estudar. Principalmente por deitar no meu colo. Devo agradecer também os meus Vut-vut, Loli e Mido pela alegria que deram sempre ao chegar em casa.

Obrigada Bel, minha amiga. Seu carinho, dedicação e amor alimentam minha alma. Sua amizade é uma pedra preciosa e esse trabalho tem parte de você.

Obrigada Tata, “por esses momentos curtos em que dividimos as nossas angustias. Isso além de nos fortalecer, nos mostra quem realmente está com a gente. Obrigada por estar comigo de verdade”.

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Obrigada Ká, minha folhinha, por fazer parte de mim e entender o quanto quis estar ao seu lado nas primeiras vivências de mãe e não pude. A sua compreensão foi um presente lindo. Nossos momentos juntas me dão alegria para continuar.

Obrigada Eli, por ser minha folha, ter me acompanhado nessa caminhada e mesmo distante estar por perto, sinto seu coração batendo. Nossos momentos juntas me dão alegria para continuar.

Obrigada Migalis, Nath, Aline e Marcelo, por serem responsáveis por parte do que sou, e mesmo não nos vendo muito estão aqui dentro de mim.

Obrigada Gêmulo, pela sua incrível capacidade de estar por perto. Por me fazer rir tanto.

Obrigada meus amigos do CEFET, que me ensinaram a abraçar e amar as pessoas todos os dias e não cansar nunca.

Obrigada Fran, por ser uma mistura de sentimentos para mim, inclusive de que te conheço há algumas vidas. Você me ensina a cada dia, obrigada pelo carinho.

Obrigada Mila, por continuar me amando!

Obrigada Camila, por ao me encontrar pela UNISUL me passar uma vontade de me ver, verdadeira. Eu também sempre tenho vontade de ver você. Admiro-te.

Obrigada Babi, cada segundo ao seu lado é um presente. Sua amizade é uma paz. Obrigada por me deixar ser e você ser quem você é.

Obrigada Raquel, por se dividir comigo e eu ver muitas vezes em você, eu mesma. Obrigada Lingüiça, por ter deixado meus dias na UNISUL mais divertidos e por tantos momentos de companhia.

Obrigada Ká baiana, porque com você eu aprendi o quanto de sentimentos, amor e compaixão podem caber em um único coração.

Obrigada Pathy, por cada abraço, cada sorriso, cada palavra de carinho... por ter existido em minha vida. Você termina essa faculdade comigo.

Obrigada Ester por ter me mostrado que por trás de palavras duras e um abraço não dado existe um coração querendo ser amado e amar. Obrigada por me surpreender. Obrigada por ter me ajudado tanto esse ano com tudo. E por estar ao meu lado. Esse trabalho saiu com partes de você.

Obrigada Ary, por ser sempre tão doce. Vejo uma psicóloga maravilhosa!

Obrigada Tuize, por ter me proporcionado momentos de amizade quando eu já nem sabia o que era ter conversas sobre mim. Obrigada por dividir angustias e pelas risadas!

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Obrigada Marli, por ter dividido comigo sua vivência de ser mãe, esposa e mulher. Suas experiências me fazem pensar com carinho.

Obrigada Zete, por me mostrar que posso fazer o que gosto. Te admiro muito! Obrigada Betânia, por me ensinar o que é força. E por dividir comigo um pouquinho de você.

Obrigada Cayo, por brigar e mostrar sua voz junto com a minha. Você me ensinou muito. A ser irônica inclusive! Obrigada por ter me dado forças para realizar um sonho comigo e acreditar que sou capaz.

Obrigada Ranieri, por ser uma inspiração e sempre me receber com seu sorriso de abraço.

Obrigada à todos os meus amigos da faculdade, é com vocês que estou passando mais essa etapa!

Obrigada à todos meus amigos da dança que dançaram comigo e por isso sempre me deram alegrias!

Obrigada Lú e João, porque vocês se fazem presentes com muito carinho.

Obrigada Tia Arlete e Seu Carlos, por toda a ajuda nessa caminhada, chamada vida. Para mim hoje, vocês fazem parte do que considero família.

Obrigada ao meu chefe Júnior e à todos meu amigos de trabalho, pela compreensão, ajuda, e risadas. Apesar de ser a parte do dia mais enlouquecedora era a mais divertida também. Por causa de vocês tudo ficou mais engraçado.

Obrigada Anita, mais que uma especial coorientadora, minha facilitadora de potencialidades. Com você aprendo a cada encontro, mas aprendo mais ainda sobre mim. Essa caminhada à autenticidade está sendo possível através de você. Obrigada por me ajudar e pegar na minha mão nesse desafio que resolvi enfrentar, pois era o que eu queria, e hoje vejo como faz parte de mim. Sua ajuda, sua facilitação, sua atenção e carinho fizeram com que eu estivesse aqui hoje, finalizando/começando. Muito obrigada.

Obrigada Nádia, minha orientadora, sempre atenciosa e amável. Obrigada por ter aceitado com que eu realizasse esse tema, me dando espaço para ser eu mesma. Toda sua tranquilidade e confiança em mim me ajudaram para que eu conseguisse. Melhor orientadora. Muito obrigada.

Obrigada Maíra, por me ajudar direta e indiretamente nesse trabalho e na minha vida hoje.

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Obrigada Joana, por ter aceitado estar presente na minha banca. Sua participação é muito especial.

Obrigada Gabriel, por ter sido marcante na minha graduação e por estar presente na minha banca me acompanhando nesse final.

Obrigada Carol, por ter me ensinado muito sobre Psicologia, sobre ser professora, sobre ser psicóloga e sobre ser amiga. Com certeza durante toda a graduação você foi a professora mais especial para mim.

Obrigada à todos os professores que me acompanharam durante o curso, todos, contribuíram muito para minha formação como psicóloga e pessoa.

Obrigada aos participantes da minha pesquisa, que foram muito atenciosos e amáveis, esse trabalho só está escrito hoje por causa de vocês.

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Era uma prova dramática do que todos nós aprendemos – atrás das cortinas de silêncio e alucinação de uma fala estranha, hostilidade e indiferença, em cada caso existe uma pessoa e, se formos habilidosos e tivermos sorte, podemos atingir essa pessoa, e frequentemente, apenas por rápidos momentos, podemos ter uma relação direta de pessoa-para-pessoa com ela. Para mim, esse fato parece dizer alguma coisa sobre a natureza da esquizofrenia. Também diz alguma coisa sobre a natureza do homem e sua ânsia e seu medo de um profundo relacionamento humano. Parece dizer que os seres humanos são pessoas, quer os tenhamos rotulado de esquizofrênicos ou de outra coisa. (ROGERS, 1976, p.224).

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RESUMO

A saúde mental é um assunto emergente, uma vez que as redes de saúde mental no país continuam em desenvolvimento, e por esse motivo é importante a produção e renovação de conhecimentos sobre o tema. Verificando a escassez de pesquisas sobre a saúde mental na Abordagem Centrada na Pessoa – especificamente a psicose – pensou-se no tema desse trabalho de conclusão de curso. Dessa forma, essa pesquisa objetiva caracterizar a intervenção de psicólogos que atuam com pessoas com psicose a partir da Abordagem Centrada na Pessoa. Para que este objetivo fosse alcançado, foi realizada uma pesquisa exploratória de caráter qualitativo com delineamento estudo de caso. Foram participantes da pesquisa dois psicólogos que trabalham há mais de 20 anos com pessoas com psicose a part ir da Abordagem Centrada na Pessoa. Esses profissionais foram indicados por uma psicóloga da grande Florianópolis que atua a partir da mesma abordagem. Todos os contatos com os participantes foram realizados via e-mail, e desta forma foi enviado e respondido o questionário aberto, composto por três perguntas referentes aos três objetivos específicos delineados. Primeiramente os dados coletados foram categorizados a partir da técnica de análise de conteúdo, seguidos pela análise de acordo com o referencial teórico proposto. Constatou-se que esses profissionais não percebem a psicose como uma doença, mas um estado ou uma situação. Não são estabelecidos objetivos prévios no atendimento, uma vez que a pessoa atendida que dá a direção ao mesmo. O entendimento da linguagem da pessoa com psicose em psicoterapia é fundamental, bem como é importante o envolvimento da família e o uso de medicamentos. Os profissionais percebem como resultado do processo psicoterápico, que a pessoa cria novas relações com seu mundo e com os demais. Conclui-se que, o diagnóstico é secundário na intervenção psicológica, uma vez que a pessoa é colocada em primeiro plano. O envolvimento da família no que diz respeito ao atendimento psicológico com pessoas com psicose é importante para promover esclarecimentos e reflexões sobre familiar com psicose. O uso adequado de medicação é considerado importante, pois atua no alívio de sintomas. Quanto aos resultados da psicoterapia, os psicólogos pontuam que as pessoas com psicose passam a perceber seu mundo particular e fazer uma diferenciação entre seu mundo e o mundo do outro.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Percepção do psicólogo Belas acerca do conceito de psicose do ponto de vista

social, do indivíduo e da pessoa em atendimento. ... 53

Quadro 2 – Estratégias de intervenção a partir da percepção do psicólogo Belas. ... 57

Quadro 3 – Objetivos da intervenção a partir da percepção do psicólogo Belas. ... 58

Quadro 4 – Comunicação na intervenção a partir da percepção do psicólogo Belas. ... 59

Quadro 5 – Instrumentos da intervenção a partir da percepção do psicólogo Belas. ... 61

Quadro 6 – Relação psicólogo/pessoa na intervenção a partir da percepção do psicólogo Belas. ... 63

Quadro 7 – Família na intervenção a partir da percepção do psicólogo Belas... 64

Quadro 8 – Medicação na intervenção a partir da percepção do psicólogo Belas. ... 66

Quadro 9 – Resultados da intervenção a partir da percepção do psicólogo Belas. ... 69

Quadro 10 - Percepção do psicólogo Abel acerca do conceito de psicose do ponto de vista social, do indivíduo e da pessoa em atendimento. ... 71

Quadro 11 – Estratégias de intervenção a partir da percepção do psicólogo Abel... 74

Quadro 12 – Instrumentos da intervenção a partir da percepção do psicólogo Abel. ... 75

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SUMÁRIO AGRADECIMENTOS ... 4 RESUMO ... 9 1 INTRODUÇÃO ... 3 1.1PROBLEMÁTICAEJUSTIFICATIVA ... 4 1.2OBJETIVOS ... 13 1.2.1 Objetivo Geral ... 13 1.2.2 Objetivos Específicos ... 13 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ... 14 2.1PSICOSE... 14

2.1.1 Considerações sobre o conceito de psicose ... 14

2.1.2 Psicose e a sociedade ... 18

2.3ABORDAGEMCENTRADANAPESSOA ... 25

2.3.1 Conceitos e processos importantes ... 25

2.3.2 Psicose na Abordagem Centrada na Pessoa ... 34

2.3.3 Intervenção na Abordagem Centrada na Pessoa ... 37

3 MÉTODO ... 44

3.1TIPODEPESQUISA ... 44

3.2PARTICIPANTES ... 44

3.3EQUIPAMENTOSEMATERIAIS ... 45

3.4SITUAÇÃOEAMBIENTE ... 45

3.5INSTRUMENTODECOLETADEDADOS ... 45

3.6PROCEDIMENTOS ... 46

3.6.1 Seleção dos participantes ... 46

3.6.2 Contato com os participantes... 47

3.6.3 Coleta e registro de dados ... 48

3.6.4 Organização, tratamento e análise de dados ... 49

4 APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ... 51

4.1BELAS E SUA CONTRIBUIÇÃO ACERCA DA INTERVENÇÃO COM PESSOAS COM PSICOSE ... 51

4.1.1 Conceito de psicose apresentado por Belas ... 52

4.1.2 Estratégia de Intervenção apresentadas por Belas ... 56

4.1.3 Resultados da intervenção com pessoas com psicose apresentados por Belas ... 68

4.2 ABEL E SUA CONTRIBUIÇÃO ACERCA DA INTERVENÇÃO COM PESSOAS COM PSICOSE ... 70

4.2.1 Conceito de psicose apresentado pelo psicólogo Abel ... 71

4.2.2 Estratégia de Intervenção com pessoas com psicose apresentadas pelo psicólogo Abel... 73

4.2.3 Resultados na psicoterapia com pessoas com psicose apresentados pelo psicólogo Abel... 75

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 78

REFERÊNCIAS ... 81

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APÊNDICE A ... 88

APÊNDICE B ... 92

APÊNDICE C ... 95

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1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como objetivo, caracterizar o processo de intervenção de psicólogos que atuam a partir da Abordagem Centrada na Pessoa com pessoas com psicose. Este projeto de pesquisa foi desenvolvido na disciplina Trabalho de Conclusão de Curso I (TCC I), da nona fase do curso de Psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. A pesquisa está vinculada à disciplina do Núcleo Orientado em Psicologia e Saúde, por meio do estágio curricular no CAPS II (Centro de Atenção Psicosocial) em Palhoça/SC.

O tema desta pesquisa surgiu do interesse da pesquisadora em conhecer melhor como pode ser a intervenção com pessoas com psicose de acordo com a Abordagem Centrada na Pessoa, sendo que a pesquisadora estagia em um CAPS, onde pessoas com psicose são atendidas. O interesse por este tema surgiu a partir da junção entre uma perspectiva teórica do humanismo, que desde a quinta fase do curso de Psicologia chama a atenção da pesquisadora, e a intervenção com pessoas com psicose, pessoas essas que lida em seu local de estágio.

Neste contexto, é apresentada no corpo deste trabalho a problemática do assunto, assim como as relevâncias social e científica e a explanação dos objetivos da pesquisa. Na fundamentação teórica é apresentado dois subcapítulos referentes à psicose. O primeiro retrata as considerações sobre o tema psicose. São apresentados brevemente, o histórico e duas perspectivas principais sobre a psicose: da psiquiatria e da fenomenologia. Como segundo ponto da fundamentação teórica é problematizada a questão da desinstitucionalização da pessoa com sofrimento psíquico. São expostas questões sobre a Reforma Psiquiátrica brasileira, bem como suas implicações quanto à participação dos atores envolvidos no processo terapêutico da pessoa com sofrimento psíquico. O segundo capítulo contempla três subcapítulos sobre a Abordagem Centrada na Pessoa, um que explana conceitos importantes da Abordagem, outro que descreve como a psicose é entendida por essa Abordagem e o terceiro e último discute brevemente a intervenção da Abordagem Centrada na Pessoa dando ênfase a intervenção com pessoas com psicose. É então explicada a metodologia adotada. Em seguida são explanadas as categorizações dos dados encontrados através da pesquisa, articuladas com o conhecimento científico sobre a temática. São discutidos os seguintes aspectos: conceito de psicose, intervenção com pessoas com psicose e resultados da intervenção com pessoas com psicose. Por último, são apresentadas as considerações finais, com sugestões para novas pesquisas e conclusões decorrentes do estudo realizado.

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1.1 PROBLEMÁTICA E JUSTIFICATIVA

Qual o olhar da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) sobre uma pessoa com psicose? Como é a relação terapêutica entre um psicólogo da ACP e uma pessoa com psicose? Quais intervenções esse profissional pode realizar em atendimento psicoterapêutico com pessoas com psicose? Tais perguntas podem surgir de alunos ao longo da graduação de psicologia e de outros profissionais que tenham contato com a saúde mental. Essas perguntas existem e parecem ainda não ser suficientemente respondidas a partir da literatura científica existente. Respostas a essas perguntas poderiam dar maior amplitude e visibilidade sobre as intervenções do psicólogo com pessoas com psicose.

O modo de entender a psicose sofreu mudanças ao longo da história humana. Inicialmente o louco era conhecido como o “possuído”. Existia uma significação religiosa na qual a pessoa era ignorada, sendo aprisionada nessas concepções místicas. Quando a medicina começou a apresentar-se como detentora de conhecimento, passou-se a considerar esse “possuído” como uma pessoa doente. Nesse momento, o pensamento positivista da medicina da época manifestava-se (FOUCAULT, 1975), sendo considerado que o único pensamento verdadeiro é o científico e comprovado de forma concreta.

Foucault (1975) aponta que a loucura tem uma mistura de compreensões. Desde a medicina grega ela já era entendida também como patologia, e na Idade Média, existiam hospitais que abrigavam jaulas reservadas aos loucos considerados curáveis. No fim do século XV, segundo o autor, a loucura era tão temida quanto a morte. Na época do Renascimento, ocorreu a valorização da loucura nas artes, na literatura e no teatro. Neste período, esse fenômeno circulava livremente pela sociedade, pois a loucura passa a ser mais exaltada do que dominada.

Posteriormente, foram construídos estabelecimentos de internação para os marginalizados da sociedade: os loucos, os velhos e inválidos pobres, mendigos e desempregados, portadores de doenças venéreas, criminosos, etc.. (FOUCAULT, 1975). Esses hospitais gerais não tinham a intenção de tratar essas pessoas, mas sim, o intuito de separá-las do convívio social, por não serem produtivas. Na história, como afirma Foucault (1975), há um período de silêncio, em que a loucura não é tão referenciada. Sabe-se, no entanto, que nos internamentos, nos hospitais gerais, atribuem ao louco, culpas morais, “todos aqueles que, em relação a ordem da razão, da moral e da sociedade, dão mostras de

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„alteração‟” (FOUCAULT, 1975, p. 54). Esse período de exclusão de várias pessoas da sociedade logo é posto em revolta por conta do advento da industrialização. Aos poucos, as casas que antes abrigavam todas as pessoas excluídas socialmente, foram transformando-se em casas apenas para loucos.

Nesse momento em que a loucura passa a ser motivo de internação em casas próprias para este fim, a medicina da doença mental aparece com força: a psiquiatria. Médicos como Pinel e Tuke disseminam os tratamentos morais ininterruptos, nos quais os loucos eram submetidos a técnicas cruéis numa tentativa de controle e disciplinamento, pautados em uma ciência positivista. Buscava-se a cura da loucura através da implantação da culpa moral e da humildade nas pessoas consideradas loucas. (FOUCAULT, 1975). Sendo assim, o corpo dessas pessoas submetidas a esses tratamentos não os pertencia mais, pois esse tratamento era feito através desse corpo sem privacidade, por meio de agressões, humilhações, castigos e ameaças. Aqui se deixa para trás a pessoa, seus desejos, suas paixões, o que ela é, e prega-se o isolamento e a despersonalização.

Percebe-se que nesse período da história, referenciado até então, predomina o modelo biomédico, no qual a saúde é entendida apenas na relação médico/paciente, sendo o médico o detentor do conhecimento, que percebe a saúde como ausência de doença. A saúde aparece nos momentos em que ela se encontra fragilizada por um adoecimento e então foca-se o tratamento para a remoção da doença. Esse processo é embasado no modelo mecanicista, no qual a pessoa é percebida como uma máquina e quando em doença investigam-se as partes dessa máquina e quais substâncias podem estar faltando. Nessa perspectiva, a doença é investigada e busca-se a sua cura. Pode-se perguntar: quais as conseqüências dessa concepção sobre o processo de ser pessoa, ou seja, agir de acordo consigo mesmo, quando esta está submetida em um modelo que prioriza o adoecimento e a busca pela cura?

O modelo biomédico passou a ser percebido como insuficiente quando algumas manifestações dos sujeitos passaram a extrapolar as questões biológicas, e os médicos ficaram sem algumas respostas. Começaram, então, a considerar os aspectos subjetivos e sociais como fazendo parte do processo de adoecimento. Essa percepção muda principalmente do conceito de saúde elaborado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que definiu, em 1946, saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças”. (KUJAWA, BOTH, BRUTCHER, 2003, p. 13). Portanto, saúde passa a abranger vários aspectos da vida das pessoas, bem como entender que é um processo que não se restringe ao adoecer, mas também à prevenção e promoção da saúde.

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Essa mudança no conceito de saúde teve grande repercussão na história da loucura, a qual chega à Reforma Psiquiátrica. Com o surgimento do Sistema Único de Saúde (SUS), conquista da Reforma Sanitária1, abre-se outras possibilidades de pensar saúde, a partir de um novo conceito de saúde que preconiza a integralidade, acessibilidade e igualdade nos serviços à população (LEMOS; CAVALCANTE JR., 2009). Este novo conceito visa proporcionar saúde através da promoção de saúde e prevenção, recuperação, reabilitação e alívio de sintomas ou doenças, entendendo saúde em seu sentindo amplo e abandonando o conceito dicotômico de saúde envolvendo cura/doença. (KUJAWA, BOTH, BRUTSCHER, 2003).

Em busca de outras modificações do sistema de saúde vigente, a Reforma Psiquiátrica sucederá a Reforma Sanitária. Segundo Lemos e Cavalcante Jr. (2009, p.234), a Reforma Psiquiátrica surge em contraposição à redução do sujeito “à condição de objeto” e às intervenções que parecem mais promover o adoecimento do que promover saúde e cidadania. Para redesenhar essa realidade no contexto da Saúde Pública, surgem também os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), como novo modelo de assistência à saúde mental, nos quais ocorrem as intervenções e articulações, de maneira multidisciplinar, com as pessoas em sofrimento psíquico grave. Entre os profissionais que compõem a equipe do CAPS, está o psicólogo, que exerce um dos papéis fundamentais nas intervenções. Nesse espaço, o psicólogo pode construir seu lugar na saúde pública, abrindo portas para a coletividade, para o social.

A partir dessas novas formas de pensar saúde, novas intervenções devem ser realizadas. As equipes de saúde passaram então a ser multiprofissionais, ou seja, compostas por outros profissionais além dos médicos e enfermeiros, entre eles, os psicólogos. De acordo com a nova forma de olhar para a saúde humana, a equipe deve trabalhar em conjunto, não apenas sendo multidisciplinar, mas trabalhando interdisciplinarmente, ou seja, promovendo ações e tomando decisões em conjunto em relação às pessoas e a comunidade atendida. Essa forma de organização das equipes de saúde vai ao encontro do novo conceito de saúde, pois se o sujeito é percebido em diversos aspectos de sua vida. Portanto, não basta apenas um profissional para tratá-lo, mas vários profissionais que juntos possam compreender a pessoa em sofrimento.

1

O movimento da Reforma Sanitária aparece num contexto no qual o Brasil estava em meio a epidemias e em uma lógica hospitalocêntrica em que o governo visava o aumento dos lucros através da busca por saúde em hospitais. A Reforma Sanitária traz a concepção de saúde como qualidade de vida e é direito de todos os cidadãos. (KUJAWA; BOTH; BRUTSCHER, 2003)

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Bacellar, Michel e Flôr (2010) apresentam a Abordagem Centrada na Pessoa não apenas como uma vertente psicológica, mas como modo de ser, o que parece ir de encontro com essa nova forma de lidar com a saúde. As autoras afirmam que uma das dificuldades de trabalhar de maneira interdisciplinar está vinculada à relação entre pessoas, entre os profissionais, pois requer deles uma tolerância e abertura sobre o que os colegas de trabalho concebem e fazem a respeito das pessoas atendidas e da sociedade, sendo essas visões por vezes diferenciadas. A Abordagem Centrada na Pessoa propõe um jeito de ser com “atitudes consideradas positivas incondicionais, empáticas e autênticas, uma postura centrada na pessoa, que considera positiva e incondicionalmente qualquer manifestação do outro, construindo relações permeadas por uma escuta incondicional e uma abertura para o outro.” (p.8)

Vale destacar que a Abordagem Centrada na Pessoa entende que, de acordo com Lemos; Cavalcanti Jr. (2009), quando em doença, a pessoa se apresenta presa em um modo de existir no qual embota seu processo de tornar-se pessoa através da tendência atualizante, essa não aparecendo por conta do distanciamento da responsabilidade de ser. A tendência atualizante é entendida por Rogers (1983, p.40) como “um fluxo subjacente de movimento em direção à realização construtiva das possibilidades que lhe são inerentes.” Essa tendência inerente ao ser humano o move em direção ao desenvolvimento complexo, como que um impulso natural em direção ao aperfeiçoamento (ROGERS, 1983), e principalmente indo em direção às potencialidades da pessoa, ou seja, a favor dela mesma.

Nesse sentido, a atuação do profissional necessita ser direcionada à sensibilidade de perceber as potencialidades do indivíduo para facilitar que ele entre num processo de conhecimento de si, fortalecendo assim suas potencialidades de melhora, ou seja, o profissional terá o foco na positividade. (LEMOS; CAVALCANTI JR., 2009). A abordagem Centrada na Pessoa, parece ir de encontro com o novo conceito de saúde que se preconiza nos sistemas de saúde nacionais: olhar para a pessoa com sua singularidade, sem a procura da cura, mas do bem estar, visto pela ótica da pessoa e não pela ótica dos profissionais ou da sociedade acerca do que seja bem estar ou saúde, como anteriormente na época da loucura.

Na Abordagem Centrada na Pessoa se pode entender a singularidade da percepção que a pessoa tem de si e do mundo, ou seja, cada pessoa entende a vida do seu jeito e essa é sua singularidade. Sendo que cabe à ela dizer que jeito é esse e não ao psicólogo através das suas teorias e interpretações. Rogers (198, p.39) diz que

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se as pessoas são aceitas e consideradas, elas tendem a desenvolver uma atitude de maior consideração em relação a si mesma. Quando as pessoas são ouvidas de modo empático, isto lhes possibilita ouvir mais cuidadosamente o fluxo de suas experiências internas. Mas à medida que uma pessoa compreende e considera o seu eu, este se torna mais congruente com suas próprias experiências. A pessoa torna-se então mais verdadeira, mais genuína.

Apesar de não ter sido Rogers quem elaborou as teorias sobre novas formas de olhar a saúde e a loucura, seus escritos, como se pode perceber, apontam para um processo da forma em que está sendo discutido, e por isso parece interessante entender como é realizada a intervenção na saúde por meio da Abordagem Centrada na Pessoa e mais especificamente na saúde mental, com pessoas com psicose.

Vale frisar que o positivismo da medicina na época de Pinel, por exemplo, até antes da Reforma Psiquiátrica, privava as pessoas consideradas doentes mentais de sua singularidade, como se nem mesmo o seu próprio corpo as pertencesse (FOUCAULT, 1975; AMARANTE, 2009) dessa forma, as pessoas eram todas tratadas do mesmo jeito, pois eram consideradas loucas, não possuindo um tratamento diferenciado conforme suas singularidades. A partir da Reforma Psiquiátrica e desses novos espaços terapêuticos, passa-se a ter como proposta, olhar para o sujeito com suas características particulares, um corpo seu (REVERBEL, 1996), uma personalidade sua; olhar para sua singularidade (BRASIL, 2004), enfim, concebê-la como pessoa.

Rogers (2009, p.123) fundamenta que a pessoa busca se tornar cada vez ela mesma, “começa a derrubar as falsas frentes, ou as máscaras, ou papéis, com as quais encarou a vida. Parece estar tentando descobrir algo mais básico, algo mais verdadeiramente ela mesma.” O autor chama esse processo de tornar-se pessoa, conceito esse que faz parte da teoria da Abordagem Centrada na Pessoa. Frequentemente as pessoas descobrem que só existem em “resposta às exigências dos outros, que parece não ter nenhum eu próprio, e que está somente tentando pensar, e sentir e se comportar de acordo com a maneira que os outros acreditam que deva pensar, e sentir e se comportar” (ROGERS, 2009, p.124). O mesmo autor ainda afirma que essa uma experiência perturbadora, mas quando a pessoa encontra “liberdade para pensar, sentir e ser, o indivíduo se volta para tal meta” (ROGERS, 2009, 125), tornar-se ele mesmo. Esse conceito de tornar-se pessoa, além de ter forte relação com valorizar o ser humano em sua singularidade, vai ao encontro do conceito de autonomia que hoje fundamenta o trabalho nas redes de saúde mental brasileiras. O termo autonomia aparece em diversos momentos no documento do Ministério da Saúde (2010) sobre os Centros de Atenção Psicossociais, espaços que atendem a demanda de saúde mental pública. Há trechos

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nos documentos que indicam que esses espaços devem promover a autonomia das pessoas que buscam esse serviço para a “reconstrução de laços sociais, familiares e comunitários” (BRASIL, 2010, p. 27). Para isso, a pessoa precisa passar pelo processo de tornar-se ela mesma, sendo autônoma e não dependendo do outro para dizer como deve ser e sentir. (ROGERS, 2009). Dessa forma, a abordagem centrada na pessoa parece poder contribuir no campo da saúde mental.

Por meio da Reforma Psiquiátrica, baseada nos preceitos do SUS, tem-se espaço para pensar essas pessoas consideradas loucas como humanas, através da Política Nacional de Humanização (2004), por exemplo. Com base nessas políticas e preceitos, é possível conceber outra forma de olhar a pessoa com sofrimento psíquico, considerando-a como uma pessoa com suas características únicas que necessitam devem ser valorizadas.

Essas mudanças na forma de olhar o ser humano, pensando-o como pessoa, podem ocorrer através dos profissionais que têm contato com as pessoas em sofrimento psíquico. De acordo com Martins (2004, p.22), “a atividade assistencial não pode ocupar-se de seres humanos como se não o fossem. Seres humanos são tanto os clientes como os profissionais, ou seja, ambos têm necessidades, desejos, medos, carências.” Os profissionais quando intervém com uma pessoa, em qualquer campo ou atividade de trabalho, podem se portar e ter uma forma de lidar com o outro de modo que a pessoa atendida se sinta tratada como uma igual (pessoa), ou ainda como um objeto ou uma pessoa inferior. Martins (2004) apresenta em sua obra que é importante considerar a aliança terapêutica do profissional com o cliente no processo de humanização no atendimento das redes de saúde,

A “aliança terapêutica” é um elemento fundamental, que deve existir no vínculo profissional-cliente, como propulsora de um bom atendimento. A técnica, por mais aprimorada que seja, tenderá a ser inócua ou alienante, se não for veiculada por uma boa relação profissional-cliente. (BALINT, 1988, apud MARTINS, 2004, p. 35).

Para a Abordagem Centrada na Pessoa, segundo Rogers (1977), existem dois pontos que são importantes na atuação de um psicólogo: a formação, ou seja, o conhecimento técnico e os atributos pessoais desse profissional. O autor destaca esse último ponto, pois em sua teoria, a relação entre o psicólogo e a pessoa em atendimento, que é pautada nos atributos pessoais do profissional é fundamental para a intervenção. Portanto, é importante que o profissional tenha atributos pessoais que direcionem sua prática em um sentido humanizador, mantendo uma relação de pessoa para pessoa e não uma relação de superioridade enquanto profissional detentor de saber. Segundo Rogers (2009), a pessoa precisa, de um espaço, de

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uma relação na qual se sinta segura e livre e essa sensação virá da relação que o profissional e a pessoa em atendimento estabelecerão. As intervenções de acordo com a Abordagem Centrada na Pessoa parecem corroborar as diretrizes de saúde que estão sendo estabelecidas pelas políticas públicas, sendo pertinentes os questionamentos: será que as intervenções a partir da ACP ocorrem nessa perspectiva? Que características tem essas intervenções?

Cabe ressaltar que o processo da Reforma Psiquiátrica ainda está em andamento. Dados do Ministério da Saúde (2010) apresentam que no Brasil existem 1541 CAPS, 564 residências terapêuticas, 860 ambulatórios públicos de Saúde Mental e 2568 leitos psiquiátricos do SUS em Hospitais Gerais. Esses números representam os locais de serviços disponíveis que pessoas em grave sofrimento psíquico podem procurar, mas ainda assim percebe-se que é apenas um início, pois a realidade apresenta filas de espera, citadas, por exemplo, por Rietra (1999), Dimenstein; Liberato (2009) e Veras (2007), e Hospitais Psiquiátricos ainda sendo necessários (GONÇALVES; SENA, 2001; DIMENSTEIN, et al., 2005; SOARES; SAEKI, 2006). Esses dados parecem indicar que é grande a demanda em saúde mental no país.

Além disso, de acordo com o Ministério da Saúde, no Sistema de Informações Hospitalares do SUS, em pesquisa no período de fevereiro de 2011, houve 22.191 internações, no Brasil, de pessoas com transtornos mentais e comportamentais, ou seja, é grande o número de pessoas em sofrimento psíquico intenso, inclusive pessoas com psicose. Este fenômeno (a psicose) parece presente de forma viva em nossa sociedade e merece ser estudado, inclusive as intervenções possíveis.

Parece importante retomar que, o conceito de psicose apresenta variações ainda hoje, sendo que uma delas é da psiquiatria, que embasa os dados do Ministério da Saúde, que apresenta:

A definição mais estreita de psicótico está restrita a delírios ou alucinações proeminentes, com as alucinações ocorrendo na ausência de insight para sua natureza patológica. [...] Finalmente, o termo foi conceitualmente definido como uma perda dos limites do ego ou um amplo prejuízo no teste de realidade (DSM IV TR, 2002, p.263).

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Silva (2001, p.20) apresenta várias perspectivas possíveis para o tratamento de pessoas com psicose dependendo da forma como esta é compreedida2:

para a Psiquiatria Clínica, cujo objeto de estudo é a doença mental, a intervenção por via medicamentosa constitui-se na via régia para a terapêutica que consiste na eliminação dos sintomas; para a Psicanálise, que parte do conceito de psicose, o tratamento consiste na busca do sentido do sintoma, de modo que a construção do delírio - mal a ser estirpado segundo a perspectiva psiquiátrica - passa a ser o objetivo a ser atingido como possibilidade de cura. Já a perspectiva filosófica impõe que se compreenda o lugar social atribuído à loucura ao longo da história, levando a considerar as práticas de dominação da loucura e dos loucos como estratégias de aniquilamento e de exclusão de algo que é essencialmente humano.

Entende-se a partir do exposto que dependendo da maneira de olhar a psicose, as maneiras de tratamento serão diferentes nas diversas áreas que lidam com a saúde mental. É importante ressaltar que essas diferenciações acontecem na Psicologia e suas diferentes abordagens, as quais percebem o homem de maneira diferente e por isso tem diferentes vertentes de tratamento psicológico.

A perspectiva psicológica que apresenta mais frequentemente pesquisas em revistas científicas indexadas, relacionadas à psicose é a Psicanálise (FREIRE, 1999; BRAUER, 2000; PEQUENO, 2002; GOIDANICH, 2003; HERRMANN, 2004; LACET, 2004; FRANCO, 2005; SANTI, 2004; TOLEDO, 2004). O conceito de psicose nessa perspectiva é o que se assemelha ao da psiquiatria: “implicam um processo deteriorativo das funções do ego, a tal ponto que haja, em graus variáveis, algum sério prejuízo do contato com a realidade. É o caso, por exemplo, das diferentes formas de esquizofrenias crônicas” (ZIMERMAN, 1999, p. 227).

Outros autores com outras perspectivas manifestam sua forma de olhar sobre a psicose, por exemplo, Müller-Granzotto, Müller-Granzotto (2008); Pereira (2008); Carvalho, Costa (2010); Canedo (1996) embasados na teoria da Gestalt-terapia e Santos (2006); Schneider (2009), embasados na teoria Existencialista. Duas perspectivas que tem como base a fenomenologia.

Dentro dessas abordagens ainda pouco divulgadas em meios científicos (revistas indexadas) encontra-se a Abordagem Centrada na Pessoa, criada por Carl Rogers. Parece haver escassez de informações de como é entendida a psicose a partir dessa perspectiva, bem como de quais são as intervenções feitas, apesar de existirem alguns autores com pesquisas

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Apesar do termo psicose ser usado na teoria psicanalítica, segundo Silva (2001), optou-se por usar o termo com mais frequência nessa pesquisa por ser também uma forma de a Psicologia de maneira geral referenciar uma pessoa que apresenta delírios e alucinações numa desorganização psíquica.

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sobre isso como, por exemplo, Messias, Cury (2006) e Diniz (2001). A última autora disserta, por exemplo, acerca das dificuldades em perceber de forma teórica e prática a atuação do psicólogo, que tem como perspectiva a Abordagem Centrada na Pessoa, na clínica das psicoses. Em seu estudo, a autora realizou entrevistas que tinham como objetivo problematizar a experiência desses profissionais em sua atuação no campo da psicose. Já Messias e Cury (2006) apresentam o conceito de experienciação como recurso que cabe na intervenção de pessoas com psicose.

Através de buscas sobre estudos da psicose referentes à perspectiva Centrada na Pessoa, pode-se perceber que as discussões existem, apesar de escassas, mas circulam em meios de divulgação da própria abordagem, como sites da ACP3 e livros vendidos em encontros da ACP (KLÖCKNER, 2010).

Conclui-se que, normalmente a intervenção e a conceituação de psicose é divulgada cientificamente pelo olhar psicanalítico, ainda que outras teorias também discorram sobre isso. Por conseqüência, limita as possibilidades de intervenção, pois se as pesquisas baseiam-se na maior parte das vezes pela psicanálise, limitando a possibilidade de novas perspectivas para intervir em pessoas com psicose. Existem, como apresentado anteriormente, diversas formas de perceber a pessoa, e quando se olha apenas por uma perspectiva reduz-se as possibilidades de intervenção.

Portanto, verifica-se a necessidade de novos estudos a partir de diferentes abordagens, para ampliar conhecimentos e possibilidades para a atuação de psicólogos com pessoas com psicose. Conhecimento esse que necessita extrapolar espaços específicos das abordagens, possibilitando maior visibilidade sobre o próprio fenômeno e intervenções possíveis com esses sujeitos para análise de estudantes e profissionais de psicologia a fim de elucidar cada vez mais o fenômeno em questão. Estudar o conceito de psicose e as possíveis intervenções, inclusive a partir da ACP, amplia possibilidades de alternativas de intervenções psicológicas junto às pessoas com psicose.

Diante de todo o exposto parece relevante pesquisar: “Quais as características do processo de intervenção de psicólogos que atuam a partir da Abordagem Centrada na Pessoa com pessoas com psicose?”

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1.2 OBJETIVOS

1.2.1 Objetivo Geral

Caracterizar o processo de intervenção de psicólogos que atuam a partir da Abordagem Centrada na Pessoa com pessoas com psicose.

1.2.2 Objetivos Específicos

 Conceituar psicose na percepção de psicólogos que atuam a partir da Abordagem Centrada na Pessoa.

 Caracterizar quais as estratégias de intervenção utilizadas por psicólogos que atuam a partir da Abordagem Centrada na Pessoa na intervenção de pessoas com psicose.

 Identificar os resultados que ocorreram com as pessoas com psicose em tratamento com psicólogos da Abordagem Centrada na Pessoa, na percepção desses profissionais.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 PSICOSE

2.1.1 Considerações sobre o conceito de psicose

A loucura – uma das denominações da psicose - foi entendida de diversas maneiras ao longo da história. Ao final do século II d.C a loucura pode ser vista de três formas:1) causada pelos deuses, 2) como produto dos conflitos dos homens – imposta pelos deuses ou não e 3) como efeito de disfunções somáticas ligadas a aspectos afetivos. Esses três enfoques são modelos conceituais da loucura, que se apresentavam da época de Homero a Galeno. (PESSOTTI, 1995).

Na época do Renascimento a loucura era vista predominantemente como diabólica, como possessão demoníaca. Papas, bispos e padres eram as pessoas que faziam as intervenções em busca da “cura” dessas pessoas acometidas pelo demônio. Nesta época, a loucura ainda era vista de forma mística e não como uma “doença mental”. (PESSOTTI, 1995).

Em sua obra, Pessotti (1995), contempla um exame da loucura a partir século XVII em que começam a surgir conhecimentos médicos sobre a mesma. Nesse século, essa passa a ser uma doença como todas as outras, sendo dessa forma, naturalizada e medicalizada. O conceito de loucura como possessão demoníaca entra em desuso, contribuindo para a construção do conceito de doença mental.

Com o passar do tempo foram produzidos estudos sobre a doença mental a partir dos quais surge a ciência chamada psicopatologia, que segundo o Dicionário de Psicologia (DORON; PAROT, 202, p.634),

tem como objeto as condutas patológicas, e como objetivo descrever seu funcionamento, sua gênese e seus processos, permitindo sua mudança. Como ramo da psicologia, a psicopatologia baseia-se no conhecimento do funcionamento normal para depreender, descrever e analisar esses comportamentos patológicos.

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De acordo com Assumpção Jr. (1993), o termo psicose passa a ser utilizado em 1845 por Feuchtersleben, psiquiatra austríaco, com a finalidade de descrever os distúrbios mentais ou de personalidade. Nesse período, a psicose é entendida fundamentalmente como orgânica, principalmente remetida à estrutura cerebral, para médicos como Maudsley (s/ano apud ASSUMPÇÃO JR, 1993).

Seguindo essa linha de pensamento, começa-se a descrever minuciosamente as síndromes mentais, tendência dos psiquiatras Pinel e Esquirol na primeira metade do século XIX. Kraepelin, psiquiatra alemão, por exemplo, dedicou-se a aspectos descritivos das psicoses utilizando-se de histórias clínicas, porém ainda não considerando aspectos psicológicos, como afirma Assumpção Jr. (1993). O mesmo autor ainda ressalta que mesmo com um processo lógico na construção do conceito de psicose ele permanece vago.

Vários outros autores constroem ao longo história, conceitos sobre a psicose. Assumpção Jr. (1993) traz alguns, tais como: Despert, Anibal Silveira, Michaux, Hinsie, Bradley, Mira y Lopes e Winnicot. Assumpção Jr. (1993, p.14) observa que existe um aspecto comum entre os conceitos desses autores, qual seja, uma “perturbação qualitativa da capacidade de perceber o mundo externo e interno, com uma consequente modificação da conduta”.

No decorrer dos estudos sobre doenças mentais, foi criado o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), para os profissionais da saúde mental, o qual contém os critérios diagnósticos para os diferentes transtornos mentais. Sua última versão é o DSM IV TR de 2000. Nesse manual encontram-se conjuntos de critérios diagnósticos descritos de forma breve, incluindo os diagnósticos dos chamados transtornos psicóticos.

O conceito de psicose, segundo o DSM-IV-TR (2002, p.303) é variável conforme a presença de certos sintomas, e, por isso, variável conforme as categorias diagnósticas. Na Esquizofrenia, no Transtorno Esquizofreniforme, no Transtorno Esquizoafetivo e no Transtorno Psicótico Breve, “o termo psicótico refere-se a delírios, quaisquer alucinações proeminentes, discurso desorganizado ou comportamento desorganizado ou catatônico”. No Transtorno Psicótico Devido a uma Condição Médica Geral e o Transtorno Psicótico Induzido por Substâncias, o termo “psicótico refere-se a delírios ou apenas aquelas alucinações que não são acompanhadas de insight”. Por último no Transtorno Delirante e no Transtorno Psicótico Induzido, o termo “psicótico equivale a delirante”.

No Compêndio de Psicopatologia de Sadock e Sadock (2007, p.508), os autores não definem a psicose, mas caracterizam cada transtorno que está incluído nessa categoria,

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sendo o transtorno mais especificado dentre as psicoses, a esquizofrenia. Esses autores trazem a história desse transtorno, e citam os “sintomas fundamentais” de acordo com Bleuler, psiquiatra que cunhou o termo esquizofrenia,

[...] Estes sintomas incluíam perturbações associativas, especialmente frouxidão, perturbações afetivas, autismo, ambivalência, resumidos como os quatro As: associações, afeto, autismo e ambivalência. Também identificou aqueles que Kraepelin considerava os principais indicadores de demência precox: alucinações e delírios (SADOCK; SADOCK, 2007, p.508).

Os manuais diagnósticos dissertam sobre categorias diagnósticas e características sintomatológicas, parecendo não considerar aspectos subjetivos e psicológicos das pessoas que apresentam grave sofrimento psíquico. Quinet (2006, apud KOERICH, 2010, p.15)

posiciona-se frente aos manuais diagnósticos (CID, DSM e Classificação Internacional de Doenças), como “ateóricos”, que servem como descrição compartilhada entre todos os psiquiatras do mundo (...) . Refere-se ainda aos manuais como auxílio para um diagnóstico prático e útil, que serve para comparar a eficácia terapêutica e tornar-se uma coletânea estatística.

Assumpção Jr. (1993) cita em seu texto também autores fenomenológicos que abordam o tema mostrando que existem outras possibilidades de entendimento da psicose, tais como a de Jaspers, que considera as psicoses como “transformações psicológicas anormais que se apresentam a partir de uma vivência” (JASPERS, 1977 apud ASSUMPÇÃO JR., 1993, p. 15). Jaspers (1997), afirma que cada pessoa com esquizofrenia tem um mundo singular, diferenciado de outras pessoas com esse transtorno. A partir desse exposto pode-se perguntar: não seria importante que o profissional pudesse tentar compreender o mundo vivencial de pessoas com psicose para além do diagnóstico?

A psicose é percebida, à luz da psicopatologia, por meio dos sintomas característicos dela, principalmente pela presença de alucinações e delírios. Porém, a psicologia, através de diferentes perspectivas teóricas, entre elas, as com base fenomenológica, pode entender as manifestações psicopatológicas de outras formas.

Laing (1991), como analista existencial, traz em sua obra uma das formas possíveis de entender a psicopatologia através dos estudos fenomenológicos. O autor considera que, de nada adianta um psiquiatra saber todas as características diagnósticas e não

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entender que mais do que sintomas de uma doença, a pessoa está expressando sua existência e querendo ser ouvida.

Impossível deixar de ver a pessoa de um modo ou de outro e situar nossas elaborações ou interpretações sobre o seu comportamento tão logo entramos com ele em relacionamento. Isto se dá mesmo no caso negativo de nos encontrarmos detidos ou embaraçados por uma falta de reciprocidade da parte do paciente, quanto sentimos que não há ninguém ali para reagir à nossa aproximação. (LAING, 1991, p.32).

Laing (1991) retoma o exemplo de um interpretador de hieróglifos, sendo Dilthey o que mais se destaca em sua época. Ele considera que, mesmo que se analise as características dos traços e se leve em conta o passado, o “nexo sócio-histórico”, deve-se levar em consideração a relação entre tradutor e escrito, considerando a empatia, ou seja, colocar-se no lugar do outro para poder entendê-lo. A partir dessa ilustração, faz uma analogia com a interpretação da psicose, afirmando que a psiquiatria também tenta fazer uma “análise formal” da fala e do comportamento da pessoa que busca atendimento. No entanto é necessário transcender a idéia de um passado estático, ampliando a compreensão do sentido dos sintomas na vida da pessoa. De acordo com Laing (1991, p.33), “nossa visão do outro depende da boa vontade em convocar todas as forças de todos os aspectos de nós mesmos no ato da compreensão”.

O autor em questão, ainda destaca que, quando o psiquiatra observa a pessoa que está sendo atendida buscando sintomas da doença, ou ainda, quando busca explicar seu presente com um passado “imutável”, o médico está impondo categorias de pensamentos suas e dificilmente entenderá o que a pessoa está lhe querendo comunicar. (LAING, 1991, p.33).

Parece que Laing (1991) expressa, em sua visão fenomenológica, a importância da relação entre pessoa em sofrimento e quem a está atendendo. O profissional necessita considerar o que a pessoa busca comunicar-lhe, ao invés de classificá-la de acordo com manuais diagnósticos em características fixas, considerando um passado estático para explicar o presente. A partir dessa perspectiva, é possível pensar que o profissional necessita estar disposto a entender a pessoa através do que tenta expressar, e “possuir versatilidade para transportar-se a uma visão estranha e talvez alienada do mundo. Nesse ato apela para suas possibilidades psicóticas sem renunciar à própria sanidade.” (LAING, 1991, p.35).

Sobre todo o exposto, Laing (1991, p. 35) diz que se deve “amar” a pessoa que se atende. O autor usa essa palavra, mesmo sendo, como ele apresenta, uma palavra “prostituída”. Ele acredita que amar, significa compreender, entender como a pessoa se sente.

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Afirma ainda que não se pode amar “um aglomerado de „sinais de esquizofrenia‟”. (LAING, 1991, p.35). O autor, portanto, diz que é de extrema importância a relação entre profissional e pessoa com psicose, assim como a postura que esse profissional tem com quem ele atende, bem como os sentimentos que permeiam essa relação.

Faz-se importante entender como se deu a relação da pessoa com psicose e a sociedade ao longo da história para que partindo da história possa ser construida uma nova forma de olhar e viver com pessoas com psicose.

2.1.2 Psicose e a sociedade

A Reforma Psiquiátrica traz mudanças significativas na história da saúde mental e uma delas é a mudança de conceitos, na qual a forma de pensar o sujeito em sofrimento psíquico passa por uma transformação. A mudança de enfoque dos conceitos, conforme Ribeiro (1996, p. 16), contribui para que “o asilo, „a loucura‟, deixem de ser vistos como ponto central do atendimento psiquiátrico” e outros profissionais, novas abordagens e novos conceitos contribuem para novas formas de tratamento. Considerando o sujeito em detrimento da doença mental, ocorre a desinstitucionalização da pessoa em sofrimento psíquico.

De acordo com Hirdes (2009), desinstitucionalização significa deslocar a atenção da instituição para a comunidade. Porém, esse conceito vai além, trazendo a atenção para a pessoa, não em direção à cura, mas sim, para a produção de vida e sentido sem isolá-la, mas inseri-la no meio social e em sua comunidade.

Para Amarante (1996), existem três formulações sobre a desinstitucionalização: desinstitucionalização como desospitalização, como desassistência e como desconstrução. A desinstitucionalização como desospitalização refere-se à substituição dos hospitais psiquiátricos por espaços na saúde pública com caráter preventivo e comunitário. Desinstitucionalização como desassistência é relacionada com o fato de deixar as pessoas usuárias dos hospitais psiquiátricos sem assistência em decorrência da desospitalização. E por último, a desinstitucionalização como desconstrução, que alude sobre a mudança epistemológica relacionada principalmente à critica do saber psiquiátrico clássico em relação à saúde mental. Essa última formulação tem como intenção substituir o saber positivista para

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uma construção da realidade como um processo histórico. É a partir dessa elaboração sobre a desinstitucionalização que a Reforma Psiquiátrica brasileira se pauta.

A Reforma Psiquiátrica, segundo o Ministério da Saúde,

é um processo político e social complexo, composto de atores, instituições e forças de diferentes origens, e que incide em territórios diversos, nos governos federal, estadual e municipal, nas universidades, no mercado dos serviços de saúde, nos conselhos profissionais, nas associações de pessoas com transtornos mentais e de seus familiares, nos movimentos sociais, e nos territórios do imaginário social e da opinião pública. Compreendida como um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais, é no cotidiano da vida das instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo da Reforma Psiquiátrica avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios. (BRASIL, 2005, p.6)

Sendo a Reforma Psiquiátrica um processo tão complexo e envolvendo tantas pessoas e áreas sociais, se faz importante que a desinstitucionalização englobe todas as esferas. De acordo com Basaglia (1982, p.257 apud BARROS, 1994, p.175), “o mal obscuro da psiquiatria está em haver separado um objeto fictício – a doença – da existência dos pacientes e do corpo social, construindo sob essa separação artificial aparatos científicos, legislativos, administrativos, todos referidos à doença”. Por isso, a desinstitucionalização deve ocorrer nos diversos âmbitos sociais, como citou Basaglia, havendo mudanças de conceitos e perspectivas a respeito das pessoas com grave sofrimento psíquico. Tem-se a proposta de que esses novos conceitos sejam diferentes de uma lógica de cura embasada na concepção de doença, para que a pessoa seja considerada antes da análise de sintomas manifestos.

Amarante (1994) aponta como um marco importante no início da Reforma Psiquiátrica no Brasil, o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM). Esse movimento que ocorreu em 1987, lança o lema “Por uma sociedade sem Manicômio” com a intenção de fazer com que a sociedade discuta sobre a loucura, sobre a psiquiatria, a doença mental, manicômios e possíveis experiências de desinstitucionalização, para que se abra “um processo prático de desconstrução dos conceitos e das práticas psiquiátricas”. (AMARANTE, 1994, p. 81).

Segundo Amarante (1994), nesse contexto surge o projeto de Lei 3657/89 do deputado Paulo Delgado, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Quando o projeto torna-se Lei em 2001 (10.216/2001), institui-se a atenção em saúde mental como conjunto de ações de promoção, prevenção e tratamento referentes ao melhoramento, manutenção ou restauração da saúde mental de uma população. Tratamento esse que, de acordo com o

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Ministério da Saúde (2005), necessita ser de base comunitária, considerando que as pessoas não devem ser internadas em manicômios, o que faz com que sejam excluídas da sociedade.

Porém, a realidade da saúde mental no Brasil tem demonstrado que não houve, ainda, extinção deste tipo de tratamento. De acordo com o Art. 4º da Lei 10.216/2001, “a internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.” Antes da aprovação desta Lei, o tratamento comumente imposto às pessoas em sofrimento psíquico era a internação e, na maioria das vezes, ocorria a exclusão. De acordo com a Lei Paulo Delgado, este tipo de tratamento hoje só deve ser realizado quando outros recursos se demonstrarem insuficientes.

Esta Lei é o início jurídico de novas práticas de tratamento, extinguindo, aos poucos, o uso dos manicômios e, buscando tratamentos mais humanizados, com uma equipe multidisciplinar, que ofereçam a oportunidade às pessoas, usuárias do serviço de saúde mental, de construírem, juntamente com a equipe, intervenções que busquem seu bem estar. Essa mudança oportuniza que outros profissionais, tais como o psicólogo, o assistente social, o professor de educação física, o enfermeiro, o terapeuta ocupacional e o psiquiatra trabalhem de forma integrada em busca da promoção de saúde. (RIBEIRO, 1996).

Para ocorrer o processo de desospitalização, foi necessária a criação de serviços substitutivos tais como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), as Residências Terapêuticas e o Programa de Volta para Casa para oferecer tratamento adequado as pessoas em sofrimento. Estes serviços preconizam o tratamento com o convívio dos familiares e da comunidade, evitando o isolamento que ocorre nas internações psiquiátricas.

O CAPS é a principal estratégia do processo da Reforma, conforme o Ministério da Saúde. (BRASIL, 2004). Seu propósito é acolher pessoas com transtornos mentais, de forma a promover a integração com o meio social e familiar, buscando autonomia e oferecendo atendimento médico e psicológico. (BRASIL, 2004). Ainda de acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2005, p.8):

É na década de 90, marcada pelo compromisso firmado pelo Brasil na assinatura da Declaração de Caracas e pela realização da II Conferência Nacional de Saúde Mental, que passam a entrar em vigor no país as primeiras normas federais regulamentando a implantação de serviços de atenção diária, fundadas nas experiências dos primeiros CAPS, NAPS e Hospitais-dia, e as primeiras normas para fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos.

No CAPS espera-se que ocorra uma comunicação e acompanhamento das pessoas que vivem em residências terapêuticas, além de apoio ao trabalho dos Agentes comunitários

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de Saúde e equipe de Saúde da Família no que se refere à saúde mental. (BRASIL, 2004). Além disso, pessoas em sofrimento, tal como nos casos de psicose, encontram nesta instituição projetos terapêuticos e comunitários, possibilitando a reinserção da pessoa na sociedade. (BRASIL, 2004). As práticas realizadas no CAPS buscam ser acolhedoras e em espaços abertos, não se limitando a estrutura física da instituição. (BRASIL, 2004). Assim, percebe-se a realização de intervenções na realidade deste tipo de instituição voltadas à singularidade das pessoas com transtorno mental, diferentemente da prática de internação psiquiátrica.

As Residências Terapêuticas “surgem [...] como componentes decisivos da política de saúde mental do Ministério da Saúde para a concretização das diretrizes de superação do modelo de atenção centrado no hospital psiquiátrico”. (BRASIL, 2005, p. 15). Caracterizam-se por serem residências localizadas em espaço urbano, voltadas às necessidades de moradia de pessoas com transtorno mental que passaram muitos anos internadas e que visam a reinserção destas após o período de internação psiquiátrica, garantindo-lhes seus direitos como cidadãos. (BRASIL, 2005). Entretanto, esta prática interventiva é de pouca abrangência, uma vez que existiam em 2010 apenas 570 residências terapêuticas em todo o Brasil. (BRASIL, 2010).

O Programa de Volta para Casa, por sua vez, visa a reinserir, no convívio com a sociedade, pessoas que passaram muito tempo de sua vida hospitalizadas, através de auxílio financeiro. (BRASIL, 2005). O Programa, criado pela Lei 10.708 de 31 de julho de 2003, “institui o auxílio-reabilitação psicossocial para pacientes acometidos de transtornos mentais egressos de internações”. (BRASIL, 2003, s/p). Através de um auxílio financeiro, busca-se contribuir para a inserção social, de forma a ampliar a rede de relações do usuário e assegurar sua cidadania, uma vez que exercem seus direitos civis, políticos e de cidadão na forma de recebimento deste auxilio-reabilitação. (BRASIL, 2005). Na implantação do programa, verificou-se que muitas pessoas egressas de longas internações, não tinham nem ao menos os documentos necessários para efetivarem a participação no programa, evidenciando a exclusão dessas pessoas de forma a nem terem direito à cidadania. (BRASIL, 2005).

A partir destes programas substitutivos ocorre o processo de desinstitucionalização uma vez que se busca desvincular as pessoas com transtorno mental das instituições psiquiátricas, voltando-se para programas que busquem a construção da autonomia destas pessoas. Assim, pretende-se substituir, progressivamente, o uso dos

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Hospitais Psiquiátricos, utilizando-se de CAPS 24 horas ou hospitais gerais para os casos em que é necessária a internação. (BRASIL, 2005).

Cabe, no entanto, um questionamento: quando esses recursos extra-hospitalares serão suficientes? A Reforma é um processo, mas percebe-se muitas falhas na rede de saúde e em seu fluxo, principalmente por falta de profissionais e estruturas para comportar a demanda, como lembra Fraga et al. (2006). Parece importante pensar nas práticas dos profissionais que vivem essas demandas e que, para atendê-las, tem possibilidades limitadas no cenário novo da saúde mental brasileira. Como esses profissionais trabalham hoje com essa rede de saúde mental que vem sendo construída a partir da Reforma? Os profissionais seriam suficientes para fazerem um trabalho efetivo com pessoas com sofrimento psíquico? A partir desses questionamentos, pode-se falar sobre a participação dos outros atores que fazem parte da rede da pessoa em sofrimento psíquico: a sociedade e a família, por exemplo.

É importante lembrar sobre o papel central do psiquiatra na história da saúde mental. Basaglia et al. (1994) trazem que, as intervenções junto às pessoas internadas eram feitas a partir do diagnóstico do psiquiatra dentro das instituições. A psiquiatria, dessa forma, detinha o poder nas práticas de intervenção junto à psicose. Como citam Basaglia et al. (1994, p. 18), diagnóstico que “assume o valor de uma „etiquetagem‟ que serve para distanciar quem a usa e para, estabelecer, através desta distância, a natureza diversa de uma classe, uma categoria: a dos doentes mentais.” Assim a relação era estabelecida previamente antes mesmo de a pessoa entrar em qualquer instituição: o médico detinha o saber e a pessoa era posta no lugar do “doente mental”. Dessa forma, o “doente mental” só tinha uma possibilidade de ser dentro deste local: ser sujeitado à condição de objeto (BASAGLIA et al., 1994).

A partir da Reforma Psiquiátrica, novos profissionais devem fazer parte da equipe de saúde mental, sendo tão fundamentais quanto o psiquiatra. Com isso, abrem-se possibilidades de pensar a pessoa usuária do serviço, proporcionando novas possibilidades de ser dentro do espaço em que procura um processo terapêutico.

A mudança de conceitos sobre a psicose requer estudos e novas pesquisas que envolvam a área de saúde mental, além de disseminar as novas idéias, não apenas no grupo científico, mas também entre a comunidade. Assim, se os profissionais da saúde repassarem novas formas de ver as pessoas com psicose através de novos conceitos, pode-se pensar que o movimento da Reforma Psiquiátrica continuará seu processo com as novas possibilidades de perceber a pessoa em sofrimento psíquico.

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Outro ator importante nesse processo de desinstitucionalização é a família. Como traz Colvero et al. (2004), a família, dependendo do momento histórico, teve papéis diferentes na participação em relação à saúde mental. Em alguns momentos, segundo o autor, a família se distancia do “doente mental”. Em outros é excluída pelo próprio modelo psiquiátrico que considerava o convívio familiar nocivo no processo de tratamento, e a família afirma não saber como agir diante das situações manifestas pela pessoa em sofrimento. Nesse novo modelo de saúde mental brasileira, baseado na Reforma Psiquiátrica, é preconizado queos familiares construam junto aos usuários as lutas e conquistas, por exemplo, quando fazem acontecer a II Conferência Nacional de Saúde Mental que “fornece substratos políticos e teóricos para política de saúde mental no Brasil.” (BRASIL, 2005, p.10). Então, parece importante que esses familiares façam parte também do processo terapêutico em parceria com a equipe de profissionais que atende o usuário, abrindo-se outras formas de atuar junto às pessoas com psicose.

De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2004) é fundamental a participação dos usuários – pessoas em sofrimento psíquico que usam os CAPS – para que os objetivos dos CAPS sejam alcançados. “Os usuários devem ser chamados a participar das discussões sobre as atividades terapêuticas do serviço. A equipe técnica pode favorecer a apropriação, pelos usuários, do seu próprio projeto terapêutico.” (BRASIL, 2004, p.28). Essa equipe deve incentivá-lo a participar dos projetos que o CAPS oferece a fim de promover saúde e resgatar o convívio social.

Os usuários devem procurar os técnicos para tirar dúvidas e pedir orientação sempre que precisarem, entrando direta ou indiretamente em contato com o CAPS mesmo quando não estiverem em condições de ir ao serviço. A participação dos usuários nas Assembléias muitas vezes é um bom indicador da forma como eles estão se relacionando com o CAPS. As associações de usuários e/ou familiares muitas vezes surgem dessas assembléias que vão questionando as necessidades do serviço e dos usuários. Os usuários devem ser incentivados a criar suas associações ou cooperativas, onde possam, através da organização, discutir seus problemas comuns e buscar soluções coletivas para questões sociais e de direitos essenciais, que ultrapassam as possibilidades de atuação dos CAPS. (BRASIL, 2004, p.28)

O Ministério da Saúde (BRASIL, 2004, p.28), afirma que é importante o papel da família e do usuário no processo de mudança do modelo assistencial brasileiro, principalmente quando participam “ativamente da discussão sobre os serviços de saúde mental e promovendo atividades que visam a maior inserção social, a geração de renda e trabalho e a garantia de seus direitos sociais.”

Referências

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