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Limites da supremacia do interesse público quando contrapostos ao interesse do cidadão

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO. LIMITES DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO QUANDO CONTRAPOSTOS AO INTERESSE DO CIDADÃO. DENISE MARTINS MOURA SILVA. São Cristóvão-SE 2013.

(2) UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO. DENISE MARTINS MOURA SILVA. LIMITES DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO QUANDO CONTRAPOSTOS AO INTERESSE DO CIDADÃO. Dissertação apresentada à Universidade Federal de Sergipe - UFS, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, área de concentração Constitucionalização do Direito. Orientador: Prof. Dr. Henrique Ribeiro Cardoso.. São Cristóvão-SE 2013.

(3) DENISE MARTINS MOURA SILVA. LIMITES DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO QUANDO CONTRAPOSTOS AO INTERESSE DO CIDADÃO. Dissertação apresentada à Universidade Federal de Sergipe - UFS, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, área de concentração Constitucionalização do Direito.. Aprovada em 09/07/2013. Banca Examinadora:. ___________________________________________ Prof. Dr. Henrique Ribeiro Cardoso Universidade Federal de Sergipe - UFS Orientador ___________________________________________ Prof. Dr. Lucas Gonçalves da Silva Universidade Federal de Sergipe - UFS 1ª Examinador ___________________________________________ Prof.° Dr.º Adrualdo de Lima Catão Universidade Federal de Alagoas - UFAL 2ª Examinador.

(4) Ao Amor, materializado através de meus amados filhos, Carla e Rodolfo. Não se esqueçam que o coração fala e que ele diz amor..

(5) Pelo crescimento na minha fé em Deus, sendo Ele o meu Fiel Condutor, não me deixando desanimar e sempre me lembrando do que é coragem. Aos meus amados pais, por serem os mais perfeitos mestres da minha vida. A vocês, todo o meu amor. A Luiz Mário, meu marido, meu companheiro e meu amigo, paciente nessa caminhada. Obrigada, por me apoiar sempre, por amor. A Carla e a Rodolfo, filhos amados e que são o meu estímulo e a minha força para a concretização desse mestrado. A Família Moura - S2, mesmo sabendo que a torcida é constante, obrigada por compreenderem as ausências e suportarem a minha inquietação. A Suzana, amiga-irmã, sempre de todas as horas, todo o meu eterno agradecimento. Aos professores da UFS, em especial, Henrique Ribeiro Cardoso, dedicado orientador, pelos ensinamentos jurídicos e por me orientar a perseguir o ideal. Ao reencontro com a amiga Ana Paula Machado e aos novos encontros com pessoas especiais durante esse mestrado da UFS, como Anna Paula Santana e Vilma Machado, pelas quais tenho toda gratidão, amparada na amizade recíproca e nas dificuldades de um discente. Aos amigos do TJSE: Natanael, Riveraldo, Wagner, Langêsson, Raimunda e Hortência pelo verdadeiro apoio na realização dos trabalhos. A Nilza, por me auxiliar no bom andamento do lar. Sem vocês, essa dissertação nada seria..

(6) “Põe tuas delícias no Senhor, e os desejos do teu. coração Ele atenderá. Confia ao Senhor a tua sorte, espera Nele, e Ele agirá. Como a luz, fará brilhar a tua justiça; e como o sol do meio-dia, o teu direito.” Salmo, 36: 4,6..

(7) RESUMO. A presente dissertação versa sobre o dito princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse particular, sendo este considerado no direito administrativo brasileiro como um dos seus pilares, quando contrapostos aos interesses do cidadão. Objetiva-se examinar se esse princípio implícito realmente existe no ordenamento jurídico. Para tanto, em sede introdutória, discorre-se sobre notas históricas acerca do direito administrativo e do poder estatal, além de buscar a origem e relevância do princípio da supremacia do interesse público, investigando o conceito indeterminado do interesse público, bem como os diversos entendimentos acerca do comentado princípio e sua influência na construção do direito administrativo atual com reflexos diante essencialmente do período do Estado Social, em busca da conquista de uma cidadania plena de direitos. Em seguida, passa-se a investigar a situação do indivíduo, diante dos direitos e garantias fundamentais, inerente à sua dignidade humana. Prossegue-se fazendo uma averiguação acerca dos conceitos existentes sobre norma jurídica, pormenorizando o conceito de princípio jurídico, além de identificar a proporcionalidade como medida de ponderação de valores fundamentais e não como princípio. A conclusão alcançada perpassa pelo sopesamento e pela mitigação do princípio em prol do Estado Democrático de Direito e da proteção ao cidadão. Palavras-chave: Supremacia; interesse público; interesse particular; Estado; cidadão; princípio..

(8) ABSTRACT. This dissertation examines the stated principle of the supremacy of the public interest over private interest, which is considered in the Brazilian administrative law as one of its pillars, as opposed to the interests of the citizen. The objective is to examine whether this implicit principle really exists in the legal system. Therefore, based on introductory talks-about historical notes about administrative law and state power, and seek the origin and relevance of the principle of the supremacy of the public interest, investigating the indeterminate concept of the public interest as well as the various understandings light on this principle and its influence on the construction of administrative law with current reflections on essentially the period of the welfare state, in pursuit of achievement of full citizenship rights. Then goes on to investigate the situation of the individual, on the rights and guarantees inherent to human dignity. We continue doing an investigation on existing concepts about legal standard, detailing the concept of legal principle and identify proportionality as a measure for weighting of core values and not as a principle. The conclusion reached by pervades counterbalancing and the mitigation principle in favor of the democratic rule of law and protecting citizens. Keywords: Supremacy; public interest; particular interest; state; citizen; principle..

(9) SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11 CAPÍTULO I .......................................................................................................................... 14 1 – ORIGEM E RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO PARA A CONSTRUÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO .................... 14 1.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................................................ 14 1.1.1 – Da normatização do direito administrativo ..................................................... 15 1.1.2 – Do poder estatal - contextualização .................................................................. 21 1.2 – INTERESSE PÚBLICO VERSUS INTERESSE PRIVADO ................................ 35 1.2.1 – Concepção clássica .............................................................................................. 35 1.2.2 – Concepção da nova doutrina ............................................................................. 39 1.3 - ANÁLISE DO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O INTERESSE PRIVADO ................................................................................. 46 1.3.1 – Definição do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado ................................................................................................................................ 46 1.3.2 – Sustentação doutrinária do princípio da supremacia do interesse público sobre interesse privado ...................................................................................................... 48 1.3.3 – Crítica e desconstrução doutrinária do propalado princípio da supremacia do interesse público sobre o privado ................................................................................ 50 CAPÍTULO II ......................................................................................................................... 64 2 – UM NOVO SUJEITO DA RELAÇÃO DE DIREITO ADMINISTRATIVO: CIDADÃO ............................................................................................................................... 64 2.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................................................ 64 2.2 – TRAJETÓRIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................................... 65 2.2.1 – Contextualização dos direitos fundamentais.................................................... 65 2.3 – ASPECTOS DA CIDADANIA A SEREM CONSIDERADOS............................. 75 2.3.1 – Cidadania no Brasil ............................................................................................ 84 2.4 – VALORIZAÇÃO DO CIDADÃO: PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA . 92 2.4.1 – Dignidade da pessoa humana como argumento da inexistência da supremacia do interesse público sobre o privado ......................................................... 101 CAPÍTULO III ..................................................................................................................... 105 3 – A JUSTA MEDIDA: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA VERSUS CIDADÃO ........... 105 3.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS .............................................................................. 105 3.2 – PRINCÍPIOS E REGRAS, SUAS DISTINÇÕES ESSENCIAIS........................ 106 3.2.1 – Supremacia do interesse público como princípio jurídico ............................ 113 3.3 – REGRA DA PROPORCIONALIDADE ............................................................... 115.

(10) 3.3.1 – Contextualização............................................................................................... 115 3.3.2 – Proporcionalidade segundo Robert Alexy...................................................... 123 3.3.3 – Da incompatibilidade da supremacia do interesse público com a regra da proporcionalidade ............................................................................................................ 126 3.4 - ATUAL POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL DO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO ............................................................... 128 3.4.1 – Contextualização............................................................................................... 128 3.4.2 – Controvérsias administrativas ........................................................................ 131 3.4.3 – Da inexistência do princípio da supremacia do interesse público como fundamento jurisprudencial ........................................................................................... 136 CONCLUSÃO....................................................................................................................... 150 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 160.

(11) 11. INTRODUÇÃO. A supremacia do interesse público sobre o particular tem sido tradicionalmente descrita como um princípio jurídico do direito administrativo que constitui um dos principais alicerces teóricos desse ramo jurídico e que conduz as ações da Administração Pública, enaltecidas pelas prerrogativas estatais que lhes são atribuídas. Desde o momento do seu surgimento, mostrou-se para a doutrina brasileira, unissonamente, o seu valor e a sua significância, afirmando-se que seria o princípio constitucional capaz de realizar o interesse público amparado nas atribuições vinculadas à Administração Pública. Na atualidade, grande coro de publicistas nacionais passou a questionar a existência desse princípio norteador do direito administrativo ou, em se reconhecendo a sua existência, a necessidade de sua reconstrução de modo a se compatibilizar com os direitos fundamentais, evitando malversações na sua utilização. Diante desse entrave, o que se pretende com essa dissertação é identificar o atual enfoque doutrinário e jurisprudencial acerca dos limites para o uso desse debatido princípio, à luz da mutação social e jurídica, da valorização humana e da desmistificação do poder soberano da Administração, pautada pela constitucionalização do direito administrativo. Será intenção verificar se esse dito princípio se relaciona com a questão dos controles dos atos administrativos da Administração Pública e do controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário. A relevância do tema é evidenciada pelo olhar contemporâneo no direito público, no qual a Administração não deve tratar a sociedade como súdita ou administrada, mas, sim, como integrada por cidadãos amparados nos seus direitos fundamentais, possuidores de dignidade humana. Sustentar-se-á no desenvolver do tema que o desfecho da problematização narrada deve ser no sentido da desconstrução princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. O estudo que se apresenta constitui o trabalho central do Programa de PósGraduação em Direito, na área de concentração Constitucionalização do Direito, da linha de pesquisa Direito Público Contemporâneo, da Universidade Federal de Sergipe, versando sobre os limites da supremacia do interesse público contrapondo-se aos direitos fundamentais do cidadão..

(12) 12. Com o desenvolver do tema, pretender-se-á demonstrar que o direito administrativo pode se valer de um conjunto de princípios constitucionais fundamentais, concretizados, especialmente, na dignidade da pessoa humana, trazendo-os para a realidade democrática que faz a supremacia do estado ser relativizada. Para o deslinde da questão, a Constituição Federal é referenciada durante todo o desenvolver do tema, sem possibilidade de abandono, tendo em vista a fundamentalidade dos princípios constitucionais, noção de Estado Democrático de Direito, além de ser limite para a interpretação jurídica numa sociedade justa, em que interesses contrapostos devem ser ponderados. Será priorizado, para o presente estudo, o exame das posições doutrinárias de autores nacionais e estrangeiros, acerca da supremacia do interesse público sobre o particular, preocupando-se em demonstrar a atual visão das discussões sobre o tema. Os autores utilizados foram escolhidos de acordo com a fundamentalidade de cada obra acrescida ao tema em questão, cotejando-se as diversas opiniões necessárias para efetivar os contrapontos durante o desenvolvimento do tema. Será somada a coletânea de jurisprudências buscadas nos diversos tribunais brasileiros, a fim de construir bases sólidas e concretas para a adequada análise da questão. Na hipótese vertente, a opção pela pesquisa bibliográfica doutrinária e, mais especificadamente, pela análise de obras e artigos científicos publicados, justifica-se em razão da discussão sobre a matéria haver surgido no campo doutrinário, de maneira que, a partir da leitura de tais fontes, poder-se-á identificar posições contrárias e favoráveis aos limites no uso da supremacia do interesse público pela Administração Pública. Como fonte subsidiária para o estudo, a internet será de grande valia, voltada para a pesquisa jurisprudencial e legislativa. Para a condução metodológica do presente estudo, será desenvolvida uma pesquisa qualitativa exploratória, ladeada por um tratamento reflexivo e sistemático, utilizando-se dos métodos histórico, analítico e dialético da dogmática jurídica. No Capítulo I será feita uma retrospectiva histórica acerca da normatização do direito administrativo, bem como a contextualização das fases do poder estatal com reflexos na Administração Pública, subordinando-se ao Estado de Direito. Em seguida, será analisado o interesse público segundo a visão clássica da doutrina e o viés atual diante da indeterminação desse conceito jurídico. Ainda será oportuno definir a supremacia do interesse.

(13) 13. público sobre o particular, momento em que será apresentada a sustentação doutrinária focada na existência desse dito princípio, como também será discorrida a crítica que fundamenta a sua inexistência como princípio jurídico. Um novo sujeito da relação do direito administrativo, o cidadão, será identificado no Capítulo II, momento que será analisada a trajetória dos direitos fundamentais, aspectos da construção da cidadania deverão ser considerados, mormente no Brasil, além da importância constitucional dada ao princípio da dignidade da pessoa humana para o cidadão. Será demonstrada a existência ou não da supremacia do interesse público sobre o particular através do argumento da dignidade humana. Por derradeiro, no Capítulo III, será apreciada a justa medida do cidadão versus a Administração Pública, sendo necessário para tanto o estudo da teoria dos princípios e regras fazendo o enfrentamento da estrutura normativa definida na dissertação com a supremacia do interesse público como princípio. Também será verificada a contextualização da regra da proporcionalidade, especialmente segundo critérios de Robert Alexy e será verificada a sua compatibilidade ou não com a supremacia do interesse público, alargando, assim, as críticas ao referido princípio. Finalizando esse capítulo e tomando por base os fundamentos teóricos discorridos ao longo do texto, será colacionado, ainda, o atual posicionamento jurisprudencial desse debatido princípio através de casos práticos dos tribunais brasileiros, inclusive enfrentando outras atuais controvérsias administrativas, como mérito e legalidade administrativa..

(14) 14. CAPÍTULO I 1 – ORIGEM E RELEVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO PARA A CONSTRUÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO 1.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS Para compreender o contexto e a estrutura de um princípio jurídico é interessante averiguar os seus fundamentos históricos e sociais que irão explicar a sua origem, a fonte normativa da qual ele emana e as razões políticas que deram azo à sua inserção no mundo jurídico de determinado Estado, investigando a significação histórica do momento da sua criação. Nesse passo, a determinação do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular no direito positivo brasileiro é dada através dos estudos teóricos, políticos e normativos que o embasaram como premissas para alicerçá-lo no mundo jurídico como categoria de princípio constitucional implícito, especificando o seu conteúdo jurídico, seus elementos constitutivos e a sua utilização nos casos concretos. A sua natureza implícita é demonstrada por não se depreender o seu conteúdo de modo expresso do texto da Constituição Federal, mas por interpretações pontuais na Lei Maior, além de ter sido construído por trabalhos doutrinários, chegando até mesmo a ser rechaçado da categoria de princípio, por uma minoria da doutrina administrativista.1 A aceitação desse princípio pela Administração Pública brasileira se manifesta através das prerrogativas que lhes são auferidas a partir dos regramentos do regime jurídico a que está submetida, mostrando-se relevante para a perfeita atuação do poder público estatal perante a sociedade tutelada. Esse primeiro capítulo terá como objetivo discorrer sobre a normatização do direito administrativo (1.1.1), além da contextualização do poder estatal (1.1.2), buscará a distinção dos modelos do interesse público e do interesse privado (1.2), além de identificar a gênese e contrapontos da supremacia do interesse público na ordem jurídica brasileira (1.3).. 1. No correr da dissertação, será oportuno elencar a ideia de Humberto Bergmann Ávila, contrária à supremacia do interesse público como princípio constitucional, por ter sido quem iniciou o questionamento..

(15) 15. 1.1.1 – Da normatização do direito administrativo. O direito administrativo se apresenta, dentro das ramificações do direito público, de maneira singular, pois não possui uma única compilação de suas normas, mas várias codificações fragmentadas que discorrem sobre o tema, apesar de ter surgido numa época em que figuravam as grandes codificações nos idos do século XIX.2 Até meados do século passado, conforme versa Patrícia Ferreira Baptista, o direito administrativo se desenvolveu ―em países de tradição romancista por meio de construções jurisprudenciais, processo típico do direito anglo-saxão, o qual, por sua vez, até meados do século XX recusava a existência de tal disciplina jurídica‖.3 Para fins didáticos mais relevantes para a realidade brasileira, e registrando ruptura com o passado, fixa-se como marco inicial para o estudo da origem do direito administrativo a partir da Revolução Francesa, sendo a sua existência embasada em dois pilares dessa revolução quais sejam: a separação dos poderes estatais com a independência das funções do Estado, especialmente identificando a existência da função administrativa autônoma, e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, protegendo os indivíduos da Administração.4 Merece esclarecer que a atividade administrativa, para Marçal Justen Filho, consiste ―na promoção dos direitos fundamentais e na implementação concreta da democracia, por meio de agentes organizados burocraticamente numa estrutura estável, mas que não assegura a absoluta imparcialidade funcional e estrutural‖. Diferenciando, assim, das demais funções do Estado que sejam a legislativa e a judicial e passando a configurar o período histórico com o rompimento do absolutismo monárquico.5 Esse ramo jurídico de direito público nasceu, pois, na França e durante o século XIX se expandiu ao se afirmar como direito regulador da Administração em relação ao direito privado, além de atribuir a função jurisdicional ao Conselho do Estado e a de estabelecer um equilíbrio entre as prerrogativas administrativas e os direitos dos cidadãos, serve-se Patrícia. 2. Como observa Jean RIVERO. Curso de direito administrativo comparado. Tradução de José Cretella Jr e Agnes Cretella. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.79-80: ―O fato maior é a ausência de codificação. [...] é preciso procurar as regras administrativas aonde elas estiverem[...]‖. 3 BAPTISTA, Patrícia Ferreira. Transformações do Direito Administrativo. Renovar, 2003, p. 2. 4 Nesse sentido BAPTISTA, Patrícia Ferreira. Idem, p.3-4, enfatizando que a função garantista do direito administrativo não surgiu imediatamente. 5 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 8. ed. Belo Horizonte: Fórum. 2012, p. 69..

(16) 16. Ferreira Baptista da lição de Cassese.6 Todos esses fatores de crescimento do direito administrativo foram tendo assento na jurisprudência coletada pelo Conselho diante da ausência de um sistema de normas que o amparasse legalmente. Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a França, para reforçar e proteger a autonomia dos poderes do Estado, ―instituiu um sistema de controle de legalidade interno exclusivo para a Administração, o Contencioso Administrativo, para não submetê-la à jurisdição comum, e desenvolveu um ramo do direito público para reger especificamente a sua atuação, o Direito Administrativo‖.7 Aliada à escassez de codificação e à sistematização jurisprudencial, ao longo do século, a doutrina se mostrou atuante a ponto de desenvolver princípios norteadores desse direito conforme observa Jean Rivero que no direito administrativo comparado, verifica-se a ―importância internacional da doutrina ”, sendo os doutrinadores, ―os responsáveis pela unidade dos direitos‖.8 No Brasil, o desenvolvimento do direito administrativo foi sedimentado essencialmente à luz da doutrina e da jurisprudência, como bem ensina Carlos Ari Sunfeld, ―A transmissão da cultura do direito administrativo, seguindo uma tradição antiga, tem sido realizada por esses livros de referência, escritos por juristas especializados‖.9 Sob forte influência da doutrina e da jurisprudência francesa,10 o direito administrativo teve suas origens fulcradas nas noções da racionalidade de puissance publique e do serviço público, teorias desenvolvidas através das respectivas escolas, a partir do século XIX. A Escola de puissance publique11 buscava explicar o direito administrativo a partir da diferença entre as seguintes atividades: (a) de autoridade, exercidas pelo Estado nas 6. CASSESE, Sabino. Las bases del derecho administrativo. Madri: INAP, 1994, p.54-55 apud BAPTISTA, Patrícia Ferreira, Op. cit., p.4-5. 7 NETO. Diogo de Figueiredo Moreira. Mutações do direito administrativo. 3. ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2007, p. 10. 8 RIVERO, Jean. Curso de direito administrativo comparado. Tradução de José Cretella Jr e Agnes Cretella. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.238-239. 9 SUNDFELD. Carlos Ari. Direito administrativo para céticos. São Paulo: Malheiros, 2012, p.21. 10 Através do papel do Conseil d’Etat, foi se desenvolvendo uma visão garantística sobre a origem e a função do direito administrativo: ―trata-se de Direito que ‗nasce quando o Poder aceita a submeter-se ao Direito‘‖. ―[...] surge como o Direito da Administração Pública e não como o Direito dos administrados‖. OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública. O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade. Lisboa: Almedina, 2007, p. 275 e p.281. 11 LAUBADÈRE, André de. Traité élémentaire de droit administratif. 3. ed. t. I. Paris: LGDJ, 1963, p. 38-39 apud HACHEM, Daniel Wunder. Princípio constitucional da supremacia do interesse público. Tese de Mestrado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011, p. 26. Disponível em: < http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/26126/Dissertacao%20%20Daniel%20Wunder%20Hachem%20-%20UFPR%20-%20Brasil.pdf?sequence=1>. Acesso em: 14 mar.2013..

(17) 17. situações em que seus órgãos aplicavam mandamentos do tipo ―ordens, proibições, regulamentações unilaterais‖, manifestando uma ―vontade de comando‖ sobre os particulares; e (b) de gestão, realizadas em posição de igualdade com os cidadãos e submetidas às regras de direito privado. Ao praticar as primeiras, o Estado estaria exercendo ―atos de puissance publique‖ ou ―atos de autoridade‖, que se sujeitariam a um regime jurídico exorbitante do. Direito comum, que permitia à Administração a utilizar um poder de comando em face dos particulares. A essa época, o direito administrativo se voltaria para a realização precisamente dessas atividades, e sua racionalidade poderia ser explicada a partir da noção de puissance publique. O ponto focal dessa corrente de pensamento, portanto, é outorgado aos poderes. especiais ostentados pelo poder público. Essas prerrogativas exorbitantes, cujo manejo se justificaria por conta da posição de superioridade do Estado frente aos particulares, traduziriam a ideia central do direito administrativo.12 A Escola do Serviço Público (Escola de Bordeaux)13 surgiu sendo contrária a esse posicionamento, propondo-se a explicar porque desaparece o sistema de direito público fundado na noção de puissance publique, enfatizando a sua substituição pelo conceito de serviço público. Argumenta que enquanto as tarefas do Estado limitavam-se aos serviços de guerra, de polícia e de justiça, era compreensível que a sua regulação jurídica se explicasse pelas ideias de soberania estatal e puissance publique. Muito embora, em razão das transformações que afetaram as relações entre Estado e cidadão na segunda metade do século XIX, as necessidades de interesse geral passaram a demandar do poder público não apenas a manutenção da ordem pública, mas também a organização da vida econômica, social e cultural da coletividade, forçando-o a promover a educação, prestar assistência com relação à saúde e viabilizar o fornecimento do transporte público.14 Visando a satisfação das necessidades de interesse geral, as atividades de prestação acima elencadas e oferecidas pelo Estado à sociedade, resumir-se-iam em serviços públicos, cuja característica principal da Administração não seria somente o seu poder de comando, mas sim procurar atuar em favor da coletividade como um todo. Da tradução livre para o português, puissance publique significa poder público. É a posição de Maurice Hauriou, para quem ―a base do direito administrativo é a atividade da puissance publique‖ apud HACHEM. Op. cit., p. 26. 13 MORAND-DEVILLER, Jacqueline. Cours de Droit Administratif. 6. ed. Paris: Montchrestien, 1999, p. 19 apud HACHEM. Op. cit., p. 26-27. 14 Nesse sentido, LAUBADÈRE, André de. Op. cit. apud HACHEM. Op. cit., p. 27 e cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 44-45. 12.

(18) 18. Sob o influxo dessas ideias, percebe-se que a legitimação da existência do Estado se assenta na da possibilidade da Administração Pública estar intimamente ligada ao dever de realização dos anseios sociais, da prestação dos serviços públicos e tem no direito administrativo o suporte jurídico para regular as suas atividades. Assim, o direito administrativo, sob esse enfoque do serviço público ser a principal atuação da Administração Pública, deixa de lado as prerrogativas do Estado em relação aos cidadãos e passa a se preocupar em assegurar as necessidades coletivas. Nesse contexto, o conjunto desses ideais e das diversas leis esparsas que regulam temas isolados da Administração Pública, sem uma coletânea única de normas que regem as ações do Estado frente aos anseios desses cidadãos, têm sido assentados durante o último século de acordo com sua concepção à época. Merecem ser transcritos os ensinamentos Jean Rivero com relação ao direito administrativo e ao regime administrativo: O direito nunca é senão a transposição em forma jurídica das concepções éticas, sociais e econômicas que prevalecem numa civilização. Assim, no direito administrativo: as suas regras pressupõem um certo número de opções fundamentais, tocando quer as relações da Administração com os particulares, quer os melhores métodos de construção e de gestão do organismo administrativo. O regime administrativo de um país é portanto definido simultaneamente pelas regras jurídicas que constituem o seu direito administrativo e por aquelas opções, as principais das quais o direito retém e sanciona, mas que merecem ser estudadas em si mesmas, numa perspectiva técnica e não jurídica.15. Para Celso Antônio Bandeira de Mello, ―só se pode falar em Direito Administrativo, no pressuposto de que existam princípios que lhe são peculiares e que guardem entre si uma relação lógica de coerência e unidade compondo um sistema ou regime: o regime jurídico-administrativo‖.16 Com esse entendimento, o autor aponta duas ―pedras de toque‖ que devem incorporar esse regime através da consagração de dois princípios, quais sejam: supremacia do interesse público sobre o privado e a indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos, estando assentados no binômio: prerrogativas da Administração-direitos dos administrados.17 Embora. essa. visão. dada. ao. direito. administrativo. em. está. regido. fundamentalmente por esses princípios e por não possuir uma codificação única, por ser uma 15. RIVERO, Jean. Direito administrativo. Tradução Rogerio Ehrhardt Soares. Coimbra: Almedina, 1981, p. 24. MELLO, Op. cit., p. 53. 17 Idem, p. 55-57. Para o autor, esses princípios justificam as noções de serviço público, puissance publique, ou utilidade pública.. 16.

(19) 19. disciplina jurídica autônoma, esse ramo do Direito se mostrou isolado da evolução do contexto jurídico como um todo, não acompanhando a tendência observada após a consagração da Constituição de 1988 no Brasil, através do fenômeno da Constitucionalização do Direito, ―cujo efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico‖.18 Sublinham-se as lições traçadas por Miguel Carbonell acerca do tema: El proceso de constitucionalización supone dotar de contenido normativo a todas las disposiciones contenidas en Ia carta fundamental; desde luego, su fuerza normativa dependerá en mucho de Ia forma en que estén redactadas, de los alcances interpretativos que les haya dado Ia jurisdicción constitucional y de los ejercicios analíticos que hagan los teóricos, pero de Io que no debe quedar duda es de que Ias normas constitucionales son, ante todo y sobre todo, normas jurídicas aplicables y vinculantes, y no simples programas de acción política o catálogos de 19 recomendaciones a los poderes públicos.. Para Luís Roberto Barroso, ―o constitucionalismo surge como uma doutrina de limitação de poder do Estado. Como consequência, desde as suas origens, sempre foi a essência da Constituição a separação dos Poderes e a garantia dos direitos‖. Continua a lecionar que ―a Constituição é dotada de superioridade jurídica em relação a todas as normas do sistema e, como consequência, nenhum ato jurídico pode subsistir validamente se for com ela incompatível‖.20 Associado a essa ideia de supremacia da Constituição, o movimento da constitucionalização do direito administrativo foi apresentado por Luís Roberto Barroso. 18. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. In: A constitucionalização do direito: Fundamentos teóricos e aplicações específicas. Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento (Coord.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.16-17. ―A aproximação entre constitucionalismo e democracia, a força normativa da Constituição e a difusão da jurisdição constitucional foram ritos de passagem para o modelo atual‖. Sob o fundamento de Hesse quando anunciou que os fatores reais de poder não devem sobrepor à Constituição, onde esta não deve ser considerada a parte mais fraca. HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991. Segundo Virgílio Afonso da Silva, com o movimento de constitucionalização do direito o eixo essencial da ordem jurídica deixa de ser a lei e passa a ser a constituição. SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito. Os direitos fundamentais nas relações entre particulares. 1. ed. 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 49. 19 CARBONELL, Miguel; JAMARILLO, Leonardo García. El canon neoconstitucional. Madrid: Trotta, 2010, p. 160. 20 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 82-84. Para Canotilho o sentido de constituição: ―[...] (2) declaração, nessa carta escrita, de um conjunto de direitos fundamentais e do respectivo modo de garantia ; (3) organização do poder político segundo esquemas a torna-lo um poder limitado e moderado ‖. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 52..

(20) 20. através de três conjuntos de circunstâncias a configuração do modelo atual, no qual diversos paradigmas estão sendo repensados ou superados, que todas elas se somam para quais sejam: a) a existência de uma vasta quantidade de normas constitucionais voltadas para a disciplina da Administração Pública; b) a seqüência de transformações sofridas pelo Estado brasileiro nos últimos anos; c) a influência dos princípios constitucionais sobre as categorias do direito administrativo.21. Para Rafael Carvalho Rezende Oliveira, a constitucionalização do direito deve ter como enfoques: O aspecto material da constitucionalização do ordenamento consiste na aproximação da moral ao Direito. Há uma tendência hoje, conforme já demonstrado, entre os juristas em se adotar uma visão ―não-positivista‖ do Direito. Quanto ao aspecto estrutural-funcional, o fenômeno da constitucionalização acarreta a alteração da estrutura das normas constitucionais. As Constituições procuram valer-se cada vez mais dos princípios como forma de amoldar, nos seus textos, interesses conflitantes existentes em uma sociedade pluralista. [...] O terceiro aspecto (político), mencionado por Alfonso Garcia Figueroa, consiste no deslocamento do protagonismo do Legislativo para o Judiciário. Os princípios 22 constitucionais ampliam a margem de discricionariedade judicial.. Leciona Regina Maria Macedo Nery Ferrari sobre o tema que ―é a incidência direta dos princípios constitucionais, no campo da atividade administrativa e no seu entorno‖,23 sendo fato que com esses mais recentes conceitos para a aplicação da ordem jurídica, o direito administrativo não pode permanecer encastelado na mesmice da supremacia. Sendo assim, o direito administrativo não se manteve imune ao fenômeno da constitucionalização do direito. Está sendo um dos ramos do sistema jurídico mais atingido porque se passou a considerar que a Administração fundamenta sua atividade diretamente na Constituição, devendo, pois, respeitar-lhe os valores e princípios.24. 21. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. In: A constitucionalização do direito: Fundamentos teóricos e aplicações específicas. Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento (Coord.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 37. 22 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Constitucionalização do direito administrativo: o princípio da juridicidade, a releitura da legalidade administrativa e a legitimidade das agências reguladoras. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.27-28. 23 FERRARI, Regina Maria Maceo Nery. A constitucionalização do direito administrativo e as políticas públicas. Revista de Direito Administrativo & Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, Ano 10, n. 40, p.1-336, abr/jun.2010, p. 281. 24 Cf. sentido de BEDENDI, Luis Felipe Ferrari. Ainda existe o conceito de mérito do ato administrativo como limite ao controle judicial dos atos praticados pela administração? In: DI PIETRO, Maria Sylvia.

(21) 21. Entretanto, cuida-se alertar que uma mudança de paradigma imposta pela Constituição e uma decorrente necessidade de adaptação da legislação ordinária por imposição constitucional, não implica mudança rápida quando o paradigma não muda para a sociedade e, também, para os operadores de direito. Muitas vezes a prática jurisprudencial se mostra refratária a mudanças, mantendo-se presa a paradigmas superados não só pela Constituição, mas como também pela legislação ordinária aplicável ao caso.25 Feitas essas considerações acerca da normatização dessa disciplina jurídica autônoma26 e da sua introdução ao modelo da constitucionalização do direito, vale seguir percorrendo quanto à evolução social do Estado, tendo em vista ser ela o ramo jurídico regulador das suas ações.. 1.1.2 – Do poder estatal - contextualização. O direito administrativo no Brasil tem por objeto o estudo da disciplina jurídica da Administração Pública que integra a organização estatal, o modo de ser e de atuar do Estado. Desse modo, para sua melhor compreensão, necessário se faz conhecer os aspectos fundamentais do Estado, em especial o quadro político-institucional do Estado tal como vem caracterizado no texto constitucional do país.27 As raízes desse ramo jurídico do direito público se vinculam nas formulações originárias ao Estado do século XIX, daí a sua importância na contextualização histórica ao longo das suas transformações sofridas com o correr do tempo.. Zanella; RIBEIRO, Carlos Vinícius Alves. (Coord). Supremacia do interesse público e outros temas relevantes do direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2010, p. 285. 25 Cf. leciona SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito. Os direitos fundamentais nas relações entre particulares. 1. ed. 3. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 40-41. O autor ainda traz como exemplo para essa situação, as mudanças introduzidas pelo Código de Defesa ao Consumidor em que juízes recusam nas suas decisões a aplicação do art. 51, §1º, com base no pacta sunt servanda . 26 Para Celso Antônio Bandeira de Mello: ―direito administrativo é o ramo do direito público que disciplina a função administrativa, bem como pessoas e órgãos que a exercem‖. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.37. 27 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 16. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 33..

(22) 22. Doutrinariamente,28 diversas expressões vinculam o Estado nesse citado século tais como: Estado Liberal, Estado burguês, Estado nacional-burguês, Estado censitário, Estado garantista, Estado-autoridade, Estado legislativo, dentre outras terminologias. A utilização desses termos para configurar o Estado se deu diante das características acentuadas do Estado absoluto e se mostra sob o aspecto interno, com soberano, em que as prerrogativas de domínio passam a ser exercidas não mais pela vontade do monarca, mas em nome do povo ou da nação. O poder estatal passa a ser substituído pelo poder pessoal, com uma unidade e centralização de poder, ao mesmo tempo em que o comando político se despersonifica, segundo os novos atributos do Estado quais sejam: a laicidade, finalidade e racionalidade.29 Para Odete Medauar,30 a essa época, havia no Estado grupos autônomos, independentes e livres, dotados de igualdade política e jurídica como oposição a esse Estado absoluto e se consagravam liberdades e garantias de liberdades e de direitos dos indivíduos, passando da categoria de súditos à de cidadãos. Assim, se identificam os valores do Estado que sejam ―garantia de liberdade, da convivência pacífica, da segurança, da propriedade privada‖, sendo o Estado instrumento de garantias dos direitos individuais, decorrendo, nessa quadra, a utilidade e a necessidade. Para a autora, o individualismo31 jurídico significa que as relações de direitos e deveres têm como agente as pessoas humanas, com a abolição dos privilégios aristocráticos, valorizando, assim, a supremacia do indivíduo contra as ingerências e atitudes coercitivas do poder estatal. Essa configuração de modelo do Estado eclodiu através de um movimento global contra a velha ordem durante a Revolução Francesa,32 que, consequentemente, influenciou o 28. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo em evolução. 2. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 78. 29 De acordo com o entendimento de MEDAUAR, Idem, p. 79. 30 Idem, p.80. 31 Na visão dada por Teresa Negreiros para o individualismo tem-se que ―a autonomia do sujeito de direito constituiria um espaço de livre atuação demarcado externamente pela fronteira da ordem pública‖. NEGREIRO, Teresa. A dicotomia público-privado frente ao problema da colisão de princípios. In: Teoria dos direitos fundamentais. TORRES, Ricardo Lobo (Org.), 2. Ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro, 2009, p. 360. 32 Interessante trazer ao texto a visão dada por Tercio Sampaio acerca da positivação ocorrida com a Revolução Francesa: ―O direito, com a Revolução Francesa, torna-se uma criação ab ovo. Com isso, ele instrumentaliza-se, marcando-se mais uma vez a passagem de uma prudência prática para uma técnica poética. Ou seja, para usar uma distinção aristotélica (Ética a Nicômaco, 1094 a 21), o direito passa a ser concebido como poiesis, uma atividade que se exterioriza nas coisas externas ao agente (por exemplo, com madeira fabricar uma mesa) e que por isso exige técnica, isto é, uma espécie de knowhow, um saber-fazer, para que um resultado seja obtido. Deixa, pois, de ser concebido, como o fora desde a Antigüidade, como uma praxis, uma atividade que não tinha um adimplemento exterior a ela mesma e ao agente; ela não visava senão ao bem agir (ético) do próprio agente,.

(23) 23. ritmo para o futuro desenvolvimento da história humana e se mostrou intimamente vinculada à história da democracia. No sentir de Carlos Nelson Coutinho, a necessidade do contrato social surgiu como ―demandas da burguesia em ascensão no momento em que essa classe representava todos os que não eram aristocratas nem membros do clero, ou seja, todos os que constituíam o que os franceses chamavam ‗terceiro Estado‘‖.33 Assim, segundo anuncia Paulo Bonavides, o modelo do Estado Liberal foi caracterizado pela intervenção mínima do Estado na ordem econômica e social, dada a prevalência do liberalismo econômico e dos direitos individuais (direitos civis e direitos políticos) que objetivava limitar o poder estatal, conforme se refere: ―À Constituição cabia tão-somente estabelecer a estrutura básica do Estado, a espinha dorsal de seus poderes e respectivas competências‖. Esse período foi caracterizado pela legalização da proteção dos direitos individuais.34 Conforme lições de Norberto Bobbio, esses limites do Estado compreendem dois aspectos: limites dos poderes e limites das funções do Estado. Relaciona-se ao limite do poder, o Estado de Direito e ao último, o Estado mínimo. Diz-se que o Estado Liberal se afirma na luta contra o absolutismo através do Estado de Direito e contra o Estado máximo, em defesa do Estado mínimo.35 Leciona Mário Lúcio Quintão Soares que ―A concepção liberal, em seu sentido político e econômico, procurou proteger o indivíduo que, dentro de seu marco social, afigurava-se sempre livre para adquirir a sua liberdade‖. Ainda ensina que ―a idéia de liberalismo está historicamente vinculada à propriedade e ao afã de lucro‖.36 No sentido de Salo de Carvalho, ―O movimento humanista e racionalista, após as vitoriosas batalhas jurisprudenciais, foi o ponto culminante de degradação do antigo regime e sua -eupraxi.a . Está aí o núcleo do fenômeno da positivação do direito em seu sentido social.‖ Em FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 4. ed. revista e ampliada. São Paulo: Atlas, 2003, p.75. 33 COUTINHO, Carlos Nelson. Notas sobre cidadania e modernidade. Praia Vermelha, v. 1, n. 1, Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p.150. 34 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.229-230. Também nessa mesma seara, MEDAUAR escreve ―na fórmula do Estado Liberal ou Estado Abstencionista, pretendia o distanciamento do Estado em relação à vida social, econômica e religiosa dos indivíduos, como garantia de independência da sociedade às injunções do Estado. Daí o mínimo de funções que lhe cabiam, a quase ausência de atuação do Estado no âmbito econômico e social‖. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 16. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.36. 35 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução Marco Aurélio Nogueira. 6. ed. 4. ed.. São Paulo: Brasiliense. 2000, p. 17-18. 36 SOARES, Mário Lúcio Quintão. Op. cit., p. 86..

(24) 24. da gênese do Estado Liberal‖.37 Assim, ―exclui do conceito do Estado de Direito qualquer conteúdo de cunho jusnaturalista, universal, imutável, e, portanto, anterior ao Estado‖.38 Assim, para Plauto Faraco de Azevedo, o direito deve sempre regulamentar os fatos reputados relevantes à vida social, buscando a segurança e previsibilidade do agir humano, contendo sempre os valores correlativos da ordem e da justiça.39 O positivismo invade todos os ramos das ciências sociais, inclusive o Direito, a partir da metade do século XIX. A era de um Direito somente positivo, em que a norma é posta pela autoridade estatal, separada da norma ética, tendendo-se à identificação da justiça com a legalidade,40 levando à formação do Estado de Direito. Nesse sentimento, restou configurado o Estado de Direito uma vez que aplica a política da igualdade perante a lei, notabilizando a garantia de segurança conquistada ―por normais gerais e impessoais destinadas a eliminar o arbítrio dos detentores do poder‖.41 As leis pairam igualmente acima de todos os grupos da sociedade, sem representar determinado talante do governante, mas sendo objetivamente imparcial.42 Marçal Justen Filho43 identificou que antes da afirmação do Estado de Direito, a atividade administrativa do Estado era pouco permeável ao direito e ao controle jurisdicional, ou seja, o ato praticado pelo monarca não permitia controle uma vez que ele não podia errar ou que o conteúdo do Direito revelaria a sua vontade. O autor destaca, ainda, que o Estado de Direito se inclinou para eliminar critérios religiosos e carismáticos como legitimação do poder político e que a evolução histórica levou à agregação de dois novos elementos ao seu. 37. CARVALHO, Salo de. Da desconstrução do modelo jurídico inquisitorial. In: WOLKMER, Antonio Carlos (Org). Fundamentos de história do direito. 3. ed. Belo Horizonte, 2006, p.217. 38 JACINTHO, Jussara Maria Moreno. Dignidade humana: princípio constitucional. Curitiba: Juruá, 2009, p. 184. 39 AZEVEDO, Plauto Faraco de. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.25. 40 No sentido de AZEVEDO, Plauto Faraco de. Aplicação do direito e contexto social. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.25. 41 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo em evolução. 2. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 80. 42 Para o estudo em questão, ―O fato de o direito tornar-se escrito contribuiu para importantes transformações na concepção de direito e de seu conhecimento. A fixação do direito na forma escrita, ao mesmo tempo em que aumenta a segurança e a precisão de seu entendimento, aguça também a consciência dos limites. A possibilidade do confronto dos diversos conjuntos normativos cresce e, com isso, aumenta a disponibilidade das fontes, na qual está a essência do aparecimento das hierarquias. Estas, no início, ainda afirmam a relevância do costume, do direito não escrito sobre o escrito. Pouco a pouco, no entanto, a situação inverte-se. Para tanto contribuiu o aparecimento do Estado absolutista e o desenvolvimento progressivo da concentração do poder de legislar‖. Fundamento retirado de FERRAZ JUNIOR, Op. cit., p.72-73. 43 Para esse notável administrativista, ―a compatibilidade dos atos estatais com a ordem jurídica é o critério mais fundamental para a validade da atuação estatal‖. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 8. ed., Belo Horizonte: Fórum, 2012, p.75..

(25) 25. conceito, quais sejam: a superioridade da Constituição44 e a supremacia dos direitos fundamentais. Percebe-se, assim que a validade de um ato administrativo deve ser compatibilizada com essa norma de hierarquia superior, prevalecendo sobre as demais, além de que o Estado de Direito tem como fundamento, a supremacia dos direitos fundamentais. Sob a ótica de Odete Medauar, ―para maior certeza e segurança dos indivíduos, os direitos na esfera privada e na esfera pública adquirem consagração constitucional‖.45 Sob o influxo da ideia do Estado de Direito tornar possível regulamentar preceitos que protegem direitos dos indivíduos perante a Administração, limitando, desta forma, o poder das autoridades é que o direito administrativo se vincula a essa concepção de Estado, uma vez que fixa normas para as atividades da Administração.46 Assim, o direito administrativo voltou-se à proteção dos administrados diante da ação administrativa.47 Para José Joaquim Gomes Canotilho: O direito da administração pública converteu-se, porém, com o desenvolvimento do Estado Liberal, em direito positivo do estado. Tal como havia sucedido com os códigos civis, o direito da administração sofre a atractividade do estado, afasta-se da constituição e constitui-se como corpus autônomo e suficiente que incluirá, entre outras coisas, um sistema próprio de actos (o acto administrativo) e um sistema autónomo de justiça administrativa, separada e diferente da jurisdição ordinária (contencioso administrativo).48. Destaca-se nessa primeira fase do constitucionalismo moderno, o fundamento do Estado de Direito o qual presume a aplicação equitativa da lei a governantes e governados, conforme Mário Lúcio Quintão Soares expõe quando descreve o pensamento de Rosseau, como expressão das leis, de acordo com a tese do Contrato Social: Partindo do pressuposto da impossibilidade de cada indivíduo superar pelas suas próprias forças os obstáculos decorrentes da desigualdade humana existente no estado de natureza. ROUSSEAU propõe as condições do pacto legítimo através do qual o indivíduo, após renunciar sua liberdade natural, receba em contrapartida a liberdade civil.. 44. No sentido complementar à ideia, na atualidade, o Estado de Direito deve ser vinculado não apenas às normas expressas, mas também à sujeição de valores. 45 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo em evolução. 2. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 80. 46 Conclusão dada à vinculação de Estado de Direito ao direito administrativo. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 16. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.35. 47 BAPTISTA, Patrícia. Op. cit., p.18. Complementando o sentido no período do Estado Liberal. 48 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 123..

(26) 26. No processo de legitimação do pacto social, tornam-se essenciais a igualdade entre as partes contratantes e a renúncia parcial dos direitos, pois há direitos, fundados na natureza, inalienáveis.49. Para o autor, o grande contributo de Montesquieu à teoria do Estado deu-se pelas concepções antiabsolutistas, delineando um regime constitucional caracterizado pela nãoconfusão de poderes, através da sua teoria sobre a separação dos poderes ou de funções legislativas, executivas e judiciais acopladas a um sistema de freios e contrapesos que se tornou dogma do constitucionalismo demoliberal.50 Ensina Henrique Ribeiro Cardoso que o Estado de Direito, apresenta-se, de início, como Estado de Direito Liberal e que: ―Neste modelo de Estado, o poder do político é limitado em razão de sua divisão em três funções típicas, bem como em razão da redução do Estado ao mínimo de atribuições‖.51 Desse Estado de Direito decorrem os direitos de primeira geração como vida, integridade física, propriedade, liberdade, sendo a liberdade o valor principal deles. ―A concepção liberal, em seu sentido político e econômico, procurou proteger o indivíduo que, dentro de seu marco social, afigurava-se sempre livre para adquirir sua liberdade‖.52 Como resultado do processo do poder político na administração que se acentua na segunda metade do século passado, o Estado mostra uma configuração diferente da até então apresentada. O Estado passou a ter atuação com profundas consequências nos setores econômicos e sociais da coletividade, passando do Estado Liberal para o Estado Social, ampliando-se as funções sociais e assistenciais gerando consequentemente um aumento na máquina administrativa, em quantidade e em complexidade das suas funções.53 É, pois, o sistema de proteção social, que se iniciou nas últimas décadas do século XIX e no começo do século seguinte, que concedeu ao Estado uma função interventiva e regulatória na área do bem-estar social.. 49. SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p,75. Idem, p.72-73. Conforme Medaur: ―se distinguiam três funções estatais – legislação, execução e jurisdição -, que deveriam ser atribuídas a três órgãos distintos e independentes entre si. Na época, essa divisão significou uma reação ao enfeixamento de poderes na figura do monarca, significou um freio ao poder e sobretudo uma garantia dos direitos dos indivíduos.‖ MEDAUR. Idem, p.37. Demoliberal equivale ao liberalismo enquanto "moral social". Em: http://www.infopedia.pt/$demoliberalismo. 51 CARDOSO, Henrique Ribeiro. O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.16. 52 SOARES, Op. cit., p. 86. 53 Conforme entendimento de MEDAUR, Op. cit., p.36. 50.

(27) 27. Conforme bem fundamenta Marçal Justen Filho, nesse período, ―fatores sociais, ambientais, econômicos e individuais impediam que o indivíduo se realizasse como sujeito autônomo e usufruísse de sua dignidade‖.54 Ainda na ideia deste mestre, por esses diversos fatores, foi necessária a implantação e o desenvolvimento de serviços públicos e de atividades empresariais a partir de investimentos estatais, sendo, desta forma, o Estado meio de desenvolvimento econômico e social com características intervencionistas.55 A expressão de Estado-Providência foi reverenciada remontando às ideias do século ainda XIX, diferentemente à terminologia mais atual dada ao mesmo período que é Welfare State, expressão utilizada pelos ingleses para designar o Estado de bem-estar ou. Estado Social.56 Welfare State significa:57 Uma particular forma de regulação social que se expressa pela transformação das relações entre o Estado e a economia, entre o Estado e a sociedade, a um dado momento do desenvolvimento econômico. Tais transformações se manifestam na emergência de sistemas nacionais públicos ou estatalmente regulados de educação, saúde, previdência social, integração e substituição de renda, assistência social e habitação que, a pardas políticas de salário e emprego, regulam direta ou indiretamente o volume, as taxas e os comportamentos do emprego e do salário da economia, afetando, portanto, o nível de vida da população trabalhadora.. Nessa perspectiva, para Mário Lucio Quintão Soares: [...] O Estado social de direito tornou-se Estado administrador, permitindo o predomínio da Administração sobre a política ou da técnica sobre a ideologia. Procurou satisfazer o objetivo de compatibilizar, dentro do mesmo sistema, o capitalismo, como forma de produção, e a consecução do bem-estar social geral. O cidadão-proprietário, peculiar ao estado de Direito, essencialmente liberal, viu-se transformado em cidadão-cliente do Estado do Bem-Estar Social, através da materialização de direitos fundamentais. Enfim, o Estado do Bem-Estar Social , com suas intervenções, preservou a estrutura capitalista, mantendo, artificialmente, a livre iniciativa e a livre concorrência e compensando as desigualdades sociais mediante a prestação estatal de serviços e a concessão de direitos sociais.58. 54. FILHO, Op. cit., p.75. Idem, p.76. 56 O Plano Beveridge que originou do relatório elaborado por William Beveridge, sobre o sistema britânico de segurança social, em 1942, foi o primeiro documento a marcar os princípios do Welfare State. Esse documento teve repercussão em vários países, que passaram a organizar a política de segurança social. Segundo informa NOGUEIRA. Vera Maria Nogueira. Estado de bem-estar social – origens e desenvolvimento. Santa Catarina: Katálysis. Estado: sociedade civil e democracia. n.5 jul./dez. 2001, p.91-92. 57 VIANNA, Maria Lúcia Teixeira Werneck. A americanização(perversa) da seguridade social no Brasil: Estratégias de bem-estar e políticas públicas. Rio de Janeiro: Revam: UCAM, IUPERJ, 1998, p.37. 58 SOARES, Op. cit., p.212. 55.

(28) 28. Desse contexto de forma regulação social se depreende que todos os indivíduos devem ser abrangidos, uma vez que o Estado se mantém na postura de provedor dos serviços sociais para a sociedade como um todo e de integrador diante dos problemas causados com a industrialização. Sob o influxo dessas ideias, Vera Maria Ribeiro Nogueira leciona que a origem e a consolidação do Welfare State não podem ser justificadas sem se levar em conta o processo de expansão do capitalismo contemporâneo, que vai além de um sistema econômico que define os meios de produção, mas que também direciona a vida na sociedade civil e no cunho político.59 Nesse cenário, o formato do Estado-Providência vai tomando nova configuração à medida que a evolução histórica percorrida durante esses séculos contribuiu para a constituição do Estado Moderno. A importância desses ideais acerca da afirmação de que os indivíduos têm direitos, livremente do papel que ocupa na sociedade, deve ser lembrada fazendo ver que houve uma ressalva contra a prática do absolutismo e um clamor contra a desigualdade de direitos oriundos da política feudal, além da luta assistida de uma classe trabalhadora não proprietária, força produtiva fruto da industrialização, por uma cidadania democrática. A responsabilidade do Estado visando à proteção social se deu lentamente dentro desse contexto histórico, como sendo uma das formas de controle para a classe trabalhadora, lutadora por seus direitos. Num sentido político, a ideia explicativa para o surgimento do Estado do BemEstar Social se fundamenta na solidariedade social protetora em que transfere parte da responsabilidade individual para a esfera social, enaltecendo o movimento da democracia. Em face desse quadro político e econômico, refletindo sobre a vida social, cuja característica foi constatada através da solidificação do mecanismo da cidadania social,60 o Welfare State mostrou ser um fenômeno peculiar do século passado em que a cidadania se. revelou como o seu centro, voltando-se para o social fundamentalmente.. 59. NOGUEIRA, Op. cit., p.93. Thomas Humphrey Marshall em seu título Cidadania, Classe Social e Status identificou a cidadania em sentido moderno, como um conjunto de direitos de natureza civil, politica e social. O civil refere-se ao à liberdade individual, o político se relaciona à escolha de propostas da sociedade através do voto (direito de votar e de ser votado) e o social diz respeito a um mínimo bem-estar econômico e de segurança. MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. 60.

(29) 29. O Welfare State, como modelo de política social, estabelece-se como um elemento estrutural ao capitalismo contemporâneo, sendo que significou mais do que um incremento nas políticas sociais. Representou um esforço de reconstrução econômica, moral e política do mundo industrial desenvolvido e uma defesa à possibilidade de arraigarem-se as ideias comunistas.61 Na economia, sofreu influências do pensamento keynesiano, este avesso ao modelo ortodoxo,62 proporcionou a intervenção do Estado na economia diante da incapacidade do sistema capitalista conseguir empregar todos os que querem trabalhar, além de imputar ao Estado o direito e o dever de conceder benefícios sociais que garantam à população um padrão mínimo de vida. Esse padrão ainda representou a defesa das ideias de justiça social, solidariedade e universalismo e na política, foi parte de um projeto de construção nacional da democracia liberal.63 Corroborando com a análise, Odete Medaur64 enfatiza que a ordem econômica e social deve ser entregue aos cuidados do Estado, razão pela qual surgiu a noção de Estado empresário tendo em vista a ênfase dada à empresa, seja de capital privado, misto e público e a noção de Estado distribuidor visando à realização da justiça social, através da distribuição de bens econômicos e sociais, assegurando a defesa dos economicamente mais fracos.65 Sob esse influxo, o período impôs a intervenção do Estado como instrumento propulsor do desenvolvimento econômico e social e sua atuação vinculada à concretização dos direitos fundamentais.66 Para Gustavo Justino de Oliveira, o período foi marcado por uma busca de redefinição do papel do Estado, dos elementos nucleares desse modelo estatal, através de políticas públicas de reforma e de reestruturação com reflexos na Administração Pública, uma vez que uma das ―principais tarefas do direito administrativo é a de viabilizar, através de 61. Conforme ensinamento de NOGUEIRA, Op. cit., p.99. No contexto das ciências econômicas, os ortodoxos acreditam no livre equilíbrio entre oferta e demanda, sem a intervenção estatal. 63 Para Bobbio, ―o renascido interesse pelo pensamento liberal tem duas faces: por um lado é a reivindicação das vantagens da economia de mercado contra o Estado intervencionista, por outro lado é a reinvindicação dos direitos do homem contra toda forma nova de despotismo‖. Em BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Tradução Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2011, p.131. Considerando-se que a democracia liberal está sendo contraposta às ideias ditatoriais fascista e bolchevista disseminadas nesse período. Ainda sobre a democracia, Bobbio em uma segunda obra relata que ―[...] apenas os Estados democráticos protegem os direitos do homem: todos os Estados autoritários do mundo são ao mesmo tempo antiliberais e antidemocráticos.‖ Em BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução Marco Aurélio Nogueira. 6. ed. 4. ed.. São Paulo: Brasiliense, 2000, p.44. 64 MEDAUR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 88-89. 65 Completa o sentido, FILHO, Op. cit., p.76. 66 Idem, ibidem. 62.

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