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A organicidade do ator

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(1)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

A ORGANICIDADE DO ATOR

Adriana Dal Forno

CAMPINAS

2002

(2)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

Mestrado em Artes

A ORGANICIDADE DO ATOR

Adriana Dal Forno

Disserta\!ao apresentada ao Curso de Mestrado em Artes do lnstituto de Artes da UNICAMP como requisite parcial para a obten~o de grau de Mestre em Artes sob a orienta~o da Prof".

or.•

lnaicyra Falcao dos Santos.

CAMPINAS

(3)

FICHA CATALOGRAFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA UNICAMP

Dal Forno, Adriana

A organicidade do ator I Adriana Dal Forno. Campinas, SP [s.n.], 2002.

Orientador: lnaicyra Falcao dos Santos.

Dissertayao (mestrado)- Universidade Estadual de Campinas, Institute de Artes.

1. Atores. 2. Teatro. I. Santos, lnaicyra Falcao dos. I. Universidade Estadual de Campinas, Institute de Artes. II. Titulo.

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AGRADECIMENTOS

Agrade~ a minha orientadora Prof'. Dr". lnaicyra Falcao dos Santos pela paciencia e compreensao dos altos e baixos do processo, pela li~o pedag6gica atraves de seu sabio encaminhamento da cria~o, que ao focar sobre a natureza humana toma os principios comuns pela via da dan9<!-com-imagens, na tradi~o de cada um.

A

Nair D'Agostini por generosamente oferecer a meu corpo-mente seu conhecimento mais do que especial de Stanislavski, do ator, do teatro, da vida ...

A

Prof'. Dr". Sara Lopes por apontar os caminhos da fisicidade da a~o e da unidade corpo-voz, ainda por construir em meu processo.

A

amiga do peito, da pratica e da descoberta Mariane Magno. Aos queridos Diogo e Lucca pela for9<! na presen9<! e na ausencia.

A

minha familia e a do Diogo pelo apoio.

A

Estevan e Elcio, pelo ninho em terras estranhas.

Aos colegas, professores e tecnicos do Departamento de Artes Cenicas da UFSM, companheiros de jomada.

Ao Programa lnstitucional de Capacita~o de Docentes da CAPES, pela bolsa de estudos concedida no periodo de 1999 a 2000.

(5)

RESUMO

Esta dissertac;:ao tern como objetivo investigar o processo de estabelecimento da organicidade no ator, tendo como principal referencia as leis organicas da ayao, propostas por Constantin Stanislavski em seu Metodo de Ac;:oes Fisicas.

Assim, busca-se compreender ativamente o processo da organicidade no ator pelo estudo e pela realizayao da pratica criativa na forma de urn exercicio cenico.

No corpo deste trabalho estaremos levantando os varios aspectos que envolvem o trabalho ator e abordando o modo como estes elementos se articulam pelo principia da ayao fisica e, ainda, como fundamentam a criayao organica do ator. Dada esta base, estaremos relacionando as leis organica da ayao com a pratica do exercicio criativo, centrando a analise no processo psicoflsico.

(6)

SUMARIO

Resumo _______________________________________________ 4 Sumario 5 Lista de llustra~oes 6 1. lntrodu~io 7 2 0 Sistema de Stanislavski 10 2.1 Notas Preliminares 1 0

2.2 As Leis Organicas da Cria!f8o que compoe o Sistema 14

3 0 Metodo de A~6es Fisicas 36

3.1 A Base Organica da A!f8o: a integralidade psicofisica 38

3.2 A L6gica da Actao 41

4 Leis Organicas da A~io e Exercicio Criativo 57

4.1 A Atenctao e lmagina!f8o: os primeiros fundamentos 59 4.2 Os Musculos Livres, a Plasticidade eo Tempo-Ritmo 62

4.3 As Circunstancias e as Situa¢es 67

4.4 Relalf8o, Avalia!f8o, Valorizactao e Adapta!(ao 68

4.5 Comunhao: contato e comunica!f8o 70

5 Conclusio 80

(7)

LIST A DE ILUSTRACOES

Figura 1. Ayao e Situayao _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ ...,-ag. 73

Figura 2. A Plasticidade e as Sensa¢es ag. 74

Figura 3. Ritmo e Estados ag. 75

Figura 4. Reayao ag. 76

Figura 5. Objetivos Concretos ag. 77

Figura 6. Adaptayao e Circunstancia ag. 78

Figura 7. Relayao ag. 79

(8)

1

INTRODUCAO

Esta pesquisa se alicerr;a sobre o trabalho do ator como fundamento primeiro do teatro. Foi sobre o trabalho da a98o real do ator que os "pais fundadores"1 do teatro, no inicio do seculo XX, estabeleceram seu trabalho.

Stanislavski situa-se nesta tradi98o como urn investigador incansavel da verdade cenica do ator, em contraponto a formalidade desprovida de sentimento na atua98o. No Iongo periodo que dedicou a este trabalho, como ator, diretor e pedagogo, buscou modos de estabelecer a integralidade da presenr;a cenica do ator, sua verdade.

Foi atraves da a98o fisica que Stanislavski fez convergir suas primeiras experi€mcias, calcadas na abordagem direta dos sentimentos pela da analise da obra dramatica eminentemente intelectual e pela memoria emocional do ator, com suas experiencias posteriores, centradas na cria98o da linha fisica do papel pelo ator. 0 principio da a98o fisica resume, deste modo, a base operacional e concreta sob o qual o trabalho do ator e encaminhado em sua pedagogia.

A a98o fisica tern como pressuposto maior o trabalho do ator sobre si mesmo, que objetiva a cria98o de uma segunda natureza, de tal modo que a a98o nao seja s6 mecanica, mas portadora de sentidos originados na organicidade do ator, indissociavel da precisao na a98o.

0 trabalho realizado para atingir a ac;:ao precisa e organica acontece pela psicotecnica, baseada nas leis organicas da a98o. Estas leis ou elementos sao: a aten98o, a imagina98o, os musculos livres, o tempo-ritrno, a circunstancias, a situac;:aes, a rela98o, a avalia98o (que inclui a adapta98o) e a comunica98o.

Esta pesquisa tern como objetivo investigar o estabelecimento da organicidade no trabalho do ator a partir do principia da a98o fisica e das leis organicas da a98o de Stanislavski atraves da cria98o artistica.

1 Marco de Marinis (2000, p.l4) assim se refere aqueles que inauguraram mna perspectiva de trabalho no

(9)

A adaptayao do principia da ayao fisica e das leis organicas propostas por Stanislavski, a partir de 1930, atualiza-se neste trabalho em dois caminhos complementares: o estudo dos fundamentos do trabalho do ator e a pratica criativa a partir das leis, visando a ayao precisa e organica.

A forma de argumentayao utilizada por Stanislavski2 buscava dar conta do carater operacional de suas reflexoes calcadas na experimentayao pratica, incluindo uma terminologia originada e voltada para essa pratica. Neste sentido, muitas de suas noc;:Cies adquiriram significados diferentes dependendo do contexto - temporal ou cultural - aplicados. Tambem seu processo de pesquisa foi ali

retratado em suas transformac;:oes, descobertas e redirecionamentos.

Levando em considerayao essas particularidades, o estudo de sua obra teve sempre como parametro o Metoda de Ac;:oes Fisicas, apreendido em meu processo de formayao e na pratica profissional, como professora, junto ao Departamento de Artes Cenicas da Universidade Federal de Santa Maria.

lndependente, portanto, dos sentidos que a terminologia utilizada por Stanislavski adquiriu em diferentes contextos, depois de quase urn seculo de formayao de uma cultura teatral voltada para o trabalho do ator, prioriza-se, neste estudo, o entendimento partindo da pratica que cada noyao encerra e do processo individual de criayao, buscando verificar sua aplicabilidade no contexto contemporaneo.

0 exercicio criativo realizado visa uma resposta particular as proposic;:oes de Stanislavski, tendo como foco a independencia existente entre a pedagogia da ayao e as possibilidades poeticas da criayao.

A pedagogia da ayao, que propoe a organicidade,

e

o recorte do trabalho, nao tendo a pretensao de dar uma visao universal ou final ao sistema, nem tampouco, resgata-lo historicamente no contexto de suas encenac;:oes.

2

Os livros de Stanislavski direcionados ao trabalho do ator e a constru\'iio do papel possuem urna estrutura

ficcional, na forma de urn diario de urn estudante de teatro. 0 aluno descreve suas experiencias com os ensinamentos do diretor e professor Arkadi Nicolaievich T6rstov. Estes personagens sao uma referencia a prOpria experiencia de Stanislavski, baseando-se ainda em seus diarios e nos diarios de seus alunos.

(10)

A sequencia dos capitulos apresentados reflete o processo de compreensao dos principios abordados, ate a apropria~o dos fundamentos tratados por Stanislavski.

0 primeiro capitulo, neste sentido, coloca os elementos do sistema vistos sob a 6tica das transformac;:oes ocorridas pelo Metodo de A¢es Fisicas, com o objetivo de compreender os varios aspectos do trabalho do ator observados por Stanislavski para a promo~o do que denominava "o correto estado criador''.

No capitulo seguinte, o Metodo de A¢es Fisicas, o objetivo foi o de sistematizar os fundamentos da cria~o organics da partitura de ac;:oes, tais como: a integralidade psicofisica, a 16gica e coerencia das ac;:oes, a justifica~o da a~o. a linha direta de a~o. reforc;:ando a a~o fisica como principia e levantando questoes mais abrangentes da cria~o tais como: a perspectiva do personagem, do, do realismo e do naturalismo.

No capitulo Leis Organicas e Exercicio Criativo, os elementos da a~o sao abordados atraves da pratica realizada, colocando o processo de cria~o em uma perspectiva individual.

(11)

2 0 SISTEMA DE STANISLAVSKI

2.1 Notas preliminares

Constantin Stanislavski nasceu em Moscou, em 1863, e desde a infancia fazia teatro com seus familiares, com os quais realizou espetaculos amadores. Em 1888, ingressou na "Sociedade Moscovita de Arte e Literatura", tornando-se um de seus coordenadores. Permaneceu na sociedade ate 1898, tendo ali desenvolvido atividades como ator e diretor.

Em 1898, fundou com lvan6vich Nemirovich-Danchenko o Teatro de Arte de Moscou, onde atuou, dirigiu espetaculos, desenvolveu seu trabalho pedag6gico e escreveu sua obra. Ainda respondeu pela parte artlstica e de orientagao dos Estudios criados posteriormente.

Atraves do Teatro de Arte, Stanislavski e Danchenko iniciaram uma nova etapa, na qual buscaram, principalmente, a elaboragao do espetaculo baseado no conjunto harmonioso dos atores, ja que, na epoca, o espetaculo era elaborado sobre e para a figura de um grande ator. Empreenderam uma luta contra a teatralidade excessiva na atuagao, que era baseada em cliches teatrais, e buscavam desenvolver a etica e a disciplina dos atores e de todos de quem dependia o espetaculo.

Como ator, Stanislavski trabalhou ate os 65 anos (1928), encerrando sua carreira por problemas de saude. Na func_tao de diretor, suas principals caracterlsticas foram a especial atengao

a

individualidade criativa do ator, a qual visava a uma atuagao viva e organica, e

a

concepgao do espetaculo, baseada sempre na plasmagao da ideia, que e o resultado da realizagao do superobjetivo3, proposto pela obra em consonancia com a visao do diretor e do ator.

Stanislavski considerou, no curso de suas investigac_toes, que o fundamento basico do ator

e

a agao, mais precisamente a agao flsica. No ultimo perlodo de 3 Superobjetivo e o processo realizado atraves das a<;:(ies dos atores que trazem a tona as ideias geradoras da

obra escrita pelo autor. 0 superoQjetivo deve ser expresso atraves da integralidade do ator, por isso e urn processo de investiga\'iio, descoberta e acordo entre as ideias do autor eo trabalho do ator.

(12)

sua vida (a partir de 1920), ele desenvolveu o Metodo de AyOes Fisicas, o qual adquire sua ultima configurayao com o exercicio didatico sobre a obra Tartufo de Moliere. Antes, porem, percorreu um Iongo caminho que buscava os fundamentos do teatro e, principalmente, do processo criativo do ator, investigando os principios geradores da ayao real, enfoque que nos interessa neste trabalho.

Grotowski menciona essa busca, pelos principios que regem a arte do ator, como um dos principios pelos quais mantinha um profundo respeito por Stanislavski:

Sinto por Stanislavski um grande, profundo e multiforme respeito. Este respeito esta fundado em dois principios. 0 primeiro foi sua 'auto-reforma' permanente, seu continuo submeter

a

discussiio no trabalho, suas etapas precedentes. lsto niio foi por intenyao de parecer modemo. Em efeito tratou de prolongar coerentemente aquela busca mesma da verdade. ( ... ) Na realidade respondia

a

inovayao. Se sua busca se deteve no Metodo de Ac;:oes Fisicas, isso niio ocorreu porque tivesse encontrado a verdade maxima da profissiio, mas porque a morte interrompeu sua busca posterior (Grotowski in Jimenez, 1990, p.492t

Conforme os relatos de Stanislavski em Minha Vida na Arte, o que provocou uma pesquisa mais sistematica no trabalho do ator foi a vontade de estabelecer bases que resolvessem a crise resultante das repetiyOes freqOentes que niio permitiam tornar vivo e sempre renovado o personagem. Essas repetiyOes, fruto das sucessivas apresentayOes de um mesmo espetaculo, eram marcadas pela dissociayao entre as ayOes interna e externa ou pela inexistencia de ayao interna.

Sem duvida, todo o seu trabalho como ator e diretor ja se direcionava para a indissociabilidade do interno-externo no trabalho do ator. Porem, restava identificar as condiyOes que pudessem determinar este "estado de animo" correto,

4 "Siento por Stanislavski un grande, profundo y multiforme respeto. Este respeto esta fundado en dos

principios. El primero fue su 'autoreforma' permanente, su continuo someter a discusi6n en el trabajo, sus etapas precedentes. Esto no fue por un intento de permanecer modemo. En efecto trat6 de prologar coherentemente aquella bilsqueda misma de Ia verdad. En realidad respondia a Ia innovaci6n. Si su bnsqueda se detovo en el Metodo de Acciones Fisicas, esto no fue porque hubiese encontrado Ia verdad tru\xima de Ia profesi6n, sino porque Ia muerte interrumpi6 su bnsqueda posterior." Tradu\'30 nossa.

(13)

capaz de despertar, em cada nova apresenta«;ao, a natureza criativa do ator. Essa questao Stanislavski come90u a investigar mais sistematicamente no inicio do seculo, a partir da percep«;ao de que "se aos genios esta concedida pela mesma natureza a capacidade de chegar ao estado criador em sumo grau, talvez exista uma possibilidade para a gente comum de alcan99r um estado pr6ximo daquele, mesmo que isto exija um trabalho intenso; e se nao se consiga um resultado completo, que ao menos seja parcial"5 (Stanislavski, 1985, p.328).

Tendo como principal empecilho para a obtenc;:ao desse estado o "deslocamento entre o espiritual e o fisico, isto e, entre o corpo e a alma" (1985, p.327), Stanislavski buscou elementos em varias frentes. Assim, observando nao s6 que aos genios acontecia de forma natural, intuitiva, mas tambem a si mesmo6 e a outros atores e seus processos, comec;:ou a estabelecer as bases do seu sistema.

A procura dos elementos que proporcionavam a manifesta«;ao da natureza organica passou a ser a obsessao de Stanislavski. Alem dessa observa«;ao, com~u a desenvolver um trabalho individual, bem como iniciou a pratica de laborat6rio e exercicios7 com atores.

E

a partir da ideia de exercicio que Stanislavski procurava estabelecer uma segunda natureza, por meio do trabalho do ator sobre si mesmo, visto que a cena exige outro comportamento que nao o cotidiano.

Se uma das qualidades de Stanislavski foi sua busca constante sobre os fundamentos do trabalho do ator, outra, segundo Eugenio Barba, foi a inven«;ao do

5"Si a los genios les esta concedida por Ia misma naturaleza Ia capacidad de lograr el estado creador en grado

sumo, quizAs haya una posibilidad para Ia gente com!ln de alcanzar un estado cercano a aqut!l, aunque ella exija una labor intensa; y si no se obtuviera un resultado concretu, que al menos fuera parcial." Tradu98o

nossa.

6 Cabe lembrar que Stanislavski tinha por costume anotar em diario a aprecia\:iio critica de suas ~i'ies. 0

primeiro de que se tem noticia data de 1877 e vai

ate

1892, portantu desde os 14 anos. Quero me referir aqui tambem aos exercicios que comeya a aplicar sobre ele mesmo no inicio da articulru;iio do sistema.

7 Stanislavski fala de como Meyerhold estaria mais adiantado neste ponto, pois ja vinha desenvolvendo esta

pratica de exercicios e laborat6rio como objetivo de instrumentalizar o trabalho do ator. Nesta

epoca

cria um Es!Udio no Teatro de Arte de Moscou para apoiar o trahalho de pesquisa de Meyerhold.

(14)

exercicio, pelo qual os fundamentos poderiam ser compreendidos pelo ator. A esse respeito, Barba (1995) afirma que:

Os exercicios assim como foram inventados por Stanislavski e Meyerhold, no comeyo deste seculo, na primeira decada do seculo, nao existiam na hist6ria do teatro europeu. Existiam exercicios, exercita~ao por meio dos quais as pessoas se preparavam para a esgrima, para duelos e exercita~o vocal. ( ... ) Quer dizer, eram todos elementos que se referiam a uma utiliza~o imediata, funcional, utilitaria num espetaculo. ( ... ) Stanislavski e Meyerhold inventaram e come~ram a trabalhar exercicios que nao tinham nada a ver com a atua~o.8

Para Barba (in Marinis, 1997, p.15-16), o exercicio tern como caracteristica, entre outras, ensinar a ser ator nao no sentido de interpretar, mas de agir. 0 exerclcio cria urn caminho autonomo ao espetaculo por uma estrutura que conduz a a~o, ja que nao se compoe de uma narrativa. 0 exercicio tern a fun~ao pedag6gica de ensinar o ator a pensar com o corpo inteiro; a compreender a a~o real; a essencializar o comportamento cotidiano evidenciando a dramaticidade atraves do corpo; a trabalhar a presen~ cenica atraves da aten~o as partes do corpo; a repetir sem mecanizar. Alem disso, leva o ator a conhecer a natureza de seu trabalho que se caracteriza pela concentra~o sobre uma tarefa que exige humildade e coloca-o a prova constantemente atraves da supera~o de obstaculos. Trabalhando sobre urn esquema de a~oes concreto e repetivel, o ator, aos poucos, vai construindo pelo visivel o invisivel.

Podemos perceber, assim, que os exercicios da psicotecnica de Stanislavski se fundamentam em uma serie de elementos que sao requisitos basicos a serem dominados pelo ator. Esses elementos formam o sistema que se funda nas leis organicas da natureza.

A seguir, serao expostos os elementos do sistema, com o objetivo de visualizar as condi~es para o estabelecimento do processo criativo atraves do trabalho do ator sobre si mesmo. Essa primeira abordagem visa a fornecer

(15)

elementos para o entendimento do Metodo de AyOes Flsicas, que serao melhor desenvolvidos no terceiro capitulo, ja sistematizados e relacionados

a

pratica, mais especificamente,

a

criayao de uma partitura voltada para a obtenyao da organicidade da ayao.

2.2 As Leis Organicas da Cria!;io que compoem o Sistema de Stanislavski

As leis ou elementos da ac;:ao eram chamados por Stanislavski de "verdades elementares", por estarem presentes na vida e se referirem aos mecanismos de ayao do homem no mundo. Entretanto, para o ator, existe a necessidade de desenvolve-las e torna-las conscientes pelo exerclcio pratico. A esse respeito Stanislavski dizia que compreender para o ator e sentir, ou seja, compreender ativamente, fazendo conscientemente, ja que, tendo o ator a si mesmo como instrumento de sua arte, a ac;:ao consciente e uma exigemcia minima. Se na vida os processes conscientes e inconscientes da ayao ocorrem de forma automatica pela necessidade, a obtenyao da organicidade e verdade pelo ator pressup6e a abordagem desses processes atraves do controle e do domlnio de si nos elementos que lhe sao acesslveis. Esse processo Stanislavski nomeou como "trabalho do ator sobre si mesmo".

A vontade de tornar vislvel o invislvel, ou seja, tomar concretos ao olhar do espectador os estados e as impressoes do ator, leva Stanislavski a buscar as condic;:oes para o estabelecimento do correto "estado de criayao". A este estado pode-se chegar atraves de exerclcios baseados em leis basicas, ou princlpios, que foram se configurando

a

medida que Stanislavski dirigia seus experimentos e observac;:Oes

a

criayao do ator. Essas leis constituem o que se costuma denominar de os elementos do sistema de Stanislavski.

Segundo sua propria slntese o sistema se divide em duas partes9:

9 Esta sintese refere-se

a

aplic~es do sistema anterior ao Metodo de A~oes Fisicas. Pela ~iio fisica, e

posteriormente pela Aru!.lise Ativa do texto, a psicotecnica vai se fundar na indissociabilidade corpo-mente, e o personagem nao se dara exclusivamente pela arul.lise intelectual do texto.

(16)

1) o trabalho exterior e interior do artists sabre sua pr6pria pessoa, e 2) o trabalho exterior e interior sabre o personagem. 0 trabalho interior sabre sua pr6pria pessoa reside na elaborayao de uma tecnica psiquica que permite ao artists evocar em si mesmo o estado criador, durante o qual a inspirayao acode com muita facilidade. 0 exterior, ao contrario, consiste na preparayao do aparato corporal para a encarnayao do personagem e para a exata transmissao de sua vida interior. 0 trabalho sabre o personagem consiste no estudo da essencia espiritual da obra dramatics, do nucleo que serviu para a sua criayao, e que determina seu sentido, como o de cada urn dos personagens que compoem e integram a obra de que se trate (Stanislavski, 1985, p.442)10.

Em seu percurso se criador, Stanislavski preocupou-se com o "correto estado interior", que nao rna is poderia depender do "talento" ou do "temperamento" do ator. Buscou estabelecer o estado criador a partir de seis processes principais: o estimulo a si mesmo mediante a vontade; a indagac;io que gera material para criayao; a criac;io da vivencia, como processo invisivel; a criayao da imagem interior e exterior do personagem no que se refere

a

imagina~tio, a qual denominava sonho; a criayao visivel pela encarna~tio e finalmente, a influencia sobre o espectador.

A vontade do ator deve ser gerada pelo pr6prio trabalho, que estabelece uma ativayao corporal e mental, uma disponibilizayao do ator. Dessa maneira, a vontade se relaciona menos com uma capacidade inata do que com o desenvolvimento de uma atitude do ator no trabalho sabre si mesmo. Ela e uma abertura do ator ao estabelecimento do processo criativo a partir de procedimentos concretes.

Assim, a vontade desenvolvida atraves do trabalho sabre si mesmo atraves dos elementos

e

urn dos aspectos que pode criar a vivencia. Por vivencia,

10"1) el trabajo exterior e interior del artista sobre su propia persona, y 2) el trabajo exterior e interior sobre el

personaje. El trabajo interior sobre su propia persona reside en Ia elaboraci6n de una recnica siquica que perruite al artista evocar en si ruismo el estado creador, durante el cual Ia inspiraci6n acude con mucba facilidad. El exterior, en cambio consiste en Ia preparaci6n del aparato corporal para Ia encarnaci6n del personaje y para exacta transruisi6n de su vida interior. El trabajo sobre el personaje consiste en el estudio de Ia esencia espiritual de Ia obra dramatica, del nucleo que ba servido para su creaci6n, y que deterruina su sentido, como el de cada uno de los personajes que componen e integran Ia obra que se trste". Tradu¢o nossa.

(17)

Stanislavski entendia o desenvolvimento natural da emo~o atraves da 16gica intema da a~o conectada

a

a~o extema. De forma consciente, o ator, estimulando sua natureza organica, atraves dos principios da psicotecnica, criaria o processo da vivencia e despertaria o que Stanislavski considerava o diferencial na arte do ator: o sentimento.

A ideia que guiava esse entendimento era a de que a tarefa basica do ator consiste em "criar a vida do espirito humano do papel e transmitir esta vida na cena sob uma forma artistica" (Stanislavski, 1980, p.61). Criar a vida significa processo de vivemcia, ou seja, viver a a~o momento a momento. 0 sentimento, portanto, e uma resultante do comprometimento integral do ator na a~o. no caso, na a~o fisica, que vai deflagrar o processo criativo.

Franco Ruffini, em seu comentario sobre o sistema, argumenta que e "a tarefa da vivencia: adestrar a mente do ator para construir exigencias, ou seja, estimulos aos quais o corpo possa agir adequadamente" (in Jimenez, 1990, p.190). Nesse sentido, o corpo deve ser dilatado para tornar visiveis tais exigencias sendo importante frisar que, no Metodo de Ayees Fisicas, o processo inicia sempre pela a~o externa. De acordo com o autor, a condi~o basica para o personagem e o corpo-mente organico.

0

corpo dilatado e uma no~o da Antropologia Teatral que trata da presenya do ator. Essa presenya da a~o do ator na cena difere da a~o cotidiana pela forma de usar a energia. Segundo Eugenio Barba, "enquanto o comportamento cotidiano e baseado em funcionalidade, em economia de foryas, na rela~o entre energia usada e resultado obtido, no comportamento extracotidiano do ator, cada a~o. ni!io importa qui!io pequena, e baseada no desperdicio, no excesso" (Barba & Savarese, 1995, p.55).

Barba acrescenta ainda que ni!io se pode falar em "corpo dilatado" sem trazer junto a nor;:i!io de "mente dilatada". Ele esclarece:

A dilata~o do corpo fisico e de fato sem utilidade se ni!io acompanhada por uma dilata~o do corpo mental.

0

pensamento deve ultrapassar de forma tangivel a materia, ni!io s6 manifestar-se

(18)

no corpo em at,:ao, mas tambem atravessar o '6bvio', a inercia, a primeira coisa que surge quando imaginamos, retletimos, agimos (Barba & Savarese, 1995, p.58).

0 estabelecimento da vivencia, a partir desse ponto de vista, acontece pela abordagem nao habitual da mente, que, construindo a 16gica intema da at,:ao, estimula de forma mais precisa o comportamento fisico e Iibera a manifestat,:ao da natureza criativa e de seus elementos pouco tangiveis.

Vivencia e um processo em que sentimentos e emoyoes estao subentendidos, pois sao parte do processo organico humano. Nao se referem diretamente a uma "condit,:ao de espirito do ator"; exigem, ao contrario, a psicotecnica na "criat,:ao da parte durante a preparat,:ao, ou para vivificar a partitura durante a representat,:ao do espetaculo" (Ruffini, 1996, p.71-72), caso contrario a emot,:ao e sentimento passariam a ser compreendidos como uma manifestat,:ao abstrata e autOnoma.

Com o desenvolvimento de sua pesquisa, Stanislavski amenizou a enfase sobre a tecnica interior, trabalhada anteriormente pela abordagem direta das emoyoes, com base no estabelecimento da vivencia pela atividade intelectual de analise do texto. Assim, o estabelecimento do processo de criat,:ao vai adquirindo outro carater metodol6gico, que parte da not,:ao base do nexo entre a natureza fisica e "espiritual" do ator. Com isso, a concretizat,:ao do personagem e da obra acontece pela realizat,:ao da at,:ao fisica envolvida nas situayeies e circunstancias dadas pelo texto. Esse envolvimento se refere nao s6 ao texto, mas tambem, e essencialmente,

a

concretizat,:ao pessoal do ator, das situayeies e das circunstancias.

No processo de estabelecimento da "autentica criat,:ao organica" dado pela vivencia, muitos elementos foram importantes, mas o que mais gerou polemica talvez tenha sido a memoria emotiva,

a

qual o ator recorre para criar a vida na cena, ja que, na vida corrente do homem, nenhum memento

e

desprovido de sentimento. 0 trabalho do ator e o de estimular a memoria emotiva, revivendo sensayeies experimentadas, atraves do uso da imaginat,:ao ("se" e circunstancias

(19)

dadas), do conhecimento de diferentes areas e das relayCies humanas, pois a percepyao do mundo e uma das melhores formas de criarmos reservas para a mem6ria emotiva.

Para Stanislavski, o auxilio para a criayao de reservas de mem6ria se da pelo enriquecimento da percepyao do mundo e por meio dos cinco sentidos, atraves dos quais formamos as impressoes do mundo, tanto quanto pela imaginayao com seus elementos invisiveis e inaudiveis. A criayao de atmosfera, que evoca sensayCies pelo estimulo aos sentidos, alem dos elementos da psicotecnica, ajuda, segundo ele, a nao pensar no sentimento, mas permitir seu surgimento. Se os sentimentos primaries sao de dificil influencia pela vontade consciente, entao a psicotecnica deve preparar o caminho para o surgimento do sentimento analogo ao vivido ou imaginado. A condiyao para tanto e a capacidade de crenya e a convicyao do ator.

Richard Boleslavski (in Jimenez, 1990), que foi aluno do Teatro de Arte de Moscou quando Stanislavski aplicava seu sistema com enfase bastante grande sobre a mem6ria emocional, nos coloca, atraves de exemplos de seu trabalho nos Estados Unidos, que a abordagem da mem6ria nunca deve ocorrer pelo que o ator sentiu, mas pelos detalhes extemos da situayao vivida: as cores, as vozes, os rostos, etc. Quando o ator se coloca realmente na situayao - "se" -, o que ocorre e uma mudanya de qualidade fisica atraves do envolvimento concreto e organico na ayao, gerada por estas imagens.

Transportando as lembranyas (dadas como evocayao) para a ayao do personagem, o ator leva o sentimento, despertado indiretamente do plano real para o plano da fic9ao.

Uma das principais diferenyas desta abordagem do sistema para o Metodo das Ayaes Fisicas e a substituiyao da memoria emotiva, como criadora da vivencia, pela 16gica e coerencia da ayao, como elemento capaz de influir indireta e objetivamente na criayao da vivencia, que passa a ser uma consequencia do cumprimento das etapas de elaborayao do papel.

(20)

Parece-nos pertinente, no momento, mencionar a experiencia de Grotowski com o ator Ryszard Cieslak, no espetaculo 0 Principe Constanta. Neste trabalho, a mem6ria emocional se toma acesso de a~es fisicas vivas, trazendo uma possibilidade de aplica~o desta materia. Ferdinando Taviani (in Mascara, n°16, 1994, p.22) assim sintetiza esse processo:

Grotowski contou numerosas vezes: todo o trabalho entre ele e Cieslak para 0 Principe Constante ni!o partiu do texto; partiu da

constru~o de uma partitura de ac;6es fisicas que emergiam ate a objetividade a partir da mem6ria emotiva do ator. Estas tinham

rela~o com algumas recorda~es suas ligadas a adolescencia. Nenhuma delas foi dolorosa. As ac;oes que formavam a partitura de Cieslak surgiram do passado (detalhe por detalhe) de uma experiencia amorosa ( ... ) Foi um trabalho meticuloso de

rememora~o fisica e de paciente reconstru~o. Quando a partitura foi construida, quando sua forma estava estavel e precisa - e enti!o: objetiva - sobre esta foram colocadas com cautela as referencias do personagem do Principe Constanta. 11

Grotowski tem a mem6ria como via de estabelecimento da a~o real. 0 procedimento que utiliza e o da reconstru~o de corporeidades. 0 estado real, no sentido do ato realizado na integralidade do ator, e transposto para o ficcional. A diferenc;a consiste em ni!o haver, necessariamente, uma situa~o analoga entre as a~es do ator trazidas da mem6ria e as do personagem.

A mem6ria, atraves da abordagem indireta que assume pelo Metodo de

A~es Fisicas, torna-se um meio de acesso a a~o viva, crivel, desde que seja possivel ver neste um procedimento objetivo. Essa objetividade se refere ao tratamento dado a materia da mem6ria, que implica uma atitude do ator que ni!o

11 "Grotowski ha contado numerosas veces: todo el trabajo entre el y Cieslak para El Principe Constante no

parti6 del texto; parti6 de Ia construcci6n de una partitura de acciones fisicas e vocales que ernergian bacia Ia objetividad a partir de Ia memoria emotiva del actor. Estas tenian relaci6n con algunas remernbranzas suyas ligadas a Ia adolescencia. Ninguna de elias fue dolorosa. Las acciones que formaban Ia partitura de Cieslak surgian del pasado (detalle tras detalle) de una experiencia amorosa ( ... ) Fue un trabajo meticuloso de rememoraci6n fisica y de paciente reconstrucci6n. Cuando Ia partitura fue construida, cuando su forma fue estable y precisa- entonces: objetiva - sobre esta fueron colocadas con cautela las referencias al personaje del Principe Constante. "Tradu\)fu> nossa.

(21)

se fixa no conteudo emocional de suas recordayOeS, mas, sim, nas corporeidades que recobra.

Suety Rolnick (1994, p.107) descreve o que pela operayao da mem6ria se evidencia: "manancial de mundos ( ... ) modos de existencia que se apresentam", recobrando corporeidades (a mem6ria do corpo, a mem6ria das sensayoes) que incluem o corpo organico e, ao mesmo tempo, estao para alem dele. Essa via de encaminhamento da criayao do ator pode ser vista como urn estado necessario

a

ayao, que compreende a verdade e integralidade da natureza do ator, no contexte da ficyao, alterando a qualidade de sua presenya cenica pela distinyao da ayao cotidiana mecanica.

Ao abordar a mem6ria na construyao do subtexto, Stanislavski aconsetha: "esqueyam por complete o sentimento e concentrem a atenyao s6 nas visoes. Devem examina-las do modo mais atento possivel, e o que vejam, o que ouyam e sintam, descrevam da maneira mais profunda, perfeita e clara que possam"12 (Stanislavski, 1983, p.94). Ele sabia que toda a mem6ria traz consigo as sensayoes, os sentimentos e as impressoes vividas.

A mem6ria e aqui abordada pelas imagens, a linha mais acessivel ao ator. 0 fato de a mem6ria emotiva nao ser mais o elemento central no Metodo das Ayoas Fisicas, nao quer dizer que ela esteja descartada. Stanislavski apenas encontra uma maneira indireta de desperta-la no ator pela execuyao de ayees fisicas. A mem6ria, entao, nao e mais urn recurso direto para despertar as emoyoes na atuayao, mas uma forma de justificar e sustentar a ayao, tanto pela referencia adquirida na vida, quanto pela referencia adquirida por meio dos exercicios com objetos imaginaries ou dos demais aspectos do trabalho sobre si mesmo, criando, assim, uma mem6ria corporal e uma vivencia atraves das imagens.

12 "Oividen por completo el sentimiento y concentren Ia atenci6n s6lo en las visiones. Deben examinarlas del

modo

mas

atento que sea posible,

y

lo que vean, lo que oigan

y

sientan, describan-lo de Ia manera

mas

profunda, perfecta y clara que puedan." Traduyiio nossa.

(22)

Segundo o neurologista Ant6nio Damasio (2000, p.209) que analisa a consciencia a partir da rela9iio entre organismo (corpo/cerebro) objeto, a mem6ria, registro de objetos nao presentes, e armazenada sob forma dispositiva, como imagem, e este registro abrange nao s6 os aspectos sensoriais, mas tambem motores e emocionais (rea9iio ao objeto). Desta forma, todo objeto evocado engendra urn processo de consciencia similar aquele percebido realmente.

Portanto, se a mem6ria ja nao e mais evocada voluntariamente para despertar emoyees atraves da a9iio fisica, ela ainda desempenha papel crucial nao s6 nos processos organicos para a forma9iio do ator, no que tange ao dominio da a9iio, como tambem na criattao de realidades, mediando reac;oes pr6prias e ac;oes do papel pela imagina9i!io.

~ importante considerar ainda que as emoc;oes, para Damasio, estao envolvidas em qualquer processo organico de rea9iio ao objeto. Elas sao parte fundamental para estas reac;oes e para a consciencia desses processos na forma de sentimentos. As emo96es sao conceituadas por este autor como um conjunto de reac;oes - comportamentais exteriorizadas - em rela9iio a uma causa e a um meio especifico (2000, p.98), que visam a sobrevivencia, cujos mecanismos cerebrais sao inatos, acionados automaticamente, e modificam o corpo, incluindo o cerebro, para se tomarem sentimentos de emo9iio (p.75). Os sentimentos sao, entao, a transforma9iio em imagem das mudan~s ocorridas pelo estado de emo9l!lo. A estes dois estagios estaria acrescido o da consciencia da emo9i!io e do sentimento, sendo que estar consciente e sentir um sentimento (p.95).

lndependente, porem, das transforma9oes que perpassaram as pesquisas de Stanislavski, da mem6ria emotiva a attao fisica, abordaremos os elementos do sistema, divididos em elementos da vivencia e da encama9iio, para nao s6 melhor visualizarmos o contexto de pesquisa de onde surgem os elementos da a9l!lo, como tambem entendermos, atraves deles, os principios que guiam a psicotecnica na obten9iio da organicidade.

(23)

A primeira percep~o de Stanislavski em seus experimentos e observa~es e a da "liberdade do corpo", atraves dos musculos livres13, da elimina~o de tensOes desnecessarias a execu~o da a~o e da submissao do corpo as ordens da vontade do ator. Envolvidos nesse principio estao a consciencia do corpo pelo ator e a capacidade deste em utilizar seu corpo de forma eficiente. A eficiencia, nesse caso, se relaciona com a precisao e com a capacidade de agir sem os vicios cotidianos ou expressivos.

Seguindo a ordem dos principios do sistema, a aten~ao vai determinar a concentra~o da natureza fisica e mental da a9ao que esta desenrolando. Pela aten~o, o ator toma-se capaz de se posicionar com consciencia de corpo e mente diante do que ocorre a sua volta, comprometendo integralmente seu organismo no processo de cria~o atraves da aten~o dirigida ao objeto, que vai, em conseqOencia, mobilizar sua imagina~o.

Outro ponto que se configura como uma no~o base do sistema e o da "sensa~o de verdade" que alguns atores conseguem transmitir. Para que esta verdade se concretize, e necessario que o ator acredite na a~o que realiza momento a momento. Essa cren9a e a verdade cenica se forjam na imagina~o e, portanto, na aten~o dirigida ao objeto.

A imagina~o e o elemento que faz o trabalho do ator se transformar em arte, intervindo ativamente na sua atitude a partir de uma nova perspectiva do pensamento. De forma diferente da fantasia, a imagina~o mantem o nexo do pensamento com o concreto, que se refere ao percebido pelos sentidos na rela~o com o objeto de aten9ao. Agindo atraves de visOes interiores, imagens em uma linha ininterrupta, ela ativa a a~o e, conseqoentemente, as sensa9oes e a vivencia, configurando ainda o jogo com os demais atores.

E atraves do

"se" ("o que faria se me encontrasse em determinadas condi~es?" - pergunta que o ator se faz para iniciar a a9ao) que o ator passa a

13 Os elementos do sistema, ja sistematizados pelo Metodo de ay(!es fisicas, seriio melhor analisados no

terceiro capitulo. Estes elementos

sao:

a aten9ao, a im~, os m1lsculos livres, as circunstaocias, as

(24)

operar em outra realidade, a realidade que se cria pela imagina~o. Se o "se"

e

impulso para a cria~o, o "se magico", ja mediado pela imagina~o, provoca instantaneamente a a~o atraves da pergunta que se cria e a qual cabe ao ator responder agindo. As circunstincias dadas sao uma agudiza~o dessas perguntas levantadas pelo "se", impulsionando, dando fundamento e justificando a a~ao.

As circunstancias, como desenvolvimento natural do "se", configuram-se como um contexte externo ao ator que interfere em seu pensamento e em sua a~ao e determina seu comportamento. Colocadas geralmente como um obstaculo aos objetivos a que o ator se propoe (no contexto do papel), as circunstancias sempre geram a~, que se caracterizam como luta, e contribuem para o desenvolvimento de uma linha continua, que no contexto deste trabalho significa o mesmo que linha direta de a~o, designada por Stanislavski tambem como linha trasnversal. Elas sao mais um elemento que serve para estimular os processes da natureza organica do ator e assim chegar a cren~ na a~o e a "verdade suposta". Segundo Aleksandr Pushkin (in Stanislavski, 1980, p.91 ), a circunstancia e a base do conflito dramatico, que envolve a luta por algum objetivo: "Sinceridade das emo~oes, sentimentos que parecem verdadeiros em circunstancias dadas: esta aqui o que exige nosso espirito de autor dramatico".

As circunstancias geram as situa!;oes ou acontecimentos 14, que marcam os segmentos da obra ou da cria~o do ator. Atraves da situa~ao, o ator percebe o que ocorre aqui e agora e como interfere nos acontecimentos por meio de sua a~o. A a~o fisica (como uma luta contra as circunstancias dadas para alcan~r um objetivo em um determinado acontecimento) s6 se define, porem, a partir do memento em que o ator estabelece para si o objetivo, a finalidade que move a a~o, em cada situa~o e em rela~o as circunstancias dadas ou criadas pelo ator, contribuindo para a gera~o da viv€mcia.

14 Assim como colocado anteriormente a respeito de linba de ~ continua, estes dois termos significam o

mesmo na abordagem deste trabalho. A palavra acontecimento na pnitica que realizo contempla, em nosso entendimento, de forma mais objetiva a li\'OO como geradora de ~ e ~o para o ator.

(25)

Mas o estabelecimento da vivencia depende ainda, no contexte do sistema, de outros elementos, entre eles a comunhio e a avalia~io.

E

pela comunhao que a vivencia se manifesta, e isso acontece pela rela~o com o "partner" na cena e como objeto, atraves da aten~o a cada memento especifico da a~o.

A natureza do teatro, conforme Stanislavski, se baseia na comunica~o. estabelecida pela comunhao com o objeto (aqui colocado em sentido amplo, objeto real, imaginario ou atores que contracenam).

E

no compartilhar dos aspectos aparentes ou subentendidos da a~o com o "partner" que se estabelece tambem a comunica~o com o publico. A comunica~ao ideal para ele e aquela que decorre da fusao do ator com o papel, ou seja, da a~o do ator nas circunstancias dadas e na situa~o. No processo de comunhao, e indispensavel a avalia~o das circunstancias que se apresentam, dos novos objetos de aten~o que surgem delas.

Ja como modo da comunica~o, a adapta~io (o ajuste da a~o

a

circunstancias) envolve a elei~o consciente do rumo a seguir e a sua realiza~o. tendo sempre cada mudan~ justificada. Cada novo ajuste estabelece novo objetivo e, assim, um processo ativo e continuo que gera tambem novas formas de rela~io, que e a rea~o que se estabelece pela a~o em fun~o da avalia~o e da adapta~o.

Ainda importante para cria~o. ja direcionada para o trabalho do ator sobre o papel, esta o superobjetivo (ideia que permeia a trajet6ria de a~o do ator e do texto ), que e uma resultante da intera~o entre o objetivo do autor e a luta que estabelece o ator para alcan~-lo, que, por esta opera~ao transforma o superobjetivo em algo proprio. Sem a referencia do texto, o superobjetivo pode indicar um objetivo maior ao qual o ator quer chegar.

0 superobjetivo

e

tra~do pela linha direta de a~ao, ou a~o transversal, dirigida

a

realiza~o do superobjetivo. Esta linha

e

constituida pela resultante da cria~o do ator. Sua principal caracteristica e estabelecer a a~o atraves da luta contra as circunstancias dadas para alcan~r os objetivos. Essa a~o sempre e nomeada por um verbo, para refor~r seu carater ativo. 0 termo "luta" deve ser

(26)

entendido pelo esfor\X) do ator em veneer as dificuldades e empecilhos que se apresentam pelas situay<ies e circunstancias, gerando sempre urn problema a ser resolvido, o conflito.

Stanislavski frisava que o processo de viv~ncia, que se estabelece por esses elementos, nao e estar em cena como se e na vida. Sua psicotecnica tinha como objetivo a cria~o de condiy<ies de integralidade e de vida no trabalho do ator atraves dessa refer~ncia e nao a garantia de seu estabelecimento. A mobiliza~o da natureza do ator pela psicotecnica nao acontece para que a rea~o do ator na cena seja a mesma que a real, mas sim para que desperte a fe (crenc;:a) no comportamento ~nico e a sensa~o de verdade, criando a ilusao de autenticidade.

E

importante acrescentar, que o aspecto correlate ao estabelecimento dessa verdade ou organicidade e a sua elabora~o em uma forma artistica.

Nas notas introdut6rias dos livros de Stanislavski referentes ao trabalho do ator sobre si mesmo no processo da viv~ncia e da encama~o. G. Kristi pontua a vontade inicial de Stanislavski de ver editados em urn s6 tomo os dois processos, ja que no periodo final de suas pesquisas a viv~ncia e a encarna~o eram indissociaveis. Seus problemas de saude, porem, fizeram que as ediy<ies fossem feitas separadamente15.

Dentro do que nos apresenta a edi~o de suas obras completas, adotamos a seqO~ncia da viv~ncia seguida pela encarna~o, dedicada

a

educa~o do corpo e

a

expressao. A encarna~o ira abordar a voz, a linguagem, a plasticidade, o

ritmo e a caracteriza~io, acrescidos das reflexoes sobre a etica e a disciplina do ator, do encanto cenico e do controle de si.

A plasticidade, para Stanislavski, estava acima da interpreta~o e da danya, ja que para ele existiam duas classes de bailarinos e atores. Na primeira, os bailarinos usam a plasticidade e o movimento por eles mesmos, e os atores t~m a plasticidade, mas os movimentos sao vazios. 0 problema destes ultimos e o de

15 0 processo de vivencia foi publicado em 1938, ano de sua morte, e as notas ainda inacabadas da encarnll¢o

(27)

ni!io transformarem o gesto e o movimento em ayao. Para tratar da segunda categoria, o autor faz a oposiyi!io em relayi!io

a

primeira:

Ha outras classes de bailarinos e atores, aparte das que acabamos de considerar. Sao os que elaboram uma especie de plasticidade fixa, para toda a vida, e nao pensam mais sobre este aspecto de suas ac;Oes fisicas. Seus movimentos passam a ser para eles uma parte de seu ser, sua caracteristica individual, a segunda natureza. Os bailarinos e atores desta classe nao danyam nem interpretam, e s6 realizam movimentos ph:isticos16 (Stanislavski,

1983,

p.43-44).

A plasticidade e, para Stanislavski, a conseqOimcia da percepyi!io das sensa9oes geradas na linha de ayi!io interior e na preparayi!io e disponibilidade do corpo. Dessa forma, os movimentos adequados sao aqueles nascidos da linha interior e da segunda natureza, trabalhada pelo ator.

A base do movimento plastico e esse fluxo interior, a linha intema ininterrupta que se da tanto pelo conteudo tratado, quanto pela consciencia da energia corp6rea. A esse fluxo deve-se combinar o tempo-ritmo. Esse elemento se aplica

a

linha intema e

a

linha externa da ayi!io, tanto quanto

a

voz.

Quanto ao ritmo, Stanislavski o define como a combinayi!io de qualquer durayi!io possivel que divide o tempo. 0 ritrno e a varia9i!i0 no tempo capaz de interferir diretamente sobre o estado criador atraves de sua conjugayi!io com as circunstancias dadas, tambem criando imagens e estados para o estabelecimento de novas circunstancias. Por essa vocayi!io

a

criayi!io de estados, o tempo-ritmo tambem e importante para 0 desenvolvimento da VOZ e da linguagem.

Os outros elementos da linguagem, alem do tempo-ritrno, sao a entona9io,

a acentua!;iO e as pausas. Sobre eles o ator podera desenvolver a "perspectiva do pensamento expressado" (atraves da 16gica e coerencia aplicadas aos acentos, para dar sentido ao texto ), a "perspectiva do sentimento vivido" e a "perspectiva

16

" Hay otras clases de bailarines y actores, aparte de los que acabamos de considerar. Son los que han

elaborado una especie de plasticidad fija, para toda Ia vida, y no piensan

mas

sobre este aspecto de sus acciones fisicas. Sus movimientos han pasado a ser para ellos una parte de su ser, su caracteristica individual, Ia segunda naturaleza. Los bailarines y actores de esta clase no bailan ni interpretan, y s61o saben hacer

(28)

artistica". Sao fundamentals para 0 desenVOIVimento dessas perspectivas OS

trabalhos com a voz, a amplia~o de seu registro e o aperfeiyoamento da linguagem.

Para o desenvolvimento da voz, Stanislavski considerava necessaria a coloca~o correta, o trabalho com a respira~o para toma-la mais plena e consciente, o estudo da emissao das vogais e consoantes, a ressonancia e o som das notas. Os instrumentos que usava para esse trabalho eram o exercicio desses elementos e o canto.

Para ele, o trabalho vocal deve culminar com a capacidade de "cantar como se fala e falar como se canta" (Stanislavski, 1983, p.79), dando relevancia a pronuncia e a coloca~o. Essa qualidade se da atraves da cria~o de uma segunda natureza, constituida no habito do trabalho vocal, que, junto ao trabalho com a linguagem, objetiva ir contra a declama~o do texto, chegando a ayao vocal.

Stanislavski dizia que "falar significa atuar. E esta atividade nos da o objetivo de transmitir aos demais nossas imagens. Nao importa se as vejam ou nao" (Stanislavski, 1983 p.92). A ayao vocal

e

aquela gerada nos objetivos dados pelo texto e que

e

portadora de um sentido. Ja que o texto, conforme Stanislavski, nao deve ser um simples instrumento de exibiyao das qualidades vocais, faz-se necessaria a cria~o de uma linha interior, que justifique o uso da voz e da linguagem e que flua sob as palavras.

Essa vida que se da as palavras, esse aspecto interior do texto

e

chamado subtexto. 0 subtexto faz a diferenya entre a recitayao e a a~o vocal e constitui-se de visoes 17 pr6prias do ator.

17 Em nota de rodape (Stanislavski, 1983, p.93), os editores especificam que o sentido de visoes, para

Stanislavski, engloba "o conjunto de todas as nossas represen~s sobre o objeto e as ~ acumuladas por todos os 6rgaos dos sentidos ". A titulo de ilustrayao, sob a perspectiva cientifica, citamos as observay(ies de Damasio (2000, p.401-405) que coloca que as imagens sao representaye;es (padmo neural) constitoidas a partir de modalidades sensoriais, e que ocorrem em fun\'3.o das mudan9as sofridas pela rei~ do corpo com o objeto. Tais modalidades silo a auditiva, a visual, a olfativa, gustat6ria e a s6mato-sensitiva, esta Ultima tem por fun9llo sinalizar aspectos dos estados de corpo e "inclui varias formas de perceps:llo: tato, temperatora, dor, e muscular, visceral e vestibular".

(29)

Se as ayoes fisicas despertam a viv~ncia no movimento atraves das imagens, estas t~m o mesmo objetivo para a emissao do texto. Essas visoes se dao como consequencia das condiyaes exteriores a ayao, ou seja, das circunstancias dadas, que resultarao nos objetivos correspondentes as palavras e ao texto como urn todo.

Stanislavski esclarece que esse procedimento nao visa a constituiyao do naturalismo ou do realismo, mas a criayao de ficyaes capazes de mobilizar a natureza criadora do ator. 0 subtexto e urn procedimento criativo do ator, que esta relacionado com o entendimento dos objetivos propostos no texto. Partindo desses objetivos, a linguagem e "ilustrada" com as imagens pr6prias do ator.

Fabrizio Crucciani (1995, p.118-119) afirma que, sem alterar o texto dramatico e de forma subterranea, Stanislavski organiza os elementos da cena orientando-os em direyao ao ator e nao ao poeta; prioriza, assim, a ayao do ator e nao exclusivamente a dicyao. 0 texto e colocado a servivo do ator, abrindo-lhe o espayo criativo necessario, para que sua intenyao se projete ao publico.

No que concerne a linguagem, os aspectos que devem ser levados em conta sao: as pausas 16gicas, determinadas pelas regras da linguagem em signos de pontuayao, e as pausas "psicol6gicas", geradas pelas visoes e que ainda sao parte da transmissao do subtexto; a entonayao, com suas subidas e descidas da voz, sua gama vocal em oposiyao a voz que busca a potencia no volume; o acento, que e 0 elemento que traz exatidao a linguagem tanto quanto pode dar

perspectiva 18 ao texto; e o tempo-ritmo, que faz com que a linguagem comum aproxime-se da linguagem poetica e da musica e, principalmente, e urn procedimento que atua sobre a sensibilidade do ator atraves dos estados de animo que suscita. Para o dominio da voz e da linguagem, sao ainda exigidos o conhecimento do proprio idioma e o uso desses procedimentos sobre si mesmo "com urn certo calculo" (1993, p.123), visando a utilizavao das possibilidades expressivas de forma artistica.

(30)

A caracterlza~io e outro elemento que faz parte da encamayao. Sua funyao e a transmissio da 16gica do personagem gerada nas circunstancias e situa¢es do texto, das quais se originaram as imagens pela ayao fisica (oriunda de urn verba de ayAo), definindo a caracteristica da linha fisica do personagem.

E

importante esclarecer que a linha intema acontece atraves da ayao fisica e pela compreensio da coerencia corp6rea que se estabelece entre as a¢es numa determinada sequencia. Assim, a coerencia de uma ayao isolada, no que tange a mecanica corp6rea, se soma a coerencia entre as ayoes em conjunto que demandam uma 16gica pr6pria, caracterizada aos olhos do espectador principalmente pela qualidade do movimento ali implicada.

Todo o processo de elaborayAo da ayao intema e extema tern como motivadores de criac;Ao as circunstancias, situa¢es e verbos de ayao sugeridos pelo texto. A ayAo, no entanto, nio e a imitayAo de uma imagem (dada pelo autor ou mesmo, criada pelo ator), mas uma vivencia da imagem, a presentificayao da imagem, que nio permite ao ator expor-se a si mesmo, ja que a integralidade psicofisica age por uma 16gica distinta, criativa.

Stanislavski esclarece que ha uma diferenya entre buscar em si sensa¢es analogas as do personagem e adaptar o personagem a semelhanya de si mesmo. Na relac;Ao homem-ator com o papel, o ator deve recorrer a si mesmo, buscando sensayoes analogas as do personagem geradas nas a¢es fisicas. Sobre isso Stanislavski define: "a caracterizayao e o mesmo que uma mascara que oculta o ator - individuo. Resguardado por ela, pode revelar os detalhes mais intimas e picantes de seu espirito" (1983, p.213).

0 ator que sujeita sua linha de a¢es, ou partitura, a sua auto-imagem nio esta em condic;Ao de arte, mas exibindo-se. A posiyao ideal para ele e aquela em que o ator e capaz de "amar a arte em si e nio a si mesmo na arte" (Stanislavski, 1983, p.239), se referindo ao comprometimento etico que prioriza o processo de criayAo ao exibicionismo e destacando a criac;Ao como qualidade do produto artistico.

(31)

Em palestra intitulada "A Mascara como Elemento Xamanico no Treinamento Teatral de Jacques Copeau"19, Thomas Leabhart esclarece que a mascara, como objeto concreto ou como neutralidade, era "urn metodo para alcanyar a presenya atraves da ausencia, urn estado ideal de performance". A mascara exige urn esvaziamento, uma distancia do eu consciente para quem a usa deixar-se agir de uma outra forma.

A partir desse aspecto do uso da mascara colocado por Leabhart, podemos abordar a caracterizayao nao mais por ela mesma. Stanislavski coloca a relayao homem-ator-personagem no sentido de que a sinceridade do ator se manifesta atraves da "mascara-imagem" do personagem, com a qual o ator pode ultrapassar "audaciosamente" sua auto-imagem, tendo sua individualidade de impressoes e sensayoes como meio para atingir a ayao real (e nao como forma de expo-las) e, ainda, como forma de ser sincero e nao cair na sobreatuayao, termo que denuncia a imitayao de uma imagem e nao sua vivencia.

Em uma carta dirigida a Liubov Gurevich (escritora, critica literaria e teatral e ajudante de Stanislavski na ediyao de suas obras ), em abril de 1931, Stanislavski defende os procedimentos da vivencia, mediados pela imaginayao, no "se magico" e nas circunstancias dadas, pelos quais tambem se estrutura a caracterizayao. Aqui, como na proxima citayao, Stanislavski observa o que e criayao do ator e o que e referencia do texto, salientando o aspecto criador/ativo do primeiro e o carater motivador do segundo. Ele declara:

0 segredo esta em que o ator nao deseja nem deixa de desejar nada. Ele responde

a

pergunta que formulou a si mesmo: "Que haveria feito eu se ... ?" Ele haveria feito exatamente o mesmo que na vida, pois se houvesse desejado agir de outra forma entao haveria falseado ou sobreatuando, nao vivenciando assim como e necessario

19 Evento "Poetica e Gramatica do Mimo Corp6reo", promovido pelos departamentos de Artes Cern cas e Arte

Dramatica da UFSM e UFRGS em julho de 1995, em Santa Maria e Porto Alegre respectivamente - RS. 0 Prof. Dr. Thomas Leabhart

e

professor no Pamona College- CalifOrnia I EUA. Foi aluno de Etienne Decroux, criador do "mimo corp6reo". A referida palestra tern tradtl\'iio de Marcelo Fagundes.

(32)

e nao crendo no que faz sobre o tablado20 (Stanislavski, 1986, p.339-340).

Para o autor, a cria~o s6 acontece quando mediada pelo "se magico". Quando respondida a pergunta, referida acima, o papel nao mais existe:

56 existo eu mesmo. Do papel e da obra s6 ficam as condiy6es, as 'circunstancias de sua vida', sendo todo o resto meu, proprio, que me pertence, ja que todo o papel, em cada urn de seus momentos 'criativos' pertence a urn individuo vivo, e dizer, ao mesmo artista e nao ao esquema morto de urn individuo, e dizer, ao papef1 (Stanislavski, 1986, p.340).

Ainda sobre a questao da identifica~o. discutida aqui atraves do mote dado por Stanislavski na caracteriza~o como mascara, podemos concluir que ela nunca ocorrera completamente, ja que ao ator, como ele observa, cabe viver em cena e, ao mesmo tempo, observar suas ay6es, pois "precisamente esta dupla fun~o. esse equilibrio entre a vida e a atua~o. constitui a arte" (Stanislavski, 1980, p.316).

A caracteriza~o e, portanto, urn instrumento para dar vida ao personagem atraves do trabalho do ator, que, partindo de si mesmo e tendo como mediador a imagina~o e como recursos os aspectos corporals e vocais da encama~o. da forma

a

sua cria~o.

A rela~o entre vivtmcia e encarna~o depende ainda, e principalmente, da a~o e sua intrinseca rela~o com a

te

e verdade cenica e com a 16gica e coerencia da a~o. A verdade da a~o. sua sinceridade, depende principalmente da crenc;:a que o ator deposita na atividade que realiza. A crenc;:a s6 pode se estabelecer naquilo que consideramos verdade, e a crenc;:a do ator acontece pela capacidade de aten~o e concentrac;:ao no objeto em cada momento da a~o.

20"El secreto esta en que el actor no desea ni deja de desear nada. El responde a Ia pregunta que se ha fonnulado a si mismo: 'lQue hubiera hecho yo si...?' El hubiera hecho exactamente lo mismo que en Ia vida pues se hubiera querido obrar de otra fonna entonces hubiera fa!seado o sobreactuado, no vivenciando asi como es necesario y no creyendo en lo que hace sobre el tablado". Tradu.,iio nossa.

21 "Solo existo yo mismo. Del papel y de Ia obra s6lo quedan las condiciones, las circunstancias de su vida

sendo todo el resto mlo, propio, me pertenece, ya que todo papel, en cada uno de sus mementos creativos pertenece a un individuo vivo, es decir, a! mismo artista y no a! esquema muerto de un individuo, es decir, a! papel." Trad~ nossa

(33)

A verdade da cena possui caracteristicas muito especiais, pois se funda na ficyao. A verdade,

a

qual se refere Stanislavski, e a "verdade de meus sentimentos e sensayaes, da verdade da motivayao interna criadora que trata de revelar-se"22 (Stanislavski, 1985, p.333). A verdade e a "verdade suposta". Segundo ele, "na cena, a verdade e aquilo em que o artista acredita sinceramente" (idem, ibdem), ou seja, e aquela ayao que compromete a integralidade do ator atraves da atenyao ao objeto.

Na abordagem da fe e no sentido da verdade, no contexto de sua obra escrita, Stanislavski vai estabelecer mais fortemente a relayao entre a verdade dos sentimentos e a fe nas agoes fisicas. A verdade cenica vai supor agoes fisicas precisas, definidas e claras em seus menores detalhes, o que envolvera atengao e concentrayao maiores.

Se a verdade e a fe nao se criam por si mesmas, o recurso mais objetivo e concreto

e

a agao fisica, pois os sentimentos sao de dificil controle, principalmente quando se trata de resgatar estes sentimentos mediante as continuas repetigoes.

Para o estabelecimento da verdade, que ira despertar a autemtica vivencia, e necessaria que o organismo do ator, em sua totalidade, reconhega experiencia de imagens, sensayaes e impressoes como sendo vital. Assim, atraves da atenyao e do controle consciente a cada aspecto da ayao (intemos e extemos), deve ser criada uma 16gica coerente, ou seja, uma determinada ordem e sentido.

Na vida, nossas ay<ies sao automaticamente 16gicas e controladas instintivamente por pelo menos uma condiyao basica, a da sobrevivencia diante de circunstancias. Na cena, ao contrario, as motivagoes para a agao sao alheias e nao partem de uma necessidade organica.

E

pela estruturayao da ayao, de uma maneira 16gica e coerente, entre circunstancias dadas, de forma consciente, que, segundo Stanislavski, poderemos despertar nossa natureza criadora. Sem ter como fim o naturalismo, ja que recorre

a

16gica organica das agoes correntes, o

22 Entenda-se sentimento como uma resultante do comportamento integral do ator e que implica na

(34)

que pretende e resgatar a organicidade desse processo atraves da mobilizayiio integral do organismo do ator em um contexto ficcional.

Ao colocarmos os elementos que compoem o processo de encamayiio, referimo-nos

a

etica e disciplina do ator, ao controle de si e ao encanto cinico.

Para fechar a exposiyao desses elementos, faremos uma breve exposiyiio dessas nof;oes que sao parte importante na criayiio de urn estado criativo adequado.

A etica e, para Stanislavski, uma atitude do ator diante do fazer teatral que se adquire atraves da disciplina e do controle de si, desenvolvendo a disponibilidade (vontade) diante do trabalho. "A carreira artistica e magnifica para todo aquele que tern a vocayiio e a compreende" (Stanislavski, 1983, p.336). Conhecer a arte e um pressuposto que envolve trabalho e dominio tecnico. Como estado previo para a criayiio, a atitude do ator interfere na convivencia de um grupo e no dominio da arte. Essa atitude se forja a partir de si mesmo e implica uma inter-relayiio e coerencia de comportamento tanto na arte quanto na vida. Stanislavski enumera diferentes situa~s que devem ser orientadas por uma atitude consciente e etica do ator em relayiio

a

sua arte.

0 dominio de si age em diferentes niveis. Seu principio e o de que o espectador deve se emocionar mais do que o ator. 0 ator deve ter o controle sobre os aspectos que determinam sua arte e para estes dirigir sua atenyao. Ele controls, assim, as emo¢es, os movimentos involuntarios, entre outros aspectos de sua natureza criadora, para manifestar o essencial na linha de af;oes.

E

a partir do controle, ainda, que o ator transforms o material disponivel em arte atraves do "toque final", por onde se da o sentido que Stanislavski atribuia

a

inspirayiio. Criticando a visao de um aluno, diz que:

Voces tomam como inspirayiio os momentos de extase extremado. Sem negar-lhes, insisto que as formas de inspirayiio sao diversas. 0 penetrar serenamente em si mesmo tambem pode ser inspirayiio. 0 facil e livre jogo com o pr6prio sentimento tambem pode ser inspirayao. A penosa e lugubre consciencia do segredo do ser tambem pode ser inspirayiio. ( ... ) Posso enumerar todas as formas, quando sua origem se oculta no subconsciente e e inacessivel

a

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razao humana? ( ... ) S6 podemos falar do estado do artista que constitui um excelente terreno para a inspirat;ao. Para este estado o

dominio de si e o toque final na criat;ao sao valiosos23 (Stanislavski, 1983, p.225).

0 dominio de si e o toque final como caminho da inspirat;ao sao complementos ao controle do aparato fisico e mental e se caracterizam pela transmissao da linha de a~oes vislveis e invislveis. Uma faceta importante para esta finalizat;ao e o domlnio do tempo na realizat;ao da at;ao, que acontece pela conten~ao e acabamento, desenvolvendo seus matizes e qualidades.

0 encanto cenico se estabelece atraves da luta contra os limites do ator que atrapalham seu aparecimento. lsso exige a consciencia dos habitos cotidianos que limitam a a~ao do ator. De acordo com Stanislavski, esse processo "requer muita observat;ao, conhecimento de si mesmo, enorme paciencia e um trabalho sistematico para extirpar as qualidades inatas e os costumes cotidianos" (Stanislavski, 1983, p.228).

E

pelo trabalho, fundado em princlpios "nobres" de atua~ao e pelo conhecimento de si, ou seja, de seus processes, que o ator pode ter esta "fo~ de atrat;ao".

Com a encamat;ao, fecha-se o ciclo de preparat;ao do ator para a fusao orgAnica dos aspectos intemos e externos da criat;ao. Segundo Kristi (in Stanislavski, 1983, p.12), a atent;ao dedicada

a

encamat;ao surge pela percept;ao de Stanislavski de que a prepara~ao do aparato corp6reo e um elemento importante para a criat;ao do estado criador.

A

atent;ao s6 aos elementos espirituais estabelece um falso caminho, pois e incomplete e fere as leis da pr6pria natureza.

A partir dos anos 20, Stanislavski unifica seu sistema em um principia: a

23 "Ustedes toman como inspiraci6n los momentos de extasis extremado. Sin negarlos, insisto en que las

formas de Ia inspiraci6n son diversas. El ahondar serenamente en uno mismo tambien puede se inspiraci6n. El

fiicil e libre juego con el propio sentimiento, tambien puede ser inspiraci6n. La penosa y !Ugubre conciencia del secreto del ser, tambien puede ser inspiraci6n. ( ... )i,Puedo enumerarles todas sus formas, cuando su origen se oculta en el subconsciente y es inaccesible a la raz6n humana? ( ... ) Solo podemos hahlar del estado del artista que constituye un excelente terreno para la inspiraci6n. Para este estado, el dominio de si mismo y el

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ayao fisica, que passa a absorver os elementos, tornando-os condiyao para a realizayao da ayao. Sem negar suas experiemcias anteriores, essa nova metodologia, que culminou com a analise ativa, representou uma busca pela maior objetividade e concretude na criayao.

Referências

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