MONICA OLIVBRA SANTOS
" ' PROVÉRBIO
É
UM COMPRIMIDO QUI ANDA DI BOCA
IM BOCA": OS SU.JI!ITOS I OS SENTIDOS NO I!SPAÇO
DA I!NUNCIAÇAO PROVI!RBIAL
Tese apresentada ao curso de
Lingüística do Instituto de Estudos
da linguagem da Universidade
Estadual
de
Campinas
como
requisito parcial para obtenção do
título de Doutora em Lingüística na
área de Semântica.
Orientadora: Profa. Ora. Mónica G. Zoppi-Fontana
UNICAMP
Instituto de Estudos da Linguagem
Campinas, Maio de 2004
•·o
Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeito;; e os sentidos no espaço da enunciação proverbial IMônica Oliveira Santos- 2004 I
MÔNICA OLIVEIRA SANTOS
"0 PROVÉRBIO É UM COMPRIMIDO QUE ANDA DE BOCA EM
BOCA": OS SUJEITOS E OS SENTIDOS NO ESPAÇO DA
ENUNCIAÇÃO PROVEBIAL
Aprovada em Maio de 2004.
Tese apresentada ao curso de Lingüística
do instituto de Estudos da Linguagem
da
Universidade Estadual de Campinas como
Requisito parcial para obtenção do título de
Doutora em Lingüística na área de Semântica
Orientadora: Mônica G. Zoppi-Fontana
.. 0 ProvérbJO é um comprimido que anda de boca em boca••: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial! Mônica Oliveira Santos- 2004
BANCA DE DEFESA
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-(1) Profo. Dr. Luiz Francisco Dias- UFMG
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y(3) Profo. Dr. José Horta Nunes - UNESP
(4) Profo. Dr. Eduardo
J.
Guimarães- UNICAMP
SUPLENTES
(1) Profo. Dr. Daniel Ornar Perez - PUC-Curiliba
•·o
Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca.,: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial }..1ônica Oliveira Santos- 2004FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA
IEL - LTNI CAMP
Sa59p
Santos, Mônica Oliveira.
"O provérbio é um comprimido que anda de boca em boca" : o
st!ieito e os sentido no espaço da em:mciação proverbial
I
Mônica
Oliveira Santos.- Campinas, SP: [s.n.], 2004.
Orientadora: Pro:f'. Dr'. Mónica Graciela Zoppi-Fontana.
Tese (doutorado) -Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Estudos da Linguagem.
l.
Provérbios. 2. Enunciação. 3. Discursos parlamentares. 4.
Verdade.
I.
Zoppi-Fontana, Mónica Graciela. II. Universidade Estadual
de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem.
lli.
Título.
.. 0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
I
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
DEDICATÓRIA
Para Beethoven, meu amor, que dividiu
comigo meus melhores e piores momentos
na geração desse trabalho.
.. 0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os sujeitos e os sentídos no espa9o da enunciação proverbial
I
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
AGRADECIMI!NTOS
A Mónica Zoppi pelo presente que foi sua orientação e, mais
ainda, pela preciosa amizade que pudemos cultivar.
Aos professores Luiz Francisco e Roberto Baronas pela leitura
atenta e pelas críticas e sugestões valiosas na qualificação da
tese.
Aos professores Wanderley Geraldi, Daniel Perez,
e
José Horta
pela leitura, comentãrios
e
sugestões nas qualificações de área.
Aos funcionários da secretaria de pós Rose, Wagner e Emerson
pela atenção
e
capacidade profissional.
Ao CNPq pelo financiamento.
Aos meus pais e meus irmãos pelo carinho que encurtou a
distância geográfica entre nós e pelo incentivo em mais essa
trajetória.
A Dona
Socorro,
Mainha,
especialmente, pela
efetiva
consultoria proverbial e bíblica.
A Conceição pela carinhosa amizade
e
pela leitura "cricririosa"
do trabalho.
A nossa turma de orientandos pela alegria
e
pelos bons
momentos que vivemos juntos.
Aos amigos, sempre presentes, pelo companheirismo e carinho:
especialmente, Solange, Anila, Lúcia "de Pira", "Zeca", Luiz
Francisco, Hélder, Glaucimary "Grau", Claudenice, Rejane,
Célia, "Laurel(, Adriana Lessa, Vanete, Sandoval, André, João
César ..
"O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os suje.ito.s e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
I
Mônica Oliveira Santos- 2004 _I
EPIGRAFE
"Racio Símio" - Marcelo Fromer i Nando Reis f Arnaldo Antunes.
O anão tem um carro com rodas gigantes
Dois elefantes incomodam muito mais
Só os mortos não reclamam
Os brutos também mamam
Mamãe eu quero mamar
Eu não tenho onde morar
Moro aonde não mora ninguém
Quem tem grana que dê a quem não tem
Raciosímio Raciosímio Raciosimio Raciosímio ( ... )
Quem e sporra sempre alcança
Com maná adubando dá
Ninguém joga dominó sozinho
É dos carecas que elas gostam mais
A soma dos catetos
é
o quadrado da hipotenusaNem tudo que se tem se usa
Raciosímio Raciosímio Raciosímio Raciosímio ( ... )
Os cavalheiros sabem jogar damas
Os prisioneiros podem jogar xadrez
Só os chatos não disfarçam
Os sonhos despedaçam
A razão
é
sempre do freguésEu não tenho onde morar
Moro aonde não mora ninguém
.. O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·~: os sujeítos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
M6nica Oliveira Santos- 2004 I
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
17
1.1-
Do Desafio da Pesquisa
18
1.2-
Dos Objetivos
19
1.3-
Do
Corpus
20
1.4-
Dos Capítulos
22
CAPÍTULO
1-
ALGUMAS TEORIAS: LUGAR COMUM, ESTEREÓTIPO,
25
TOPÓI
1.1-
Provérbio: uma Forma Simples?
26
1.2-
Provérbios: um Reservatório de Topói na Língua
29
1.3-
A Materialidade Proverbial numa Semântica Referencial e do
36
Estereótipo
CAPÍTULO
11-
ENTRE O POlÍTICO, O JURÍDICO E O RELIGIOSO: UM
51
OLHAR SOBRE A POLIFONIA NA ENUNCIAÇÃO PROVERBIAL
1. 1-
Polifonia e Enunciação: uma Rede de Vozes e Sentidos
52
1.2-
Sobre o Jurídico, o Político e o Religioso
69
1.3-
A Enunciação Proverbial no Discurso Parlamentar
73
CAPÍTULO
111-
UMA TENSÃO ENTRE O INDIVIDUAL E O COLETIVO NA
93
ENUNCIAÇÃO PROVERBIAL: DO ACONTECIMENTO ENUNCIATIVO AO
DISCURSIVO NA CONSTITUIÇÃO DOS SUJEITOS E DOS SENTIDOS
.. OProvérblo é um comprimido que anda de boca em boca·~: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial Mônica Oliveira Santos- 2004
1.2-
A
Materialidade
Discursiva
do
Provérbio:
Opacidade
x
103
Transparência
1.3-
Sobre os Sujeitos e os Sentidos
108
1.4-
Analisando Casos...
112
CAPÍTULO IV-
OS EFEITOS DE VERDADE NA ENUNCIAÇÃO
131
PROVERBIAL: ALGUMAS CATEGORIAS
1.1-
Por Dentro e por Fora da Verdade
133
1.2-
A
Verdade
sobre
uma
Falsa
Continuidade:
141
I ndivid uai+Coletivo+ Universal.
1.3-
"A Voz do Povo é a Voz de Deus" - "A Palavra de Deus é a
146
Verdade, Sua Lei Liberdade." SI. Cap.27, vs1.
"CONSIDERAÇÕES FINAIS"
REFER~NCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
ANEXOS- DISCURSOS REFERIDOS NA TESE
167
171
175
179
li "O Provérbio é umcomprimído que anda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial!
li M6rüca Oliveira Santos- 2004
RESUMO
O presente trabalho tem o interesse de refletir sobre um tipo especial de
enunciação, que é a "Enunciação Proverbial", através do aparato teórico da Teoria
Polifônica ducrotiana, da Semântica Enunciativa (discursiva), da Anãlise do Discurso de
linha francesa, além de considerações mais específicas sobre alguns conceitos filosóficos
foucaultianos sobre a verdade e seus efeitos. Refletimos sobre a possibilidade de se
observar o funcionamento enunciativo proverbial dentro de sua materialidade lingüística e
discursiva, ao invés de abordar a fonna proverbial isoladamente com fins meramente
ilustrativos nesta ou naquela teoria. Fefletimos sobre a polifonia nesse funcionamento
enunciativo que reúne/mistura instâncias distintas de "verdade": o político, o jurídico e o
religioso. Consideramos que a enunciação proverbial seja um lugar em que determinados
valores são reproduzidos por uma voz coletiva, autorizada e reconhecida, em que o
Locutor está dividido entre um dizer (e um fazer sentido) individual e coletivo. Além disso,
observamos o funcionamento que relacionalintrinca o discurso político à verdade, às
formas institucionais da verdade e às formas populares da verdade.
Éjustamente nessa
verdade popular que a "voz do povo" aparece materializada, formalmente, pelo provérbio
no discurso político, entremeando-se a outras "verdades" institucionais. Partindo do
princípio de que a produção de efeitos de verdade não se verifica em relação ao estado
de coisas, mas se realiza a partir da memória, (das enunciações anteriores) e no seu
acontecimento enunciativo e discursivo, observamos a enunciação proverbial presente
nos proferimentos parlamentares, realizados nas sessões do Senado e publicados na
Internet. Analisaremos tais proferimentos em que, dada a enfática "preocupação" com a
verdade, cria-se o mecanismo da CPI para restabelecê-la.
.. O Provérbio é um comprimido que andade boca em boca.,; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciayão proverbial
I
Mônica Oliveira Santos- 2004ABSTRACT
This research has lhe interest on thinking about a special type of enunciation, that
is lhe "Proverbial Enunciation", lhrough lhe theoretical apparatus of lhe ducrotian
Polyphonic Theory, lhe Enunciation Semantics (discursive), lhe Oiscourse Analysis of
French line, besides more specific considerations about some foucaultian philosophical
concepts on truth and its effects. We lhink about lhe possibility on observing the proverbial
enunciation functionality wilhin linguistic and discursive materiality, instead of approaching
lhe proverbial form in an isolate way wilh merely illustrative aim on lhis or lhat theory. We
lhink about lhe polyphony on this enunciation function lhat assembles I mixes distinct
instances of "trulh": lhe political, the juridical and lhe eligious ways. We consider lhe
proverbial enunciation is a place where determined values are reproduced by a collective
voice, aulhorized and recognized, where lhe speaker is divided between an individual and
collective saying (and a making sense). Besides, we observed lhe function lhat relates f
intrigues the political speech to lhe truth, lhe institutional ways of truth and to lhe popular
ways
oftruth. lt is precisely on lhis popular trulh that the "people's voice" appears
materialized, in a formal way, by proverb on política! díscourse, intermixing to olher
ínstitutíonal "trulhs". Beginning on lhe principie lhat the trulh's production of effects is not
verified regarding to lhe state
oflhings but it happens from memory (from past
enunciation) and on its enunciation and discursive happening, we observe lhe present
proverbial enunciation on parliamentary pronounces. lhat happened on Senate's sections
and published on internet We will analyze such pronounces where it creates lhe
lnvestigation Parlíamentary Commission (I PC) to re-establish lhe trulh, given lhe emphatic
"preoccupation" wilh it
II ..
OProvérbio é um comprimido que anda de boca em boca''; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbialMônica Oliveira Santos 2004
INTRODUçAO
"Como vovó já dizia"- Raul Seixas I Paulo Coelho. Quem não tem collrio usa óculos escuros (Mas não
é
bem verdade!) Quem não tem collrío usa óculos escuros ( ... ) Minha vó já me dizia pra eu sair sem me molhar Mas a chuvaé
minha amiga e eu não vou me resfriar Quem não tem colírio usa óculos escuros A serpente está na terra e o programa está no ar Quem não tem collrio usa óculos escuros A formiga só trabalha porque não sabe cantar Quem não tem collrio usa óculos escuros Quem não tem filé come pão e osso duro Quem não tem visão bate a cara contra o muro Quem não tem collrio usa óculos escuros Há tanta coisa no menu que eu nem sei o que comer Quem não tem collrio usa óculos escuros José Newton já dizia: "Se subiu tem que desce~·Quem não tem colírio usa óculos escuros Só com a praia bem deserta é que o sol pode nascer Quem não tem colírio usa óculos escuros A banana
é
vitamina que engorda e faz crescer.o
provérbio é comumente apontado como texto sem autoria que é
incorporado às palavras de quem fala ou citado de uma maneira que reafirma o
seu anonimato: "Como diz o outro:" ou "Como diz o ditado:". O interessante é que
os mesmos provérbios são incorporados às mais diferentes situações e lhes são
alribufdas interpretações e sentidos diferentes. A sua linguagem metafórica,
enriquecida com elementos concretos do cotidiano, dá margem para essa múltipla
adequação. Um provérbio como "Uma andorinha
só
não faz verão" ou "É dando
que se recebe" pode fazer sentido diferentemente em relação a diversas situações
discursivas. Mesmo que admitamos a existência de um "conteúdo" inerente à
forma proverbial, recuperado em cada enunciado, esse "conteúdo" não diz
respeito ao sentido do provérbio, mas a uma direção argumentativa para a qual
este aponta.
!f
•·o
Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·•; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial1
li
Mônica Oliveira Santos- 2004I
O Provérbio ou Ditado Popular, além de pertencer ao "senso comum",
tomando-se facilmente reconhecível como "aquilo que todo mundo diz", que "é do
conhecimento de todos", também é caracterizado por uma faceta didática e
moralizante que tende ao autoritarismo (do sujeito) e à
autorização (do discurso).
Isso permite
à
enunciação proverbial uma fácil aceitação como "verdade" válida e
como recurso argumentativo para persuadir e convencer. Consideramos que a
enunciação proverbial seja um I.Jgar em que os valores sociais são reproduzidos
por uma voz coletiva, autorizada e reconhecida, estando o sujeito da enunciação
dividido entre um dizer (e um fazer sentido) individual e coletivo.
1.1 -
Do
Desafio da Pesquisa
Sem dúvida nenhuma, Provérbio é um tema que suscita variados interesses
investigativos, a julgar pela vasta literatura que se pode encontrar a esse respeito,
em diferentes núcleos de interesse acadêmico: filosófico, histórico, cultural,
etnológico, antropológico, sociolingüístico, lexicológico, semântico, discursivo ...
Tamanha diversidade nos remete inevitavelmente a pensar numa exaustão de
produções que há séculos vêem se acumulando. Essa idéia de um tema tão
exaurido nos inquietou no hício da pesquisa, por ficarmos em dúvida se ainda
haveria algo mais a dizer, além de tudo o que já se havia dito. Entretanto, da
mesma forma que a recorrência investigativa do tema nos provocava uma inibição,
também provocava mistério, curiosidade, encanto... Um desafio. O mesmo
provérbio condenado pelos cãnones da linguagem culta
à
marginalidade, ao
"
.. O Provérbio é um comprimldo que anda de boca em boca•>: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial Mônica Oliveira Santos- 2004
estigma do senso comum, à cristalização estática do clichê, contraditoriamente
brota, renasce, efetiva-se em diferentes lugares, em diferentes discursos, em
diferentes sujeitos, renovando sentidos diferentes.
Tomando como entrada teórica o discurso, o sentido, o sujeito, e cruzando
com issc o acontecimento enunciativo do provérbio, delineamos nosso objeto de
observação: a enunciação proverbial. Decidimos nos aventurar, então, em busca
de descobertas acerca desse funcionamento extraordinariamente ordinário ...
1.2 -
Dos Objetivos
O gênero proverbial chama para si a atenção de um amplo leque de
pesquisas que facilmente extrapolam o campo dos estudos lingüfsticos. Dentre os
trabalhos, nesse campo, os que mais nos interessem são aqueles que dizem
respeito às reflexões acerca do lugar comum, da argumentação, do estereótipo.
Dentro desse panorama teórico, objetivamos investigar a Enunciação Proverbial
como espaço peculiar da enunciação coletiva, a partir dos conceitos de sujeito,
sentido e enunciação, refletindo sobre o movimento/deslizamento entre o dizer
individual e coletivo. Além disso, tentamos fazer um contraste entre as posições
teóricas que delimitam os campos de estudo de uma semântica do estereótipo
(referencía/ísta
e não-referencíalísta) e de uma semântica enunciativo-discursiva,
com vistas para os processos de determinação do sentido e os processos de
identificação e individualização do sujeito, especificamente no que trata a questão
do dizer proverbial.
!I ~·o
Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca.,: os sujeitos e os sentidos no espaço da enuncíação proverbiaJ1
li
Mônica Oliveira Santos- 2004I
1.3 - Do
Corpus
Como o provérbio acontece enunciativamente em todos os lugares. ou seja,
os enunciados proverbiais podem ser flagrados nos mais diferentes gêneros
textuais, deparamo-nos, inicialmente, com a dura tarefa de delimitar um lugar
específico desse acontecimento dentre os outros.
Escolhemos o discurso político-parlamentar, por um lado, por tecnicamente
ser um corpus de fácil e pleno acesso e, por outro, pelo universo discursivo em
que nos mergulharíamos inevitavelmente. Dessa forma, o corpus de nossa
pesquisa é constituído de enunciados proverbiais, coletados nos discursos
parlamentares, que são publicados na página eletrônica do Senado Federal
1,diariamente, no formato *.pdf que pode ser visualizado através do software
Acrobat Reader.
Todas as sessões do Senado Federal são publicadas na lntemet
no dia seguinte ao que se realizam. Essa publicação diz respeito a uma ata
pormenorizada que traz sumariamente os principais acontecimentos do Senado,
entre estes, decretos legislativos, deliberações, pareceres, comunicados, leitura
de requerimentos, aprovação ou veto de projetos e emendas e, por fim, os
discursos proferidos pelos senadores. É importante salientar que tais discursos
podem ser previamente elaborados e revisados pelo orador antes de
pronunciados, como também podem ser improvisados no momento. às vezes até
na forma de aparte (o que constitui uma prática) na fala dos senadores. Aliás,
1
11"'0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca .. : os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbiaJ Mônica Oliveira Santos- 2004
esses discursos improvisados, na maioria das vezes relacionados a temas
polêmicos, são para nós uma fonte muito fértil na emergência dos enunciados
proverbiais.
Definido o primeiro passo, ainda precisamos delimitar o recorte, pois esse
acervo consta de material publicado desde junho de 1997 até os dias atuais. O
intervalo que definimos como padrão de pesquisa diz respeito ao primeiro
semestre do ano de 2001. Ainda assim, foi necessário afunilar ainda mais o
recorte, posto que o temário proposto é enormemente diversificado, tendo alguns
assuntos mais gerais, por exemplo, homenagens a personalidades e entidades,
propostas e projetos diversificados, questões econômicas, tributárias, políticas de
saúde, esporte, ecologia, desenvolvimento, defesa civil etc; e outros assuntos
mais específicos do momento, por exemplo, o problema da privatização das
companhias elétricas do país (o Apagão), o embargo da carne bovina brasileira no
Canadá, e os escândalos envolvendo denúncias de crimes administrativos no
setor público que trouxe
à
tona ao cenário brasileiro a prática da CPI (Comissão
Parlamentar de Inquérito) para investigação dessas denúncias.
Enfim, como o temário desses discursos é multi-diversificado, selecionamos
o tema da CPI. O assunto nos é caro, em princípio, por constituir-se numa
temática polêmica e frutífera para flagrarmos o tipo de enunciação que queremos
observar, e por tratar da questão da verdade, da investigação da verdade, questão
que desenvolveremos e relacionaremos
à
proposta de análise dos enunciados
proverbiais do discurso político-parlamentar, que se ancora na produção da
verdade e seus possíveis efeitos. Como o número de CPis é extenso por se
!J
··o
Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·~: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbialli
Mônica Oliveira Santos- 2004referirem a diferentes denúncias de corrupção e crimes político-administrativos,
selecionamos alguns pronunciamentos de Senadores sobre as CPis relativas aos
seguintes temas: - extinção da SUDENE e SUDAM em função das denúncias de
corrupção nestas superintendências; - denúncias de ONGs que estariam
envolvidas em irregularidades na compra de terras indígenas em Roraima;
-denúncias de corrupção no Governo relativa à
privatização das empresas estatais
geradoras de energia; - apuração dos fatos envolvendo o ex-Secretário-Geral da
Presidência da República; - manifestação contra a instalação de grampo telefônico
indiscriminadamente como método de apuração nas CPis; e - manifestação de
vários parlamentares a favor da instalação da CPis da corrupção para que
denúncias sejam apuradas e a "verdade" seja revelada.
1.4 - Dos Capítulos
Este trabalho, por sua própria delimitação e constituição, levou-nos a
impossibilidade de separar capítulos puramente teóricos de capítulos de análise.
Apenas no primeiro capítulo não desenvolvemos análises, em função de
querermos apresentar uma descrição de como as teorias semânticas da
argumentação (Anscombre
&
Ducrot) e do estereótipo (Anscombre
&
Kleiber)
descrevem suas bases e pressupostos e destacam neles o provérbio, em relação
à
constituição do sentido. A partir daí, traçamos um contraste de tais teorias com
os nossos pressupostos acerca da constituição dos sentidos e dos sujeitos dos
provérbios.
"O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca·•: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
I
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
Nos três capítulos subseqüentes, a teoria está intrincada com as análises,
pois cada um deles realça aspectos diferentes a serem examinados, de maneira
que se tivéssemos separado as discussões teóricas da prática de análise não
conseguiríamos recuperar a profundidade e riqueza de cada aspecto abordado.
Assim, no segundo capítulo, a partir das considerações teóricas de M.
Bakhtin, E. Benveniste, O. Ducrot, E. Guimarães e Grésillon & Maingueneau, são
desenvolvidas questões relativas
à
Polifonia da linguagem e
à
Enunciação.
Apresentamos um quadro de análises que relacionam essas questões
à
enunciação coletiva proverbial e tentamos mostrar as diferentes vozes que
povoam o universo do discurso político-parlamentar: religioso, jurídico, moral,
ético, científico e senso comum (popular).
No terceiro capítulo, por sua vez, desenvolvemos algumas considerações
teóricas (a partir de E. Guimarães, Grésillon & Maingueneau, E. Orlandi e M.
Pêcheux) que definem nossos pressupostos acerca da constituição dos sujeitos e
sentidos desse tipo de enunciação coletiva, a enunciação proverbial. Nas análises,
chamamos a atenção para o movimento/deslizamento entre o dizer individual e
coletivo, a partir do sentido produzido pelo sujeito que incorpora em seu discurso
um dizer coletivo e que (des)ocupa a posição de responsável pelo sentido de um
discurso em que "aparece" o enunciado proverbial.
Por fim, seguido de nossas considerações finais, fazemos, no quarto
capítulo, uma retomada da questão da Verdade na Filosofia, relacionando este
conceito aos efeitos de verdade produzidos pela enunciação proverbial. Com base
nas considerações de M. Foucault e M. Pêcheux, traçamos um percurso que
.. OProvérblo é um comprimldo que anda de boca em boca.,: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
1
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
relaciona/intrinca o discurso político à verdade, às fonnas institucionais da verdade
e às formas populares da verdade.
··o
Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial Mônica Oliveira Santos- 2004CAPITULO
I
Algumas Teort•:
Lua-
Comum,
Estereótipo,
Top6i •••
"O biriteiro"- Tom Oliveira O bodegueiro não quer me vender fiado. Eu to lascado, desprezado da mulher. A todo mundo, em todo canto eu to devendo, Meu amigo, eu to vivendo do jeito que o diabo quer' Por isso, amigo, bote mais uma bicada Quando eu tomo esta danada tão feliz eu fico. Esqueço tudo, fico despreocupado, pois Como diz o ditado: Todo bêbo
é
rico' Aí começo a mentir, dizer que eu tenho dinheiro, Um carro novo, sou um grande fazendeiro' Mas quando passa o efetto, eu fico daquele jetto E grito alto para o mundo inteiro: -Bote mais uma bicada, bote mais uma bicada, Pois eu sou um birtteiro de carteira assinada!Assim como não é interesse desse trabalho fazer um levantamento da
forma ou da prática proverbial com fedas ilusões sobre sua possível "origem",
também não queremos citar aqui um elenco de autores e trabalhos que se
propuseram a isso, mesmo que se restrinja tal lista àqueles que dizem respeito à
área da linguagem, mais especificamente da lingüística e ainda mais
pontualmente da semântica. Seria muito trabalhoso fazer isso com um mínimo de
justiça ao que já foi produzido e principalmente levaria este trabalho para longe do
seu maior objetivo. Entretanto, achamos necessário abordar algumas das teorias
que desenvolveram e desenvolvem algumas reflexões lingüísticas, reservando um
lugar de destaque para o provérbio. Neste capítulo, discutiremos algumas teorias
que destacam o enunciado proverbial dentro de espaços próprios como os de
.. 0 Provérbio é umcomprinlldo que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
I
Mônica Oliveira Santos- 2004lugar comum, clichê, topói e estereótipo,
contrastando tais discussões com a
discussão teórica sobre o Sentido e sua constituição
2.Tomaremos como aporte
algumas discussões que destacam o enunciado proverbial em relação à "forma
simples", à "argumentação na língua", à "semântica do estereótipo", em busca de
alcançar uma discussão maior que diz respeito às questões do sentido.
1.1 -Provérbio: Uma forma simples?
Apresentaremos algumas considerações sobre o provérbio, feitas por Jolles
(1930), que toma como referência básica o estudo sobre o Provérbio Alemão
3,de
Seíler (1922), cujo trabalho Jolles considera suficientemente amplo e completo
para tais reflexões. Jolles, a partir de uma visão estruturalista, desenvolveu um
estudo a respeito do que ele considera Formas Simples. Estas estão enraizadas
na linguagem e são tidas como gestos verbais elementares que se originam das
disposições mentais básicas do Homem em seu meio social cotidiano. Destas
Formas Simples, o autor destaca algumas como, a legenda, a saga, o conto, o
mito, a advinha, o caso, o memorável, o chiste e o ditado ou provérbio, que, para
nós, diz respeito mais especificamente.
Conforme Jolles, Seiler não identifica maiores distinções entre provérbio e
ditado. Ele define o provérbio da seguinte maneira: "O provérbio é uma locução
corrente na linguagem popular, dotado de características didáticas e de uma forma
2 O resultado deste capítulo se deve. em grande parte, não somente às leituras feitas com afinco,mas especialmente às reflexões feitas em sala de aula nos vàrios cursos de Semântica e pragmática, Tópicos de Semântica, Seminários de Semântica... que pude acompanhar com a professora Mônica Zoppi-Fontana.
um que no espaço
que reflete um tom mais elevado que o discurso comum" (in Jalles, op.cit: 129).
Jalles acrescenta que Seiler, posteriormente, preocupou-se em alterar este
conceito apresentando as seguintes modificações: "Uma locução corrente na
linguagem popular, fechada sobre si mesma e com uma tendência para o
didatismo e a forma elevada" (in Jalles, op.cit:128).
Analisando as alterações que Seiler faz de seu próprio conceito de
provérbio, Jalles sugere que Seiler hesitava em alguns pontos de sua definição.
Por exemplo, o primeiro conceito mostra-se mais categórico em relação às
características didáticas
do que o segundo. Jalles apresenta três elementos
básicos apontados por Seiler em sua definição de provérbio:
1- o provérbio "é corrente na linguagem popular" - esse gênero insere-se
especificamente na linguagem popular da qual fazem parte elementos concretos
do cotidiano;
2- o provérbio "é uma locução"- a locução é uma Forma Simples que diz respeito
à experiências realizadas e que se atualiza em provérbios;
3-
o provérbio 'tem uma forma elevada" - diz respeito ao aprendizado pela
experiência, cujo caráter se liga à questão do "didatismo"
4O autor remonta a discussão abordada por Seiler a respeito do termo
"popular" na definição de provérbio, uma vez que o fato deste ser uma "locução
popular" não significa necessariamente que tenha de ser usual em 'toda" a
população. Tal reflexão é interessante do ponto de vista da diversidade de uso e
4 Seiler considera o termo didático embaraçoso e Jolles preferiria nem usá-lo. Para Jolles, o
didatismo tem a ver oom algo que está oomeçando a ser feito e deve ser orientado, enquanto que a experiência realizada tem a ver com um resultado já oonduído que pode se usado como exemplo em outras situações parecidas.
ii ..
OProvérbio é um comprimido que anda de boca em boca•': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbialli
Mônica Oliveira Santos- 2004contexto social em que se inserem os provérbios. Disso advém uma outra
discussão a respeito da classificação dos provérbios proposta por Seiler
e
que
Jolles questiona. Seiler acredita que haja três grandes tipos de provérbios
presentes em três camadas sociais distintas: 1- os superiores que fazem parte do
uso da camada social dominante; 2- os intermediários que fazem parte da camada
de classe média; e
3-
os inferiores que fazem parte da camada de classe baixa.
Assim, o nfvel da linguagem estaria intimamente relacionado com o poder de cada
classe social, podendo a classe intermediária, aos poucos, ir-se influenciando pela
classe superior. Seiler afirma, ainda, que o nfvel de linguagem dos provérbios
chamados superiores os aproxima de um gênero mais nobre que seria o
pensamento.
Jolles critica abertamente essa postura
e
diz que,
no
caso dessa Forma
Simples, o provérbio, não há como estratificar o seu uso popular
e
informal
tomando como base as diferentes camadas sociais. O provérbio vai ser usado em
diferentes camadas sociais
e
a seleção vai ser feita, prioritariamente, em função
do contexto social e do uso. Conforme Jolles, "aquilo que chamamos provérbio ou
ditado existe, ao que parece, em todas as camadas de um povo, em todas as suas
classes, em todos os seus meios: nos mais altos, nos mais baixos, nas camadas
intermediárias, entre os camponeses, artesãos, letrados
e
sábios." (Jolles, op.
cit: 131).
Há ainda que se chamar atenção para a questão da origem dos provérbios.
Conforme Seiler, há que se questionar a idéia "romântica" que se tem sobre a
origem dos provérbios. Ele diz que toda criação é individual. Os provérbios, ao
~·o Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca"; os sujeitos e os sentidos no espaç:o da enunciação proverbial
Môníca Oliveira Santos- 2004
contrário do que se pensa, não seriam originados "misteriosamente" do fundo da
alma popular, porque o "povo nada cria na totalidade". Alguém, em algum lugar,
em algum momento, cria! E, se sua criação agrada aos que a ouviram, será
propagada, ainda que certamente sofra múltiplas reformulações. Entretanto, para
Jolles, esse processo não é tão simples assim e tais afirmações são, pelo menos,
apressadas. Apesar de não aprofundar o assunto, o autor questiona a
inconsistência das afirmações de Seiler.
A questão da Autoria dos provérbios traz complicações que não puderam
ser devidamente trabalhadas nos cbis autores citados. É claro que temos que
considerar o momento histórico em que essas reflexões foram produzidas. Eles
não puderam levar em conta a especificidade de conceitos como autoria, sentido,
sujeito, locutor e enunciador.
É por não achar que o provérbio seja apenas mais
uma "forma simples" que nas sessões subseqüentes abordaremos algumas
teorias semânticas que ao tratar de questões pertinentes
à
constituição do sentido
na linguagem vão investigar, entre outras coisas, a enunciação proverbiaL
1.2- Provérbios: um Reservatório de Topói na Língua
Chamamos a atenção, aqui, pare a teoria da
Argumentação na Língua
(ANL) defendida por J.C. Anscombre e O. Ducrot em 1983
6Tendo em vista a
conhecida discussão lógica-filosófica que defende o caráter de
objetividade na
5 Tal teoria partia de discussões anteriores acerca das "escalas argumentativas" apresentadas por
Oucrot (1973b). É importante salientar ainda que a versão da ANL que está nos servindo de referência
é
a: La Argumentación em la Lengua, publicada em 1994 em Madrid, versão revista e melhorada, autorizada pelos autores.!I ..
OProvérbio é um comprimido que anda de boca em boca": os sujeítos e os sentidos no espaço da enunciação proverbialI
Mônica Oliveira Santos- 2004função principal que teria a língua- representar a realidade (de modo que o valor
de verdade de um enunciado só dependesse de sua correspondência com a
realidade), e uma postura oposta que reivindica uma relativização dessa
objetividade em função do componente subjetivo na descrição do sentido,
chegamos ao ponto de situar a teoria dos autores acima que nem defendem as
teorias representacionalistas-objetivistas, nem compartilham das subjetivistas por
achar que essas teorias não são suficientes para descrever a significação. Em
linhas gerais, como base no sentido do enunciado, os autores buscam descrever
um estado da significação em que o
objetivo
e o
subjetivo
não estejam separados
e sejam indissociáveis. Para entender melhor estas noções veja-se A
Teoria
Poííf6níca da Enunciação,
proposta por Ducrot em "O dizer e o Dito", (1987), cujo
conceito de polifonia considera que a significação da maioria dos enunciados
é
constituída por uma espécie de diálogo que põe em cena Locutor e Enunciadores.
Outra contribuição, nesse sentido, é o trabalho denominado
Teoria
dos
topóí,
J-C Anscombre (1993; 1995) e Ducrot (1993; 1995) e Anscombre
&
Ducrot
(1994), que apresenta uma progressão das teorias desenvoividas em ANL
sintetizado nas seguintes propriedades: Encadeamento Argumentativo, Princípio
Argumentativo, Gradualidade e Dinamismo, reforçado posterionnente pelo
conceito de Forma Tópica (a partir da noção de Topos). A evolução desses
conceitos distancia cada vez mais a teoria da concepção representacionalista da
língua dando mais espaço para a sua dimensão argumentativa.
É
por essa noção de Topos que nos interessemos, mais especificamente,
pelo fato de considerannos bastante relevante para este trabalho a ligação
11 •4
oProvérbío é um comprimido que anda de boca em boca••: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial I
Mônica Oliveira Santos- 2004 1
sugerida por Anscombre (1993; 1995), Ducrot (1993; 1995) e Anscombre
&
Ducrot
(1994) que relaciona a enunciação proverbial e os Topói. Os autores
apresentam o Provérbio como reservatório de topói na língua. Faremos uma
rápida passagem por três fases importantes da teoria da ANL, (1994), que
descrevem a base e evolução de seus pressupostos:
I -A concepção tradicional da argumentação afirma que há argumentação quando
em um discurso, uma parte deste é apresentada como justificação de outra,
entendendo esta segunda como sua conclusão: Disso se constata que o
segmento apresentado como justificação pode ser verdadeiro ou falso
independentemente de sua conclusão. Constata-se, ainda, que se produz uma
relação implicativa-causal entre a justificação e a conclusão. Daí se conclui que
esta relação não é de ordem lingüística e que o movimento argumentativo não é
determinado pela língua. A língua e a argumentação estão separadas pela
influência da tradição retórica. Em contrapartida a esta posição a teoria da ANL
propõe que a Argumentação está inscrita na língua: a significação da frase contém
instruções em si mesma que levam a uma conclusão. Em um primeiro momento,
esta primeira etapa propõe que informação e argumentação convivem
paralelamente e está baseada em um descritivismo radical das noções de
expressão
lingatstica,
potencial argumentativo e
ato de
argumentar,
estabelecendo que a argumentação é direcionada pelo encadeamento de
enunciados no discurso A
+
C, em que fatos extemos
à
própria língua não são
considerados, mas somente os fatos representados na estrutura da língua. Numa
segunda fase dessa primeira etapa, podemos apontar um certo descritivismo
•·o
Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca•': os sujeitos e os sentidos no esp--a.Ço da enunciação proverbialI
Mônica Oliveira Santos- 2004pressuposicional que considera os atos de fala enunciados na língua como
conteúdos afirmados (Postos) e Pressupostos. Mantêm-se os encadeamentos
argumentativos em relação à passagem de A
+C,
mas do que
é
expresso no fato
nem tudo entra no encadeamento - na relação de Posto e Pressuposto, os
pressupostos não produzem encadeamento ("Pedro parou de fumar" P- Pedro não
fuma hoje
I PP- Pedro fumava antes.). Os operadores não se definem mais pela
informatividade, mas pelo valor argumentativo distribuído entre Posto e
Pressuposto.
11 -
Na segunda fase, a informação já adquire um caráter deriivado da
argumentação. Anscombre e Ducrot mantêm a noção de potencial argumentativo,
distinguindo valores descritivos e valores argumentativos, mas sem defini-los em
termos de conclusões.
Nesse ponto, aparece a noção de gradualidade
(quantidade) acionada pelos operadores argumentativos na estrutura, não da
frase, mas da enunciação. A teoria incorpora um novo conceito nesse nova
versão, a saber, o conceito de
topos,
que constitui um ponto fundamental na
renovação proposta para a teoria da ANL, uma vez que o
topos
mobiliza pontos de
vista diferentes, factuais ou argumentativos, para gerar encadeamentos diferentes.
Deve-se ressaltar que o aspecto gradual do
topos
como fundamento na língua
será retomado no concaito de Forma Tópica em que o operador seleciona as
conclusões possíveis, mas não são os fatos que determinam os encadeamentos
argumentativos e sim os pontos de vista: A+ operador'= C·,
I
A+ operador''=
C:2
I
A+ operador'"= C
3 ...-"Pedro bebeu
pouco, pode dirigir sim."
I
"Pedro bebeu
um
pouco, não pode dirigir."
"OProvérblo é um comprimido que anda de boca em boca''; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
I
Mônica Oliveira Santos- 2004
J
F,= Pouco
+
(C) positiva
F
2= Um pouco
+
(C) negativa
111- Na terceira fase, o fundamento principal nessa nova versão é o
topos,
ele
vincula o argumento e a conclusão e é o que garante o percurso argumentativo,
de modo que a argumentação já não se encontra no nível dos enunciados, mas
dos enunciadores (pontos de vista), presentes no enunciado, que cumprem o
papel de convocar os
topóí.
Os topói são fatos descritos pela lfngua que dizem
respeito
à
cristalização de movimentos argumentativos. A mediação entre A e C
está na língua ("Chove, portanto não vou
à
praia"
I
"Chove,
~vou
à
praia") e é
da relação entre os operadores e os topói que será determinada a conclusão. Eles
põem o peso da argumentação no operador (portanto, mas), mas não
é
o
operador quem decide nem o argumento, nem a conclusão: quem decide a
conclusão são os topói que são o princípio geral da orientação argumentativa. Ao
conceito de Fonna Tópica (FT) acrescenta-se uma dinâmica léxica sob duas
faces: a FT intrínseca e a FT extrínseca: (+ P, + Q), (-P, -Q), (+P, -Q), (-P,
+Q)-na famosa fábula de "A cigarra e a formiga" depreendem-se duas FTs: FT, para
formiga (+trabalho, + sucesso)
I
FTz para a cigarra (- trabalho, + sucesso). As
investigações mais recentes sobre esta teoria sustentam que as palavras com
conteúdo léxico, nomes e verbos, se descrevem como feixes de
topóí.
Tal idéia
associada com a da força que convoca o
topos,
converge para a fonnulação da
significação das palavras constituída por
topóí.
o
encadeamento produz uma
representação do referente de modo que em um encadeamento discursivo, a
construção de uma representação do que se fala, não se dá pela soma dos
!I ..
OProvérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbialI
Mônica Oliveira Santos- 2004elementos encadeados, mas obedece a certas condições/restrições intrínsecas
à
semântica das palavras. Tal idéia é apresentada pelos autores quando estes
postulam que:
la posición referencíalista no es la única posible, y la teoria de los topoi es, en la medida en que no es referencialista, una alternativa. Resumiendo ... la teoria de los topoí considera en efecto que <<bajo las palabras» se encuentran, no objetos, sino guiones, o más bien esquema de g.;iones. En este sentido. la teoria de los topoi está próxima a una teoria de los estereotipas ... Asi pues, la graduabilidad que invocamos no es la de la relacíón de referencía, sino que se situa en el nivel dei esquema estereotipico. En lo que se refiere
a
carácter dinámico que atribuímos a la lengua, puede definirse por oposición a una concepción estática. En esta úttima, lo que es fundamental, es el aspecto llamado informativo de un enunciado, ai menos para los que son susceptibles de poseer uno. Un enunciado informativo es esencíalmente un discurso sobre un estado de cosas, una situacíón ... Ahora bien, existen- ya lo hemos mostrado en numerosas ocasiones - secuencías discursivas cuya articulación es independiente... de los contenidos informativos en presencia. (Anscombre & Ducrot, 1994:236).Após esta sintética passagem pelo grosso da teoria como um todo,
queremos chamar a atenção, como já havíamos indicado, para a relação
mostrada pelos autores entre a teoria dos topói e os provérbios. Anscombre
(1995), em La Nature des Topo!; sustenta que utilizar as palavras é convocar os
topói, daí a hipótese do sentido das palavras não ser referencial, mas gerado a
partir das próprias palavras, nos reservatórios ideológicos de onde surgem os
to pó
i.
[iij "locuteur Jait jouer la forme topique (+POSSEDER. -DONNER) qui n"est pas dans la signification de riche, mais qu"il attache 'en contexte'
à
ce mot pour les besoin de la cause. D'ou provient ce topos en quelque sorte ajouté? Ou réservoir ídéologique que toute langue posséde à une époque domée. 11 peut s"agir de proverbes, de slogans, d'idées reçus, ... etc ... D'une façon générale d"ailleurs. l"usage de tels topói a pour finalité la construction de représentations idéologiques. (Anscombre, 1995:57).··o
Provérbio é um comprimido que anda de beca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbialI
Mônica Oliveira Santos- 2004
I
Conforme Anscombre, segundo uma 'Teoria dos Estereótipos", por trás das
palavras estão os enunciados, e na língua há reservatórios de topói como, por
exemplo, os provérbios e as formas sentenciais:
Selon cette théorie ["théorie des stéréotypes] en effet, il y a des énoncés derriére les mots. O r nous avon !Téquemment affirmé qu'if existait en langue un reservoir de topo·; tout prêts
à
l'usage,à
savoir les proverbes, et plus généralement les formes sentencieuses... D'ou l'idée d'examiner le fonctionnnement des proverbeset
autres formes sentencieuses,à
la recherche d'un lien éventuel entre la !héorie des topoi et celle des stéréotypes." (Anscombre, op.cit:66). "Etant donné que les proverbes représentent des topol, et sont par ailleurs des phrases typifiantes a priori, je propose de faire l'hypothêse générale que les topo·; sont des phrases typifiantes a priori. (Anscombre, op.cit:81).Os autores deixam claro que na língua existem Formas Tópicas, já o
conteúdo do
to{XJs
está fora da língua, pois esse conteúdo é cultural, social e o
componente ideológico e histórico não faz parte do lingüístico, fica fora da análise.
Não
é
da alçada do semanticista fazer a lista dos topói, isso é trabalho para o
antropólogo, o etnólogo ... Entretanto, temos visto que a ênfase que os autores dão
à
relação entre os topói e os provérbios, de certo modo, recupera a exterioridade
para dentro da língua. Os provérbios seriam a cristalização formal na língua de
múltiplas Formas Tópicas, e como na língua coexistem Formas Tópicas
divergentes (como a da formiga e a cigarra), os provérbios também podem
cristalizá-las: "O trabalho dignifica o homem"
I "O trabalho danifica o homem", ou
ainda "Quem tem boca vai a Roma"
I
"Em boca fechada não entra mosca". Pelo
que temos visto, podemos supor, que, com essa relação, a teoria pode trazer para
a análise os fatos que seriam externos
à
língua (históricos, sociais, culturais,
ideológicos), formalizados na cristalização lingüística proverbial. Na sessão
.. 0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca.,: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
Mônica Oliveira Santos- 2004
seguinte, aprofundaremos esta questão, observando a relação entre os provérbios
e uma Semântica do Estereótipo.
1.3 -
A materialidade proverbial numa Semântica Referencial e do
Estereótipo
Gostaríamos de desenvolver, agora, algumas considerações acarca da
Semântica do Estereótipo apresentada pelo teórico semanticista George Kleiber,
que desde a década de 70 vem trabalhando com as questões da semântica formal
referencial, composicionalidade semântica, denominação, e, mais recentemente
na década de 90, tem dedicado-se à semântica do protótipo e do estereótipo,
sentido lexical e, (daí o nosso interesse específico), o sentido dos provérbios, que
ele discute paralelamente às questões de sentido, denominação, verdade geral e
frases genéricas.
Em princípio, vale salientar a relação teórica entre este autor e as questões
gerais de semântica e referência veiculadas principalmente por G. Frege
6(1848-1925) em seu clássico artigo "Über Sinn und Bedeutung" (Sobre o Sentido e a
Referência). Kleiber vai se denominar um teórico Referencialista (Forte). Em um
recente trabalho intitulado "Problemas de Semântica
y
Referencia" (PSR), J-C.
Anscombre & G. Kleiber (2001) retomam essas questões: "Nuestro propósito es
examinar en las páginas que siguen la cuestión complicada
y
controvertida de las
6
Frege, G. (1848-1925) - Lógica e filosofia da linguagem. Cunlix: São Paulo. trd. Paulo
"'O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca'': os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial M6níca Oliveira Santos- 2004
relaciones entre el sentido I el significado
y
la referencía en el marco de una teoria
semántica". (J-C. Anscombre & G. Kleiber, (2001 :11).
Frege (1978) discute sobre o que vem a ser o sentido e a referência e se
existe ou não o valor de verdade de uma sentença. Nesse caso, ele separa os
tipos de sentença em que lhe parece recuperável o valor de verdade e os casos
em que são recuperáveis apenas o pensamento ou parte do sentido. No caso
destes últimos, pode-se citar: as orações encaixadas onde há discurso indireto;
algumas condicionais (com variáveis que não sejam nomes próprios); as
sentenças não-declarativas (os performativos); as sentenças em que há
pressuposição e, de modo geral, o caso dos termos indefinidos. Como se sabe,
em linhas gerais, Frege sustenta que o sentido tem sua contraparte na referência,
compondo-se da tríade: Sinal
I
Referente-objeto
I
Sentido-conceito. Ele dá
estatuto relevante ao mundo como referência.
Sentido-conceito
Sinal-signo
L _ _ _ _ _ _,Referente-objeto
Para ele, o sentido
é
essencialmente objetivo (conceitual), de modo que a
representação e a subjetividade não são consideradas como parte do sentido,
limitando-se apenas ao olhar empírico do observador. O que importa são as
condições de verdade das Sentenças.
Nesse sentido, podemos apontar a questão da composicionalídade do valor
de verdade da sentença, como um dos princípios defendidos por Frege. Tal
•"' Provérbio é um comprimido que a.11da. de boca em boca·•: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial Mônica Oliveira Santos- 2004
princípio serviu de baliza para estudos lingüísticos também baseados na lógica e
na linguagem matemática. Assim, a composicionalidade
I
calculabilidade
I
concatenação dos componentes de uma sentença na elaboração do seu sentido
total são elementos relacionados ao par Sintaxe/Semântica Referencial. A
Semântica Referencial, especificamente, ocupar-se-á da composicionalidade do
sentido de cada componente de uma proposição e do seu sentido total. Frege
aplica a noção matemática de Função no cálculo do sentido da expressão,
buscando o sentido do todo a partir de seus componentes menores. Segundo
Frege, "se uma função, completada por um número, origina um número,
denominamos este último de valor da função do qual o primeiro número é o
argumento". (1978:128). Noções matemáticas como as de Coordenada, [ndice,
Argumento e Valor fazem parte do cálculo de variáveis nessa noção geral de
Função aplicada ao sentido. Como propõe Frege, "se algo varia temos
sucessivamente diferentes propriedades e estados do mesmo objeto" (1978:129).
Entretanto, a função é um conceito que, por todos estes aspectos, se opõe ao
Nome Próprio, uma vez que este caracteriza-se pela sua determinação/definição,
ao contrário dos elementos que marcam a variabilidade como os dêiticos, termos
indefinidos, modificadores e quantificadores que possuem o traço comum da
indeterminação/indefinição. Outro par conceitual advindo da lógica que é
considerado nos estudos dessa Semântica Referencial diz respeito
à
/ntensão
(definida pelas propriedades conceptuais que definem o conteúdo semântico) e à
Extensão
(definida pelos elementos-objetos no mundo) que, guardadas as devidas
.. 0 Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca''; os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial
I
Mônica Oliveira Santos- 2004teóricos que se inscrevem na semântica referencial o sentido determina a
extensão. (cf. D. Kaplan, 1964; O.
Le'l'~s.
1972)
TÉ
importante salientar que o método composicional ou veri-funcional
encontra limites, ou pelo menos, não aplica o mesmo cálculo em todos os tipos de
sentenças para tratar tanto da sintaxe quanto da semântica. O próprio Frege já
adianta isso quando calcula o sentido e a referência de tipos de sentenças
diferentes (as sentenças completas e as encaixadas), e Kleiber concorda que o
cálculo da íntensão e extensão de sentenças não é o mesmo em todas elas e que
essa composicionalidade parece aplicar-se bem às linguagens artificiais, porém
encontra limites no funcionamento das línguas naturais. Um desses limites diz
respeito justamente à enunciação proverbial e à questão da delocutividade
mencionada por ele. Kleiber assume uma postura fortemente referencialista e,
junto com Anscombre, atribuem ao "colega" Ducrot a condição de Referencialista
Fraco, embora este não se reconheça nessa condição. Em PSR, no capítulo
"Semântica
y
referencia: Algumas Reflexíones:',
Anscombre e Kleiber, (op.cit.),
apresentam uma divisão lingüística relativa às teses referencialistas (objetivistas
em que se constitui uma relação de dependência entre o sentido e o referente
-podem ser referencialistas Fortes ou Fracas de acordo com o vínculo de
dependência que estabeleçam entre sentido e referente.), e as
não-referencialistas8 (não-objetivistas -
que dispensam qualquer relação de
7
Sobre este par conceitual !nlensão e Extensão ver: -D. KAPLAN, (1964). Foundations of lntensiona/ Logic. (tese de doutorado), Michigan: University Mícrofilms, 304-323.
-D. LEWIS, (197?). "General Semantics".IN. Semanfjcs of Natural Language. (org.). DAVIDSON &
HARMAN. Dora-ech!- Holland: Rei dei Publishíng Company.
8 Como teóricos não-referencialistas são apontados: Saussure, para quem a língua
é
um sistema.. O Provérbio é um comprimido que anda de boca em boca .. : os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbial 1
Mônica Oliveira Santos- 2004 I
dependência entre sentido e referente). (cf. p.13). Ele define as teses
referencialistas
f
objetivistas nos dois tipos:
a) fuerte: se considera que la únción referencial forma parte integrante de la función semántica. Según esta óptica. hablar se resume esencialmente en dar una despripción dei mundo. Por eso nuestros enunciados tienem un valor informativo,
y
pueden ser verdaderos o falsos;b) débil: la iJnción referencial no está comprendida en la función semántica, pero ésta permtte acceder a ella. Oicho de otro modo, el valor semántico no es fundamentalmente una descripción dei mundo, sino que la aplicación de determinados mecanismos a este valor proporciona eventualmente esa descripción. (Anscombre e Kleiber. op.ctt.: 13).
Os autores apontam o semanticista Ducrot como um referencialista Fraco,
mencionando sua
Teoria da Argumentação na Lfngua
9,no sentido de que para ele
a significação está livre do conteúdo informativo, uma vez que esta seria de
natureza essencialmente argumentativa e não veri-condicional, mas o valor
informativo pode delivar do valor argumentativo, sendo este plincípio geral de
argumentação referenciado pelo conjunto de
topóí da língua que cada item lexical
convoca. O que contralia bastante as teses referencialistas fortes, mas também
não se identifica com as teses não-referencialistas. Os autores afirmam ainda que
em sua teoria Ducrol utiliza o fenômeno da delocutividade léxica
para explicar o
mecanismo argumentativo - seria o mecanismo que permite criar entidades
léxicas a partir de valores essencialmente enunciativos. (cf. Op.cit.: 20). Nesse
uma rede de relações. sintáticas ou gramaticais, pois a unidade léxica não tem sentido, e a informação é determinada pela organização da língua, Putnam, para quem, o sentido não determina sua extensão e pode ter um caráter intersubjetivo com componente social. A representação semântica não se esgota na extensão: há outros fatores: os marcadores sintáticos, semânticos, os estereótipos. Kleiber não concorda com os pressupostos não-referencialistas defendidos por Putnam. mas aprova o fato dele trazer a intersubjetividade e o fator social para dentro do trabalho com o sentido - nem universais necessários, nem contingência absoluta. Kleiber, no fim do capttulo vai defender a interferência do psíquico.
··o
Provérbio é um comprirr.ido que anda. de boca em boca·•: os sujeitos e os sentidos no espaço da enunciação proverbialI
Mônica Oliveira Sa.>·ltos- 2004ponto, gostaríamos de mencionar a relação destacada entre essas teorias e a
forma proverbial. Como já apontamos na teoria da ANL o provérbio é destacado
como reservatório de topói na língua, o que serve de elemento na teoria para
descrever os princípios argumentativos na constituição do sentido. Assim também
acontece com o
já
citado fenômeno da delocutividade
10,que, para Ducrot, não se
trata apenas da criação de mais um novo signo no sistema lingüístico, como
propôs Benveniste, mas treta-se de um fenômeno geral na língua - Ele alarga
para toda a língua o que em Benveniste era um funcionamento restrito, específico
de criação morfológica-léxical.
Achamos especialmente interessante a relação proposta entre o provérbio e
a delocutividade apresentada por S. Ferary (2001), em um artigo chamado
Le
proverbe: um
cas
de delocutívfté formulaíre.
Nesse trabalho, a autore afirma ser o
provérbio um caso de delocutividade formulaica, retomando o trabalho que Kleiber
(1994, 1999) tem desenvoivido sobre os provérbios nos últimos anos, sobretudo o
conceito de
denominação
que ele aplica para descrever a forma proverbial. Ferary
trabalha também com o conceito de delocutividade proposto inicialmente por
Benvenisle e re-elaboredo por Anscombre
11e Ducrot.
O ponto de partida desse trebalho está na oposição que Ferary defende
entre os conceitos de denominação e delocutividade em relação
à
forma
proverbial. Para isto, ela aponta alguns pressupostos desenvolvidos por L. Perrin
10
Oucrot, (1987), remete a primeira aparição deste conceito a Benveníste (1006, Cap. XXVIII), como mecanismo de criação morfológica-lexical a partir de locuções com valor enunciativo: Adeus• Íportuguês), Pordiosear (espanhol), m'as-tu-vu (francês).
1
É pertinente observar a ênfase dada a forma proverbial em vários trabalhos desenvolvidos por
J-C Anscombre.