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Documento arquivístico: prova e verdade

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – UFF

INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL– IACS DEPARTAMENTO DE CIENCIA DA INFORMAÇÃO – GCI CURSO DE GRADUAÇÃO EM ARQUIVOLOGIA

RAQUEL LUISE PRET COELHO

DOCUMENTO ARQUIVÍSTICO: PROVA E VERDADE

NITERÓI 2013

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RAQUEL LUISE PRET COELHO

DOCUMENTO ARQUIVÍSTICO: PROVA E VERDADE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Ciência da Informação e à Coordenação de Arquivologia da Universidade Federal Fluminense, como requisito para a obtenção do título de arquivista.

Orientador: Prof. Dr.Eduardo Murguia

NITEROI 2013

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C672 Coelho, Raquel Luise Pret.

Documento arquivístico: prova e verdade / Raquel Luise Pret Coelho. – 2013.

69 f.

Orientador: Eduardo Murguia.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em

Arquivologia) – Universidade Federal Fluminense, 2013. Bibliografia: f. 65-69.

1. Documento arquivístico. 2. Diplomática. 3. Discurso. 4. Verdade. 5. Positivismo. I. Murguia, Eduardo. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Arte e Comunicação Social. III. Título.

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RAQUEL LUISE PRET COELHO

DOCUMENTO ARQUIVÍSTICO: PROVA E VERDADE

Aprovado em : ---/---/---

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________ Prof. Dr. Eduardo Murguia - Orientador

UFF

__________________________________________ Prof.ª Ms. Margareth Silva

UFF

_____________________________________________ Profª. Drª. Ana Célia Rodrigues

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, à minha família e aos meus amigos, sem os quais o início desse caminho não seria possível. A minha mãe Maria Noemia com seus sábios conselhos, ao meu irmão Raphael Luiz e seus envios eletrônicos de meus arquivos que muito ajudaram a produção desse trabalho de conclusão de curso em lugares diversos, a Wanilucia Lyrio por todo o companheirismo, a minha avó Zenir Azevedo de Pret (in memorian) que sempre foi exemplo de luta, garra e perseverança. Ao meu pai Jair Cosme pela paciência nos encontros adiados. Agradeço imensamente ao meu orientador, o professor Eduardo Murguia, que fez junto comigo essa caminhada, apontando possíveis trajetos e sempre me trazendo à realidade novamente. Agradeço também as professoras Margareth Silva e Ana Célia Rodrigues pelas sugestões e sempre apontar contraposições, dialética importante na construção desse trabalho. Reconheço também o apoio dos amigos e professores Jóice Cardoso e Rodrigo Salles ao longo deste percurso. Os meus agradecimentos especiais à secretária da coordenação do curso de Arquivologia, Gina Veiga Vaz, por toda dedicação, delicadeza e carinho. Sou grata aos meus amigos Marcelo Mérida, Luciana Leite, Carlos Eduardo Martins e Rafael Cardoso pelas dicas e as trocas durante todos esses anos de graduação. Adriane Gadelha, Alexsandra Andrade, Renata Miranda, Paulo Raphael Antunes, Natália Gomes, Isabelle Vieira, Rodrigo Ségges, Laís Lanceiro e demais amigos, familiares e professores do curso, agradeço da mesma forma por me ajudarem a concluir mais este ciclo.

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Resumo

O presente trabalho pretende refletir sobre as relações entre o conceito de documento arquivístico e os critérios e validações que o definem como prova e verdade científica. A tese apresentada é que o documento arquivístico torna-se inscrição da verdade por validações, critérios e métodos que o regulam. A configuração da Arquivística como campo do conhecimento e sua aproximação com a Diplomática levou-a a utilização de métodos da ciência positiva para a validação dos documentos de arquivo. Esta abordagem se dá a partir dos pressupostos de Michel Foucault em suas obras Em defesa

da sociedade (2005) e A arqueologia do saber (1996). Primeiramente, o estudo

procura compreender as relações entre a produção de verdade na cultura ocidental, o surgimento do documento e a regulação da verdade imposta pelo ordenamento jurídico. Depois, a influência dos métodos diplomáticos, como saber instituído, na validação de discursos verdadeiros registrados em documentos. Por fim, o estudo aproxima as características do documento arquivísticos e os critérios para sua validação dos métodos da ciência positiva de Auguste Comte, procurando evidenciar possíveis influências na formação do conceito de documento pela Arquivística.

Palavras-chave: documento arquivístico, diplomática, discursos de verdade, positivismo.

Abstract

This paper aims to analyze the relations between the concept of archival document and the criteria that define and validate it as evidence of the truth. The thesis presented here is that the archival document becomes prove of truth because has the influence of positivism methods, used by diplomatic and archival science. This approach starts from the assumptions of Michel Foucault in his books In Defense of Society (2005) and The

Archaeology of Knowledge (1996). First, the study seeks to understand the relationship

between the production of truth in Western culture, the emergence of the document and the regulation imposed by the legal system. Then, the influence of diplomatic methods, as established knowledge, validation of true discourses recorded in documents. Finally, the study approximates the characteristics of archival document and the positivism methods of Auguste Comte’s science, seeking to highlight possible influences on the formation of the concept of document by Archivology.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 7

2. O DOCUMENTO E A PROVA ... 15

2.1. A Diplomática e o sistema jurídico: métodos e validações do documento ... 22

2.2 Autenticidade e fidedignidade dos documentos: critérios diplomáticos de prova . 26 3. O DOCUMENTO E A VERDADE CIENTÍFICA ... 34

3.1. A Diplomática e o sistema jurídico: métodos e validações do documento ... 35

3.2. A influência do positivismo nas validações do documento arquivístico ... 41

3.3. Arquivística: a construção do saber científico ... 45

4. NOVAS ABORDAGENS DA ARQUIVÍSTICA: a genealogia do documento e a redescoberta da práxis ... 53

5. CONCLUSÃO ... 62

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1. INTRODUÇÃO

De acordo com Michel Foucault, em seu livro A verdade e as formas jurídicas (2001a), somente com a consolidação dos ordenamentos jurídicos na sociedade ocidental, a exemplo do direito romano, que a prova, isto é, um complexo sistema de validações, a exemplo do inquérito, passou a possuir o status de verdade (FOUCAULT, 2001a, p. 42). O documento, por sua capacidade do registro, passou a ser incorporado neste sistema de validações de uma verdade, passou a incorporar o sentido probatório. Antes, nas sociedades antigas, como as existentes nas cidades-estado gregas, nos séculos V e IV a. C, o documento tinha a função de informar algo ou ensinar importantes tradições para diferentes gerações (POSNER, 1959).

Esta mudança de concepção acerca dos documentos é um importante marco, pois o documento passou a ser mediador de relações capaz de dizer a verdade, pois possuía formas, métodos e critérios na sua produção, circulação e guarda que garantiam ser ele uma prova de uma ação. Assim, decisões, ações, relações, interdições, coerções e condenações poderiam ser respaldadas pelo uso do documento como testemunho de verdade.

O documento passou a possuir esse poder de dizer a verdade na Antiguidade pela própria finalidade e contexto que estava associada a sua produção. A leitura e, sobretudo, a escrita eram ferramentas cognitivas pouco difundidas, símbolos de poder que circulavam somente nas instâncias superiores da vida política (CHARTIER, 1999, p. 25). Assim, o documento transitava entre as esferas políticas, fiscais e legais, firmando-se como registro de importantes ações que deveriam ser lembradas.

Paola Carucci (1987) afirma que a partir do século XII cresceram as preocupações com a falsificação dos documentos. Na Idade Média, com o surgimento de diversos reinos na Europa e a sociedade feudal, caracterizada pela divisão de classes em estamentos rígidos com pouca possibilidade de ascensão, a conquista de um título de terra ou nobiliário significava a possibilidade de ter poderes políticos, enriquecer, formar seu próprio exército, isto é, ocupar uma posição superior numa sociedade rigorosamente hierárquica (DUBY, 1976, p. 67). Com uma utilização maior da escrita, como relata Chartier, em A Aventura do Livro (1999), que saiu dos palácios e do uso quase exclusivo dos governos e passou a ser apropriada pelos nobres e pela própria Igreja Católica, os documentos passaram a comprovar direitos, títulos e garantias. O protagonismo da Igreja Católica no período medieval como instituição capaz de regular a

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vida em sociedade fez com que o Papa Inocêncio III se preocupasse com a profusão de documentos eclesiásticos falsificados, criando critérios para a produção dos documentos da Igreja e estabelecendo métodos capazes de aferir a veracidade dos documentos antigos. Surgia assim os primeiros métodos diplomáticos, consolidados no século XVII com a publicação da obra de Jean Mabillon, intitulada De re diplomática libri VI, em seis volumes. Assim, os documentos continuavam sendo provas de ações passadas, capazes de conferir direitos, títulos e obrigações de fazer. No entanto, nem todos os documentos tinham essa capacidade, apenas os que poderiam ser comprovados pelos métodos e critérios diplomáticos (RABELLO, 2009, p. 105).

Em defesa da sociedade (2005) mostra como os saberes transformam-se em

disciplinas que compõem a grande Ciência no século XVIII. Surgiram os conhecimentos-verdades, isto é, os saberes passaram a ser submetidos a validações, regulações, hierarquias de suas práticas e conteúdos para que pudessem ter efeito de verdade, a

verdade científica. O ápice dessa forma de conhecimento foi no século XIX com o

cientificismo, uma corrente filosófica de grande influência na Europa que reconhecia como saber apenas aquilo que fosse verificável pelos métodos e critérios das ciências ditas como naturais. Diversos saberes considerados do campo das ciências humanas a partir da segunda metade do século passaram a preocupar-se com as formas de legitimação de seus conhecimentos.

Sendo assim, o positivismo de Auguste Comte surgiu na segunda metade do século XIX como doutrina filosófica que defendia a análise dos fenômenos sociais a partir de métodos semelhantes às ciências naturais. A partir observação aprofundada de tais fatos poderia se atingir o verdadeiro conhecimento, formulando leis universais que regem esses fenômenos sociais, sem qualquer interferência do pesquisador (GIDDENS, 2005, p. 28). O Direito e a História, que possuem grande interlocução com a Arquivística, são exemplos de campos que, no século XIX, procuram se firmar por meio de métodos positivistas de análise.

Diante deste cenário os documentos passaram a ser testemunhos do passado, registros confiáveis da verdade de outras épocas, no entanto, os documentos precisavam também ser validados. Dessa forma, o Direito e, sobretudo, a História aproximaram-se das instituições arquivísticas, pois elas eram fontes confiáveis de proveniência dos documentos. Os documentos custodiados nos arquivos públicos, segundo Ernest Posner (1959), eram aqueles que haviam pertencido à administração do Estado ou eram considerados de importante valor histórico pelo próprio Estado. Portanto, os

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documentos arquivísticos eram chancelados pelo Estado e pelo tempo, validados por estas duas instâncias. Ademais, a custódia ininterrupta dos arquivos dos documentos era outro critério que conferia a estes a característica de serem registros da verdade.

No próprio século XIX, alguns princípios arquivísticos foram criados e passaram a ser implementados, primeiramente na França, depois na Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos no sentido de assegurar a fidedignidade e autenticidade dos documentos de arquivo. Os princípios da proveniência, da ordem original, da organicidade, da custódia initerrupta surgiram no século XIX para, além de racionalizar o trabalho e o tratamento técnico nos arquivos, garantir que os documentos arquivísticos pudessem servir como prova para o Direito e testemunho para a História (ROUSSEAU & COUTURE, 1994, p. 31).

Em 1821 foi criada a École des Chartes, especializada na análise de documentos, ministrando cursos de Paleografia, Diplomática, Heráldica, Sigilografia, entre outras disciplinas com métodos e critérios de análise para símbolos, marcas e formas presentes ou ausentes nos documentos que comprovavam se as informações contidas neles eram confiáveis ou não. Foi a École des Chartes que aproximou a Arquivística e a Diplomática como disciplinas afins (RABELLO, 2009, p. 119).

De acordo com Guimarães e Tognoli (2011), no século XX, a Arquivística procura se firmar como campo do conhecimento científico a partir da aproximação da metodologia da Diplomática para a validação de seus documentos arquivísticos. Conceitos como imparcialidade e autenticidade mostram a importância de se estabelecer critérios de validação da verdade que se dá por meio da influência de pressupostos positivistas como procuraremos mostrar ao longo desse exercício monográfico.

Dessa forma, este trabalho tem como principal tese que o documento torna-se prova a partir da legitimação do ordenamento jurídico que cria critérios e métodos para aferição da verdade, incorporados pela Diplomática, que, por sua vez, influencia a constituição da Arquivística enquanto saber científico. Ademais, a partir do século XIX, o documento, por meio de métodos, critérios e regulações da Diplomática, passou a ser comprovação de verdades, no entanto, diferentemente da prova do ordenamento jurídico, mas da verdade científica para o Direito, a História e a Arquivística. A busca pela verdade, seu registro e comprovação é uma necessidade construída no seio da sociedade ocidental a partir de seus sistemas de pensamento, perpassando diferentes tempos, agentes e espaços. Este trabalho procura refletir sobre as relações entre os sistemas de pensamento, as regulações e validações de verdade a partir do documento.

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Identificamos que na construção das características do documento arquivístico há uma forte influência do positivismo, sobretudo no tocante a sua fidedignidade e a sua autenticidade. Outra questão é a formação do campo disciplinar da Arquivística que procura por meio da singularização do documento arquivístico a legitimidade do seu fazer. A partir do desejo de verdade da sociedade ocidental os documentos são transformados em entidades com características e poderes próprios.

1.1. Objetivo Principal

• Refletir sobre a construção da concepção de documento como prova, inscrição da verdade, identificando as peculiaridades inerentes ao campo da Arquivística.

1.1.1. Objetivos Secundários

• Perceber como o ordenamento jurídico utiliza o documento como instrumento de suas práticas nas validações de suas decisões;

• Compreender as transformações dos métodos e critérios de legitimação dos documentos arquivísticos a partir da disciplinarização dos saberes;

• Investigar as possíveis relações entre a formação do campo da Arquivística com os métodos de validação da ciência positiva.

• Apresentar os novos questionamentos e teorias acerca da práxis arquivística e os métodos de validação do documento arquivístico

1.2. Quadro teórico

Para trabalhar a gênese do conceito de documento na Arquivística, utilizaremos a categoria operativa genealogia elaborada por Michel Foucault, presente no livro a

Microfísica do Poder (2000), ao estudar as relações de saber e poder.

Utilizamos ainda a sua análise, em Em defesa da sociedade (2005) e A

arqueologia do saber (1996) para qualificar categorias como regulações,

normatizações, disciplinarizações e sistemas de pensamento. Em A Verdade e as

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categoria verdade pela sociedade ocidental e as regras para sua legitimação, a partir da coerção de instituições como o Estado e os tribunais.

Ao trabalharmos com a concepção da Diplomática como método de avaliação dos documentos como prova, utilizamos as autoras Luciana Duranti e Paola Carucci. Na sua série de artigos Diplomatics: New Uses for an Old Science, publicados na revista canadense Archivaria entre os anos de 1989 e 1991, Duranti trabalha importantes conceitos para a produção deste trabalho como autenticidade, fidedignidade, originalidade e forma dos documentos. A autora apresenta os critérios utilizados pela Diplomática para aferir a autenticidade dos documentos ao longo do tempo e a importância dos mesmos para estabelecer se um documento tem valor de prova e/ou mesmo se ele pode ser considerado verdadeiro.

Paola Carucci, em Il documento Contemporaneo (1987) aproxima a Diplomática da Arquivística ao propor os critérios do primeiro campo do saber para realizar a crítica a documentos contemporâneos, os critérios e métodos diplomático, segundo a autora, são capazes de avaliar a autenticidade e a fidedignidade dos documentos no momento de sua produção, fator importante na avaliação e destinação dos documentos arquivísticos. Tal articulação entre as duas áreas também é um fundamental em nosso exercício monográfico.

Já para a crítica à influência do positivismo na Arquivística tem como base a reflexão de Terry Cook sobre o pós-modernismo e a era pós-custodial nos arquivos, presente em sua obra, a exemplo de seus artigos Documentation Strategy (1992) e

Fashionable Nonsense or Professional Rebirth (2001). O autor, ao propor uma

postura diferente do arquivista, analisa a prática deste profissional baseada em conceitos como neutralidade, objetividade, imparcialidade, associando-os a pressupostos positivistas.

Acerca da filosofia positivista, sua proposição como ciência neutra e imparcial e a tentativa de investigar os fenômenos sociais a partir de métodos semelhantes aos utilizados pelas ciências naturais, assuntos abordados neste trabalho, tiveram como base os próprios postulados de August Comte expressos em sua obra Curso de filosofia

positiva (1988).

Outros autores e categorias poderão surgir no decorrer da pesquisa, no entanto, ressaltamos que estes apresentados são o ponto de partida de nossa análise.

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1.3. Metodologia e fontes

A partir da revisão de complexas literaturas no campo da Arquivística, da Diplomática, do Direito e da História que pretendemos abordar o documento como

prova e verdade científica assim como os métodos, critérios e validações como tal.

Assim, além das categorias e autores acima apresentados, utilizamos como suporte para a produção desse trabalho as abordagens de Cristiana Freitas (2010) e Saul Gomes (2001) para contextualizar o uso dos métodos e critérios diplomáticos pelo ordenamento jurídico desde o período medieval.

O Manual of Archive Administration (1965), de Hilary Jenkinson, também é uma importante fonte, pois apesar de reconhecer a importância dos métodos diplomáticos na avaliação da fidedignidade dos documentos arquivísticos quando da sua produção, afirma que somente a custódia ininterrupta - que deve observar os princípios arquivísticos, sobretudo o da Proveniência - pode garantir a autenticidade de tais documentos. Assim como o Manual de Arranjo e Descrição de Arquivos (1973), conhecido no Brasil , como o Manual dos Holandeses, que afirma ser o documento arquivístico aquele que é "produzido ou recebido oficialmente por órgão administrativo

ou um de seus funcionários" (MULLER, FEITH & FRUIN, 1973, p. 13) e ressalta a

importância de todo o conjunto de documentos que deu origem a determinada ação e não apenas um único registro, o manual de Jenkinson postula que apenas pode ser considerado um documento arquivístico aquele que for registro de uma ação, sobretudo administrativa, e que tenha permanecido sob custódia initerrupta (JENKINSON, 1965, p. 28). Estas duas fontes são importantes em nossa análise, pois definem critérios, princípios e métodos próprios da Arquivística para a validação dos seus documentos, isto é, a Arquivística se apropria dos métodos diplomáticos, mas eles não bastam em si para validar um documento como arquivístico.

A questão dos métodos diplomáticos utilizados para avaliação da autenticidade e fidedignidade dos documentos arquivísticos é abordada não somente a partir da leitura dos textos de Luciana Duranti (1989-1991) e Paola Carucci (1987), mas também das contribuições de Heloísa Bellotto (2004) e Rosely Rondinelli (2002), sendo observadas as diferenças das autoras brasileiras em relação às italianas na concepção da Diplomática. Enquanto Bellotto e Rondinelli aproximam os critérios diplomáticos da genealogia documental, do contexto de produção dos documentos; Duranti e Carucci em

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seus estudos da década de oitenta estão preocupadas em perceber os elementos, os procedimentos, a forma estipulados pela Diplomática capazes de aferir a autenticidade e fidedignidade dos documentos que devem ser custodiados pelos arquivos.

A influência do positivismo no Direito é apresentada a partir das leituras de Neuman (1986), Hespanha (2003) e Cella (2007) que associam a necessidade da materialidade da prova no campo com o desejo da espacialidade da verdade no documento. Os autores possuem uma abordagem semelhante ao analisarem como o Direito se firmou enquanto disciplina capaz de fornecer critérios e ferramentas suficientes para julgar imparcial e objetivamente uma lide entre partes contrárias. Ao criticarem essa visão presente na doutrina do Direito, evidenciam as influências da filosofia positivista na sua construção. De forma semelhante a análise de Reis (1996) acerca da influência do positivismo na construção da História enquanto saber científico e a de Michael Löwe (2003) sobre as ciências humanas são referenciais importantes não elaboração desta monografia.

Marc Bloch, em seu livro póstumo Apologia à História (1983), ao defender uma nova postura do historiador face às fontes históricas, analisa a influência do historicismo alemão e do positivismo na práxis do historiador que, a partir do século XIX, tratava os documentos arquivísticos como verdades históricas incontestes. Segundo o autor, os documentos arquivísticos eram considerados como aquilo que o historiador tinha de mais próximo ao passado, vestígios inquestionáveis de uma realidade de outrora, e, sobretudo, matéria-prima aceita pelas ciências naturais para a História que passava a se firmar como ciência. Esta abordagem, conjuntamente com os artigos Documento (1984) e Documento/Monumento (1984) de Jacques Le Goff são importantes referenciais para este trabalho.

A contextualização feita por Posner (1959) e Rousseau e Couture (1994) sobre a formação do campo arquivístico, assim como as definições e princípios consolidados na Arquivística e historicizados por esses autores serviram de embasamento teórico para a construção da análise da formação da disciplina enquanto saber científico.

Portanto, a partir desta literatura e do campo teórico delimitado acima é que este exercício monográfico foi elaborado, ressalta-se que o cotejamento das obras citadas não contempla a complexidade de cada uma delas, sendo estabelecidos pontos em comum de associação, procurando respeitar a essência de cada texto. Destaca-se ainda que este é um primeiro esforço que procura perceber as relações entre o documento arquivístico e suas validações de prova e verdade, sem a pretensão de esgotar o tema,

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levantando questões que, parafraseando o antropólogo, Lévi- Strauss (1982), "talvez

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2. O DOCUMENTO E A PROVA

A palavra documento, advém do verbo latino docere, que significa ensinar, tornando-se documentum, relacionado ao meio em que se ensina ou se informa, ou seja, era sinônimo de lição, advertência, aviso, modelo, exemplo (Dicionário Houaiss, 2000, p. 537). Somente com a consolidação dos ordenamentos jurídicos, na Antiguidade clássica, a exemplo do direito romano, passou-se a incorporar um sentido probatório com significados como indício, testemunho, registro. Assim, notam-se dois grandes sentidos na gênese do documento em nossa sociedade ocidental: o de instrumento de ensino, de comunicação. E o sentido de prova, testemunho, registro. Ambos carregam em si a ideia de lugar onde se encontra a verdade (FOUCAULT, 2001a).

Ernest Posner, em 1959, aproximou as práticas gregas e romanas de guardar cartas recebidas e registrar as expedidas no século IV a. C com técnicas arquivísticas primitivas (POSNER, 1959, p. 6). Rousseau e Couture, em seu livro Os Fundamentos

da Disciplina Arquivística, destacam o papel de prova que os documentos

desempenhavam na Grécia Antiga. A forma e o local em que os documentos eram guardados conferiam autenticidade. Sendo assim, eles eram depositados no archéion, uma das dependências do Métroon, templo da deusa mãe da Ágora de Atenas. Pela sacralidade do lugar, os documentos do archéion eram considerados de grande valor e possuidores de verdades incontestes (ROUSSEAU & COUTURE, p.33, 1998). Com a laicização das cidades-estado, os documentos passaram a servir a administração das mesmas, estando mais próximos das Assembleias, no caso grego, e do Imperador no caso romano. Armando Malheiro da Silva, em seus estudos sobre a Teoria da Informação, percebe que os romanos no século II d. C já possuíam um organizado sistema público de arquivos que refletia na complexidade da administração de seu Império (SILVA, 2006, p. 21).

Segundo Michel Foucault (2005), a nossa sociedade é regulada pelo discurso de verdade. Comportamentos, relações, poderes, ações e subjetividades são formados a partir de discursos verdadeiros e disciplinados por eles.

Numa sociedade como a nossa, múltiplas relações de poder perpassam, caracterizam, constituem o corpo social; elas não podem dissociar-se, nem estabelecer-se, nem funcionar sem uma produção, uma acumulação, uma circulação, um funcionamento do discurso verdadeiro. Não há exercício do

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poder sem uma certa economia dos discursos de verdade que funcionam nesse poder, a partir e através dele. (FOUCAULT, 2005, p. 28)

Nessa perspectiva, somos constantemente submetidos à produção de verdade pelo poder, seja de qualquer natureza (jurídica, religiosa, científica, econômica etc). Precisamos dizer a verdade, aceitar a verdade, encontrar a verdade, pensar e agir a partir da verdade. A partir da institucionalização dos discursos de verdade e dos meios para a sua produção é que a sociedade ocidental, em diferentes épocas, encontra um modo de se pensar e pensar o mundo, ou seja, uma episteme (FOUCAULT, 2005, p. 29).

Assim, num primeiro momento, os ordenamentos jurídicos revelaram-se como discursos de verdade. A norma, a lei, os códigos eram verdades, por eles julgava-se, condenava-se, classificava-se, obrigava-se a exercer tarefas, submetia-se a uma certa maneira de morrer.

No entanto, esses discursos de verdade são produzidos e validados a partir de métodos enunciativos. Os discursos são entidades dotadas de características que as personificam e as identificam. Os discursos de verdade precisam seguir um método de produção e regulação, caso contrário, são descartáveis ou efêmeros.

São necessárias regras de seleção dos enunciados que permitam descartar o que não é verdadeiro, são necessárias formas de normalização e homogeneização dos discursos, de organização interna e externa. Para se dizer a verdade é necessário que se saiba como dizê-la (FOUCAULT, 2005, p. 218). Nesse sentido, o documento faz parte desse sistema, está inserido nessa disciplinarização da verdade. Sua forma, os meios processuais em que é produzido, os agentes que o produzem, os agentes que o classificam e o custodiam, todo o disciplinamento em que é submetido fazem dele um meio, um registro de verdade.

O documento em nossa sociedade surgiu como instrumento de normalização do discurso da verdade, um meio da validação da verdade que possuía características que permitiam tal validação. “O normal é o que é primeiro, e a norma se deduz dele, ou a partir desse estudo das normalidades que a norma se fixa e desempenha seu papel operatório” (FOUCAULT, 2009, p. 83). Cada tempo e cada forma de poder vão adotar suas validações que permitam o documento ser um registro da verdade. Na Grécia Antiga, a sacralidade de sua guarda garantia a sua validação. Apenas um documento dotado de verdades poderia pertencer ao Métroon. Dessa forma, o documento tornava-se prova. Não era mais preciso guerras, confrontos, batalhas que envolvestornava-sem perdas materiais e humanas. Em uma disputa discursiva, no requerimento de um direito ou na

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imposição de um dever, bastava que seus articuladores pudessem revelar a partir do documento a verdade registrada.

A análise foucaultiana da tragédia grega Édipo-Rei nos mostra como a forma, as regulações são fundamentais para a produção do discurso de verdade (FOUCAULT, 2001a). Esta tragédia, escrita por volta de 427 a. C., mostra várias práticas jurídicas do período clássico da Grécia Antiga. Os testemunhos e os indícios materiais que dão suporte são enunciados que vão se entrelaçando, se combinando, se arranjando até a formação de um discurso verdadeiro. A verdade é revelada por meio do inquérito, isto é, uma investigação validada pelo poder real, pelo próprio Édipo, no caso, que busca legitimar seu trono, e que segue parâmetros, normas, critérios capazes de selecionar evidências, descartando as falsas, organizá-las de forma coerente até que se descubra o que realmente aconteceu. Nessa tragédia, os testemunhos possuem o poder de dizer a verdade, pois cada um possui informações únicas, e combinados entre si possuem a forma necessária para validar uma verdade: Édipo matara o próprio pai e se casara com a própria mãe (FOUCAULT, 2001, p. 37).

Este exemplo mostra como, para que uma verdade venha à tona, é necessário uma regulação, uma normatização, uma disciplinarização dos enunciados. Cada testemunho diz apenas o que pode ser dito, não revela a verdade em si. No campo das regulamentações cada enunciado é único, no entanto, ele não pode exceder o seu campo, sob a pena de ser inválido, falso, mentiroso. Assim, Tirésias, como adivinho, somente por meio de metáforas poderia dizer que Édipo mataria o pai; os escravos, por pertencerem a Políbio, somente poderiam afirmar sobre a morte deste, que havia acontecido distante de onde Édipo se encontrava; e o pastor de ovelhas, tão somente poderia ter dito que Édipo foi entregue a ele por Laio e Jocasta para que o matasse, mas que, por pena, resolveu entregá-lo a Políbio para que criasse o menino. Qualquer inversão destes enunciados, fragmentação ou outro ordenamento, os transformaria em nulos e a verdade não poderia acontecer.

A tragédia de Sófocles inaugurou na história das práticas judiciárias ocidentais a forma chamada racional da prova e da demonstração. A verdade era produzida a partir de condições plausíveis, formas de observar, regras de se aplicar (FOUCAULT, 2001a, p. 54). Houve na Grécia, portanto, uma grande transformação que, através de uma série de embates, contestações e dialéticas, formou-se uma determinada forma jurídica da verdade, com o método do inquérito. O documento por sua capacidade de registrar um discurso, fixar um tempo, estabilizar relações transformou-se em testemunho nestas

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práticas judiciárias. Os documentos a partir do ordenamento jurídico transformaram-se em evidências, rastros de verdade (LE GOFF, 1989).

De acordo com Foucault (2001a), as práticas judiciárias era o meio pelo qual os homens regulavam-se a partir de acordos onde os politicamente mais fortes impunham regras, limites, punições e interdições aos mais fracos. Esses conjuntos de regras permitiam que homens fossem julgados em função de erros previstos ou práticas irregulares, em desacordo com os ordenamentos acordados.

Na Idade Média com esfacelamento do Império Romano e as forças emergentes de pequenos reinados e feudos militarizados, o importante era garantir o direito à propriedade. Os documentos importavam pela sua força de comprovar um direito a uma propriedade, a um título, a uma posse. As chancelas para os documentos passaram dos templos sagrados das cidades-estado e do lugar da administração destas para a instituição de maior poder político e econômico: a Igreja. Passou a ser da Igreja a responsabilidade de salvaguardar documentos históricos, aferir direito sobre propriedades e registrar o nascimento dos cidadãos a partir do batizado. A Igreja e seus monastérios cumpriram o papel de produzir, reconhecer e proteger os documentos considerados importantes para a sociedade ocidental, assim como os registros de batismo, considerados certidões de nascimento, os registros de pagamentos de foros que comprovariam as propriedades das terras, os registros de óbito, entre outros registros documentais (REIS, 2006).

Arquivos medievais, tanto eclesiásticos como seculares, guardavam registros que possuíam algum valor financeiro ou legal. Os documentos eram acumulados por chancelarias que eram as únicas ou principais repartições administrativas independentes na Europa, durante a Idade Média (FREITAS, 2010, p. 9).

Nesse período começou a despertar a atenção da Igreja a falsificação de documentos, pois tal prática passou a interferir nos sistemas político-religiosos do Ocidente. A partir do século XII, o Papa Inocêncio III passou a elaborar critérios de análise documental e a classificar os documentos pontifícios como falsos e autênticos a fim de punir os falsificadores com prisões e até enforcamentos. (RABELLO, 2009, p. 104)

A caraterística de antigo era o que validava o documento como prova escrita, a materialidade da verdade. Critérios como a linguagem, a tinta, o tipo de escrita, os selos, a pontuação, a abreviação, as datas, entre outros elementos serviam de validações para conceder a estatuto de verdadeiro ou falso a um documento. Cabe ressaltar que a

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autoridade soberana, até a consolidação dos Estados modernos, aproximadamente no século XIV, era exercida pela Igreja Católica, instituição que tinha o poder de julgar e condenar vivos e mortos, sendo o papa a instância máxima da instituição. O documento se apresentava, dentro dessa dinâmica de validação, como testemunho -- portanto, necessitava de regulação de sua forma e de seu conteúdo para ser considerado autêntico (LE GOFF, 1989)

No direito feudal o litígio entre indivíduos era regulamentado pelo sistema de prova. Quando havia uma reivindicação de algum direito, ou acusação contra alguém, a solução do litígio entre os lados conflitantes se dava a partir de uma série de provas aceitas por ambos e a que os dois estavam submetidos. Era um sistema que não revelava a verdade, mas mostrava a força, o peso, a importância de quem dizia a partir das validações das provas (FOUCAULT, 2001a, p. 59).

A dinastia feudal franca que governava Borgonha, no século XI, por exemplo, a hierarquia de provas documentais estabelecia-se da seguinte forma: provas sociais, provas da importância social de um indivíduo. Assim, se um indivíduo fosse acusado de assassinato não era necessário um álibi ou provar que a suposta vítima estava viva. Bastava o acusado possuir 12 testemunhas que jurassem não ter cometido o acusado tal crime e ele não seria condenado. Para testemunhar a favor do acusado era necessário ter com ele relações de parentesco, não para provar a sua inocência, mas para provar a importância social do indivíduo (FOUCAULT, 2001a, p. 60). Assim, percebe-se que a validação da prova estava muito mais na influência do indivíduo na sociedade do que na proximidade da narrativa documental dos fatos.

No sistema judiciário feudal a prova não se trata de uma investigação da verdade, mas de uma estrutura com regras fixadas que o indivíduo acusado aceita ou rejeita. A renúncia em se submeter, tentar a prova, já era considerado, de antemão, uma confissão de culpa (FOUCAULT, 2001a, p. 61).

Segundo Foucault (2001b), na Idade Média, a prova é um exercício de poder. É na balança de forças que se estabelece a prova que será aceita e que será rejeitada, a partir de um jogo discursivo que penderá para o mais ágil intelectualmente, o mais eloquente, isto é, o que possui códigos sócio-culturais mais semelhantes aos julgadores.

No século XI, quando os normandos passaram a ocupar a Inglaterra, Guilherme

o Conquistador para pacificar a região e integrar seu povo com os anglo-saxões,

realizou um grande inquérito sobre o estado das propriedades, o estado dos impostos, o sistema de foro etc. Assim, nota-se que as características principais domesday eram: o

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poder político como personagem principal; o poder exercido pelo direito de fazer perguntas na busca pela verdade; o poder, dirigido aos notáveis, de determinar o que é verdade (FOUCAULT, 2001a, p. 69). Considerando o domesday e suas regulações como um documento, percebe-se que este é um dos primeiros que estabelece um tipo de verdade totalmente ligada à gestão administrativa. Foi a partir de um documento produzido pela Administração do reino, o domesday, que a verdade acerca do direito à terra foi estabelecida. Assim, a partir da consolidação de validações de direitos por meio de documentos da Administração real, estes passaram a ter status de prova capaz de conferir direitos, delegar obrigações, impor sanções – não somente entre o rei e seus súditos, mas entre indivíduos litigantes.

A partir dos séculos XIV e XV, com as mudanças sociais e culturais ocorridas no Ocidente, as práticas judiciais passaram a estabelecer a verdade a partir de considerações de saberes tais como a Astronomia, a Matemática, a Geografia, e até mesmo a própria Diplomática, que se firmavam como formas de conhecimento por estabelecerem critérios e métodos próprios a partir de regulações, enquadramentos e nivelamentos (FOUCAULT, 2005).

Esses métodos de validação do documento passaram a possuir status de saber ao longo dos séculos XVII e XVIII. Os mosteiros, com suas universidades, instituíram a Diplomática como disciplina que analisava a autenticidade e a fidedignidade dos documentos. Portanto, a Diplomática passou a se articular dentro desse novo regime de validação de verdade como instrumento de legitimação fundamentado por uma teoria e um método normativo e regulatório, isto é, um dispositivo de poder.

Portanto, nota-se que a validação da verdade por meio do documento como prova é uma prática existente desde a Antiguidade clássica, regulada pelos ordenamentos jurídicos. Os critérios e métodos de aferição da verdade foram se transformando de acordo com as mudanças políticas, econômicas, sociais, religiosas de cada tempo, no entanto, a validação da verdade como um dispositivo de poder atribuído a poucos continuou sendo uma característica que perpassou todas as épocas.

O tempo sempre foi um mecanismo de validação de grande peso para um documento ser considerado prova em um ordenamento jurídico. Quanto mais antigo era considerado um objeto, maior potencial de prova ele possuía por ser considerado um vestígio, um testemunho do passado (POMIAN, 1989). Assim, pode-se considerar o documento tal como um objeto, no sentido de suas mediações com o passado. No entanto, para os documentos serem considerados testemunhos, vestígios do passado,

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precisavam ser submetidos a critérios capazes de estabelecer quando, como e por quem foram produzidos – critérios elaborados pela Paleografia e pela Diplomática.

A Diplomática e seus critérios para validar um documento como autêntico ou falso, desde o século XVII, a exemplo da análise da forma, a investigação dos agentes que produziram o documento e os procedimentos a que foi submetido firmaram-se como mecanismos de validação do registro como verdadeiro. Assim, o documento uma vez submetido ao método diplomático e tendo sido observado que possui todos os requisitos exigidos poderia ser considerado um testemunho do passado.

Na transição da Baixa Idade Média para a Idade Moderna, no século XV, com a formação dos primeiros Estados Nacionais, surgiram também os primeiros arquivos reais que procuravam preservar os registros das inúmeras atividades comerciais, sobretudo em Portugal, Espanha e nas cidades italianas (ROUSSEAU & COUTURE, 1994, p. 19). A custódia dos documentos sempre foi um importante mecanismo de validação, por isso aqueles considerados de maior valor eram preservados ou em lugares sagrados como templos e monastérios, ou em instituições do Estado como o Senado e os arquivos.

Na Revolução Francesa, em 1789, a invenção do conceito de patrimônio nacional como legado a ser preservado para futuras gerações influenciou a percepção do papel do Estado na custódia dos documentos. Os documentos sob custódia do Arquivo Nacional deviam ser preservados não somente por servirem de prova para a obtenção de um direito do indivíduo, mas por serem testemunhas históricas de um povo, por serem capazes de elucidar o passado de uma nação. É a partir de então que o documento arquivístico passa a ser não somente um instrumento de validação do ordenamento jurídico, mas também da História (ROUSSEAU & COUTURE, 1994, p. 81).

Com a consolidação da metodologia e da teoria elaborada pela Diplomática de certificação e validação dos documentos, o Direito passou a apropriar-se desse campo disciplinar em seus estudos jurídicos, sendo incorporada inclusive como cadeira a ser cursada nas faculdades de Direito da Inglaterra, França, Alemanha, Espanha e Itália no século XIX (JARDIM, 1987, p. 54).

Dessa forma, percebe-se que os método diplomático consolidado no século XVII, com Jean Mabillon, constituíu-se em importantes formas de validação dos documentos como provas. Outrossim, as formas que os arquivos custodiaram e preservaram os documentos passaram a ser também critérios de legitimação dos documentos como inscrições de verdade. Percebe-se assim que se apresentam duas

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formas de validação do documento: o método diplomático que se concentra na análise do documento no seu contexto de produção e, posteriormente, no século XIX, o método arquivístico que se importa com a custódia ininterrupta. Ambas as formas de validação ocupam um lugar central na teoria Arquivística e na consolidação do campo enquanto ciência.

2.1 A Diplomática e o sistema jurídico: métodos e validações do documento

Na Antiguidade Clássica, a palavra diploma se referia a documentos escritos em duas tábuas unidas por uma dobradiça chamada dypitch. Durante o período do Império Romano, essas tábuas eram utilizadas para a produção de tipos específicos de documentos emitidos pelo Imperador ou pelo Senado como os decretos que confiriam privilégios de cidadania e casamento para soldados que tinham servido por longo tempo ao Império. Assim, o diploma passou a significar registro de um ato realizado por uma autoridade soberana, estendendo seu significado para documentos produzidos de forma solene (DURANTI, 1989, p. 12).

Desde as sociedades pré-clássicas é notória a importância atribuída aos documentos e ao cuidado com a identidade, a autenticidade e a salvaguarda dos mesmos. Os documentos eram guardados em lugares de acesso restrito, associados, regra geral, à noção de tesouro ou de santuário onde se evidencia, desde cedo, a existência de uma estrutura organizacional bem definida.

Nesse período foram introduzidas regras a partir do Código de Justiniano para assegurar a autenticidade dos documentos e para identificar as falsificações, conforme evidenciam os títulos dos seus capítulos: a autenticação dos documentos; testemunhos; assinaturas; selos; registro; comparação de caligrafias; requisitos para a produção de documentos originais; protocolos necessários nos documentos notariais e a regulamentação dos notários; a fé nos documentos públicos e semipúblicos; falsificações (GOMES, 2010, p. 7).

Na Idade Média, no que diz respeito ao processo de estruturação do documento escrito, assiste-se a formulações de técnicas que determinam a dinâmica que o homem-escriba sempre imprimiu ao escrito, fazendo da escrita um testemunho da razão, de ordem e de ideias. A charta escrita,encarada como um meio de garantia e de memória, é substituída pelo publicum instrumentum notarial, que propunha o objeto documental como prova instrumental de fé pública (GOMES, 2007, p. 30)

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Só era reconhecível pela aposição de uma legitimidade legal que o poder dominante, monárquico e civilista – confrontado, por ventura, com o aumento das tendências falsificadoras da documentação produzida no seio de mosteiros e catedrais, normalmente por especialistas no (re)fazer de uma visão analística do passado e presente dessas mesmas instituições a que serviam – conferia a notários e tabeliães e negava aos tradicionais notatores eclesiásticos (GOMES, 2007, p. 30).

O termo Diplomática é uma adaptação do latim Res Diplomatica, expressão utilizada pelo primeiro escritor sobre o assunto, Jean Mabillon, para se referir à análise crítica das formas de diplomas (DURANTI, 1989, p. 12).

A validade do documento derivava não apenas da autoridade do notário que o compilou, mas também da forma técnica e material da sua composição. A assinatura, a data e o local de produção ou de recepção do documento fornecem indicadores específicos da sua autenticidade (CARUCCI, 1987, p. 19).

Dessa forma, a sociedade ocidental desde a Antiguidade Clássica procura estipular critérios, regulações e validações para conferir ao documento o estatuto de prova. Como demonstra Foucault em seu livro Em Defesa da Sociedade (2005), a sociedade ocidental circunscreve por meio de parâmetros, critérios e regulações a

verdade. Para ser aceito como um discurso verdadeiro, o indivíduo precisa dizê-lo a

partir de certas normas. Igualmente, um documento para ser considerado verdadeiro ele precisa apresentar elementos que o afirmem enquanto tal: a escrita, a assinatura, os selos, as autoridades presentes no documento, a forma em que o documento é produzida. A Diplomática, a partir da Idade Média, passa a possuir um arcabouço metodológico aceito pelo sistema jurídico como capaz de averiguar seu um documento é verdadeiro ou falso.

De acordo com Foucault (2001a, p. 39), o sistema jurídico é uma das inúmeras práticas sociais que formam domínios a partir da imposição de regulações e de ordenamentos por forças coercitivas, neste caso, o Estado. O inquérito, apresentado na tragédia Édipo-Rei, de Sófocles, simboliza um modelo pioneiro de regulamentação social surgido na Grécia através de uma série de lutas e contestação política, determinando as bases das formas jurídicas ocidentais, alicerçadas por formas de saber consagradas (como a filosofia, o empirismo, etc.) e novas (como inquéritos e depoimentos). A evolução do direito ocidental tem como um dos principais capítulos a história do direito germânico, esboçado sobre as ruínas do império Romano. “O sistema que regulamenta os conflitos e litígios nas sociedades germânicas daquela época (após o

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contato com o império romano) é, portanto, inteiramente governado pela luta e pela transação; é uma prova de força que pode terminar por uma transação econômica” (FOUCAULT, 2001a, p.57). Até que os aspectos mais racionais da vida ocidental se abatessem sobre as tentativas de ordená-la juridicamente, a tradição romano-germânica representou um grande laboratório de transformações, servindo como a base do direito feudal europeu.

Esta sistema de regulação desenvolveu-se criando diversas formas normatizações, regulamentações e ordenamentos na tentativa de controlar qualquer prática social, assim o sistema jurídico atual é um complexo sistema contendo muitas divisões e subdivisões. Ele pode ser dividido em direito positivo (como estabelecido nas diversas fontes legais - legislação, precedentes judiciais, personalizados - e fontes literárias - ou de autoridade, consistindo de estatutos, relatórios de lei, e livros de autoridade, ou não-oficiais, tais como crônicas medievais, periódicos, livros e outros) e todas as outras concepções e noções de direito vinculativo (lei natural, moral, crenças religiosas ortodoxas, mercantil, personalizada, romana/lei canônica). Porque um sistema legal inclui todas as regras que são percebidas como ligação de qualquer tempo e / ou lugar, nenhum relacionamento ou aspecto da vida humana fica de fora de um sistema legal. Por exemplo, mesmo a forma mais espiritual do amor é penetrado e governado pela ética, lei natural, moralidade, crenças religiosas, costumes, e se expressa de acordo com eles (HESPANHA, 2003, p. 13).

Entre os fatos humanos em geral, um tipo especial de fato que resulta de uma vontade determinada a produzir efeito é chamado de uma ação ou ato. A operação da vontade distingue um ato de qualquer outro fato em geral. Portanto, todos os atos são também fatos, mas apenas fatos gerados por uma vontade determinada são atos. Fato é o gênero, o ato é a espécie. Quando um sistema jurídico leva em consideração no seu conjunto de regras, não só os efeitos do comportamento humano, mas também a vontade de determinação, conduz, ao que chamamos de um ato jurídico (CARUCCI, 1987, p. 26).

Qualquer ato, para existir, deve ser manifestado e, consequentemente, percebido (ou pelo menos ser perceptível). Esta forma exterior do ato pode ser oral ou escrito. A Diplomática está interessada nesses atos que têm uma forma escrita e resultado em documentos. A forma escrita de um ato pode ser vinculada ou discricionária. A exigência de uma forma escrita existe em duas circunstâncias: 1) quando um ato é de tal natureza que pode vir a existir somente por meio de um documento, e 2) quando um ato

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que leva uma forma oral que precisa de um documento como prova de sua existência. No primeiro caso, o documento é o ato; no último, o documento refere-se ao ato. Um documento pode também se referir a um ato, instruindo-o, quando nenhuma das condições acima existirem, e a forma escrita é, portanto, discricionária (CARUCCI, 1987, p. 27).

Os analistas da Diplomática tradicionalmente subdividiam todos os documentos em categorias definidas pelo objetivo a que servia cada documento a partir de sua forma escrita. Nos documentos medievais diplomáticos apenas duas categorias eram identificadas: se o propósito da forma escrita foi a de registrar a existência um ato, cujos efeitos foram determinados pela escrita em si (isto é, se a forma escrita foi a essência e a substância do ato), o documento era chamado dispositiva. Os exemplos são contratos e testamentos. Se o propósito da forma escrita foi suficiente para produzir evidências de um ato que veio a existir e foi completa antes de ser manifestada por escrito, o documento era chamado probatório. Como exemplos têm-se os certificados e os recibos. No caso do dispositivo, os documentos possuem a forma escrita requerida para a existência do ato, definida como ad substantiam; no caso de documentos de prova, estes possuem a forma exigida para a prestação de provas do ato, definida como ad

probationem (DURANTI, 1990, p. 8).

A primeira circunstância acerca dos documentos contemporâneos diz directamente respeito à categorização diplomática de documentos em relação à função que eles servem.

Não é mais possível dizer que os documentos escritos são ou dispositivos ou probatórios, assim como eram os medievais, mas os documentos desses dois tipos continuam sendo criados em grandes números, apresentam as mesmas características essenciais, identificados analistas diplomáticos de documentos medievais, e são facilmente reconhecíveis entre todos os outros documentos. Podemos então dizer que os documentos dispositivos e probatórios juntos, constituem uma classe comum, e são, de forma inadequada, chamados de "registros legais" (DURANTI, 1990, p. 9).

Segundo Carucci (1987) e Duranti (1990), podemos ainda usar os conceitos e os métodos da Diplomática para categorizar os documentos de acordo com a função a que servem, isto é, com base em sua relação com os fatos e atos, sejam eles considerados

registros legais ou não. Se fizermos isso, podemos identificar duas categorias que

compreendem todos os documentos não legais. O primeiro inclui os documentos que constituem prova escrita de uma atividade que não resulte em um ato jurídico, mas é em

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si juridicamente relevante. Podemos chamá-los de documentos comprobatórios. O segundo inclui os documentos que constituem prova escrita de uma atividade que é juridicamente irrelevante. Podemos chamá-los de documentos narrativos. Agora, o que acontece se tentar analisar diplomaticamente essas duas categorias de documentos? Inevitavelmente, nós teremos que adaptar a metodologia da crítica diplomática para as novas circunstâncias. De fato, na crítica de documentos dispositivos e probatórios, é preciso definir e avaliar os tipos documentais por suas características e procedimentos formais de elaboração e como eles se relacionam com o sistema jurídico.

Para Carucci (1987), o sistema legal é um ponto de referência muito preciso que podemos relacionar diretamente ao examinar os documentos legais. Isto não é possível quando analisamos os documentos das outras duas categorias, ou porque são evidência de um processo contínuo que, embora juridicamente relevante, não faz resultar em um ato definido e final, ou porque são provas de um processo ou fato juridicamente irrelevante. No entanto, ainda podemos fazer conexões indiretas com o sistema jurídico, ou seja, podemos fazer referência aos documentos dispositivos e probatórios emitidos dentro do mesmo sistema jurídico em que os documentos não-legais foram criados. Podemos definir e avaliar os tipos de documentos não-legais por analogia, que é, por meio da identificação, primeiramente, das características formais comuns que eles compartilham, e, segundo, das características que cada tipo de documento não-legal tem em comum com um tipo similar de documento legal (CARUCCI, 1987, p. 38).

Portanto, os conceitos diplomáticos estão relacionados aos sistemas jurídicos e legais e aos fatos e atos. A teoria Diplomática faz uma distinção entre o momento da ação e o momento de documentação, além de estabelecer como princípio diplomático que cada documento está ligado por um único vínculo a uma atividade (seja ela um fato ou um ato juridicamente relevante ou irrelevante) que o produziu, vínculo este qualificado pela função expressa no documento, sendo assim os métodos e modelos de análise da Diplomática ainda são válidos para avaliar modernos e contemporâneos documentos (DURANTI, 1990, p. 15).

2.2. Autenticidade e fidedignidade dos documentos: critérios diplomáticos de prova

De acordo com Luciana Duranti, a origem da Diplomática está estritamente ligada à necessidade de determinar a autenticidade de documentos, com a finalidade última de conhecer a realidade dos direitos ou veracidade de fatos neles representadas

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(DURANTI, 1989, p. 17). Para a autora é preciso distinguir as formas de autenticidade. Nesta pespectiva, a autenticidade diplomática não coincide com autenticidade legal, mesmo que ambas possam levar a uma atribuição de autenticidade histórica em uma disputa judicial.

Os documentos legalmente autênticos são aqueles que são testemunhos por si próprios, configuram-se como provas, porque a intervenção em sua criação ou a representação de uma autoridade pública garantem a autenticidade deles, a sua fidedignidade. Já os documentos diplomaticamente autênticos são aqueles escritos com um determinado tipo de escrita de sua época, com o lugar de sua produção indicado no próprio texto e assinado com o nome de pessoas competentes para criá-los. Os documentos historicamente autênticos são aqueles que atestam fatos que realmente ocorreram ou informações verdadeiras, do ponto de vista da História.

Os três tipos de autenticidade são totalmente independentes um do outro. Assim, um documento não atestado por uma autoridade pública pode ser diplomaticamente e historicamente autêntico, mas é sempre legalmente inautêntico. A bula papal que não contém a expressão "datum ... sub anulo piscatoris" pode ser legalmente e historicamente autêntica, mas é diplomaticamente inautêntica. Um certificado emitido por uma autoridade pública em matéria de regras burocráticas, mas que contém informações que não corresponde com a realidade é legal e diplomaticamente autêntico, mas historicamente falso (DURANTI, 1989).

Um documento é autêntico quando apresenta todos os elementos que são concebidos para fornecê-lo uma autenticidade. Um documento é fidedigno, quando é realmente o que se propõe ser. Assim, uma sentença é legalmente autêntica quando assinado por um magistrado, e também é verdadeira, se a assinatura não é falsificada. Assim, um privilégio que se supõe ter sido emitido por uma chancelaria imperial é diplomaticamente autêntico quando todas as suas formas correspondem perfeitamente aos prescritos pelos regulamentos da chancelaria, e também é fidedigno se foi realmente emitido pelo chancelaria (DURANTI, 1989, p. 17).

A distinção entre autenticidade e fidedignidade não é válida em um sentido histórico. Na verdade, cabe ao direito e à diplomática, separadamente, avaliar as formas dos documentos e os autores dos mesmos, para que possamos ter um documento autêntico que não é fidedigno ou vice-versa. Em contraste, a história avalia apenas o conteúdo do documento, de modo que, historicamente, autêntico é sinônimo de fidedigno. Ainda mais sutil é a distinção nos usos dos antônimos de autêntico e

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fidedigno, para aquilo que não é autêntico e não é fidedigno. O conceito de inautenticidade refere-se a ausência dos requisitos que proporcionam autenticidade. O conceito de falsidade refere-se a a presença de elementos que não correspondem à realidade. Esses elementos podem ser intencionalmente ou por negligência falsos, ou ainda, por erro ou acidente serem falsos, quando cuidados tiverem sido observados (DURANTI, 1989, p. 18).

Agora, de acordo com o argumento apresentado acima, o conceito de inautenticidade pode ser usado apenas em um sentido legal ou diplomático, não em um sentido histórico. Na verdade, a ausência de informações necessárias no conteúdo de um documento não pode comprometer sua autenticidade histórica. Assim, um contrato privado que não é corroborado por um funcionário público (o termo inclui notários e advogados) é juridicamente inautêntico, e uma carta de compromisso que não contém as condições de nomeação é diplomaticamente inautêntica, mas uma forma incompleta ou uma assinatura não preenchida, conforme exigido, permanecem historicamente autênticos e fidedignos se os seus conteúdos são verdadeiros.

O conceito de falsidade, embora válido no sentido legal, diplomático e histórico, em cada uma desses campos refere-se a elementos diferentes do documento. Este conceito é talvez melhor ilustrado através do exemplo de um tipo de falsificação medieval. Naqueles tempos, os documentos eram muitas vezes destruídos por incêndios ou perdidos durante invasões e guerras, e os direitos e ações atestados nestes documentos, na ausência de qualquer outra prova, eram considerados inexistentes. Assim, os proprietários dos documentos destruídos costumavam compilar novos documentos contendo as mesmas informações que os originais. Qualquer um dos documentos assim criados é legalmente falso porque a assinatura e o selo são falsificados, provando que o autor não pretendia assinar o documento específico, e diplomaticamente falso, pois alguns elementos formais eram imperfeitamente reproduzidos, sendo as práticas do tempo ou do lugar diferentes, provando que o documento específico não foi compilado quando ou onde tinha competência para emiti-lo, mas é historicamente autêntico e fidedigno porque as informações que o documento contém são verdadeiras. Por analogia, um nascimento registrado por uma certidão moderna que possui acidentalmente uma data incorreta de nascimento é jurídica e diplomaticamente fidedigna, mas historicamente falsa. Mesmo se a circunstância da falsidade histórica da data de nascimento levar a anulação da certdão, não muda o fato de que ela era legalmente fidedigna quando criada (DURANTI, 1989, p. 18).

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Dessa forma, dizer legal e diplomaticamente que um documento é falso, equivale a dizer que ele é forjado, falsificado, ou de alguma forma adulterado em algum momento; historicamente, sem as regras, os critérios e os ordenamentos em que estava submetido ou a que submeteu-se para servir de prova previssem tais manipulações, é o equivalente a dizer que os facos descritos no documento são falsos.

Um documento é falso quando o seu conteúdo comporta erros e anomalias e, simultaneamente, quando a forma não corresponde às características estabelecidas para determinada chancelaria, segundo parâmetros definidos para cada tipologia documental sob um ponto de vista intrínseco e extrínseco, bem como quanto aos adequados sistemas de validação (GUYOTJEANNIN apud GOMES, 2010, p. 67).

Na linguagem comum, o termo autêntico é muitas vezes confundido com o termo original, e a terminologia jurídica favorece tal confusão. De fato, no Direito,

authenticum é definido como "um instrumento ou escrito original, o original de um

testamento ou outro instrumento, o que distinto de uma cópia " (Black's Law

Dictionary, 1990, S.V. "authenticurn", p. 168).

Como uma das primeiras funções da análise diplomática é distinguir o documento original documento de um rascunho ou uma cópia com a finalidade de determinar o grau de autoridade do documento em análise, a definição da Diplomática de documento original está relacionada às regulações das etapas de transmissão de um documento. A Diplomática analisa o conceito de originalidade e aponta alguns denominadores em comum nos documentos que permitem caracterizá-los como originais (DURANTI, 1989, p. 19).

O primeiro elemento/regulação de originalidade é o indicado pela definição do ordenamento jurídico latino, do qual deriva a sua etimologia: a palavra latina originalis significa "primitivo", primeiro em ordem. O segundo elemento/regulação necessário é a perfeição. Para ser original o documento deve ser perfeito, um termo que tanto legalmente e diplomaticamente significa completo, acabado, sem defeito, e executável. Um documento é um documento perfeito quando é capaz de produzir as consequências desejadas pelo seu autor, e a perfeição é conferida a um documento por sua forma. No que diz respeito aos seus elementos essenciais, um documento original é definido por Tessier como "um exemplar completo e perfeito de um ato qualquer" (TESSIER apud DURANTI, 1989, p. 19). Poderíamos também dizer que um documento original é o primeiro documento perfeito emitido por seu criador. Uma cópia simples é constituída

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pela mera transcrição do conteúdo do documento original, produzida por qualquer pessoa, e não pode produzir efeitos jurídicos. Este é o tipo mais comum de cópia criador (DURANTI, 1989, p. 19).

Assim, não obstante os problemas técnicos apresentados por alguns documentos contemporâneos, a estrutura diferente do seu texto e os procedimentos específicos que regem sua criação, manutenção e utilização, os princípios básicos, os critérios e as regulações da Diplomática e sua metodologia formulada para a avaliação de diplomas medievais ainda são válidas hoje, e não apenas para a função de autenticação.

A Diplomática via o mundo como um sistema documental, e construiu um sistema para compreender e explicá-lo. Os analistas em Diplomática primeiro racionalizaram, formalizaram e universalizaram a criação de documentos pela identificação de elementos relevantes nos documentos, ampliando sua relevância no tempo e espaço, eliminando as particularidades, e relacionando os elementos um ao outro e à sua finalidade (DURANTI, 1989, p. 23).

Os elementos identificados ou, os critérios utilizados pela Diplomática para validar os documentos como autênticos e fidedignos, são o sistema jurídico, o que constitui o contexto necessário de criação de documentos; o ato, que é sua causa determinante; as pessoas, que são seus agentes e fatores; os procedimentos, o que orienta o curso do documento; e a forma documental, que permite produção de documentos alcançar seu propósito de englobar todos os elementos relevantes e mostrar seus relacionamentos (CARUCCI, 1987, p. 42)

Segundo Duranti, estes elementos são os blocos de construção que têm uma ordem inerente: de fato, eles podem ser analisados em uma sequência do geral para o específico, seguindo um método natural de inquérito. No entanto, tal método pode ser adotado apenas quando a realidade é totalmente observável ou atingível. Se este não for o caso, um conhecimento resumido das características do sistema e seus componentes, e de suas relações, torna possível compreender os aspectos essenciais. Ao se referir a este conhecimento, cada elemento único do sistema pode ser usado como uma chave para todos os outros, e pode levar à compreensão do todo maior. Este é o método analítico de investigação, que é aplicada pelas chamadas "ciências exatas" e que, em um processo de descoberta, tende a preceder o método de passar do geral para o específico, e permite a formulação de generalizações.

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