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Carta de Caminha: contato linguístico no Brasil quinhentista a luz da linguística ecossistêmica

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

VIVIANE LOURENÇO TEIXEIRA

CARTA DE CAMINHA: CONTATO LINGUÍSTICO NO BRASIL

QUINHENTISTA À LUZ DA LINGUÍSTICA ECOSSISTÊMICA

Orientador: Prof Dr Leonardo Ferreira Kaltner

NITERÓI

2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

VIVIANE LOURENÇO TEIXEIRA

CARTA DE CAMINHA: CONTATO LINGUÍSTICO NO BRASIL

QUINHENTISTA À LUZ DA LINGUÍSTICA ECOSSISTÊMICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem.

Campo de confluência: História, Política e Contato Linguístico

Orientador: Prof Dr Leonardo Ferreira Kaltner

NITERÓI

2019

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VIVIANE LOURENÇO TEIXEIRA

CARTA DE CAMINHA: CONTATO LINGUÍSTICO NO BRASIL

QUINHENTISTA À LUZ DA LINGUÍSTICA ECOSSISTÊMICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem.

Campo de confluência: História, Política e Contato Linguístico

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________

Professor Doutor Leonardo Ferreira Kaltner – UFF – Orientador

___________________________________________________

Professor Doutor José Mário Botelho – UERJ

___________________________________________________

Professora Doutora Mônica Maria Guimarães Savedra – UFF

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AGRADECIMENTOS

A Deus, porque, quando Ele quer faz assim: muda tua história e garante tua vitória. Aos meus pais, pelo caráter forte e pelas mãos sempre estendidas.

Ao meu Ogrinho, Welington Bento, pela paciência, amor, dedicação e companheirismo. À minha Irmuska linda, Cristiane, pela inspiração e por nunca me deixar desistir.

À minha irmã Luciane por todo apoio e orações.

Ao meu amigo, professor e orientador, Leonardo Kaltner, por toda paciência, atenção, respeito e dedicação. Obrigada por ter acreditado sempre em mim, pelas indicações de leitura, pelos puxões de orelha e, principalmente, por sua humanidade. O ser mestre sempre esteve presente no senhor.

À minha companheira de todas as horas, Melyssa Cardozo, que sempre suportou todos meus áudios de WhatsApp e minhas angústias.

Agradeço, com muito apreço, à Professora Mônica Maria Guimarães Savedra, que me ensinou os caminhos do Contato Linguístico e da Ecolinguística.

Aos amigos que o Contato Linguístico uniu – Gabriel, Nina, Lucas, Winston, Carol, Tathi e Dri – pelas dúvidas, incerteza, alegrias e cervejas compartilhadas. Meus divos!

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RESUMO

A presente pesquisa se inscreve na perspectiva teórica da Historiografia Linguística, proposta por autores como Koerner e Swiggers e do Contato Linguístico, sob a base da Ecolinguística, proposta por Couto. Sob o embasamento teórico-metodológico dos princípios de descrição historiográfica de Koerner (1996) e nos parâmetros de Swiggers (2013) e das dimensões, em especial a religiosa, de Couto (2014, 2015), analisamos a obra filológica de Jaime Cortesão, A Carta de Pero Vaz de Caminha, que teve sua primeira edição em 1943, tendo por base o próprio manuscrito datado de 1500, disponível no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Portugal. Dividimos em duas partes nosso trabalho, tendo como objeto de estudos a obra A Carta de Pero Vaz de Caminha (1967), de Jaime Cortesão, uma das principais fontes para pesquisadores contemporâneos do documento. Na primeira parte, fazemos uma análise externa da recepção da Carta de Caminha, pautada na Historiografia Linguística. Na segunda parte, desenvolvemos uma leitura pautada por uma análise ecolinguística do contato linguístico inicial sem fala, entre indígenas e portugueses. Em especial, nos detivemos no contato linguístico realizado nas primeiras missas oficiadas na Terra de Vera Cruz, registradas no documento de 1500. Dessa forma, apresentamos uma análise interna do texto da Carta de Caminha. É através dessa análise interna que demonstramos como a língua latina chegou às Américas, através do latim eclesiástico (FARIA, 1959). Os diálogos estabelecidos entre o trabalho filológico de Jaime Cortesão e o manuscrito quinhentista do portuense Caminha foram fundamentais em nossa análise, para ratificarmos a importância do documento no âmbito histórico, filológico, linguístico, documental e literário, sobretudo para as relações interculturais luso-brasileiras até os dias de hoje.

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ABSTRACT

This thesis is associated with the theoretical perspective of the Linguistic Historiography, as proposed by Koerner and Swiggers, and Language Contact, on the grounds of Ecolinguistics, as proposed by Couto. We analyzed Jaime Cortesão’s philological work, Pero Vaz de Caminha’s Letter, which was first published in 1943, based on the manuscript from 1500, available at the Arquivo Nacional da Torre do Tombo, in Portugal. To conduct such research, we adopted Koerner’s theoretical and methodological backgrounds of the historiographical description (1996), Swiggers’ parameters (2013) and Couto’s dimensions of Couto (2014, 2015), especially the religious dimension. We divided our research into two stages, taking as our research subject the work Pero Vaz de Caminha’s Letter (1967), by Jaime Cortesão, one of the main sources for contemporary researchers of the document. In the first stage, we conducted an external analysis of the receiving of the letter, based on Linguistic Historiography. In the second stage, we developed a reading based on a ecolinguistic analysis of the first language contact between Portuguese and Indigenous people, when spoken language was still a barrier. We dealt, specially, in the language contact during the first masses celebrated in Land of Vera Cruz, recorded in the document from 1500. Therefore, we present an internal analysis of the text from the Caminha’s letter. Through this analysis, we show how the Latin language reached the Americas in the form of Ecclesiastical Latin (FARIA, 1959). The observed relations between the Jaime Cortesão’s philological work and the sixteenth-century manuscript from Carminha were essential for our analysis, in order to confirm the importance of the document in the historical, philological, linguistical, documental and literary spheres, especially in what comes to Portuguese-Brazilian intercultural relations until these days.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 10

2. JAIME CORTESÃO NA HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA ... 19

2.1. Jaime Cortesão, filólogo ... 19

2.2. Cronologia de edições da Carta de Caminha até Jaime Cortesão: 1500 a 1943 ... 25

2.3. O trabalho filológico e linguístico de Jaime Cortesão, o clima de opinião ... 30

2.4. Jaime Cortesão, à luz da Historiografia Linguística e da Filologia Românica ... 36

2.5. A Carta de Pero Vaz de Caminha (1967) e o método filológico ... 43

3. O CONTATO LINGUÍSTICO NA AMÉRICA PORTUGUESA ... 56

3.1. Contato linguístico: uma análise ecolinguística ... 56

4. GASPAR DA GAMA: UM LÍNGUA DO SÉCULO XVI ... 74

4.1. Relato de Gaspar Correia (1496-1563) ... 77

4.2. Relato de Fernão Lopes de Castanheda (1500-1559) ... 78

4.3. Relato de João de Barros (1496-1570) ... 78

4.4. Relato de Damião Góis (1502-1574) ... 80

4.5. Relato de D. Jerônimo Osório (1506-1580) ... 81

4.6. A expedição de Pedro Álvares Cabral (1500-1501) ... 82

4.7. Gaspar da Gama na segunda armada do almirante D. Vasco da Gama (1502-1503) ... 83

4.8. Gaspar da Gama na expedição de D. Francisco de Almeida, vice-rei (1505-1509) ... 84

4.9. Língua ou intérprete: um trabalho intercultural ... 87

5. AS PRIMEIRAS MISSAS NO BRASIL E A CHEGADA DO LATIM ... 92

5.1. 26 de abril de 1500 – O domingo de Pascoela, a primeira missa ... 95

5.2. 1° de maio de 1500 – A missa da interação ... 104

6. CONCLUSÃO ... 113

BIBLIOGRAFIA ... 117

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Índice de ilustrações

Figura 1: Foto de Jaime Cortesão ... 23

Figura 2: Cartaz do filme O Descobrimento do Brasil (1937) ... 33

Figura 3: As ramificações da Ecologia e a Ecolinguística ... 59

Figura 4: Ecossistema linguístico ... 60

Figura 5: Santa Cruz de Cabrália na Bahia, atualmente. ... 60

Figura 6: Interações: Povo –Língua -Território ... 61

Figura 7: Pedra do Descobrimento em Porto Seguro/BA... 66

Figura 8: Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500, Oscar Pereira da Silva, 1900 ... 69

Figura 9: Theatrum Orbis Terrarum, Abraham Ortelius, 1570 ... 75

Figura 10: A Primeira Missa no Brasil, Cândido Portinari, 1948 ... 94

Figura 11: A elevação da cruz Pedro Peres, 1879 ... 104

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1. INTRODUÇÃO

É objetivo geral do presente trabalho analisar as relações interculturais na formação do mundo lusófono à época das Navegações e Descobrimentos, a partir da Historiografia Linguística, assim como debater a construção social e política da língua portuguesa e da língua latina no processo de contato linguístico no Brasil quinhentista. Nossa análise parte de uma premissa de que o mundo lusófono é resultante da expansão do reino absolutista português e da fundação de seu império ultramarino, nos séculos XV e XVI, em um processo de globalização intercultural e transatlântico, ainda que sob o viés colonialista (MARIANI, 2004). Cumpre salientar que nossa análise crítica tem por escopo a investigação da formação da América portuguesa e do registro do primeiro contato linguístico entre portugueses e povos indígenas na Carta de Pero Vaz de Caminha, analisando igualmente a recepção da Carta na obra de Jaime Cortesão (CORTESÃO, 1967), principal filólogo a trazer o texto de Caminha para a contemporaneidade, no século XX.

No desenvolvimento de nosso aporte teórico, para estabelecer o discurso historiográfico, nos valemos das obras de Historiografia Linguística de Pierre Swiggers, Konrad Koerner, Cristina Altman, Ronaldo Batista entre outros, a fim de analisar o trabalho filológico de Jaime Cortesão com a Carta de Caminha. Em relação à análise do contato linguístico, descrito na Carta de Caminha, nos valemos da teoria da Ecolinguística (COUTO, 2015), tendo em vista que o primeiro contato linguístico entre portugueses e indígenas na América portuguesa não teve, propriamente, o estabelecimento de uma “fala” comum.

Sobre a utilização da teoria da Historiografia Linguística e da Ecolinguística, para analisar documentos da época colonial no Brasil, Swiggers comenta:

there is much interesting work to be undertaken in the field of the historiography of Brazilian linguistics. On the one hand, there remains much to be done in terms of study of authors, texts, academic curricula, etc.; on the other hand, there is much that remains to be done in terms of perspectives: the history of Brazilian linguistics lends itself not only to a study from the point of view of the history of science, but also from a sociolinguistic and sociological point of view, from an ecological-linguistic point of view, and from the point of view of institutional history and cultural history (há muito trabalho interessante a ser desenvolvido no campo da Historiografia linguística no Brasil. Por outro lado, ainda permanece muito a ser feito em termos de estudo de autores, textos, currículos acadêmicos etc, por outro lado ainda há muito que ser feito em termos de perspectivas: a história da linguística no Brasil guia ela mesma não só para um estudo a partir do ponto de vista da história da ciência, mas também a partir de um ponto de vista sociolinguístico e sociológico, a partir de um ponto de vista ecolinguístico, e a partir de um ponto de vista de história institucional e cultural) (SWIGGERS, 2015, p. 7, tradução nossa).

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Neste contexto de análise cultural e historiográfica, evidenciaremos algumas implicações político-ideológicas do uso da língua latina e da língua portuguesa na formação do Brasil colonial à época da chegada dos portugueses, com a finalidade de estabelecer contato linguístico com a população autóctone. Escolhemos como fonte historiográfica o texto da Carta de Pero Vaz de Caminha, por ser considerado documento oficial sobre o início do processo civilizatório do qual resultou o Brasil e primeiro documento registrado em língua portuguesa nas Américas, registrando o contato linguístico inicial entre europeus e indígenas.

Dessa forma, dividimos nossa pesquisa em duas partes. Inicialmente, fazemos uma análise externa da Carta de Caminha, pautada na Historiografia Linguística, tendo como objeto de estudos a obra A Carta de Pero Vaz de Caminha (1967) de Jaime Cortesão, principal fonte para pesquisadores contemporâneos do documento. Nosso objetivo é descrever como o trabalho filológico de Jaime Cortesão foi realizado, e nos permite nos dias atuais o acesso ao documento do século XVI.

Na segunda parte da pesquisa, apresentamos uma análise interna do texto da Carta de Caminha, pautada por uma análise ecolinguística do contato linguístico inicial sem fala, entre indígenas e portugueses, registrado no documento. Na segunda parte, analisaremos as duas primeiras missas no Brasil, como resultantes da primeira tentativa de contato linguístico. Em suma, a divisão e a organização de nosso trabalho dar-se-ão da seguinte forma: uma análise externa que tem por objeto de estudos a edição de A Carta de Pero Vaz de Caminha por Jaime Cortesão (1967) com base na teoria da Historiografia Linguística, tendo sido a metodologia utilizada a partir da análise de critérios filológicos e de crítica textual para a edição. Já a análise interna tem por objeto de estudos o texto da Carta de Pero Vaz de Caminha, sendo a teoria por nós escolhida a Ecolinguística e a metodologia uma análise do registro da tentativa de contato linguístico, por “línguas” e missionários.

Como nosso trabalho tem também por proposta analisar a recepção da Carta, investigamos e descrevemos o trabalho filológico de Jaime Cortesão, considerado uma edição definitiva para pesquisadores contemporâneos sobre o tema e nossa principal fonte textual. Por outro lado, nosso trabalho é uma análise cultural e ecolinguística do contato linguístico do século XVI, registrado documentalmente por Caminha. Buscamos interpretar o relato para reconstituir a interação daquela comunidade linguística no Brasil quinhentista.

Além da edição de 1967 da Carta de Caminha, consultamos o original do manuscrito, que está arquivado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT, 2016), em Évora, a partir de fonte original digitalizada. Nosso interesse não é estabelecer nova leitura crítica do manuscrito, mas apenas ilustrar nossa pesquisa com passagens de interesse para análise do texto

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de Cortesão, na segunda parte da pesquisa. Optamos por uma análise crítica e qualitativa de dados, tendo em vista que se trata de pesquisa documental e historiográfica, com caráter descritivo e analítico, em relação ao contato linguístico no Brasil quinhentista.

A Historiografia Linguística é um campo de investigação que estabelece relações entre múltiplos ramos de conhecimento, ou seja, é uma abordagem teórica e metodológica de estudos interdisciplinares, de que deriva a construção de uma narrativa historiográfica sobre os estudos da linguagem. Motivou-nos desenvolver essa abordagem epistemológica pelo fato de que o discurso historiográfico tem como objeto de investigação principal o texto e a análise de documentos em seu contexto de produção e recepção. Na primeira etapa da pesquisa, investigamos e descrevemos a relação de Jaime Cortesão, enquanto filólogo, com a edição moderna da Carta de Caminha.

Para descrevermos o trabalho filológico de Jaime Cortesão, no século XX, nos valemos dos princípios de descrição historiográfica de Koerner (1996) e nos parâmetros de Swiggers (2013). Analisamos os princípios de contextualização, da imanência e da adequação1 no trabalho filológico de Cortesão com a Carta de Caminha, buscando descrever o percurso que o manuscrito original percorreu em sucessivas edições até a edição de 1967. Para a descrição do processo de edição e do aparato filológico empregado por Cortesão, utilizamos como referência o trabalho de Bruno Bassetto (2013), entre outros. Nosso intuito, entretanto, não é o de aprofundar o debate metalinguístico sobre os conceitos filológicos e historiográficos, levantando este debate apenas quando pertinente para a análise da Carta de Caminha.

Em relação aos parâmetros de Swiggers, nosso modelo teórico também para a elaboração da narrativa historiográfica externa, nos valemos dos conceitos de cobertura, da perspectiva e da profundidade2, para nossa descrição, o que, em momento oportuno, explicamos mais detidamente.

Ainda na parte da descrição historiográfica externa, buscamos nos estudos filológicos um amparo teórico com a finalidade de apresentarmos como Cortesão reconstituiu e evidenciou os aspectos mais relevantes de sua crítica textual à Carta. Trabalhando diretamente com o manuscrito, Cortesão desenvolve seu trabalho filológico com uma etapa inicial de levantamento de dados, apropriando-se dos princípios estabelecidos por Karl Lachmann no que diz respeito à crítica textual. Porém, não satisfeito conduz seu trabalho para a crítica-literária:

1 Cf. BATISTA, 2013. 2 Cf. SWIGGERS, 2009.

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Na verdade a Carta estava pedindo, mais amplamente, um estudo histórico-cultural. Tornava-se mister fazê-la entrar dentro do género a que pertence e esclarecê-la, por comparação com o maior número de textos similares da mesma época. Mais do que isso, fazê-la respirar de novo o ambiente próprio, procurando decifrar os seus enigmas, não apenas à luz da filologia, isto é, da história da linguagem, mas também dos costumes, das artes, da religião, das atividades, ideias e sentimentos dos seus contemporâneos (CORTESÃO, 1967, p. 18).

Isso dado, é necessário compreender o trabalho filológico de Cortesão a partir de elementos próprios da crítica-literária e de aspectos culturais. Dessa forma, identificamos no trabalho do polígrafo português do século XX uma investigação sobre a autenticidade, a datação, as circunstâncias, a sorte, a linguagem do texto e a avaliação crítica da Carta de Pero Vaz de Caminha. Nos seus sete capítulos, a que se somam notas, documentos e registro bibliográfico, a obra filológica A Carta de Pero Vaz de Caminha de 1967, de Jaime Cortesão, desfaz quaisquer dúvidas sobre a autenticidade do documento e questionamentos acerca de seu autor, ressaltando particularidades da Carta de Caminha como documento pertinente às investigações sobre o Brasil quinhentista. Ademais, o filólogo tece comparações com outros textos e documentos coevos dedicados a El-Rei D. Manuel I (1469-1521), o Venturoso, no contexto das navegações portuguesas do final do século XV e início do XVI, época de apogeu do império ultramarino português.

A Carta de Caminha, datada em Porto Seguro no dia 1º de maio de 1500, tem por objetivo transmitir ao rei de Portugal, informações sobre a nova Terra de Vera Cruz. O escrivão nos fornece não só informações sobre a viagem de 1500 e sobre as riquezas aqui encontradas, como também uma gama indiscutível de informações sobre o território e a nova rota marítima recém-descoberta. O escrivão narra no documento observações sobre a viagem, sobre o dia da chegada, sobre os costumes indígenas, sobre as tentativas iniciais de contato linguístico e, também em caráter também subjetivo, narra suas impressões pessoais como podemos observar no fragmento abaixo:

Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que ora nesta navegação se achou, não deixarei também de dar disso minha conta a Vossa Alteza, o melhor que eu puder ainda que – para bem contar e falar – o saiba fazer pior que todos. Tome Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e creia bem por certo que, para aformosear nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e me

pareceu (CORTESÃO, 1967, p. 221, grifo nosso).

A nossa escolha pela Carta também se deve ao fato de esta possuir significativa importância para os estudos linguísticos, devido à gama de informações que contém, indo desde as observações da viagem, apresentando indícios sobre a nova terra descoberta, até o contato

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inicial com os indígenas aqui encontrados (LANDIM, 2010). Isso justifica porque acreditamos que os fenômenos linguísticos que encontramos na Carta são de relevância considerável para um entendimento acerca do contexto linguístico da lusofonia no século XVI, sendo este um dos documentos que registra o estágio da língua portuguesa que chega às Américas, ainda que incialmente sem se fixar.

Como afirma Duranti (in Santos, 2004, p. 103):

A linguagem está em nós tanto quanto nós estamos na linguagem. Por conectar pessoas aos seus passado, presente e futuro, a linguagem torna-se seus passado, presente e futuro. A linguagem não é apenas uma representação de um mundo estabelecido independentemente. A linguagem é também este mundo. Não no sentido simplista de que tudo que nós temos de nosso passado é linguagem, mas no sentido de que nossas memórias são inscritas em representações linguísticas (DURANTI, in SANTOS, 2004, p. 103).

Analisamos também a relação entre o uso retórico da linguagem, por Caminha, e a representação da realidade histórica. Para isso, se faz necessário relacionar o texto de Caminha a outras fontes pertinentes para o nosso trabalho, analisando o contexto histórico e social efetivo da expansão da língua portuguesa, em sua multiculturalidade inicial. Este elemento multicultural do mundo lusófono é anterior às navegações, sendo elemento oriundo da constituição linguística da língua portuguesa desde seu surgimento: “O português, na sua feição originária galega, surgirá entre os séculos IX-XII, mas seus primeiros documentos datados só aparecerão no século XIII” (BECHARA, 2009, p. 24).

O relato de Caminha, por ter sido registrado em língua portuguesa, no século XVI, em detrimento do uso do latim, significa por si só um elemento de identidade cultural e linguística que denota a especificidade do relato. O termo “língua portuguesa” substitui o “romance” no reinado de D. João I, rei de 1385 a 1433, sendo D. Dinis aquele que a oficializa. Nas palavras de Carlos Alberto Faraco (2016, p. 23): “o que aconteceu no reinado de D. Dinis foi que o uso da língua românica vernácula na documentação produzida pela Chancelaria Real se tornou sistemático e suplantou o uso do latim”. No entanto, veremos que, em momentos solenes, o uso da língua latina ainda prevalecia, como nas missas oficiadas no Brasil.

A língua portuguesa registrada na obra de Pero Vaz de Caminha é a modalidade que estava em uso à época da expansão marítima, tendo sido a língua administrativa inicial das colônias, do comércio, sendo registrada nas regiões ultramarinas com o intuito de não só validar

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o novo poderio mercantil, mas também como meio de expandir o próprio império português sobre novos territórios. Caminha utiliza, segundo Bechara (2009) o português arcaico médio.3

Em nossa análise interna, que se refere ao registro do contato linguístico na Carta de Caminha em 1500, investigamos, entretanto, outra atividade relacionada à colonização linguística que não era propriamente o comércio. A questão missionária, na expansão do império ultramarino português, que pode ser compreendida dentro de políticas culturais dos séculos XV e XVI, se orientava em uma perspectiva linguística voltada não à expansão da língua portuguesa, como instrumento administrativo, mas ao uso eclesiástico do latim como língua litúrgica e de cultura. Nesse aspecto, cumpre salientar, desde a fundação do padroado português, que a presença de ordens religiosas e militares nas atividades de navegação, como a Ordem de Cristo, assim como os franciscanos, atuando como missionários, compõe o panorama cultural em que os esforços de contato linguístico entre europeus e indígenas se apresenta.

Nossa análise da tentativa de contato linguístico se deu a fim de estabelecermos uma descrição das interações ocorridas entre europeus e indígenas, narradas por Caminha no século XVI. Como não houve possibilidade de “fala”, devido às diferenças linguísticas entre ambos grupamentos, não podendo os intérpretes de Portugal compreender os indígenas, grande parte deste contato inicial se deu por gestos. Destacamos em nossa análise as duas missas oficiadas e celebradas por Frei Henrique de Coimbra em 1500, que podem ser consideradas o ápice desta tentativa inicial de contato linguístico.

As duas missas, celebradas em latim, são momentos de significação particular, relatadas no documento de 1500. Celebradas por Frei Henrique de Coimbra, foram acompanhadas de perto pelos nativos da nova terra, tendo tido a segunda missa participação direta dos povos indígenas:

Chantada a Cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiramente lhe pregaram, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o Padre Frei Henrique, [...]. E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram connosco e alçaram as mãos, ficando assim, até ser acabado; e então tornaram-se a assentar como nós (CORTESÃO, 1967, p. 252-253).

Para analisarmos a interação durante a missa, utilizamos a teoria da Ecolinguística, somada às teorias do Contato Linguístico, a fim de que tratemos de uma dimensão da linguagem que ultrapassa a comunicação cotidiana e comum: a espiritualidade4. O meio ambiente

3 Bechara adota quatro fases para o português, a saber: português arcaico, português arcaico médio, português

moderno e português contemporâneo. Cf. BECHARA, 2009, p. 25.

4 Cf. SCHAMLTZ NETO, 2018, p. 89-90: “No meio ambiente espiritual, a Língua (L) se manifesta por meio de

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espiritual é uma categoria da Ecolinguística, que pode auxiliar à compreensão da interação ocorrida no contato linguístico das duas primeiras missas no Brasil, narradas por Caminha.

A Ecolinguística, como campo de análise teórico, introduzido recentemente no Brasil, é pautada pelo estudo das relações entre meio ambiente e língua. Dessa forma, a Ecolinguística é a ciência interdisciplinar que se propõe a estabelecer uma relação entre as comunidades linguísticas e seus territórios, o que é fundamental para se compreender o período inicial da América portuguesa. A disciplina se estabeleceu em final do século XX: “com a publicação de Fill (1993) e Makkai (1993). [...] marcaram o início da ecolinguística como disciplina acadêmica” (COUTO, 2015, p. 82).

Com o objetivo de estudar fenômenos que dizem respeito à linguagem e ao meio ambiente, a Ecolinguística contribui em nossa análise para entendermos as primeiras tentativas de contato linguístico ocorridas entre portugueses e indígenas, relatados por Caminha, que ocorrem no território litorâneo e tropical do Brasil quinhentista. É através dos ecossistemas linguísticos que demonstraremos como foi possível estabelecer o contato, a interação e a comunicação, mesmo sem a compreensão da fala.

Ainda sobre a análise interna da Carta de Caminha, a segunda parte de nossa pesquisa, somamos a estes dados uma análise das implicações político-ideológicas que abordaram as relações entre língua e meio social no Brasil quinhentista. Analisamos também a presença e a participação de intérpretes oficiais na esquadra de Cabral, que aporta no Brasil, chamados à sua época de “línguas”, responsáveis pelo contato com povos da África, das Índias e do Oriente em geral.

Nos primeiros contatos entre portugueses e indígenas, houve a participação de um “língua”: Gaspar da Gama, de provável origem judaica. Gaspar da Gama integrou a frota de Pedro Álvares Cabral, que tinha por destino final as Índias, e tinha por função “transcrever para árabe as cartas que Pedro Álvares Cabral devia entregar” e “tinha sido incumbido pelo rei [D. Manuel I] e era, seguramente, o mais apto para desempenhar tal tarefa” (SILVÉRIO, 2000, p. 235). Com isso, dedicamos atenção particular para seu ofício de intérprete e sua participação na corte portuguesa antes e depois de 1500, incluindo sua provável estadia no Brasil.

Acreditamos que analisar o contato linguístico na Carta de Caminha, pelo viés da Historiografia Linguística e da Ecolinguística, é um processo de pesquisa e investigação interdisciplinar que necessita de aporte de outras disciplinas como a Filologia, a Crítica Textual, a Sociolinguística, a Linguística Histórica e a História Cultural. Essas disciplinas, suas teorias

entanto, é coordenado pelos limites estabelecidos pela primeira experiência – aquela estabelecida pelo sacerdote, pelo humano sortudo – funcionando como uma espécie de moral”.

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e metodologias, são citadas ao longo de nossa análise apenas quando se mostram necessárias. A importância do texto da Carta de Caminha para a compreensão do contato linguístico inicial no Brasil quinhentista é patente devido a seu valor documental. Pelo fato de que esse documento é um dos poucos da época, se configura como testemunho direto da expedição de Cabral, sendo considerado por alguns historiadores nos séculos XIX e XX, como Varnhagen e Capistrano de Abreu, como o texto de fundação do Brasil, ou “a certidão de nascimento do Brasil”, dado o seu caráter oficial (PEIXOTO, 2000, p. 247). Nesse aspecto, cumpre salientar além do valor histórico também um valor político ao texto e à sua recepção na construção da identidade nacional no Brasil.

Assim, fundamentamos a escolha da obra A Carta de Pero Vaz de Caminha (1967), de Jaime Cortesão, como nosso principal corpus de nosso trabalho, devido à relevância do trabalho filológico e documental, com o manuscrito quinhentista. Ainda que sua obra filológica tenha recebido críticas de outros acadêmicos e historiadores, por suas interpretações historiográficas apresentarem divergências e existirem polêmicas na interpretação do documento, sua obra é uma das mais consagradas e difundidas, ao explorar esse documento quinhentista. Dessa forma, valemo-nos de sua leitura do manuscrito e edição diplomática como fonte textual para a compreensão do Brasil quinhentista.

Após delimitarmos o nosso tema, debateremos, nos capítulos seguintes, algumas questões teóricas e metodológicas, como a inserção da obra filológica de Jaime Cortesão na Historiografia Linguística do Brasil. Outro tema a ser analisado será o contato linguístico inicial no Brasil quinhentista, sem fala, pelo viés da Ecolinguística, analisando situações de interação como as duas primeiras missas no Brasil em 1500. Permeando esses questionamentos, debateremos, outrossim, questões de Linguística Histórica, como uma busca de compreensão e análise do ideário linguístico da formação do Brasil.

Por fim, encetaremos uma abordagem dos fenômenos de transformação da língua portuguesa no contexto do século XVI e as relações estabelecidas com as comunidades linguísticas incipientes no Brasil, evidenciando a correlação dos fatos linguísticos com os fatos históricos. Com isso, nossa abordagem busca registrar a importância da língua portuguesa como língua ultramarina, na era das navegações portuguesas, projeto audacioso que ganhara força nas últimas décadas do século XV até fins do século XVI, na época da União Ibérica.

Nosso trabalho busca por em relevo um texto fundamental para se compreender a expansão da língua portuguesa em perspectiva transatlântica, a partir de uma análise de fenômenos históricos, culturais e linguísticos, com uma abordagem interdisciplinar. Assim, dialogaremos com o trabalho filológico de Jaime Cortesão, em meados do século XX, para

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atingirmos o objetivo de compreender um documento que já foi chamado de “certidão de nascimento” do Brasil, o registro do escrivão Pero Vaz de Caminha em Porto Seguro, datado de 1º de maio de 1500.

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2. JAIME CORTESÃO NA HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA

2.1. Jaime Cortesão, filólogo

A biografia de Jaime Cortesão (1884-1960) apresenta elementos que nos permitem compreender culturalmente sua produção científica e acadêmica, durante conturbados períodos políticos e sociais, em Portugal e no exílio. Nesse capítulo, abordaremos sua biografia, suas obras e produção acadêmica, a partir do viés da Historiografia Linguística. Nosso objetivo é analisar e descrever o processo de edição da Carta de Pero Vaz de Caminha por Cortesão no século XX, que a tornou acessível aos leitores contemporâneos, como um dos principais documentos para a análise e compreensão do Brasil quinhentista. Para analisarmos a obra de Jaime Cortesão e seu trabalho como filólogo, pelo viés da Historiografia Linguística, descreveremos, brevemente, o percurso desta disciplina teórica e seu desenvolvimento no Brasil.

A Historiografia Linguística surge no Brasil, a partir da década de 1970, com a publicação de textos que analisavam a relação entre os Estudos de Linguagem e a Historiografia (BATISTA, 2013). Desde então, diversos centros de investigação, grupos de pesquisa e publicações têm se desenvolvido no Brasil, neste campo, a fim de analisar a produção do conhecimento acadêmico da área de Estudos da Linguagem em perspectiva historiográfica. Internacionalmente, destacam-se pesquisadores como Konrad Koerner, Otto Zwartjes e Pierre Swiggers. No Brasil, atualmente, o CEDOCH da Universidade de São Paulo (USP), o Instituto de Pesquisas Linguísticas Sedes Sapientiae da PUC de São Paulo, o GT da ANPOLL Historiografia da Linguística Brasileira são os principais centros de difusão e debate da teoria e da metodologia da Historiografia Linguística no Brasil5, havendo grupos de pesquisa em

diversas universidades.

Os principais periódicos da área foram fundados a partir dos anos 70, como Historiographia Linguistica (1974), Histoire, Épistémolgie, Langage (1979), Beiträge zur Geschichte der Sprachwissenschaft (1991), Revista Argentina de Historiografia Linguística (2009), entre outros. No Estado do Rio de Janeiro, o Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense possui linha de pesquisa voltada ao tema, assim como grupo de pesquisa especializado e interinstitucional.

5 Cristina Altman, José Borges Neto, Ricardo Cavaliere, Ronaldo Batista, Marli Leite, entre outros que compõem

o GT de Historiografia da Linguística Brasileira da Anpoll são os principais pesquisadores da área nas últimas décadas.

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No âmbito nacional, o linguista Ronaldo Batista (2013) tem se empenhado em discutir aspectos meta-historiográficos, conceitos e a teoria que se aplicaria à Historiografia Linguística no Brasil. A partir de suas reflexões, debateremos, inicialmente, a inserção de Jaime Cortesão nos estudos filológicos e linguísticos, em contexto brasileiro. Batista define a Historiografia Linguística a partir da concepção teórica de Swiggers, que acentua a questão da interdisciplinaridade neste campo de saber. Segundo Batista, a Historiografia Linguística é um refletir linguístico inserido em uma perspectiva histórica, no qual se buscam diferentes elaborações que exploram a linguagem humana:

A historiografia da linguística é o estudo interdisciplinar do curso evolutivo do conhecimento linguístico; ela engloba a descrição e a explicação, em termos de fatores intradisciplinares e extradisciplinares [...], de como o conhecimento linguístico, ou mais genericamente, o know-how linguístico foi obtido e implementado (SWIGGERS, 2010 apud BATISTA, 2013, p. 48).

Isso dado, nossa pesquisa tem por base a interdisciplinaridade entre os estudos historiográficos e os estudos sobre a linguagem. Swiggers (2013) evidencia que no momento em que a historiografia se utiliza da própria linguística para (des)crever a linguística faz uma contribuição historiográfica. Ainda de acordo com Pierre Swiggers (2013), a meta-historiografia esta conta com três principais tarefas, a saber: construtiva, crítica e metateórica. A primeira é a produção de um “modelo historiográfico”, somado a formação de uma “linguagem historiográfica”; a segunda é “a avaliação de tipos de discursos historiográfico, aliada à proposta de análise e apreciação das abordagens metodológicas e epistemológicas adotadas nos textos analisados” (SWIGGERS, 2013, p. 40); e a última, também chamada “contemplativa”, baseia-se na reflexão, que cabe ao historiógrafo fazer no que concerne ao objeto a ser estudado. Ressalta-se que a explicação dos modelos de apresentação e a fundamentação do que vem a ser um “fato” linguístico para esse estudioso também competem à tarefa meta-historiográfica.

Dentro dos pressupostos que cabem a essa investigação, o objeto precedente a ser estudado é o texto6 e o objetivo fundamental que cabe ao estudioso da Historiografia Linguística é o de “reconstruir o ideário linguístico e seu desenvolvimento através da análise de textos situados em seu contexto” (SWIGGERS, 2013, p. 43). O texto A carta de Pero Vaz de Caminha (1967) possui, além do caráter historiográfico e valor documental, por si só, um viés filológico

6 Há outros objetos e métodos que são parte da Historiografia Linguística, além da pesquisa meta-historiográfica,

todavia, nos ativemos ao texto de Cortesão, em busca desse aspecto, por motivos que condizem com o nosso

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e linguístico da pesquisa realizada por Cortesão, que pode nos levar a refletir sobre o tratamento com fontes documentais, que registram a história da língua portuguesa. Por isso, uma reedição contemporânea da Carta de Caminha pode ser analisada pelo processo de edição, crítica textual e trabalho filológico, de seu editor no século XX, a partir de pressupostos da Historiografia Linguística.

A grosso modo, a descrição pela Historiografia Linguística é “a busca por um olhar interpretativo que procura entender as razões de determinado trabalho apresentar as características que o definem” (BATISTA, 2013, p. 51), isto é, o discurso historiográfico busca compreender qual concepção linguística e filológica há em cada autor ou obra estudados. Além do estudo direto de autores e obras que escreveram sobre a linguagem, há outros objetos de estudos na Historiografia Linguística, como: “que foi dito e produzido (em contextos sociais e históricos) a respeito das línguas e seus fenômenos” (BATISTA, 2013, p. 49).

Por outro lado, Cristina Altman (2012) afirma que a Historiografia Linguística tem por pretensão não só a descrição e a explicação da história das ciências das línguas, mas também se volta para o exame das circunstâncias que esse conhecimento, no que diz respeito à linguagem e à língua, é construído. Dessa forma, a Historiografia Linguística tem como “objeto a história dos processos de produção e de recepção das ideias linguísticas e das práticas delas decorrentes [...]” (ALTMAN, 2012, p. 22). Assim, podemos compreender que o objeto de estudos também pode ser o saber linguístico, que foi construído historicamente e sua recepção.

Segundo Altman, qualquer que seja a definição de objeto que o historiógrafo da linguística selecione para seu estudo, necessita se conscientizar que seu primeiro desafio como cientista “reside, pois, na explicitação dos limites do seu domínio e na enumeração dos seus objetos possíveis.” (ALTMAN, 2012, p. 19). No caso de nossa pesquisa, esse aspecto se delimita com a seleção da obra de Jaime Cortesão, para compreender a recepção da Carta de Caminha como fonte documental, para analisar o contato linguístico Brasil quinhentista.

Para nossa descrição e análise da obra filológica de Jaime Cortesão com a Carta de Caminha, nos valemos dos princípios de pesquisa historiográfica de Koerner (1996), citados por Batista (2013). Os princípios de contextualização, imanência e adequação são fundamentais para aquilatarmos o valor da pesquisa filológica de Cortesão e contextualizá-la na produção científica do Brasil no século XX.

O primeiro princípio, chamado de contextualização, refere-se: “ao estabelecimento do ‘clima de opinião’ geral dos períodos em que as teorias se desenvolveram” (KOERNER, 1996, p. 60). Ou seja, devemos pensar o contexto socioeconômico, político e cultural no qual a obra e seu autor estão inseridos, sendo importante a biografia do autor neste caso, o momentum

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histórico da publicação da obra e sua recepção. Descrevemos, em relação a esse princípio, além da obra de Jaime Cortesão, o histórico da recepção do próprio documento que data de 1500, mais adiante.

Quanto à obra a Carta de Pero Vaz de Caminha de Jaime Cortesão, a primeira edição foi lançada em 1943, sendo reeditada em 1967 na ocasião do início da edição das obras completas do autor. O livro foi produzido no período em que seu autor estava exilado no Brasil, devido a questões políticas de seu país de origem, Portugal. Durante o exílio a releitura das navegações portuguesas e suas conquistas dos fins do século XV ganham relevo na produção científica de Jaime Cortesão.

No sítio do Instituto Camões (TRAVESSA, 2018), há uma sucinta biografia de Jaime Cortesão que pode nos servir para a contextualização de sua biografia em relação à sua pesquisa filológica com a obra de Pero Vaz de Caminha. Nascido em Portugal, foi figura intelectual de relevo e testemunha da época da deposição da monarquia portuguesa, que governou o país entre 1143 e 1910, participando ativamente nos movimentos políticos de então.

Sua formação acadêmica se dá em contexto conturbado, em que se desenha a Primeira Guerra Mundial, sendo um momento político muito instável em Portugal com a Primeira República de 1910, a que se sucede uma ditadura militar e, em seguida a adoção do Estado Novo português em 1933, regido por Salazar.

Exilou-se na Espanha e na França entre 1927 e 19407. Em seguida, banido da Europa pelos eventos da Segunda Guerra Mundial, permaneceu no Brasil entre os anos de 1940 e 1957, quando retorna a Portugal definitivamente, já consagrado como um dos mais preeminentes historiógrafos a analisar as relações luso-brasileiras no século XX, devido às suas diversas publicações acadêmicas. Apesar de ter vivido períodos de grande inconstância, no conturbado início do século XX, sua obra reflete uma contínua observação dos fatos históricos e documentais da época dos descobrimentos e navegações.

7 As relações luso-brasileiras tornam-se o principal objeto de estudos do autor e de seu círculo acadêmico: “O

esforço de Cortesão no Brasil deve ser pensado a partir da sua integração na empreitada dos intelectuais portugueses reunidos em torno da revista Seara Nova a partir da década de 1920. Entendemos, grosso modo, que os seareiros constituíram uma estratégia de reforma cultural e política que, em vez da ruptura com o passado monárquico, guiava-se pela sua reativação e, nesse sentido, a criação do Brasil foi colocada, pouco a pouco, como a glória maior desse legado” (PEIXOTO, 2015, p. 47).

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Figura 1: Foto de Jaime Cortesão

Fonte: Instituto Camões, 20188.

Após a contextualização da época de Jaime Cortesão, através de sua biografia, passemos às considerações sobre sua obra. Nossa descrição se apresenta ainda pelos princípios de Koerner (1995). Em relação ao princípio da imanência, segundo passo que o estudioso da Historiografia Linguística deve seguir, segundo Koerner (1995), analisamos o conteúdo filológico e linguístico da pesquisa de Jaime Cortesão. Esse processo de análise deve ser cuidadoso, a fim que não se desvie das informações linguísticas internas ao texto:

Aproximações com visões contemporâneas do historiógrafo devem ser evitadas, em nome de um tratamento próximo ao filológico para o objeto de análise; em outras palavras, o que se pretende é compreender o objeto de análise em sua própria natureza e configuração social e temporal, isto é, analisar o pensamento linguístico tal como ele se define (BATISTA, 2013, p. 76).

Já na parte posterior do trabalho, desenvolvemos o conceito de adequação, que é o princípio de análise comparativa da Historiografia Linguística, com teorias contemporâneas, princípio também proposto por Koerner (1995). Nessa etapa, depois de realizadas as duas anteriores, o historiógrafo está apto para fazer suas análises e reflexões críticas, trazendo ao leitor contemporâneo uma releitura da obra, o que desenvolveremos em nossa análise interna da Carta de Pero Vaz de Caminha, na segunda parte do trabalho, com a análise pelo viés da Ecolinguística, mais adiante:

[...] pode o historiógrafo aventurar-se a introduzir, ainda que muito cuidadosamente e colocando seu procedimento de forma explícita, aproximações modernas do vocabulário técnico e um quadro conceptual de trabalho que permita uma melhor apreciação de um determinado trabalho, conceito ou teoria (KOERNER, 1996, 60).

8 Disponível em:

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Estes princípios, segundo Koerner (1995), auxiliam o estudioso a não se exceder na linguagem técnica, enquanto historiógrafo do pensamento linguístico. O reconhecimento destes três princípios busca situar-se também além da questão da metalinguagem (BATISTA, 2013), sendo a metalinguagem aqui entendida como a linguagem que foi utilizada para descrever as ideias do passado sobre a linguagem e a linguística, de maneira geral. Ou seja, estes princípios amparam o pesquisador da área historiográfica para integrar o passado, o texto publicado, e o presente, pela recepção do texto na atualidade.

Ademais, a utilização de cada um desses princípios na análise historiográfica da obra produzida por Cortesão se relaciona aos parâmetros que julgamos necessários, ao nosso trabalho de investigação e descrição inicial. Existem dois tipos de parâmetros a serem analisados: os externos e os internos. Os parâmetros externos são aqueles pertencentes ao contexto no qual uma obra foi produzida, enquanto os parâmetros internos tratam do conteúdo linguístico, no que concerne a descrição e a análise (BATISTA, 2013).

Nesta primeira parte da pesquisa, para analisarmos a obra de Cortesão, utilizamos a análise externa, pois a análise interna diz respeito ao contato linguístico sem fala ocorrido entre portugueses e indígenas, com uma investigação da própria Carta de Pero Vaz de Caminha, o que será debatido em momento oportuno. Para executarmos esta descrição externa nos valemos das etapas metodológicas propostas por Koerner e Swiggers, através da leitura de Batista (2013), como supracitado.

A obra a Carta de Pero Vaz de Caminha foi publicada por Jaime Cortesão inicialmente em 1943, após sua chegada ao Brasil em exílio, em 1940, durante a época do Estado Novo, sendo sua primeira obra publicada naquela que afirmava ser a sua segunda pátria. Reimpressa em 1967, por ocasião do início da publicação de suas obras completas, a edição apresenta um estudo histórico, transcrição e exegese do documento de Caminha, divididos da seguinte forma: Parte I, intitulada O autor e a Obra. Esta consta de 5 capítulos, a saber: I – A Carta de Péro Vaz de Caminha e a literatura e viagens; II – A História da Carta; III – Caminha, cidadão do Porto; IV – O Descobrimento; e V –A Terra e o Homem Novo. A parte II, Transcrição e exegese da Carta, consta de mais dois capítulos: VI – Estudo paleográfico e a transcrição da Carta, A Carta de Péro Vaz de Caminha (fac-símile e transcrição); VIII – A Carta de Péro Vaz de Caminha – Adaptação à linguagem atual. Após estas duas partes tem-se: notas, documentos e apêndice.

Na primeira parte, Jaime Cortesão analisa a Carta de Pero Vaz de Caminha em cinco capítulos, analisando a questão da autoria, a relação da obra com a literatura de viagens da expansão pelas navegações portuguesas, a biografia de Caminha, como cidadão do Porto e, por fim, o marco histórico do “descobrimento” da rota marítima para atingir a nova terra. Na

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primeira parte, o quinto capítulo versa sobre a terra descoberta e o “novo homem”, isto é, os povos indígenas. A interpretação historiográfica do “descobrimento” por Jaime Cortesão havia- -se iniciado em sua obra, de 1922, A expedição de Pedro Álvarez Cabral e o descobrimento do Brasil, seu primeiro texto sobre historiografia portuguesa, sendo o estudo sobre a Carta de Caminha a retomada do tema quando chega ao Brasil.

A segunda parte de sua obra A Carta de Pero Vaz de Caminha é notadamente um trabalho filológico e linguístico de “tradução e exegese” do manuscrito quinhentista. Dividido em dois capítulos, seu estudo se refere a um estudo paleográfico e transcrição do texto manuscrito da Carta, em formato de edição diplomática, a que se segue uma “tradução” para linguagem atualizada. Esse trabalho filológico e linguístico permitiria que, a partir de sua geração, o texto da Carta de Pero Vaz de Caminha se tornasse facilmente acessível como fonte historiográfica para a compreensão do Brasil quinhentista, para leitores no Brasil e em Portugal. Uma descrição do histórico de edições da Carta de Pero Vaz de Caminha de 1500 até a publicação de Jaime Cortesão em 1943 é um dos meios possíveis para se analisar a imanência desse documento, conforme concepções de Koerner (1996) e Batista (2013) já apresentadas. Apresentamos a seguir uma cronologia de edições da Carta, tendo como fonte a própria obra de Jaime Cortesão (1967) e uma notícia do jornal A manhã que noticia a publicação da versão de 1943.

2.2. Cronologia de edições da Carta de Caminha até Jaime Cortesão: 1500 a 1943

Considerado como principal fonte para a viagem que acarreta no “descobrimento” do Brasil, a Carta de Pero Vaz de Caminha é um dos manuscritos sobre as navegações portuguesas arquivados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Julgamos ser basilar à nossa pesquisa historiográfica trazer à luz aspectos concernentes à recepção do documento, até o trabalho de Cortesão ser publicado. Dessa forma, analisamos, outrossim, a “imanência” da Carta, enquanto documento histórico. Uma das maiores preocupações filológicas, em relação a documentos e fontes manuscritas, são a origem e autenticidade documental.

O manuscrito da Carta de Caminha é datado, na Ilha de Vera Cruz, em 1º de maio de 1500. É sabido que Caminha faleceu no final de 1500 em Calicute, Índia. Já Pedro Álvares Cabral, posteriormente em 1520; e o rei D. Manuel I, em 1521. Dado isso, os três personagens e testemunhas mais importantes, que sabiam detalhes e pormenores da expedição, não poderiam relatar mais sobre o assunto, restando os documentos da época, em que se inclui a Carta de Caminha, como fonte oficial para esse evento histórico.

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Ao lado das cartas de Mestre João e a Relação do Piloto Anônimo, a Carta de Caminha se configura como o testemunho direto da expedição de Cabral. A Relação do Piloto Anônimo é a única das três fontes que ficou conhecida durante o século XVI. Segundo Cortesão (1967, p. 30-31), o desaparecimento e esquecimento dos outros documentos ocorreu porque elementos pragmáticos do comércio ultramarino, como a empresa dos descobrimentos, o planejamento de novas conquistas e a expansão de territórios apagaram o brilho das narrações acerca dos feitos portugueses, tornando a circulação desses documentos restrita. Nas palavras do próprio autor: “Preocupava-os [portugueses] mais os descobrimentos e posse dos Novos Mundos que o relato das suas façanhas” (CORTESÃO, 1967, p. 31).

Três séculos se passaram antes da primeira impressão da Carta de Pero Vaz de Caminha, em 1817. Não obstante, uma cópia foi feita, em 1773, pelo escrivão Eusébio Manuel da Silva a pedido do Dr. José de Seabra da Silva, guarda-mor do Arquivo da Torre do Tombo. Depois de Seabra da Silva, outro nome que aparece, como pesquisador que teve acesso à Carta, é o de Juan Bautista Muñoz que, provavelmente: “conheceu a Carta, graças à série das disposições arquivísticas que a tinham erguido à categoria de cimélio entre os cimélios, de joia sem par no acervo riquíssimo do Arquivo” (CORTESÃO, 1967, p. 37).

Na obra de Muñoz, não há referências ao documento elaborado por Caminha, o que poderia se configurar como dúvida sobre quem redescobrira modernamente primeiro a Carta no acervo do Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Contudo, isto não representa um problema a ser discutido em pormenores. Segundo Jaime Cortesão, devemos, pois, considerar Seabra da Silva como o responsável pela redescoberta do manuscrito de Caminha, assim: “manda, pois, a verdade e a justiça atribuir a honra do descobrimento, não ao espanhol J.B. Muñoz, mas ao português J. de Seabra da Silva” (CORTESÃO, 1967, p. 37).

Vale destacar que tanto o redescobrimento do manuscrito da Carta de Caminha no século XVIII, quanto sua publicação moderna se devem a cidadãos portugueses. Como afirma Cortesão: “Assim desapareceu a lenda de que tenham sido estrangeiros a descobrir e divulgar a Carta. Assinalou-a primeiro, com perfeita consciência do seu valor excepcional, o português Jose de Seabra da Silva; pela primeira vez a publicou o português Pe Manuel Aires do Casal” (CORTESÃO, 1967, p. 40).

A Carta de Pero Vaz de Caminha foi impressa pela primeira vez em 1817, no livro Corografia Brazilica, do padre Manuel Aires do Casal, tendo sido o primeiro livro editado no Brasil. Corografia é um termo relacionado à descrição de regiões ou localidades, aspecto que se relaciona ao tema da Carta de Caminha e da Corografia Brazilica como um todo, que descreve as províncias do Brasil à época de D. João VI. Contudo, a obra não tinha por objetivo

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analisar mais profundamente o manuscrito atribuído a Caminha, sendo reconhecido como um documento que traz o relato do escrivão portuense apenas no sentido de descrever a geografia do Brasil, ao lado de outros documentos, alguns coevos.

Após essa publicação, vários outras edições e análises sobre a Carta de Caminha são impressas, ao longo dos séculos XIX e XX, até a edição de Jaime Cortesão de 1943, considerada como definitiva. Houve um interesse pelo documento que envolve os mais variados pontos de vista, dentre eles se destacam: o linguístico, o filológico, o histórico e até mesmo o literário, sendo considerado fonte fidedigna para a compreensão do Brasil quinhentista em seu estágio inicial.

Para tecer posteriores comentários ao trabalho filológico e linguístico de Jaime Cortesão, apresentamos uma cronologia referente às edições da Carta de Pero Vaz de Caminha (CORTESÃO, 1967, p. 36-48):

1500 – em Porto Seguro, Pero Vaz de Caminha escreve a D. Manuel I, El- Rei de

Portugal, suas primeiras impressões sobre o “achamento” da nova terra: a Ilha de Vera Cruz, o texto passa ao Arquivo da Torre do Tombo;

1773 – a pedido do Dr. José de Seabra da Silva, guarda-mor do Arquivo da Torre do

Tombo, o escrivão Eusébio Manuel da Silva, faz um cópia “em boa letra” para melhor entendimento do original;

1785 – Juan Bautista Muñoz, pesquisando documentos na Torre do Tombo, se depara

com a Carta, mas, como supracitado, não faz qualquer referência em sua obra História del Nuevo Mundo (1793);

1817 – primeira impressão da Carta, por Pe. Manuel Aires do Casal, na obra Corografia

Brazilica o primeiro livro impresso no Brasil, a pedido de D. João VI;

1821 – versão francesa de Ferdinad Denis, no Journal des Voyages;

1822 – o Le Brésil ou Histoire, moeurs, usages et coutumes des habitantes de ce

royaume reproduz a tradução francesa por H. Taunay e F. Dinis;

1825 – a versão francesa de F. Dinis aparece no Scènes de la Nature sous les tropiques,

em Paris;

1825-37 – no Tomo III, da obra Coleccion de los viajes y descubrimientos que hicieron

por mar los españoles desde fines del siglo XV, de Navarrete, é feita referência ao historiador castelhano J.B. Muñoz e seu conhecimento sobre a Carta;

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1826 – a primeira edição filológica de caráter diplomático da Carta, é incluída, pela

Academia de Ciências de Lisboa, no número III do tomo IV da Coleção de Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas;

1828 – primeira versão alemã, publicada em Feliners Reisen durch Brasilien. Alexander

von Humboldt analisou a Carta em Examen critique de l’histoire de la géographie du Noveaus Continent, publicado em Paris em 1836;

1853 – primeira tradução portuguesa, para a linguagem contemporânea, feita pelo

historiador João Francisco Lisboa, publicada no Jornal de Timon (Maranhão);

1892 – depois de quatro séculos da descoberta das Américas, José Ramos Coelho, em

Alguns documentos do Arquivo Nacional da Torre do Tombo acerca das navegações e conquistas portuguesas, publica uma versão “muito melhorada”;

1897 – Luiz L. Dominguez, historiador argentino, publica um estudo que compara a

Carta de Caminha com a Relação do Piloto Anônimo, de Mestre João. Este estudo foi publicado em La Biblioteca, Buenos Aires;

1900 – a primeira versão em fac-símile zincogravado, acompanhada de uma versão em

itálico no português atual, é publicada no Instituto Histórico e Geográfico da Baía, sob o título Carta de Pero Vaz de Caminha a El Rey D. Manuel (Baía 1900); ainda nesse ano, o polígrafo F. A. Pereira da Costa publica um estudo acompanhado de um texto atualizado mais um apêndice, Pero Vaz de Caminha – Primeiro Cronista do Brasil, na revista do Instituto Arqueológico e Geográfico de Pernambuco; data desse mesmo ano o longo estudo feito por Capistrano de Abreu intitulado Descobrimento do Brasil pelos Portugueses, com uma “versão libérrima da Carta, recheada, de quando em vez, com agudas e saborosas observações” (CORTESÃO, 1967, p. 44);

1902 – publicação, em Lisboa, do folheto Pero Vaz de Caminha e a Primeira Narrativa

do Descobrimento do Brasil (notícia histórica e documental), por Sousa Viterbo;

1908 – segundo, e melhor, estudo publicado por Capistrano de Abreu: Pero Vaz de

Caminha e sua Carta;

1910 – primeiro estudo filológico integral da Carta, publicado no Farbordão, por João

Ribeiro;

1923 – consoante Cortesão (1967, p. 46) o estudo sobre o documento de 1500 só se

enriquece nesse ano, com a publicação da História da Colonização Portuguesa do Brasil e acrescenta: “Dois estudos da obra monumental são de citar: a Versão em Linguagem Actual da Carta, acompanhada de abundantes notas filológicas por Carolina Michaëlis; e a Semana de Vera Cruz de C. Malheiros Dias, [...]”;

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1932 – ano em que novas e importantes revelações são feitas sobre o portuense

Caminha. O autor de tal feito é Artur de Magalhães e sua conferência chama-se O Porto e a era dos descobrimentos.

1933 – Manuel de Sousa Pinto publica em Miscelânia de Estudos em honra de D.

Carolina Michaëlis de Vasconcelos, revista da Universidade de Coimbra, A Carta de Pero Vaz de Caminha, edições e leituras;

1934 – nova publicação de Manuel de Souza Pinto, Pero Vaz de Caminha e a Carta do

achamento do Brasil, agora na edição da Academia das Ciências de Lisboa;

1938 – versão inglesa da Carta, publicada na coleção da Hakluyt Society – The Voyage

of Pedro Alvares Cabral to Brazil and India – trabalho de William Brooks Greenlee;

1940 – nova edição, composta de texto fac-símile e transcrição “linha a linha”, de

António Baião, em Os Sete Únicos Documentos de 1500, conservados em Lisboa referentes à viagem de Pedro Álvares Cabral.

A cronologia feita por Cortesão (1967), que se encontra no capítulo II – “A história da Carta”, nos leva até 1940. Porém, no jornal A Manhã9, publicado também na década de 1940,

encontramos uma outra cronologia que, além das datas supracitadas, vai até o ano de publicação da obra de Cortesão, 1943.

A saber:

1941 – duas publicações são feitas: Pero Vaz de Caminha cidadão do Porto, de Antônio

Cruz, publicado no Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto; e O índio na Carta de Pero Vaz de Caminha, estudo publicado na Revista brasileira, por Angione Costa;

1942 – Carlos Simões Ventura publica A mais recente leitura da Carta de Caminha e

Oliveira Pinto publica as Notas sobre as aves mencionadas por Pero Vaz de Caminha;

1943 – Publicação de Jaime Cortesão de A Carta de Pero Vaz de Caminha, que é

reeditada em 1967, por ocasião do início da publicação de obras completas do autor.

Optamos por terminar nossa cronologia na edição de Jaime Cortesão, pois essa se configura como nosso corpus de trabalho, para a leitura do documento quinhentista. Pudemos notar que uma tradição de estudos modernos sobre o documento se inicia tanto no Brasil quanto em Portugal, desde fins do século XVIII até meados do século XX. Essa tradição de recepção filológica, linguística e historiográfica da Carta de Caminha teve como intuito sempre a

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interpretação do documento, considerado como texto fundamental para a compreensão do período inicial do Brasil quinhentista e das navegações portuguesas nas Américas.

Vários são os aspectos e abordagens que os mais diversos autores trouxeram à tona, para os leitores, em sucessivas investigações sobre a Carta de Caminha: estudos sobre a fauna, a flora, o homem indígena, as navegações e as conquistas portuguesas. Nós optamos por colocar em destaque o contato linguístico, a partir de uma leitura pelo viés da Ecolinguística, que será desenvolvido na segunda parte desse trabalho. Analisaremos o contato linguístico por gestos com Bartolomeu Dias, a tentativa de comunicação do intérprete Gaspar da Gama e o registro das primeiras manifestações religiosas cristãs no Brasil quinhentista, com as duas missas celebradas pelo missionário franciscano Frei Henrique de Coimbra em 1500.

Antes, contudo, de passarmos à segunda parte de nossa análise ecolinguística, ainda no contexto de análise do princípio de imanência na obra de Jaime Cortesão, debateremos alguns aspectos do trabalho filológico e linguístico, na edição diplomática, da Carta de Caminha. Jaime Cortesão utiliza a técnica de edição diplomática como forma de registrar a variante quinhentista da língua portuguesa empregada por Caminha e facilitar o acesso ao leitor do manuscrito.

2.3. O trabalho filológico e linguístico de Jaime Cortesão, o clima de opinião

Jaime Cortesão publica a sua obra A Carta de Pero Vaz de Caminha em 1943, no Brasil. Essa era uma época muito conturbada no contexto mundial, em que a Segunda Guerra estava próxima ao seu final. No Brasil e em Portugal, vigorava o regime do Estado Novo, sob tutela de Getúlio Vargas e António de Oliveira Salazar, respectivamente. Jaime Cortesão, exilado de Portugal, banido da Espanha e França, chega ao Brasil em 1940, no auge do efervescer político. Dessa forma, o “clima de opinião” da época em que Jaime Cortesão publicou sua obra era referente ao nacionalismo e ao extremismo militarista, que levara o mundo à guerra, ainda em curso.

Sua escolha por reeditar a Carta de Caminha de 1500, desenvolvendo um novo estudo paleográfico do manuscrito e uma nova edição diplomática, pode ser compreendido nesse contexto de “degredo” em que se situava o intelectual portuense. A Carta de Caminha, desde sua publicação em 1817, na época de D. João VI, rei que transferira sua corte ao Brasil, no contexto das guerras napoleônicas em 1808, é um documento histórico que marca o início das relações interculturais luso-brasileiras em 1500. Culturalmente é um documento que pertence a

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dois mundos em contato: a Europa e a América. Sua releitura, em épocas distintas, teve como intuito a renovação da identidade luso-brasileira, de que se originou o Brasil quinhentista.

Ao mesmo tempo, a Carta de Caminha a El-Rei Dom Manuel I, o Venturoso, é uma fonte que registra a chegada da língua portuguesa ao Brasil, ainda que de forma descontínua na época, podendo, porém, evidenciar elementos que nos permitam analisar a construção social e política da língua portuguesa, em relação ao contato linguístico no Brasil quinhentista. Pelo fato de a língua portuguesa ser a língua administrativa de origem e expansão do império ultramarino português (1415-1580), podemos evidenciar implicações culturais de seu uso na construção de uma lusofonia global, iniciada no período das navegações, que culminaria ainda no uso da língua portuguesa em diversos países, atualmente, que compõem a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa): Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste.

Um outro fator de relevo, em relação ao contato linguístico, descrito na Carta de Caminha, é o registro da primeira atividade missionária no Brasil quinhentista, com a chegada da língua latina, em sua modalidade eclesiástica, nas duas primeiras missas celebradas pelo franciscano Frei Henrique de Coimbra (1465-1532), tema que analisamos mais adiante, na segunda parte de nossa pesquisa. Cumpre salientar que Jaime Cortesão notou a intensa presença de missionários franciscanos nas atividades de navegação portuguesas, acentuando a relevância de sua participação na construção do império ultramarino português, inclusive na ocupação territorial do Brasil.

A Carta de Caminha é considerada importante documento para o início de construção de uma identidade nacional no Brasil quinhentista, derivada, inicialmente, das relações interculturais luso-brasileiras, sendo o registro do início do contato entre povos na colonização do qual resultou o Brasil colônia. Esse é o primeiro documento registrado em língua portuguesa nas Américas, o que o coloca em situação de relevo, perante outras fontes documentais. Dessa forma, após suas sucessivas edições chegou a ser considerado como a certidão de nascimento do Brasil.

Pode-se afirmar que o ápice da narrativa de Caminha, sobre o início desse processo colonizador, que ocorreu nos nove dias em que ficaram aportadas as naus portuguesas no Brasil, são as missas de Frei Henrique de Coimbra. A descrição das missas, a preparação da cruz, a finalidade da expedição, o contato linguístico com os povos indígenas são fatores relatados em uma narrativa de viés missionário, para além de um diário de navegação, no contexto quinhentista. A primeira missa, realizada em abril, no dia “26, domingo de Pascoela”, quando: “a piedade cristã mandava realizar e ouvir o sacrifício da missa” (CORTESÃO, 1967, p.

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