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Gestos, expressões e emoções: quando a linguagem corporal permeia as relações públicas

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Academic year: 2021

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UNESP

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FAAC

FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO

GESTOS, EXPRESSÕES E EMOÇÕES:

QUANDO A LINGUAGEM CORPORAL PERMEIA AS RELAÇÕES PÚBLICAS

BAURU 2009

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UNESP

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FAAC

FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO

GESTOS, EXPRESSÕES E EMOÇÕES:

QUANDO A LINGUAGEM CORPORAL PERMEIA AS RELAÇÕES PÚBLICAS

Trabalho de conclusão de curso realizado por PEREIRA, Marília de Sousa, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Antônia Vieira Soares, para o Departamento de Comunicação Social.

BAURU 2009

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À minha querida (e grande) família, com muito amor, dedico este trabalho. A você, mãe, especialmente pelo apoio, pelas palavras de estímulo, por me ensinar, por se preocupar e por cuidar de mim. Parabéns pelo ser humano que você é!!! A você, pai, por ser minha fonte de inspiração na realização deste trabalho e por

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Resumo

De quanto vale um pequeno gesto, um sorriso, um olhar? São estes detalhes que nascem da linguagem corporal é que estarão presentes neste trabalho. Este projeto foi construído a partir do desejo de se provar que a mensagem presente sob as palavras tem um grande e belo papel para o diálogo e as relações humanas. É com esse propósito que, inicialmente, buscaremos o homem na raiz de sua linguagem, numa trajetória cultural e evolutiva das expressões e da utilização do corpo humano nos rituais de interação. Aos poucos, este mesmo homem se descobre um ser simbólico, com sua capacidade de interpretar símbolos e sinais por meio de um mundo de representações, que fez com que o ser humano procurasse sair da solidão em busca da formação de comunidades. Neste momento, o corpo marca importante papel comunicativo, já que exerce sua função unificadora nas variadas dimensões interpessoais. A partir dessa particularidade, buscaremos o homem imerso na coletividade das organizações, comunicando seus estados emocionais e fazendo uso do não-verbal para reeducar o seu comportamento como trabalhador, mas principalmente, como homem. Este trabalho propõe, assim, analisar a importância de dimensões esquecidas da comunicação que permeiam a percepção dos sentidos, dos afetos, das emoções e da cordialidade entre os sujeitos. Neste sentido, o profissional de Relações Públicas quer fomentar em si – e no outro – o desejo de resgatar valores adquiridos ao longo da história humana, para se fazer presente como sujeito e compreender o outro, de corpo, alma e em todas as suas dimensões.

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Sumário

CAPÍTULO 1 – A EVOLUÇÃO NA FORMA DE SE COMUNICAR: A EMOÇÃO COMUNICADA SEM PALAVRAS

1.1 A trajetória cultural na expressão da linguagem 1.2 O uso do corpo e os rituais de interação

CAPÍTULO 2 – A COMUNICAÇÃO NÃO-VERBAL: OS GESTOS E A PALAVRA COMO SISTEMAS DISTINTOS DE COMUNICAÇÃO

2.1 O ser humano, um ser simbólico

2.2 As palavras sob as palavras: a comunicação por meio da percepção dos sentidos (falar das expressões faciais, do olhar, do sorriso e dos gestos)

2.3 A relação entre os gestos e as palavras na comunicação

CAPÍTULO 3 – A LINGUAGEM CORPORAL E O MEIO SOCIAL DAS ORGANIZAÇÕES

3.1 O homem como ser imerso na coletividade das organizações 3.2 A comunicação dos estados emocionais

3.3 Quando gestos e palavras se contradizem

3.4 Os efeitos dos sinais não-verbais na comunicação que media o trabalho

CAPÍTULO 4 – TRANSFORMANDO AS RELAÇÕES: O RELAÇÕES-PÚBLICAS COMO OBSERVADOR DIFERENCIADO DAS EXPRESSÕES

4.1 O Relações-Públicas na organização: uma visão global da linguagem que media as relações

4.2 Reeducando os movimentos: emoções, motivações e comportamento humano

4.3 A dança das Relações Públicas no ambiente do trabalho contemporâneo: a cultura do passado e as relações em processo de mudança

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Introdução

O presente trabalho é fruto de uma trajetória que nos desafiou a analisar as teias de relações no âmbito organizacional à luz das sutilezas das emoções e sentimentos transmitidos por meio da linguagem corporal. Essa temática surgiu a partir de um processo de aprendizagem e de encantamento pela dança, em uma academia na cidade de São José dos Campos, que nos possibilitou um olhar sobre o corpo humano como portador de grande subjetividade e expressividade configuradas através dos movimentos corporais.

Com o tema já escolhido, fomos presenteados ainda com o tema “Corpo e Cultura” da XI Jornada Multidisciplinar, do Departamento de Ciências Humanas da Unesp/Bauru, em setembro de 2009, que nos trouxe a reflexão de que o corpo é um instrumento que permeia a criação de vínculos em nossas relações interpessoais. Assim, unindo uma trajetória como bailarina e as reflexões de 4 anos de vida acadêmica, fomos nos incomodarmos com o fato de que o homem expressivo tornou-se uma dimensão esquecida na perspectiva da comunicação e da interação humanas.

Essa leitura nos possibilitou uma abordagem problematizadora do comportamento humano, o qual se constitui nas relações interpessoais, relações que transcendem a simples transmissão de mensagens e buscam construir redes em processos complexos de vinculação com o outro, permeando o mundo das significações, dos sentidos e das emoções.

Dessa forma, esse projeto se constrói a partir do desejo de se provar que a mensagem presente sob as palavras tem significativo papel para o diálogo e as relações humanas. Percebemos que o corpo fala e muito pode dizer de nós e essa permanente consciência nos leva à percepção constante e cuidadosa do outro.

É com esse propósito que, inicialmente, buscamos o homem na raiz de sua linguagem, numa trajetória cultural e evolutiva das expressões e da utilização do corpo humano nos rituais de interação. Aos poucos, analisamos esse mesmo homem com sua capacidade de interpretar símbolos e sinais

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inseridos em um mundo de representações, buscando a percepção da expressividade do outro.

Em seguida, retratamos o homem como um ser simbólico, que transmite significações em seu contato com o mundo social e, a partir disso, fornece sentido a suas palavras e suas ações. Aqui, analisamos o homem que se descobre com um complexo sistema de linguagem e repleto de subjetividade, capaz de se colocar na sociedade, de conhecê-la e, muitas vezes, de persuadi-la de acordo com os seus desejos. Neste momento, percebemos o homem como ser essencialmente social, com o seu próprio corpo marcando importante papel comunicativo, já que exerce sua função unificadora nas variadas dimensões interpessoais.

Em nossa terceira abordagem pretendemos inserir o homem na coletividade das organizações, demonstrando uma interligação entre os sinais não-verbais da comunicação e o meio social do trabalho. Fomentamos, aqui, um olhar humanizador sobre a comunicação, que surge da percepção de que na organização quase sempre não há a preocupação das relações interpessoais com os sujeitos e da forma como a comunicação é gerida. Essa visão muitas vezes é baseada na transmissão de informações por meio de canais formais que se esquecem do diálogo, da troca, da reflexão e da percepção do outro.

Sendo assim, o nosso estudo pretende a partir de uma visão do geral para o particular – que se caracteriza na visão de totalidade – analisar o histórico humano em suas diversas abordagens de ser social e expressivo, até a busca de um caráter humano na comunicação que media as relações de trabalho no mundo contemporâneo, este mundo da era da informação e das novas tecnologias que, muitas vezes, obscurece o fator humano. Nessa ótica, buscamos o homem imerso na coletividade das organizações comunicando seus estados emocionais e fazendo uso do não-verbal para reeducar o seu comportamento como trabalhador, mas principalmente, como homem.

A partir da visão complexa e sistêmica das organizações contemporâneas e dos sujeitos, emerge a necessidade de um novo perfil do profissional de Relações Públicas, um profissional com embasamento teórico

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articulado que vai muito além da racionalidade técnica da comunicação. À luz da autora Marlene Marchiori, a formação desse profissional pode vislumbrar a organização como um fenômeno social, que vê a interação humana como uma de suas principais características.

Para finalizar nossa trajetória, tecemos uma discussão sobre a possibilidade do profissional de Relações Públicas ir além da gestão da comunicação e fomentar no âmbito empresarial a importância do resgate de aspectos esquecidos no processo comunicacional, que permeiam a percepção dos sentidos, dos afetos, das emoções e da cordialidade entre os sujeitos. Neste sentido, esse profissional pode descobrir em si – e no outro – o desejo de tornar presente valores adquiridos ao longo da história humana, para se fazer atual no conflituoso mundo das relações de trabalho.

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I

– A EVOLUÇÃO NA FORMA DE SE COMUNICAR: A EMOÇÃO

COMUNICADA SEM PALAVRAS

“É natural que o homem chegue às coisas inteligíveis pelas sensíveis, porque todo o nosso conhecimento tem começo nos sentidos”.

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O homem é um ser em evolução, em sua vida e em toda a sua história. Sua capacidade de acumular conhecimentos desenvolveu-se ao longo de milhões de anos. Sua vida está sujeita a um intenso processo de mudanças que ocorre com o próprio homem, como sujeito de uma grande história, e vai se encaminhando para a transformação da sociedade, das relações culturais, econômicas e políticas. É a evolução natural e social do homem e de suas relações com o mundo.

Sendo o homem este ser de constantes mudanças, a proposta deste capítulo é ilustrar a força que a cultura e a linguagem atingiram na ascensão moderna do homem e de suas relações. Segundo Childe (1973), a linguagem “é o veículo para a transmissão da herança social da experiência” (p. 14) e “faz com que a tradição seja racional” (p. 15). Pretendemos mostrar, assim, o início de uma evolução ainda em processo. É uma evolução que envolve cultura e linguagem – acima de tudo – além de sobrevivência, interação com a natureza e relações sociais, uma vez que tudo isso implica na relação dialética entre a evolução do homem e a evolução da cultura.

Não dirigido por padrões culturais – sistemas organizados de símbolos significantes – o comportamento do homem seria virtualmente ingovernável, um simples caos de atos sem sentido e de explosões emocionais, e sua experiência não teria praticamente qualquer forma. A cultura, a totalidade acumulada de tais padrões, não é apenas um ornamento da existência humana, mas uma condição essencial para ela – a principal base de sua especificidade. (GEERTZ, 1989, p. 33)

A cultura, dessa forma, é tema essencial para a construção de um trabalho que abrange o homem e suas relações – já que, como citou Geertz (1989), a cultura é base da especificidade da existência humana – especialmente em relações que envolvem linguagem, a percepção dos sentidos, as relações interpessoais no diálogo que aproxima os seres humanos.

Tendo a necessidade de abordar o tema cultura, devemos nos atentar para o fato de que o seu surgimento partiu da necessidade do homem de obter explicações acerca do mundo em que está inserido. Partindo do pressuposto de que o homem é produto e, ao mesmo tempo, produtor da cultura, atentamos

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para a concepção de que “o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu” (WEBER apud GEERTZ, 1978, p. 15) e que cultura diz respeito às relações que proporcionam o criar e o transformar dessas teias, e que também possibilitou ao homem se organizar de maneiras diferentes e produzir um emaranhado de símbolos que o identifica em cada momento histórico.

Neste capítulo podemos compreender melhor qual a raiz de um longo processo de aperfeiçoamento da linguagem humana, que transformou o homem em um ser complexo e único, diferente dos outros animais. Essa faculdade da comunicação humana – em forma do desejo de transcender o isolamento na busca de algum tipo de conexão com o outro – possibilitou ao homem transmitir as vivências antepassadas aos seus descendentes, acumulando a espécie de conhecimento, valores, normas e padrões culturais.

Inicialmente apresentamos alguns aspectos que se destacam na origem, trajetória e evolução da linguagem, abordada em sua forma mais universal enquanto meio de expressão cultural. Pensamos o homem como um ser único e distinto dos outros animais, como aquele que sabe se apropriar da natureza e extrair dela recursos que possibilitam o seu trabalho e a conquista de seu espaço no planeta.

Por conseguinte, o homem tem de satisfazer, antes de mais nada, todas as necessidades de seu organismo. Tem de criar condições e trabalhar para alimentar-se, aquecer-se, abrigar-se, vestir-se ou proteger-se do frio, do vento e das intempéries. Tem de proteger-se e organizar essa proteção contra inimigos e perigos externos, físicos, animais ou humanos. Todos estes problemas fundamentais dos seres humanos são solucionados para o indivíduo por artefatos, organização em grupos cooperativos e também pelo desenvolvimento do conhecimento: um sentido de valor e ética.

Tudo isso faz com que, pela necessidade, o homem possa desenvolver maneiras mais complexas de tornar o entendimento e a compreensão mais completos. Por isso, mais adiante, traçamos uma panorâmica sobre a capacidade do homem de poder se comunicar por meio da linguagem não-verbal, como um dos elementos da comunicação primitiva e contemporânea, e

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também como forma de diferenciação do ser humano, em suas construções individuais e coletivas.

1.1 A trajetória cultural na expressão da linguagem

Assim como desde o nascimento, o ser humano – se socializando – aprende a viver – com todas as características e habilidades que isso exige – também a espécie humana, desde a sua gênese, aprendeu a estar nesse mundo. Estar nesse mundo implicava na sobrevivência, ou melhor, no caçar, no habitar, no comer, no se relacionar. Mas sabemos que a busca por essas necessidades só foi possível graças à união de características biológicas e culturais do homem, conforme Geertz:

A perspectiva tradicional das relações entre o avanço biológico e cultural do homem era que o primeiro, o biológico, foi completado, para todos os intentos e propósitos, antes que o último, o cultural, começasse. [...] O ser físico do homem evoluiu, através dos mecanismos de variação genética e seleção natural, até o ponto em que sua estrutura anatômica chegou a mais ou menos à situação em que hoje o encontramos: começou então o desenvolvimento cultural. (GEERTZ, 1989, p. 34)

A cultura tornou-se, primordialmente, o que fez o homem querer estar nesse mundo. À medida em que, fisiologicamente, o ser humano constituía-se em corpo e cérebro, no qual cada parte modelava o progresso deste ou daquele órgão ou sistema biológico, havendo uma crescente interação entre todas as partes que constituía o homem biológico, também o homem em sua sociabilidade sentiu a necessidade de se relacionar com os demais visando a própria sobrevivência e a permanência da espécie no planeta.

Toda a sobrevivência era mediada pelas relações existentes entre os habitantes que antes aqui viviam, nossos ancestrais. “Ao reproduzir técnicas que outros homens já usaram e ao inventar outras novas, a ação humana se torna fonte de idéias e ao mesmo tempo uma experiência propriamente dita” (ARANHA, MARTINS, 1997, p. 6) Aos poucos, para que fosse possível a

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sobrevivência, o entendimento e a compreensão mútua entre os seres, essas relações humanas ficaram cada vez mais complexas.

Em algum estágio particular da sua história filogenética, uma mudança genética marginal de alguma espécie tornou-o capaz de produzir e transmitir cultura e, daí em diante, sua forma de resposta adaptativa às pressões ambientais foi muito mais exclusivamente cultural do que genética. À medida que se espalhava pelo globo, ele vestia peles nos climas frios e tangas (ou nada) nos climas quentes; não alterou seu modo inato de responder à temperatura ambiental. Fabricou armas para aumentar seus poderes predatórios herdados e cozinhou os alimentos para tornar alguns deles digestivos. (GEERTZ, 1989, p. 34)

À medida em que vivia, o homem se descobria, descobria o mundo, descobria o outro, criava códigos, estabelecia regras. Ele definia-se como pessoa. Cada cultura demonstrava por si só as características de seu povo. Eram códigos que determinavam o surgimento de normas e formas de expressão e comunicação, permitindo assim, uma coesão entre um grupo qualquer de pessoas. Não poderíamos entender a questão da cultura sem o entendimento de sua ligação com a comunicação, pois consideramos que somente pode haver cultura através da comunicação de um ser humano com outro, trocando informações e desencadeando pensamentos.

Aliás, torna-se claro que a cultura se dá a partir da utilização do pensamento, atribuindo significado às ações humanas. A partir da racionalidade, o homem se concretiza como diferente dos demais animais, se distanciando de sua natureza biológica – ações instintivas – na medida em que trabalha com a reflexão e se aproxima do outro por meio da sua capacidade de pensamento. Podemos constatar tal fato se levarmos em conta o que diz Freire:

O sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a co-participação de outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. Não há um ‘penso’ mas um ‘pensamos’. E o que ‘pensamos’ que estabelece o ‘penso’ e não o contrário. (Esta co-participação dos sujeitos no ato de pensar se dá na comunicação). (FREIRE, 1977, p. 66)

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Assim como Geertz (1989), Freire (1977) também defende a idéia de que o homem só se faz homem por meio de sua relação com o outro. Desde os primórdios de nossa civilização, os seres humanos viram a necessidade de se comunicar e se relacionar com os demais, não havendo um só sujeito que não buscasse meios de interação e sobrevivência. Tanto a comunicação quanto a cultura implicam em linguagem e, por isso, ambas fazem-se elementos humanos.

Entendemos que nessa relação há a formação da linguagem – maneira pela qual o homem pode construir e comunicar sua cultura – e, de forma simultânea, há o desenvolvimento do trabalho – o que denota ações pensadas com um fim pré-determinado – diferentemente do puro instinto que guia os outros animais. A partir de então, o homem percebeu a possibilidade de utilizar a natureza a seu favor, tendo a sensação de domínio da mesma. “O homem se tornou homem, continua a história, quando, tendo cruzado algum Rubicon mental, ele foi capaz de transmitir conhecimento, crença, lei, moral, costume a seus descendentes e seus vizinhos através do aprendizado.” (GEERTZ, 1989, p. 34)

A partir desse domínio, já não podemos chamar esse mundo modificado pelo homem de mundo natural. Ele se encontra cada vez mais humanizado, já que o ser humano foi capaz de desenvolver suas habilidades utilizando a natureza que se transforma e apresenta novos aspectos. Podemos contemplar que à medida que a natureza se transforma, o homem também transforma.

Mais do que uma renovação, o ser humano consegue realmente se produzir, ou se autoproduzir. A partir do trabalho que faz pela transformação da natureza, o homem se desenvolve, conhece suas habilidades e se torna único. Essa diferenciação entre o homem e o animal torna-se essencial para o entendimento da evolução do homem e de sua cultura. Não podemos dizer que os animais podem produzir a sua própria existência. Eles apenas sabem conservá-la por meio de seus próprios instintos.

Esses atos visam a sua defesa, a procura de alimentos e de abrigo, e não devemos pensar que o castor, ao construir o dique, e o João-de-barro, a usa casinha, estejam ‘trabalhando’. Se o trabalho é a ação transformadora da realidade, na verdade o animal não trabalha mesmo

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quando cria resultados materiais com sua atividade, pois sua ação não é deliberada, intencional. (ARANHA, MARTINS, 1997, p. 6).

Estes animais não-humanos vivem o seu presente, não sendo capazes de transmitir todas as suas experiências em vida para as gerações futuras. Faltam-lhes a capacidade de transformar a natureza e a possibilidade de fazer com que o conhecimento adquirido sobreviva no tempo, por meio da linguagem.

É indiscutível que a dança das abelhas, por exemplo, influencia o comportamento das companheiras da colméia, retratando certas condições ambientais. Essa observação pode nos levar a perguntar se a dança das abelhas preenche o requisito de uma linguagem. Sabemos que as abelhas nunca cometem erros na dança e que as comunicações que transmitem não são enganosas e nunca há comunicação quando não há mel. Podemos dizer, assim, que as abelhas não dispõem de linguagem, embora possam se comunicar de maneira padronizada.

Já as experiências humanas são conscientes e capazes de sobreviver no decorrer das gerações, pois o homem sim possui a inteligência e a vontade de transmitir as informações aos seus descendentes. Da mesma forma cita Childe (1973):

A lebre da montanha passa o inverno, confortável e seguramente, nas encostas abertas de neve, graças às modificações de seu pelo. No clima mais quente dos vales, correria evidente perigo. O homem pode dispor de roupas quentes, ao se transferir para um clima mais cálido, e adaptar sua indumentária ao meio. As patas do coelho são bons instrumentos de cavar, mas não podem concorrer com as de um gato, como armas. Em resumo, o equipamento hereditário do animal é adequado à execução de um número limitado de operações, num determinado meio. O equipamento não-corpóreo do homem pode ser ajustado a um número quase infinito de operações […] (1973, p. 11)

Com isso, o fato de poder se locomover e ser extracorpóreo dá ao resto do equipamento humano vantagens evidentes. É mais adequado e mais

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adaptável do que o dos outros animais, cujos recursos só os tornam capazes de viver num meio determinado e sob condições especiais.

A capacidade do homem de poder construir a sua história pela transformação da natureza e, a partir disso, ter o poder de que essa história se perpetue pelo tempo, o torna único. Como afirmam ARANHA e MARTINS (1997), “a noção de experiência humana não se separa do caráter abstrato da inteligência do homem, pela qual ele pode superar a vivência do ‘aqui e agora’, passando a existir no tempo” (1997, p. 6), existência tal que torna o ser humano único porque torna possível a existência da cultura.

Dessa forma, a cultura é aqui entendida como tudo aquilo que o homem cria, em um processo de acúmulo de experiências que são convertidas em idéias, imagens e lembranças e transferidas pelo tempo e pela história, numa relação de mutualidade entre o homem e o mundo natural. E a continuidade desse processo só foi possível graças às inter-relações humanas mediadas pela linguagem em sua evolução, processo este que tornou o homem consciente dos outros e de si próprio.

O desenvolvimento da linguagem se reflete de volta no pensamento, pois, com a linguagem, os pensamentos se podem organizar e novos pensamentos surgir. A consciência de si próprio e o sentido de responsabilidade social apareceram como resultado de pensamentos organizados. Sistemas de ética e de leis foram edificados. O homem se tornou uma criatura social, consciente de si própria, responsável. (CHERRY, 1968, p. 23)

O ser humano é aquele que consegue se dominar por meio de seus próprios pensamentos. Uma vez que a comunicação significa “compartilhar elementos de comportamento, ou modos de vida” (CHERRY, 1968, p. 27), a linguagem se faz essencial para o domínio de si e do mundo que o cerca, da mesma maneira que a cultura, conforme nos expõe EAGLETON (2009): “A natureza agora não é apenas a matéria constitutiva do mundo, mas a perigosamente apetitiva matéria constitutiva do eu. [...] A cultura, assim, é uma questão de autosuperação tanto quanto de autorealização” (2009. p. 15).

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O homem começa a se perceber como sujeito repleto de possibilidades, já que se descobre como ser autoconstrutivo, dono de si e dono das coisas do mundo. Ele agora é sujeito de si, ser que constrói, que trabalha, que se supera, podendo analisar suas experiências passadas e prever as futuras, organizando seu projeto de vida. Para Geertz (1989, p. 37), “tornar-se humano é tornar-se individual, e nós nos tornamos individuais sob a direção dos padrões culturais, sistemas de significados criados historicamente em termos dos quais damos forma, ordem, objetivo [...]”.

Assim, a cultura – na medida em que proporciona a consistência necessária para o desenvolvimento do ser humano – fornece um conjunto de diretrizes que permitem o estabelecimento da identidade durante todo o processo de desenvolvimento do sujeito. Tornando-se um ser cultural, o homem torna-se um ser – humano e coletivo – dono de si, com sua especificidade e identidade próprias.

Todos os acontecimentos e conhecimentos adquiridos pelo homem produzem sobre ele sua auto-afirmação. Essa construção é feita a partir das relações e no próprio ato de relacionar-se. É um crescente processo de diferenciação, em que o sujeito se dá cada vez mais conta de si à medida em que toma consciência do outro. É a vida social, portanto, que proporciona as trocas afetivas desde o início da existência do homem. A identidade dá-se no coletivo, por meio da linguagem e da cultura. Fazemos nossas as palavras de Coon (1960):

Para nossos objetivos atuais, o que mais importa saber a respeito da linguagem é que ela capacita os seres humanos a permutarem experiências culturais, criando assim mais cultura. Acultura pode acumular-se porque a linguagem é capaz de mudança. (1960, p. 27)

O eu constrói-se a partir do outro, no contato inicial com os mais próximos e o posterior – e simultâneo – contato com os demais. Por isso é tão importante o diálogo, as trocas de conhecimento e o convívio social, uma vez que é nesse relacionar-se que o homem se constrói e desenvolve o seu próprio eu. A linguagem torna-se aqui um meio de vincular-se ao outro, uma forma de contato e aproximação nessas relações interpessoais.

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Sabemos que o homem não adquiriu esses padrões culturais em um dado momento de sua evolução, mas tais padrões foram sendo construídos por meio da transmissão de saberes desde que o ser humano é existente. A comunicação, as técnicas e as regras não surgiram de um momento histórico exato, em uma linearidade definida em tempo e espaço. Após entender diversas possibilidades, podemos aceitar as que convergem na idéia de que, conforme Geertz (1989):

[...] a cultura, em vez de ser acrescentada, por assim dizer, a um animal acabado ou virtualmente acabado, foi um ingrediente, e um ingrediente essencial, na produção desse mesmo animal. O crescimento lento, constante, quase glacial da cultura através da Era Glacial alterou o equilíbrio das pressões seletivas para o Homo em evolução, de forma tal a desempenhar o principal papel orientador em sua evolução. (1989, p. 34)

Aqui podemos entender a relação dialética entre a formação da cultura e a evolução humana. Ambos os processos não ocorreram em momentos distintos do desenvolvimento humano. Uma vez que o sujeito se encontra neste mundo, ele já passa a formar-se culturalmente, ao mesmo tempo em que desenvolve suas características físicas e psicológicas. Assim, a evolução humana é constituída por uma troca e um acúmulo de experiências que envolvem cultura, linguagem e evolução biológica.

A primeira imagem que o sujeito faz de si próprio, na perspectiva freudiana (1976) 1 – segunda a qual Freud mostra os efeitos do grupo no indivíduo e a transformação de um agregado de indivíduos em uma unidade – é construída a partir do olhar do outro.

No decorrer do crescimento, a identidade é construída também a partir da inserção na cultura, na qual o homem extrai modelos, valores e padrões de conduta. O homem tornou-se um ser social em decorrência do meio cultural em

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Essa perspectiva pode ser encontrada na obra Psicologia das massas e análise do Eu, de 1976, em que Freud aborda as relações e contrastes presentes entre a psicologia individual e a psicologia social ou de grupo.

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que se socializou e está em um processo de contínua transformação, pois absorve e seleciona suas experiências e as leva para o mundo natural, transformando continuamente o meio em que vive.

Foi por meio da primazia da linguagem que o ser humano teve a possibilidade de compreender e ser compreendido, proporcionando o entendimento do homem com o seu mundo e a transmissão do que é conhecido para novas gerações, de modo que cada sujeito pudesse construir a sua personalidade e que toda a espécie perpetuasse de forma a se identiificar e, ao mesmo tempo, se diferenciar do outro, num processo dialético que se dá pela essência social humana. Childe entende essa relação:

Felizmente, a criança não precisava acumular experiência ou fazer por si mesma todas as tentativas e erros. Na verdade, a criança não herda, ao nascer, um mecanismo de nervos que tenha sido moldado no plasma germinativo da raça e que a predisponha, automática e instintivamente, aos movimentos corporais apropriados. Herda, entretanto, uma tradição social. Seus pais e as pessoas mais velhas lhe ensinarão como fabricar e utilizar o equipamento, segundo a experiência acumulada por numerosas gerações anteriores, e que constitui em si mesmo uma expressão concreta dessa tradição social. Qualquer instrumento é um produto social, e o homem é um animal social. (CHILDE, 1973, p. 12)

Assim, a cultura influencia a construção de uma identidade em cada ser humano, já que é por ela que o homem acumula experiências e conhecimentos tradicionais que constituem a sua existência. Identificar-se com o outro é uma das formas de manifestação do eu de cada sujeito, que se diferencia dos demais por meio de suas particularidades e, ao mesmo tempo, posiciona-se como semelhante aos membros de uma categoria ou classe. Nesse contexto, o corpo tem um importante papel nessa identificação social e na mediação das relações interpessoais.

Através da linguagem corporal, é possível ir além do que dizem as aparências. Especialmente quando o homem ainda não era dotado de um desenvolvido e complexo sistema de linguagem, os seres captavam toda e qualquer forma de comunicação emitida por outros. Muitas vezes eram por gestos e movimentos determinados que os homens conseguiam entender o

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caminho na busca de alimento, a presença de um perigo próximo ou mesmo a descoberta dos sentimentos dos demais. Assim, o homem podia – e ainda pode – descobrir a essência do outro por meio de sinais que o próprio corpo emite e – ainda por meio desse corpo – pode ritualizar suas relações na interação com o outro.

1.2 O uso do corpo nos rituais de interação

Na Idade da Pedra, o animal desenhado nas paredes – entre as várias interpretações que podem ser atribuídas a essa imagem – era uma forma de aprisioná-lo, enquanto o próprio corpo humano demonstrava as expressões únicas de uma tribo. O homem em sua evolução pressentia o desejo de interação com os demais, já que o sujeito apenas pode ser considerado como tal se este puder se socializar. Não podemos considerar, pois, que estes elementos nascidos da busca por uma melhor compreensão possam significar meros desenhos rupestres. São símbolos surgidos de uma necessidade mútua de querer dialogar e ser compreendido pelo outro.

As relações interpessoais são os papéis representados pelo homem dentro do seu grupo. O papel social dos sujeitos são como comportamentos solicitados, ou mesmo expectativas de desempenho destes indivíduos num grupo social. Cada comunidade desenvolve sua própria fala, escrita e gestual, além de vícios de linguagem que são comuns e interpretáveis pelos indivíduos que também pertencem àquele meio social. E dessa forma são desenvolvidos elementos básicos de interação, a fim de que o homem saia de si e passe a viver também pelos demais.

O homem se faz homem quando é capaz de transcender sua individualidade e, por meio do diálogo com a natureza e com o outro, consegue ir em busca da convivência social. Podemos concordar que:

[...] isso sugere não existir o que chamamos de natureza humana independente da cultura. Os homens sem cultura [...] seriam monstruosidades incontroláveis, com muito poucos instintos úteis,

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menos sentimentos reconhecíveis e nenhum intelecto: verdadeiros casos psiquiátricos. Como nosso sistema nervoso central [...] cresceu, em sua maior parte, em interação com a cultura, ele é incapaz de dirigir nosso comportamento ou organizar nossa experiência sem a orientação fornecida por sistemas de símbolos significantes. (GEERTZ, 1989, p. 35)

Partindo das palavras de Geertz, assim como a cultura humana é fruto da interação e da convivência social, podemos citar algo semelhante ao fazer um paralelo com a cultura das organizações atuais. Do mesmo modo, elas possuem uma cultura própria porque também se tratam de um sistema social. Assim como a cultura é única para cada grupo, não existem organizações que compartilhem da mesma cultura, havendo sempre uma diferenciação.

Cada organização é formada por indivíduos que se socializam e criam condutas, comportamentos, crenças e valores próprios, todos formados a partir dessa inter-relação. E não há como uma organização – e é claro, também um homem – viver sem sua cultura.

Neste contexto somos capazes de defender que o homem sem sua cultura – que implica em seu conhecimento, sua linguagem, sua sociabilidade e sua maneira de utilizar o corpo – não se faz homem. As distintas espécies existentes se utilizam dos meios que podem para se comunicarem com os seus semelhantes, mas nunca com o complexo sistema de linguagem desenvolvido pelo homem. Os animais não-humanos, por exemplo, fazem do corpo uma espécie de instrumento a ser utilizado na expressão de alguns instintos, enquanto o animal homem transcende os meros instintos.

Durante todo o processo de desenvolvimento fisiológico e social do homem, o corpo o acompanha com características que dão suporte à evolução humana, sejam nas formas de desenvolvimento motor, sejam nos movimentos corporais que acompanham a linguagem. A princípio, os órgãos e formas corporais foram tornando o homem apto à sobrevivência na terra, com características que, como vimos, passaram a diferenciá-lo dos demais animais. Concomitante a esse desenvolvimento, o corpo foi transformando o ser humano em um ser cultural. Sobre esse homem em desenvolvimento:

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Pouca dúvida poderá haver de que as habilidades que suas mãos e olhos começaram a adquirir, com o início da vida cultural, possibilitaram um aumento de capacidade intelectual e por consequência um cérebro maior. O tamanho maior do cérebro adequa-se mais às necessidades de um adequa-ser cultural do que o menor, porque dá mais livre espaço para a associação, dúvida ou hesitação, e para o pensamento criador. (COON, 1960, p. 25)

O corpo humano é utilizado na transmissão e compreensão do outro, com o objetivo de se socializar, se aproximar dos demais, estabelecer cultura. Nenhum outro animal foi capaz de, conscientemente, querer desenvolver uma linguagem e uma forma de expressão para que o seu conhecimento fosse transmitido aos demais, de forma que se mantivesse vivo na memória – até mesmo porque os animais não-humanos não possuem memória. Apenas o animal humano recebeu os mecanismos necessários para se auto-desenvolver e também desenvolver o seu habitat, nesse pensamento criador citado por Coon (1960).

Além disso, as habilidades corporais não buscavam apenas uma interação com o outro, mas também – e principalmente nesse momento da história – uma compreensão do meio natural. O homem adquiria habilidades com o corpo – especialmente com as mãos – que lhe possibilitavam a criação de peças e instrumentos de sua necessidade. Neles, além de características essenciais para o eficiente funcionamento do material, o homem depositava suas próprias emoções e certas características estéticas. O sujeito se identificava com aquilo que criava. Childe (1973) compreende essa interação do homem com a natureza no período de selvajeria paleolítica:

Finalmente, muitos dos instrumentos posteriores, principalmente os da classe do machado de mão, mostram extraordinário cuidado e delicadeza de confecção. Percebe-se que sua produção exigia um trabalho superior ao necessário para fazer apenas um instrumento útil. Seus fabricantes procuravam fazer algo não só útil como belo. E se assim tiver sido, os movimentos em questão constituem realmente um trabalho de arte, expressões de um sentimento estético. (1973, p. 35)

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Assim, desde que o homem entende que ele depende da interação social para a sua própria sobrevivência neste mundo, ele também compreende que a natureza está a seu favor na busca por sua evolução natural. À medida que este mesmo homem interage, compreende e transforma a natureza, ele também se transforma e consegue aprimorar seus movimentos, utilizando o seu próprio corpo como instrumento de evolução e veiculação com o ambiente natural e social do qual é integrante. Neste sentido, em complemento às idéias de Childe, “de todas as criaturas, somente o homem tem mãos exclusivamente devotadas ao trabalho, à gesticulação, ao cruzamento em prece e às centenas de outras coisas que faz com elas” (COON, 1960, p. 22)

Entendemos, então, que a significação desses símbolos – os símbolos do corpo – é o alicerce a ser utilizado para a formação da cultura, por meio do acúmulo de experiências e conhecimento e da transmissão destes. O gestual e a linguagem corporal, como sistemas de símbolos, são uma espécie de impressão digital da cultura, em que está gravada toda uma carga de formação social. Ao aprimorar seus gestos, o homem se expressava e produzia. Garaudy também explica essa dinâmica:

“O homem adquiriu assim um novo poder e toma consciência dessa transcendência da comunidade com relação aos indivíduos. Este poder e essa transcendência estão ligados ao ritmo dos gestos e a comunhão que esse ritmo permite concretizar. A dança opera essa metamorfose: transformando os ritmos da natureza e os ritmos biológicos em ritmos voluntários, ela humaniza a natureza e dá o poder de dominá-la”. (1980, p. 19)

É evidente que o homem não é o único capaz de dominar a natureza. Porém, sabemos que todos os outros animais não-humanos apresentam habilidades pré-determinadas nesse domínio, uma vez que eles não podem trabalhar e acumular experiências que aprimorem o seu relacionamento com o meio natural. Podemos encontrar este domínio da natureza pelo corpo humano através das palavras de Coon (1960):

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Um homem não pode, porém, trabalhar com um objeto preso por sua mão a menos que possa vê-lo claramente e em perfeita perspectiva. Somos capazes de fazer isso por causa de nossa direta herança da visão primata. Os primatas necessitam de bons olhos para saberem onde estão e para onde estão indo. As árvores das florestas tropicais são muito altas. Se um macaco falha o aferro da mão e cai dos galhos que formam a sua estrada aérea, essa queda é de mais de trinta metros e pode ser mortal. Esta é a seleção natural da mais rígida categoria. O que é bom para macacos nas árvores é mesmo mais útil para homens no chão. (COON, 1960, p. 23)

Além disso, advindos da herança primata, os olhos bem aguçados, no ser humano, desempenham um papel ainda maior. São capazes de transmitir expressividade, demonstrando o que o sujeito está sentindo, ou ainda substituindo palavras que o homem ainda não sabia dizer. Dessa forma, é possível considerar que o homem pré-histórico já possuía os processos de pensamento em desenvolvimento, embora tivesse ainda pouca capacidade de abstração. A comunicação pelos gestos era uma forma de entendimento eficaz e muito utilizada, uma vez que, conforme complementa GIOVANNINI “o gesto identifica uma situação global, a palavra refere-se a uma simples coisa ou ação”. (1987, p.27).

DE FLEUR (1987) defende que nessa fase o homem ainda não se comunicava pela fala, devido à sua formação “neurológica e anatômica”. E analisando a sociedade da época, conclui:

“[...] é evidentemente possível comunicar-se com sinais de mão e braço sem depender das palavras faladas. Vemos isso sendo feito o tempo todo na televisão, quando o juiz de partidas desportivas faz gestos com o braço indicando faltas. Pode-se facilmente imaginar gente pré-histórica usando gestos semelhantes para coordenar uma caçada, ou para indicar seus planos, conclusões e opiniões”. (1987, p. X)

Para que fossem realizadas tarefas de ordem coletiva, necessárias à manutenção da comunidade, era necessário aprimorar, cada vez mais, a linguagem para que houvesse comunicação. O homem já se encontrava no patamar de tomar suas próprias decisões, como sujeito de seu próprio caminho e já tinha o privilégio de poder transformá-lo em algo diferente do que concebeu durante o seu aprendizado. O sujeito estava disposto, assim, a se socializar, criando canais de interação coletiva.

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Os gritos dos pássaros e o balido das ovelhas têm, sob esse ponto de vista, um sentido. Ao ouvir tal sinal, os membros do rebanho reagem de modo adequado. Significa para eles pelo menos um sinal de ação e provoca uma reação correspondente no seu procedimento. Entre os homens, as palavras faladas (e também os gestos) têm a mesma função, numa escala tremendamente mais rica. (CHILDE, 1973, p. 13)

A cultura vista como um emaranhado de mecanismos simbólicos que direcionam os comportamentos, ações e decisões, permite a humanização dos indivíduos, cada qual com suas particularidades, à luz dos sistemas de significados que lhe são apresentados no decorrer do seu processo de acúmulo de conhecimento. A partir desses mecanismos, os comportamentos foram direcionados à busca do outro, para que fosse possível o compartilhamento do conhecimento adquirido e o convívio de uma espécie que se perpetuaria pelos séculos.

Com isso, todos os meios encontrados com a finalidade de diálogo eram válidos. A necessidade era aparente e o homem percebeu que, mesmo com uma primitiva estrutura de comunicação, era preciso que se desenvolvesse um meio coletivo. Na pré-história, a comunicação era baseada nos gestos e nos sons. Por esse motivo, SANTAELLA afirma que o corpo humano foi a primeira forma de mídia:

É no corpo humano (o próprio corpo humano como suporte) que a evolução biológica instalou o primeiro aparelhamento complexo de produção de linguagem: o cérebro e seus meios de transmissão, aparelho fonador, gestualidade, sutilezas do rosto, do ouvido e do olhar [...]. (1996, p. 88)

Ainda nesse período histórico notou-se, por meio da linguagem não-verbal, um abandono de ao menos uma parte da identidade pessoal em proveito da identidade do grupo. Nesse momento, o corpo marca importante papel comunicativo, já que exerce sua função unificadora das diversas representações da organização social. Essa particularidade fez com que o ser humano procurasse sair da solidão em busca da formação de comunidades. Por meio de gestos, gritos, pulos, o homem primitivo se utilizou de recursos para formar uma coletividade, visto que ele é essencialmente um ser social.

Aos poucos, o homem adquire a capacidade de acumular conhecimentos. Sua flexibilidade, agilidade intelectual e motora permitiram sua

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adaptação em distintos meios. Cada vez mais ele se apropria de si – descobrindo-se como dono de seu próprio sujeito – e extrai de sua espécie humana um modo peculiar de se comunicar, de entender o outro e de fazer-se entender, por meio de sua essência – reflexiva e pensante – e de seu corpo – expressivo e atuante.

O desenvolvimento da linguagem humana constituiu um enorme avanço evolutivo. O poder do homem de se organizar e também de organizar os seus pensamentos teve – e ainda tem – grande ligação com o seu poder de se comunicar. O homem descobriu que por meio de seu próprio corpo era capaz de se tornar mais compreensível aos outros que, da mesma forma, buscavam formas mais complexas de comunicação e interação.

A própria palavra ‘comunicar’ significa ‘partilhar’, e na medida em que eu e você, leitor, nos estejamos comunicando, somos um. Não tanto uma união como uma unidade. Na medida em que concordemos, dizemos que temos uma só idéia ou, também, que nos compreendemos um ao outro. Esse um e outro são a unidade. Um grupo de pessoas, uma sociedade, uma cultura, eu os definiria como ‘pessoas em comunicação’. (CHERRY, 1968, p. 24)

A importância do partilhar e do se relacionar vai além da transmissão de uma mensagem, conforme ainda percebemos em Cherry:

A fala e a escrita não são, de modo algum, nossos únicos sistemas de comunicação. O intercâmbio social é grandemente reforçado por hábitos de gesticulação – pequenos movimentos das mãos e da face. Com acenos de cabeça, sorrisos, carrancas, apertos de mão, beijos, agitar de punhos, e outros gestos, podemos comunicar compreensão mais sutil. (CHERRY, 1968, p. 24)

Tal sutileza tão bem lembrada nessa passagem mostra o corpo não apenas como um instrumento de diálogo e interação humana, mas algo que transcende a comunicação como forma de transmissão de mensagens. Isso significa que tanto em tempos mais remotos da existência humana, quanto na contemporaneidade que assistimos e de que participamos, o homem pode se utilizar do seu corpo como forma de qualificar e dar valor ao que pretende expressar.

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A importância dos símbolos é justamente a de tornar comum o pensamento entre os homens e de tornar perceptível tudo o que os envolve, evitando uma possível falta de identificação. Como expõe Laraia (2001, p. 26), “possuidor de um tesouro de signos, o homem é capaz de assegurar a retenção de suas idéias, comunicá-las para outros homens e transmiti-las aos descendentes como uma herança sempre crescente”.

O ser humano é capaz de emitir uma infinidade de códigos, sinais e gestos que transmitem significação a seus interlocutores. As emoções quase sempre são expressas, pois o homem é essencialmente um ser que se expressa, que se exterioriza e que sai de si, a fim de mostrar ao mundo o que é e o que sente. O homem cobriu a face da terra de sua espécie e também a cobriu de intensa significação, que permeia o seu contato com o solo em que pisa, com os objetos que cria e com os sujeitos com os quais cria vínculos.

A tendência humana é a de querer inovar e inventar sempre um novo mundo, uma nova forma de estabelecer diálogo, de dar significação a sinais e gestos, conforme vemos:

O impulso dinâmico joga o homem fora dos quadros fixos e estruturais que encontra, pois sua grandeza não lhe permite aceitar o enquadramento estrutural: quanto mais consciente e responsável se torna, mais quer a liberdade de ação para que consiga realizar o quanto de criador o move. [...] Resultado da história até certo ponto, quer construir a mesma história: Torna-se homem ao humanizar o mundo; torna-se mundo ao mundanizar o homem. (MOSER, 1972, p. 38)

O homem age dessa forma porque possui a inquietação de um vir a ser. Goés e Villaça (1998) nos lembram que “precisamente por ser imperfeito, o ser humano tinha uma grande vantagem sobre os anjos (que são perfeitos): poder aperfeiçoar-se sempre, infinitamente.” (1998, p. 11). É num prisma da busca de mais sentido, de expressão e de metamorfose que o homem se faz um ser simbólico, tanto em suas relações pessoais, quanto no seu contato com o trabalho.

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O universo humano é um mundo de signos, e imagens, de metáforas, de emblemas, de símbolos, de mitos e de alegorias. O objeto de estudo da antropologia, da etnologia, da história das religiões, da mitologia, das artes e da literatura, da filosofia e da sociologia, “o simbólico confunde-se com a evolução total da cultura humana” (G. Durand, 1984: 130). Todo ser humano e toda sociedade humana produziram uma representação do mundo que lhe confere significação. (CHANLAT, 1996, p. 30)

É por esse motivo que se torna essencial, no contexto deste estudo, uma análise dos signos e do mundo simbólico na elaboração e transmissão das mensagens do corpo. Mais adiante, esse corpo simbólico se mostra atuante na inter-relação com os sujeitos presentes em uma organização e nas diversas dimensões sociais que o mundo do trabalho faz o homem se envolver. Entendendo maneiras de se expressar e saber captar os sinais emitidos pelos sentidos do outro, o sujeito está apto a conviver com diversos e intensos meios sociais. Lembrando que Geertz defende que a cultura deve ser tratada como “sistemas entrelaçados de signos interpretáveis” (1989, p. 24), em uma cultura em que a linguagem dos símbolos não é compartilhada, o homem corre o risco de se tornar um ser distante do mundo em que vive. Essa é a importância das reflexões do nosso próximo capítulo.

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II

– A COMUNICAÇÃO NÃO-VERBAL: OS GESTOS E A

PALAVRA COMO SISTEMAS DISTINTOS DE COMUNICAÇÃO

Que casa é esta que abriga minh’alma e o mais íntimo da minha emoção? Que casa é esta que me toma de assalto com seus movimentos ora sutis ora escancarados, e que me retrata de um jeito tão forte e tão fiel? Esta casa, tão em mim, como uma Caixa de Pandora, anuncia-me ao mundo como um outdoor gigantesco, que é impossível toda gente não ver e não sentir! Que eu encontre o meu jeito de cuidar desta casa, que é o meu corpo, com a consciência dos sábios. Que este corpo me represente com a ousadia e a sede pela vida. Que ele tenha a voz, o poder, a determinação e a coragem para ir além dos sonhos!”

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No capítulo anterior, analisamos como o homem se comportou na evolução de sua forma de comunicação e interação com os demais. Aspectos relacionados à cultura e linguagem foram de extrema importância para entendermos o homem como um ser cultural, que interage e transmite, pela linguagem, suas expressões e tudo o que constrói. A significação das ações humanas só é completa com a existência do outro, pois o homem, como vimos, é um ser de sociabilidade. Dessa forma, o aspecto cultural está a todo tempo mediando as nossas ações e comportamento. Conhecemos – ou apenas nos recordamos – um complexo mundo de linguagem e contato com o meio social, especialmente através do corpo humano, que é o nosso objeto de estudo.

A pesquisa na área da comunicação não verbal teve sua origem na década de 60 a partir dos estudos de etólogos que estudavam componentes semelhantes na comunicação não verbal humana e não humana, nos seus estudos de comportamento social dos animais. Mais adiante, a linguagem não verbal passou a constituir um tópico alvo de estudos específicos mais aprofundados do desenvolvimento humano, uma vez que a linguagem corporal é um componente essencial no desenvolvimento da linguagem verbal. Apesar disso, aqui somos forçosamente seletivos, referindo-nos apenas a pontos relevantes no estudo do comportamento social.

Os sinais da comunicação não verbal são usados para formar e manter as relações interpessoais. A comunicação faz mais do que nos permitir sobreviver. É a maneira – na verdade, a única maneira – pela qual aprendemos quem somos. Privados da comunicação com os outros, não teríamos uma noção de nós mesmos. Além de ajudar a definir quem somos, a comunicação proporciona uma ligação vital com as outras pessoas, num processo dialético que ocorre desde o surgimento do primeiro ser humano. Além de satisfazer nossas necessidades sociais de interação e moldar a nossa identidade, a comunicação é o que nos torna seres simbólicos e que, constantemente, sabe transmitir significação.

Assim, pretendemos demonstrar de que forma o homem conseguiu conhecer o seu próprio corpo a ponto de poder dominá-lo no processo de comunicação. Por ele, como vimos, o homem é capaz de transmitir mensagens que o norteia em suas diversas expressões no cotidiano. Vimos que sistema de signos altamente desenvolvidos só os possui o homem. Dessa forma, acabamos descobrindo o homem como um ser simbólico, que transmite mensagens repletas de significado.

Por símbolos que o sujeito compartilha, é possível que ele se mostre, compartilhando com outros seres sociais o que talvez eles não possam ver, mas

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sentir. O sentido é a percepção, talvez, mais verdadeira que o homem pode construir com o seu interlocutor.

As crianças de tenra idade compreendem-se entre si com gestos. Se não querem que outro menino se lhes aproxime demasiado estendem uma das mãos para a frente; se querem ameaçar outro menino estendem as duas mãos para a frente, mostram os dentes e resmungam; querem brincar pacificamente com outro, sorriem-lhe, meneiam a cabeça e põe-se ora sobre uma perna, ora sobre outra: se o outro menino está de acordo devolve-lhe o sorriso. (METZELTIN, 1978, p. 21)

Vemos que desde o início de nossas vidas fazemos do nosso corpo um forte aparelho lingüístico de transmissão de vontades, afetividades e emoções. Quando crianças, fazemos caretas por não gostar de alguma refeição, sorrimos quando observamos um brinquedo que nos agrada ou fazemos cara feia quando encontramos alguém de quem não gostamos. Somos simples e verdadeiros. Qualquer adulto adivinha – ou desconfia – dos desejos mais profundos de uma criança. Ela sabe se utilizar de todos os artifícios para demonstrar o que sente e o que quer, como quando estufa as bochechas para exemplificar a redondeza de um objeto. Porém, qual será o motivo pelo qual expressões tão sutis e valiosas foram se perdendo durante o desenvolvimento e amadurecimento humanos?

Talvez os homens não dêem mais o mesmo valor ao complexo sistema de linguagem que possuem, ainda mais para um elemento tão esquecido que é a linguagem do corpo humano. Penna (1970) nos lembra que:

Na vida ateniense do século V a linguagem converteu-se em um instrumento para propósitos definidos, concretos, práticos. Constituía a arma mais poderosa nas grandes lutas políticas. Ninguém poderia esperar uma posição de relevo sem dominar esse instrumento. Revestia-se de importância capital o saber empregá-lo de maneira adequada, convindo o esforço para uma contínua melhora e constante preocupação com o seu aperfeiçoamento. (PENNA, 1970, P. 127)

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Da mesma forma que nos lembrou Penna, este capítulo tem a relevância de nos lembrar que somos homens repletos de significação e que a todo tempo podemos comunicar desejos e emoções, a fim de buscar um aperfeiçoamento do nosso sistema de linguagem. Quando o corpo produz movimentos, ele produz gestos. Produzindo gestos, nós nos socializamos e nos aproximamos dos outros. Os gestos são a exterioridade do nosso movimento e nos fazem construir vínculos, relações sociais. Aqui, o corpo humano é uma ferramenta nobre, que consegue agregar valores às palavras faladas e transmitir intenções, afetos e emoções que, muitas vezes, não se mostram tão verdadeiros na comunicação verbal.

2.1 O homem, um ser simbólico

Como vimos no capítulo anterior, o homem descobriu uma forma de se adaptar ao meio social em que vive, por meio da cultura, transmitida a ele pela linguagem humana. Isso só tornou-se possível pelo fato de que este mesmo homem criou um modo de relacionamento mais dinâmico com tudo o que faz e pensa. Isso se faz porque este homem:

Já não vive um universo puramente físico, mas num universo simbólico. A linguagem, o mito, a arte e a religião são partes deste universo. São os vários fios que tecem a rede simbólica, a teia emaranhada de experiência humana. Todo o progresso humano no pensamento e na experiência aperfeiçoa e fortalece esta rede. (CASSIRER, 1977, p. 50) Ver Antropologia filosófica / Ensaio sobre o homem

Cassirer (1977) ainda defende que em lugar de definir o homem como um animal rationale, deveríamos defini-lo como um animal simbolicum. Desde tempos muito remotos, como podemos conhecer no capítulo anterior, o homem se utiliza de símbolos para fugir da palavra ou frase, escrita por extenso. São como mensagens mais sintéticas criadas por ferramentas da própria inteligência humana para facilitar sua própria tarefa de comunicação. Cassirer (1977) ainda salienta que a chave para conhecer o homem é por meio da linguagem manifestada por ele, pois é pela linguagem que conhecemos a essência dos sentimentos e afeições humanas.

Os símbolos direcionam a linguagem humana em seu percurso histórico-cultural. Os sentimentos e afetos, como expressão do sentido simbólico humano, compreendem as diretrizes da formação cultural humana e são como parte desse universo sócio-histórico. Cada homem – como sujeito de sua própria trajetória – se

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utiliza dos recursos de linguagem que possui para sua expressão e comportamento em um determinado espaço e tempo.

Toda representação é uma imagem, um simulacro do mundo a partir de um sistema de signos, ou seja, em última ou em primeira instância, toda representação é gesto que codifica o universo, daí se infere que o objeto mais presente e, ao mesmo tempo, mais exigente de todo processo de comunicação é o próprio universo, o próprio real. Dessa presença decorre sua exigência, porque este objeto não pode ser exaurido, visto que todo processo de comunicação é, se não imperfeito, certamente parcial. Assim, corrigindo, toda codificação é representação parcial do universo, embora conserve sempre, no horizonte da sua expectativa, o desejo de esgotá-lo. (FERRARA, 1993, p. 7)

Devemos compreender o homem como centro teórico e prático do mundo, o que significa percebê-lo como agente de reflexão e de transformação. As manifestações linguísticas, apontadas no capítulo anterior, são obras do ser humano que as representam, como manifestação de um espírito livre e criador. Sendo este homem um animal que não é puramente racional, mas simbólico, todas as construções humanas concretizam um sentido de se criar condições de convivência social. Por isso, como cita Cassirer, a linguagem, o mito, a arte e as diversas formas de expressão humana denotam não apenas a vivência em um meio físico, mas cultural.

Umberto Eco (1989)2 considera que os signos podem ser emitidos intencionalmente ou não. Aqui podemos compreender o aspecto de que o homem racional se confronta com o fato de ser “puramente simbólico”, conforme nos alerta Cassirer. Em nossa trajetória histórico-cultural, apreendemos uma riqueza de valores e comportamentos simbólicos que hoje podemos dizer estarem intrínsecos a nós. Por isso, muitas vezes em nosso discurso, atribuímos valores que muitas vezes não são intencionais e puramente racionais. Isso acontece porque somos seres essencialmente que se comunicam, que transmitem cultura, que são simbólicos, que são humanos.

Ao carregarmos o nosso diálogo de intenção, queremos que nossas expressões façam parte da mensagem. É como se quiséssemos que o interlocutor conhecesse o mais íntimo de nós. Por outro lado, muitas vezes não queremos que

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nossas palavras sejam carregadas de uma maior significação. Mas o corpo fala por nós. Essencialmente um ser cultural e simbólico, o homem compartilha de símbolos o tempo todo, mesmo que esta não seja sua intenção.

[...] o nível da sociedade possui um subsistema estrutural-material e um subsistema simbólico que articulam as relações sociais que são tecidas entre os diferentes indivíduos e grupos que compõem a sociedade. [...] O nível da sociedade engloba, penetra e irriga o universo dos indivíduos, das interações e da organização, pois a sociedade é sentido, domínio e condição do sentido. Todo ser humano é de fato o socializado de determinado meio. (CHANLAT, 1996, p. 41)

Chanlat nos propõe que esta teia social na qual o homem se insere o coloca em condição de interação com os demais, articulando suas relações nos diversos papéis que representa. Ao dizer que o ser humano é o socializado de cada meio, podemos entender que os sujeitos desempenham determinados comportamentos sociais dependendo do ambiente social que se encontra. Partindo desse pressuposto, para cada papel social que desempenha, o homem deve se comportar desta ou daquela maneira, se utilizando de todo o seu repertório de linguagem simbólica para tal. Sobre isso, Chanlat ainda acrescenta:

Este processo de socialização ou de aculturação permite amoldar o indivíduo ao seu grupo, ensinar-lhe um conjunto de gestos, de atitudes, de comportamentos que lhe permitirão ao mesmo tempo atuar em conformidade com as normas não escritas (Sahlins, 1989), ser reconhecido como um membro do grupo e, portanto, distinguir-se das pessoas pertencentes a outros grupos (CHANLAT, 1996, p. 42)

Nessa passagem, Chanlat retoma cultura, conceito estudado em nosso primeiro capítulo, visto a importância de sua análise. Este homem socializado, pertencente a um grupo – ou, melhor dizendo, pertencente a vários grupos distintos – por querer sempre estar em interação com os demais homens, acaba por adquirir características próprias daquele grupo.

São características que vão sendo formadas em conjunto, a partir dessa socialização e da constante interação entre os sujeitos. Podemos dizer que é um processo que se constrói em reciprocidade, em que todos os sujeitos que ali se constroem e constroem aquele meio social participam dialeticamente da formação

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dessas peculiaridades; Tais comportamentos vão sendo transmitidos pela mesma linguagem simbólica que foi construída, que é também parte integrante da cultura que se formou e é transmitida dentro desse meio social. Dessa forma, Pierce considera que:

Cada estado de consciência é uma inferência, de forma que a vida nada mais é que uma sequência de inferências ou uma corrente de pensamento. Em qualquer instante, portanto, o homem é pensamento e, como pensamento é uma espécie de símbolo, a resposta geral à questão de o que é o homem? É que ele é um símbolo. (PIERCE in SAPORITI, 1995, p. 25)

Pierce (1995), nessa passagem, não fica em dúvidas de que o homem é o próprio símbolo. Se o homem está em constante interação, nos diversos espaços em que se encontra, sempre desempenhando papéis e pensamentos que se distinguem de acordo com o meio social em que está, ele pode ser considerado este ser simbólico, ou mesmo o próprio símbolo. O seu comportamento é que o define como símbolo e o seu corpo é o instrumento de expressão do pensamento que se converte nesse comportamento.

A partir dessa ótica, o corpo é a ferramenta a ser trabalhada em todo o processo de interação com os demais, já que ele agrega valor às palavras faladas, simbolizando o que está dentro de cada sujeito. Cada símbolo emitido, expressado por nossos gestos e ações, representa uma parte de nós que está querendo falar, não por meios verbais, mas a partir de aspectos sutis da linguagem humana, que quase sempre são esquecidos no processo de socialização.

Não há idéias isoladas. Sabemos que a continuidade das idéias não está limitada às idéias de um único indivíduo, sendo este o caráter social e comum do pensamento. Essa continuidade de pensamento se dá pela expressão de um sujeito e pela interpretação de um outro sujeito que com o primeiro quer estabelecer uma comunicação.

Cabe a nós, assim, uma interpretação do que significam esses gestos, esses símbolos que permeiam as relações humanas de forma intensa e eficaz. Podemos levar a sério a idéia de que o ato primordial da consciência humana – em interação com os demais sujeitos – não é apenas ler as aparências, mas interpretar a essência da linguagem e do comportamento humano. O homem quer se expressar e transmitir suas emoções, com ou sem intenção, de forma a buscar no outro o mesmo tipo de interação, pautada na percepção dos sentidos.

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A realidade pode ser apreendida só através dos nossos órgãos sensoriais, que dirigem as percepções ao cérebro. Aqui estas são estruturadas em conceitos e, eventualmente, armazenadas. Se uma pessoa quer comunicar a outra estes conceitos tem de se servir de objetos/processos (desenho, gesto, som, etc.) que os exprimam e que sejam perceptíveis pelo receptor. (METZELTIN, 1978, p. 25)

Sendo o homem este ser simbólico, todas as suas ações estão repletas de significação, que podem ser percebidas por meio dos sentidos. Essa percepção, porém, não é algo apenas de superfície, que está claramente aparente. São percepções sensíveis, que se dão quando há uma pré-disposição por parte do sujeito, em querer conhecer o outro. Não há como desvincular as atividades desempenhadas externamente pelo sujeito de seus estados emocionais, pois o corpo humano é como um espelho de socialização, que faz transcender os sentimentos e afeições mais profundas do sujeito em cada meio sócio-cultural em que se insere.

Um homem só representa um ser simbólico porque convive coletivamente com outros homens, que encontram nele uma significação. Sozinho, o homem não se constituiria em um ser repleto de significação, pois toda a sua linguagem simbólica só encontra verdadeira razão no outro. Conforme nos coloca Penna (1970), “cada vez que conseguimos resultados bons, isso decorre de que não nos contentamos em coincidir com os nossos próprios sentimentos, mas nos entregamos a estudá-los como condutas, isto é, como modificações de nossas relações com os outros e com o mundo” (PENNA, 1970, p. 30).

Assim, quando aplicado ao domínio da linguagem, o corpo humano se revela de caráter essencial na definição da conduta humana. A busca por diversas formas de expressão da linguagem caracteriza a exibição de toda a plenitude do ser em um processo de relacionamento com o mundo e com os outros. Partindo dessa idéia, quando expressamos determinado objeto ou processo através ou com o auxílio de um sinal, conseguimos agregar significado ao que seria comunicado no início. Mas isso só se faz possível se há a interação, pois o emissor da mensagem agrega valores e significação a ela para a plena – ou quase plena – compreensão de quem recebe a mensagem, o receptor.

Uma linguagem que, efetivamente, visasse apenas reproduzir as próprias coisas, por mais importante que sejam elas, esgotaria o seu poder de ensinamento em dados de fato. Uma linguagem que, pelo contrário, manifeste as nossas perspectivas sobre as coisas e introduza nelas um relevo inauguraria uma discussão que não

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termina consigo, suscita ela própria uma procura. (PENNA, 1970, p. 95)

Essa linguagem proposta por Penna (1970) é a linguagem do homem simbólico, que não quer apenas reproduzir as coisas do mundo, mas dar a elas um sentido, um significado para si e para o outro. Assim, a comunicação se torna uma extensão infinita, já que há uma mútua busca de compreensão. A comunicação não cessa. Assim como o homem – que é um ser inacabado na busca de mais conhecimento – também a comunicação e a interação entre os sujeitos se fazem infinitas, sempre em busca de aperfeiçoamento. A linguagem deixa de ser apenas um meio de comunicarmos aos outros nossas idéias e intenções e passa também a um meio de regular nosso próprio comportamento e a nossa aproximação com os que nos rodeiam.

Como a linguagem é um sistema de comportamentos, a movimentação corporal humana dá sentido à comunicação. Culturalmente, o homem se encontra com uma bagagem de gestos que o faz se expressar em seu comportamento e faz com que os sujeitos do mesmo meio social, que compartilham dessa cultura, o compreendam. Nesse contexto, é visível que esse partilhamento de símbolos e expressões define o sujeito como homem, já que este se mostra um ser sociocultural. Ferrara (1993) nos acrescenta:

Como se vê, o objetivo da leitura não-verbal vai muito além da decodificação. Se a leitura verbal tem como objetivo saber o que o texto quer dizer, para a leitura não-verbal a decodificação de um referente tal é início de um processo, condição e não conseqüência. Logo, a leitura entendida como processo de produção de sentido(s) se opõe àquela vista como técnica, uma competência que flagra o significado colocado no texto mais ou menos conscientemente, porém para sempre aprisionado nas redes de ambos, do texto e do emissor. (FERRARA, 1993, p. 28)

Nesta passagem, não queremos colocar em segundo plano a linguagem verbal como uma leitura pragmática e cheia de regras. O reconhecimento da importância da palavra é essencial para o estudo da linguagem corporal. Aqui, queremos ressaltar que a leitura do não-verbal deve ser considerada a partir do pressuposto simbólico, a partir da consciência de que o homem é um ser de competências de significação, capaz de atribuir sentido às suas ações e comportamento.

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Este homem simbólico, vivendo em seus diversos meios sociais, ora é um, ora é outro. São vários sujeitos presentes em um só corpo que se comunica e procura veicular significado através deste mesmo corpo. São vários homens presentes em um só homem. Este homem deve conhecer o poder que tem na riqueza do corpo que possui. É um corpo que transmite mensagens de uma forma sutil, mas ao mesmo tempo verdadeira e profunda. É um corpo que precisa aprender a se dominar, pois ele desempenha diversos papéis de acordo com o ambiente social em que se insere. É um corpo que conhece a linguagem do sentido e das emoções, e que consegue se comunicar como palavras por trás de outras palavras.

2.2 As palavras sob as palavras: a comunicação por meio da percepção dos sentidos

O maior erro que podemos cometer é presumir que dizer algo é a mesma coisa que comunicar. Não há garantia de que um receptor vai decodificar uma mensagem de maneira equivalente à intenção do transmissor. Muitas vezes somos mal interpretados em nosso discurso, quando não nos esforçamos por utilizar de todos os meios para uma plena compreensão, uma vez que somos seres simbólicos na representatividade de nossas emoções. Devemos escolher o comportamento mais apropriado para a intenção que queremos depositar em nosso discurso.

Queremos seguir, no estudo da linguagem corporal deste trabalho, o conceito de Caballo (1987), segundo o qual o comportamento social que realmente promove interação é

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