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Sofrimento psíquico no contexto da vida religiosa: uma análise psicanalítica

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL – CAMPUS SANTA ROSA

DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO

CURSO DE PSICOLOGIA

JANICE BELLON

SOFRIMENTO PSÍQUICO NO CONTEXTO DA VIDA RELIGIOSA:

UMA ANÁLISE PSICANALITICA.

SANTA ROSA- RS

2018

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JANICE BELLON

SOFRIMENTO PSÍQUICO NO CONTEXTO DA VIDA RELIGIOSA:

UMA ANÁLISE PSICANALITICA.

Monografia apresentada ao

Curso de Psicologia da

Universidade Regional do

Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, como requisito parcial à obtenção de

título de Bacharel em

Psicologia.

SANTA ROSA- RS

2018

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UNIJUI – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul DHE – Departamento de Humanidades e Educação

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a monografia

SOFRIMENTO PSÍQUICO NO CONTEXTO DA VIDA RELIGIOSA:

UMA ANÁLISE PSICANALITICA.

Elaborada por JANICE BELLON

Como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Psicologia

Comissão examinadora

Profª. Mestre Iris Fátima Alves Campos Í DHE/UNIJUI

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DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho a minha mãe Joni, e em memória de meu pai Ademir, que desde cedo me ensinaram a lutar pelos meus sonhos, e a nunca

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus pelo dom da vida, e por ter me proporcionado chegar até aqui. A minha família que sempre esteve ao meu lado durante essa caminhada. Agradeço também, aos meus colegas e amigos que em momentos difíceis e de dor deram-me forças para seguir em frente, em especial a Scheila e a Bianca.

Agradeço aos professores e mestres que me ensinaram com sabedoria e dedicação à arte de ser Psicólogo, em especial a professora e orientadora Iris, que me acompanhou desde o estágio de ênfase em Psicologia e Processos Sociais, o qual possibilitou o desenvolvimento do tema trabalhado no presente Trabalho de Conclusão de Curso.

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Somos feitos de carne, mas temos de viver como se fôssemos de ferro. Sigmund Freud

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo refletir a respeito do sofrimento psíquico dos presbíteros. O trabalho possibilita compreender a relação das formações psicossexuais que constituem o ser como as bases para a escolha da vida presbítera e seu impacto na subjetividade. Por fim, lança uma via de interpretação para o fenômeno social expresso no grande número de padres que se encontram insatisfeitos e em sofrimento no exercício da profissão, levando em conta as vicissitudes da sexualidade na vida religiosa consagrada e as mudanças históricas pelas quais a Igreja Católica passou nos últimos séculos.

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SUMÁRIO

Introdução ... 9

1. A constituição da sexualidade e do estatuto do falo ... 11

1.1. A dissolução do Complexo de Édipo ... 14

2. Freiras e a feminilidade. ... 18

3. O lugar do padre na sociedade: Religiosidade e masculinidade. ... 24

Conclusão. ... 37

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INTRODUÇÃO

No ano de 2017, durante o estágio supervisionado em Psicologia e Processos Sociais realizei um projeto de intervenção junto a uma comunidade religiosa feminina. Desde essa experiência muitas questões surgiram, levando-nos em busca de uma compreensão acerca de como perdas e abdicações exigidas pela vida religiosa afetam as pessoas que escolhem seguir esse caminho.

Primeiramente chamou minha atenção o fato que minha escuta não captou nenhuma queixa vinda das freiras que eu acompanhava. Isto contrastava com notícias relacionadas a suicídio de padres que vem tomando cada vez mais espaço nos portais de notícias online e em redes de televisão. As informações trazem que esta questão é um desdobramento de quadros depressivos que segundo a International Stress Management Association- ISMA Brasil - atinge cerca de 28% dos presbíteros, sendo que os homens constituem a maioria destes casos. Nasceram nesse ponto diversos questionamentos referentes à vida religiosa. A vida religiosa impacta de forma diferente os sujeitos que se constituíram masculinos e os que se constituíram no feminino? É na direção desses questionamentos que este trabalho de conclusão de curso se insere buscando compreender a vida religiosa e suas implicações na subjetividade desses sujeitos a partir das contribuições da teoria psicanalítica.

“No último dia 16 de novembro, o padre Rosalino Santos, de 34 anos, publicou no Facebook uma foto de quando era garoto. O pároco da Igreja de São Bartolomeu, em Corumbá (MS), parecia triste. Escreveu frases soltas na legenda, como "Dei o meu melhor" e "Me ilumine, Senhor". O que parecia ser um desabafo se tornou um bilhete de despedida. Dois dias depois, o corpo do sacerdote foi encontrado, enforcado, dentro de casa. O suicídio do padre Rosalino não foi um caso isolado. Oito dias antes, o padre Ligivaldo dos Santos, da paróquia Senhor da Paz, em Salvador (BA), já tinha colocado ponto final em sua história. Aos 37 anos, atirou-se de um viaduto.

Doze dias depois, outro caso. Pela terceira vez em menos de 15 dias, um sacerdote encerrava a própria vida. Renildo Andrade Maia, de 31 anos, era pároco da Igreja de Jesus Operário, em Contagem (MG).” (BERNARDO,

2017)

A preocupação com a saúde mental dos religiosos começou a tomar grandes proporções. No ano de 2000 foi fundado em São Paulo o Instituto Acolher, que tem

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como finalidade atender sacerdotes, religiosos/as, que necessitem de

acompanhamento psicoterapêutico, espiritual, individual, ou em grupo, com fins de ajudar essas pessoas a lidarem com o desgaste do exercício das funções sacerdotais e com os sintomas que ele provoca. Uma pesquisa voltada a estudar e tratar do estresse realizada pela International Stress Management Association ISMA Brasil em 2008, apontou que dos 1.600 padres e freiras que foram entrevistados naquele ano, 448 (28%) se disseram “emocionalmente exaustos”, o que se torna um índice bem grande considerado que a média nacional é de 1 padre para cada 5.600 fiéis.

Para a reflexão sobre as questões que me inquietam, apresento o TCC em três capítulos, sendo que no primeiro dissertarei sobre as formações psicossexuais, no segundo abordarei a história da vida religiosa feminina, juntamente com a vivência da feminilidade das freiras, e no terceiro trarei os desdobramentos da vida religiosa masculina atrelada ao sofrimento e esgotamento psíquico dos padres. Assim se tenta compreender a vida daqueles que vivem no contexto do presbitério, aqui entendido como sinônimo de vida religiosa.

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1. A CONSTITUIÇÃO DA SEXUALIDADE E DO ESTATUTO DO FALO

Nesse capítulo será abordado à origem e a formação do Complexo de Édipo, juntamente com seu desenvolvimento e sua dissolução, levando em consideração o conceito de Castração; utilizado por Freud, além da formação do Id, Ego e Superego. Compreender esse processo é essencial, para que ao final da leitura, possamos refletir a relação das formações psicossexuais com o sofrimento psíquico que atinge na maioria dos casos, homens dentro da Igreja.

É na infância que o indivíduo vai fazer suas ligações com a cultura, para a partir disso construir relações interpessoais. A criança passa por várias etapas do desenvolvimento infantil que são marcadas por conflitos internos, que futuramente poderão repercutir em sintomas físicos e psicológicos na vida adulta. É muito importante que cada fase seja vivenciada em seu tempo, pois a não conclusão de uma dessas fases pode implicar em um acumulo de estímulos que vão invadindo as fases futuras, provocando no sujeito uma dificuldade de desenvolvimento emocional. Em o ego e o id, Freud (1923 a) descreve a divisão do psíquico em o que é consciente e o que é inconsciente como norteadores para a compreensão dos processos patológicos da vida mental do sujeito. Freud denomina dois tipos de inconscientes, um que é latente e capaz de tornar-se consciente denominado como pré-consciente, e outro que é reprimido e não é capaz de tornar-se consciente, denominado como inconsciente. Cada indivíduo possui uma organização coerente dos processos mentais, é o que chamamos de Ego. O Ego é responsável pela descarga de excitações do inconsciente para o mundo externo e também é o responsável pela censura dos sonhos.

A importância funcional do Ego se manifesta no fato de que, normalmente, o controle sobre as abordagens á motilidade compete a ele. Assim, em sua relação com o Id, ele é como um cavalheiro que tem de manter controlada a força superior do cavalo, com a diferença de que o cavalheiro tenta fazê-lo com a sua própria força, enquanto o Ego utiliza de forças tomadas de empréstimo. A analogia pode ser levada um pouco além. Com frequência um cavaleiro, se não deseja ver-se separado do cavalo, é obrigado a conduzi-lo onde este quer ir; da mesma maneira, o Ego tem o hábito de transformar em ação a vontade do Id, como se fosse sua própria. Freud, 1923 a. p. 39.

A estrutura psíquica do sujeito não é somente dividida entre Ego e Id, há também uma terceira peça muito importante nessa organização, uma gradação no

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12 ego que chamamos de ‘ideal ego’ ou ‘Superego’, essa parte do ego está menos firmemente vinculada a consciência. Ele faz com que um objeto que fora perdido seja instalado novamente dentro do Ego substituindo-o por uma identificação.

Quando uma pessoa precisa abandonar um objeto sexual há uma alteração em seu Ego que é descrita como uma instalação de objeto dentro do Ego. Através dessa introjeção se constitui uma regressão ao mecanismo da fase oral, facilitando assim para o Ego abandonar determinado objeto. Essa identificação é a única condição que o Id encontra para conseguir abandonar seus objetos.

A transformação da libido do objeto em libido narcísica implica no abandono de objetivos sexuais, ou seja uma dessexualização, uma espécie de sublimação. Em uma idade muito precoce o menino desenvolve uma catexia objetal pela mãe, relacionada ao seio materno. O menino identifica-se com o pai e por um tempo os dois seguem avançando lado a lado, até que os desejos sexuais do menino em relação à mãe tornam-se mais intensos e o pai é percebido como obstáculo.

Nesse momento descrevemos o surgimento do Complexo de Édipo que implica uma função muito importante na fase fálica, tendo assim um papel fundamental no desenvolvimento psicossexual, ele serve para explicar os sentimentos de um menino, no qual ocorre desejo pela mãe e raiva e ciúmes para com o pai, sendo ele um rival na disputa pelo amor da mãe. Para resolver esse conflito é preciso que a criança identifique-se por um genitor do mesmo sexo, que futuramente servirá de exemplo para a procura de alguém do sexo oposto, no caso identificação pelo pai para buscar o amor da mãe.

Enquanto o Id quer eliminar e destruir o pai, o Ego sabe que o pai é a força máxima e que é muito mais forte. Nesse período o menino depara-se com a castração da mãe, e o medo de que ela o atinja.

Não se deve supor, contudo, que a criança efetua rápida e prontamente uma generalização de sua observação de que algumas mulheres não têm pênis. De qualquer modo, ela é impedida de fazê-lo porque supõe ser a falta de um pênis resultado de ter sido castrada como punição. Ao contrário, a criança acredita que são apenas pessoas desprezíveis do sexo feminino que perderam seus órgãos genitais — mulheres que, com toda probabilidade, foram culpadas de impulsos inadmissíveis semelhantes ao seu próprio. Freud, (1923 b). p. 162.

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13 No momento em que o menino se depara com esse medo perante a castração, ele identifica-se pelo pai e é nesse ponto o Superego é formado ocupando um lugar de moral interna que controla os impulsos do Id e do Ego.

A demolição do Complexo de Édipo faz com que o menino abandone a catexia objetal pela mãe. Esse lugar pode ser preenchido de duas formas: uma identificação com a mãe ou uma intensificação de sua identificação com o pai. O menino se identificará com o pai, enquanto possuidor do falo, e herdará um traço que vai lhe garantir a "virilidade", masculinidade esta que mais tarde será usada para abordar as mulheres. Em outra direção, se o menino intensificar a identificação pela mãe ele consequentemente irá adquirir traços femininos, havendo assim duas saídas à sexualidade: homossexualidade ou heterossexualidade. Para o menino, o declínio do Complexo de Édipo se realizará sob ação do complexo de castração, vivendo um conflito entre seus desejos libidinosos que dirige à mãe (num Édipo positivo) e o interesse narcísico que dirige para o pênis.

No caso da menina ela passará pelas mesmas fases do desejo que o menino, porém com as representações do sexo oposto, tendo como desfecho a identificação pela mãe, adquirindo assim traços femininos, ela reconhece o homem enquanto possuidor do falo: ela sabe onde ele está, onde deve ir buscá-lo: do lado do pai, aquele que o tem. Há também um segundo desfecho, após a menina ter de abandonar o pai como objeto de amor, ela colocará sua masculinidade em proeminência e identificar-se- a com seu pai como objeto que foi perdido, ao invés de identificar-se com a mãe, adquirindo assim traços masculinos.

Em ambos os sexos as forças sexuais masculinas e femininas determinam se o desfecho edipiano será uma identificação com o pai ou com a mãe, porém o menino não tem somente uma relação ambivalente com o pai e uma escolha afetuosa pela mãe. Ao mesmo tempo ele se comporta como uma menina representando uma atitude afetuosa feminina para com o pai e uma postura de ciúmes com a mãe resultando assim em um elemento complicador induzido pela bissexualidade que dificulta a visão clara das escolhas de objeto e identificações.

A identificação paterna preserva a relação do objeto com a mãe, o pai é percebido como um obstáculo para a realização dos desejos edipianos, a partir disso

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14 o Ego infantil fortifica-se tomando para dentro de si mesmo a repressão desses desejos. O Superego retém o caráter do pai, quanto mais poderoso o Complexo de Édipo, mais rapidamente é possível sucumbir a repressão e mais severa será a dominação do Superego sobre o Ego sob a forma de consciência ou de um sentimento de culpa inconsciente.

A aproximação da vida sexual da criança à do adulto vai muito além e não se limita unicamente ao surgimento da escolha de um objeto. Mesmo não se realizando uma combinação adequada dos instintos parciais sob a primazia dos órgãos genitais, no auge do curso do desenvolvimento da sexualidade infantil, o interesse nos genitais e em sua atividade adquire uma significação dominante, que está pouco aquém da alcançada na maturidade. Ao mesmo tempo, a característica principal dessa ‘organização genital infantil’ é sua diferença da organização genital final do adulto. Ela consiste no fato de, para ambos os sexos, entrar em consideração apenas um órgão genital, ou seja, o masculino. O que está presente, portanto, não é uma primazia dos órgãos genitais, mas uma primazia do falo. Freud, (1923 b). p. 160.

Para Freud, o Complexo de Édipo na menina é uma formação secundária, enquanto nos meninos o Complexo de Édipo conclui-se ao complexo de castração, nas meninas ele torna-se possível e é promovido por este, e o complexo de castração, tanto para a menina quanto para o menino, inibe a masculinidade e encoraja a feminilidade, sendo que a diferença entre o complexo de castração nos dois sexos deve-se somente às diferenças anatômicas. A menina não teme a castração, pois já é anatomicamente castrada. O menino teme a castração, ela é uma ameaça. Do complexo de castração resulta não somente uma repressão aos desejos edipianos, mas um abandono total aos investimentos libidinais, sublimando-os.

A antítese aqui é entre possuir um órgão genital masculino e ser castrado. Somente após o desenvolvimento haver atingido seu completamento, na puberdade, que a polaridade sexual coincide com masculino e feminino. A masculinidade combina [os fatores de] sujeito, atividade e posse do pênis; a feminilidade encampa [os de] objeto e passividade. A vagina é agora valorizada como lugar de abrigo para o pênis; ingressa na herança do útero. Freud, (1923 b).p. 163.

1.1 A DISSOLUÇÃO DO COMPLEXO DE ÉDIPO

O Complexo de Édipo é o fenômeno central da sexualidade na infância, após sua dissolução é seguido pelo período de latência, sua destruição ocorre pela ausência de satisfação perante o desejo incestuoso para com os pais.

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15 Freud (1924 c) descreve que esse fenômeno tem hora certa para desintegrar-se, quando o menino começa a descobrir seu órgão sexual logo é alertado de que é errado manipula-lo, tendo como ameaça de que essa parte de seu corpo será retirada como forma de punição. A organização fálica, o Complexo de Édipo, a ameaça da castração, a formação do superego e o período de latência são a justificativa de que a destruição do Complexo de Édipo é ocasionada pela ameaça de castração.

O Complexo de Édipo ofereceu à criança duas possibilidades de satisfação, uma ativa e outra passiva. Ela poderia colocar-se no lugar de seu pai, à maneira masculina, e ter relações com a mãe, como tinha o pai, caso em que cedo teria sentido o último como um estorvo, ou poderia querer assumir o lugar da mãe e ser amada pelo pai, caso em que a mãe se tornaria supérflua. Freud, 1924 c. P. 198.

O sexo feminino desenvolve o Complexo de Édipo, o Superego e o período de latência, mas por serem anatomicamente castradas as meninas não passam pela ameaça de castração como forma de organização fálica. A menina aceita a castração como algo que já foi consumado, já o menino a encarra com medo de sua ocorrência, excluindo assim na menina o temor da castração.

O Complexo de Édipo da menina é muito mais simples que o do pequeno portador do pênis; em minha experiência, raramente ele vai além de assumir o lugar da mãe e adotar uma atitude feminina para com o pai. A renúncia ao pênis não é tolerada pela menina sem alguma tentativa de compensação. Ela desliza - ao longo da linha de uma equação simbólica, poder-se-ia dizer - do pênis para um bebê. Seu Complexo de Édipo culmina em um desejo, mantido por muito tempo, de receber do pai um bebê como presente - dar-lhe um filho. Tem-se a impressão de que o Complexo de Édipo é então gradativamente abandonado de vez que esse desejo jamais se realiza. Os dois desejos - possuir um pênis e um filho - permanecem fortemente catexizados no inconsciente e ajudam a preparar a criatura do sexo feminino para seu papel posterior. Freud, (1924) p. 200.

No livro Três ensaios sobre a sexualidade, Freud (1910 c), relata que após essa descoberta decepcionante de que não possui o falo, a sexualidade da menina poderá seguir três caminhos: No primeiro, frustrada pela comparação com os meninos, a menina cresce insatisfeita com seu clitóris e abandona sua atividade fálica e sua masculinidade. No segundo, ela agarra-se à sua masculinidade ameaçada e até uma idade tardia é movida pela esperança de conseguir um pênis. Esperança esta, que se torna um objetivo e que faz surgir a fantasia de ser um homem. Freud denomina este segundo caminho de complexo de masculinidade, que nas mulheres explicaria uma escolha homossexual manifesta. Se seu

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16 desenvolvimento seguir o terceiro caminho, a menina atingirá a atitude feminina, tomando então o pai como objeto amoroso, sendo assim três saídas: renunciar à

sexualidade (assexualidade), reivindicar o pênis (posição masculina,

homossexualidade) ou aceitar a feminilidade (Heterossexualidade).

Inteiramente diferentes são os efeitos do complexo de castração na mulher. Ela reconhece o fato de sua castração, e, com ele, também a superioridade do homem e sua própria inferioridade, mas se rebela contra esse estado de coisas indesejáveis. Dessa atitude, dividida, abrem-se três linhas de desenvolvimento. A primeira leva a uma revulsão à sexualidade. A menina, assustada pela comparação com os meninos, cresce insatisfeita com seu clitóris, abandona sua atividade fálica e, com ela, sua sexualidade em geral, bem como boa parte de sua masculinidade em outros campos. A segunda linha a leva a se aferrar com desafiadora auto-afirmatividade à sua masculinidade ameaçada. Até uma idade inacreditavelmente tardia, aferra-se à esperança de conaferra-seguir um pênis em alguma ocasião. Essa esperança se torna o objetivo de sua vida e a fantasia de ser um homem, apesar de tudo, frequentemente persiste como fator formativo por longos períodos. Esse ‘complexo de masculinidade’ nas mulheres pode também resultar numa escolha de objeto homossexual manifesta. Só se seu desenvolvimento seguir o terceiro caminho, muito indireto, ela atingirá a atitude feminina normal final, em que toma o pai como objeto, encontrando assim o caminho para a forma feminina do complexo de édipo. Freud 1931, p. 243-244.

Lacan (1995) conclui que "a relação sexual não existe", ela permanece na ordem do impossível, embora os parceiros tentem realizá-la na cópula, na tentativa de inscrevê-la. Mas não é ao parceiro que se dirige o desejo, e sim ao falo: seja esse para o homem uma mulher; da qual ele faz do corpo dela o recorte adequado ao seu falo, seja para a mulher o pênis; o qual ela encontra no corpo do homem. Se a relação sexual se inscrevesse, não haveria a falta; não haveria o desejo. O amor é impensável sem a castração. O humano sempre aspira a este ser que lhe falta e que está irremediavelmente perdido

O desejo está direcionado para o falo, a relação sexual seria uma forma de conseguir alcançar esse falo, porém não é o corpo quem faz esse trajeto até ele, e sim as representações que inscrevem o sujeito. O homem apesar de possuir o falo está sempre buscando formas de provar para si mesmo sua virilidade e poder, usando assim o corpo como mediador para alcançar seu objeto de desejo. A mulher por não possuir o falo está sempre em busca do mesmo no outro, mas não significa que esse outro venha do corpo masculino em si, mas sim das representações que a mulher tem do lugar e das funções que ela ocupa para uma imagem masculina.

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17 Bonfim, 2014, escreve que entre o complexo edipiano e de castração, Freud situou um elemento - o falo - a partir do qual a sexualidade se organiza por meio da antítese: fálico ou castrado. Freud descreve que o falo não se trata do pênis, o falo é a representação psíquica imaginária e simbólica construída a partir dessa região corporal do homem. O que está em jogo é a presença ou ausência. "Menino" é o portador do pênis e da virilidade. "Menina" é sinônimo de falta, feminilidade e enigma. O autor interliga a teoria freudiana com a ideia de Lacan, que acredita que é por meio da castração que o sujeito pode situar-se em relação ao seu parceiro como sujeito desejante, bem como é ela também que está em causa na maneira como o sujeito responde à criança, que é produto dessa relação, visto que ter condições de ocupar a posição materna e paterna não é o mesmo que poder biologicamente ser mãe ou pai. Lacan (1998) considera que a relação do sujeito com o falo se estabelece sem considerar a distinção anatômica entre os sexos, e isso pode ser demonstrado por meio de fatos clínicos. A castração está intimamente ligada à estruturação dos sintomas e à elevação do sujeito a uma posição sexual, deve-se, então, admitir que, por consequência, o significante falo também estará implicado.

Inversamente, é a descoberta de Freud que confere a oposição entre significante e significado o alcance efetivo em que convém entendê-la, ou seja, que o significante tem função ativa na determinação dos efeitos em que o significável aparece sofrendo sua marca, tornando-se, através dessa paixão, significado. (Lacan, 1998 a [1958], p. 695 apud Bonfim, 2014) É por meio do falo, como significante, que outros significantes poderão ganhar significação. Seu padrão simbólico permitirá a igualdade simbólica de outros objetos. Nesse sentido, o falo garante aos objetos inseridos no registro da castração, a possibilidade de se comportar como equivalente na ordem do desejo.

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2. FREIRAS E A FEMINILIDADE

Nesse capítulo serão abordados aspectos da vida religiosa feminina vinculada as teorias psicanalíticas a respeito da feminilidade, a fim de possibilitar um entendimento do entrelace entre a vida consagrada das mulheres, a sexualidade e a representação que Deus ocupa na vida dessas mulheres.

Castilho 2012 descreve que desde os primeiros relatos históricos referentes à Igreja, as mulheres eram mistificadas e arremessadas para o campo do imaginário, levando consigo a imagem de bruxas e feiticeiras. A figura feminina encarava o perigoso mistério do desejo, seus corpos eram vistos como portas a serem utilizadas como meio para a manifestação demoníaca, podendo ser possuídas e dominadas pelo demônio.

A luta pela igualdade por parte das mulheres exerceu uma grande influência sobre a Igreja e a vida religiosa. As mulheres são a maioria quando o assunto é

dedicação à vida consagrada, Castilhos afirma que “a vida consagrada é,

majoritariamente, feminina. De cada 100 pessoas consagradas, aproximadamente 80 continuam sendo mulheres e 20, homens.” Castilho 2012, p. 343.

A Igreja Católica continua sendo misógina. Tem horror ao feminino. É demasiadamente fálica. (....)A Igreja não compreendeu que o feminino e o sagrado são aspectos que guardam, entre si, parentesco essencial. Trazem, ambos, a aura do que é indizível, incompleto. Falam da falta, da dimensão do enigma. Vivenciar o sagrado é da ordem do feminino, do não ter, é privilégio do ser de desejo, que busca apenas desejar. É como a força do feminino, portanto, do desejo, que presbíteros, religiosos e religiosas desenvolvem a dimensão mística e profética. Castilho 2012, p. 343-344. Nunes (1997) relata que quando os primeiros conventos se instalaram na colônia portuguesa, eram vistos como uma ameaça à continuação da população branca perante os mestiços que viviam na colônia, pois eles retiravam da sociedade parte de sua população fértil. O próprio rei declara que mulheres ricas e nobres não poderiam ingressar na vida religiosa, pois a elas cabia a missão de procriar e manter a raça pura.

Os conventos naquela época funcionavam também como uma regulação de casamentos, quando ficava difícil casar ‘bem’ todas as filhas com homens ricos, casava-se apenas uma, e as outras eram destinadas a vida religiosa. Muitos relatos de mulheres que tiveram que entrar para a vida religiosa contra suas vontades

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19 surgiram nessa época, todas elas cheias de pequenas tragédias, como romances interrompidos, fortunas perdidas, noivados que acabaram e em alguns casos a própria loucura dessas mulheres.

Nunes (1997) conta a história de uma dessas mulheres. Uma jovem que nasceu e foi criada no campo, amável e inteligente, ficou rica com a morte de sua mãe, seu pai e seus irmãos cobiçavam a riqueza que a ela pertencia, então precisavam de alguma maneira tomar esse dinheiro. Então a solução encontrada foi coloca-la em uma arca que apenas deixava-se o ar circular, e transportar a pobre vitima até convento mais próximo. A jovem resistiu a inúmeras tentativas de deixar tomar o véu, porém depois de três tentativas de fuga e muitas punições, ela finalmente cedeu à tamanha pressão, chegando a um estado de completo enlouquecimento.

Os conventos cumpriam além disso, a função de resolver o problema de mulheres “desviantes”. Elas rejeitavam as ordens de boa conduta impostas por seus pais e maridos, um grande números de crianças frutos de uniões ilícitas dessas mulheres de “boa linhagem”, foram abandonadas em conventos, nas chamadas rodas dos expostos, para que não sujassem a honra e o nome da família.

Em contraponto, porém, algumas mulheres viam o convento como uma forma de escapar de casamentos não desejados, ou acabar com sofrimentos de violência por conta de seus maridos, e as casas religiosas eram um dos poucos lugares em que elas poderiam aprender a ler e escrever.

A implantação de um dote para o ingresso nos conventos surge como uma barreira para mulheres brancas e pobres, as mulheres negras, índias e mestiças, eram recebidas como escravas a serviço das religiosas, pois se acreditava que essas mulheres não tinham a “pureza no sangue”, e seriam motivo de desvirtuação da religiosidade.

Somente no ano de 1677 surge o primeiro convento feminino no Brasil, em Salvador, capital da Bahia, fundado por monjas Clarissas vindas do Mosteiro de Évora, Portugal. Antes da sua fundação, as jovens nascidas na Colônia, destinadas à vida religiosa por sua opção ou por decisão familiar, eram obrigadas a ingressar em mosteiros portugueses. Como o envio até Portugal possuía altos custos, e as

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20 mulheres ficavam expostas aos perigos das viagens, como ataques piratas, e até mesmo questões de saúde dessas, tornou a fundação desse convento algo de muita importância pra o aparato religioso no Brasil. O convento tornou-se muito famoso por ter sido o local onde viveu, morreu e foi sepultada a Madre Vitória da Encarnação, muito conhecida pelos seus dons extraordinários e falecida em 1715 com fama de santidade. Nele também viveram outras duas monjas com fama de santas, a Madre Maria da Soledade, falecida em 1719, e a Madre Margarida da Coluna, falecida em 1743. Essas três religiosas baianas entraram para o convento na mesma época, em intervalos de dois e três meses entre uma e outra, e foram companheiras nos exercícios da penitência e oração. São chamadas de "as Três santas do Desterro".

Segundo Nunes (1997) as freiras foram as primeiras mulheres a exercerem uma profissão no século XIX, particularmente nas áreas da educação, assistência social e saúde, enquanto a maioria população feminina era ‘do lar’. Nesse período surge outra forma de vida conventual, chamada congregações de religiosas “de vida ativa”, com a imagem de que as freiras seriam “irmãs de caridade”, boas, solícitas, atuantes e dedicadas aos necessitados.

A própria criação dos conventos está em um primeiro momento ligada à feminidade. O fim do século XIX até a década de 60 do século XX representou um período de expansão e de estabilidade institucional para a vida religiosa feminina, pois o sistema organizacional rígidos das congregações eram considerados ultrapassados diante das transformações culturais. As religiosas passaram a morar em pequenas casas, ou apartamentos, diferente do modelo tradicional da vida religiosa, em que residência e trabalho realizavam-se o mesmo espaço físico. Princípios religiosos considerados, agora, ultrapassados, como o “esquecimento de si”, foram substituídos pelo atendimento as necessidades individuais e o respeito as decisões pessoais.

“Pode-se assim dizer que a “clerizaçao” do catolicismo brasileiro foi, ao mesmo tempo necessariamente, o processo de sua “feminizaçao”. A incorporação das mulheres pela instituição deu-se em virtude da pretensão de diminuir ou anular o poder laicato masculino. Dessa forma a significar um investimento das mulheres no exercício do poder sagrado, representa, de fato, a reafirmação de seu estatuto subordinado.” Mary Del Priori 1997, p. 491.

Freud (1933) aponta como uma das características da feminilidade a capacidade de abrir mão do objeto materno e dirigir-se ao pai. O posicionamento

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21 feminino é marcado pelo amor por um homem, tratando-se mais uma vez, de uma busca pelo falo que é colocado sob a inscrição masculina e na busca de uma posição diante do amor de um homem (o pai). Essa explicação pode ser aplicada também as freiras, colocando Deus no lugar do pai fazendo com que essas mulheres ocupem a posição diante do amor de um homem.

A partir do pensamento de Freud, é possível perceber que a posição feminina se caracteriza pela capacidade de dirigir-se a um Outro inominável, tornando-se presente pelo que há de divino ou de demoníaco no universo feminino, possibilitando à mulher se satisfazer com um gozo suplementar. Desse modo, não é o pai o objeto de amor em si, mas aquilo que ele possa lhe dar.

Nossa análise, com base no conhecimento adquirido por meio de um estágio realizado dentro de um lar para freiras idosas, leva a pensar que as freiras encontram em Deus tudo aquilo que necessitam para alcançar satisfação na vida religiosa. A maioria das mulheres que escolhem a vida religiosa trabalham em serviços de cuidado para com as pessoas (escolas, asilos, hospitais, orfanatos), estabelecendo um vínculo com a feminilidade e com o lado materno. Alguns rituais e símbolos da vida religiosa feminina também encenam traços de feminilidade, como tentaremos mostrar a seguir.

Quando uma freira realiza seus votos ela é batizada novamente abdicando assim de seu nome de familiar/ patronímico para ser reconhecida como uma nova pessoa dentro da congregação. Geralmente, contudo, esse novo nome vem de algum traço familiar que elas escolhem, que pode ser ligado ao sobrenome da família ou uma homenagem a um ente querido. Além disso as freiras recebem um anel de ouro como símbolo do matrimônio com Deus, tornando-as assim esposas do mesmo, assumindo uma posição mulher desejada/escolhida. Com o passar dos anos as freiras comemoram bodas matrimoniais como forma de renovação dos votos com Deus, sendo as datas mais significativas às bodas de prata (25 anos de matrimônio) e as bodas e ouro (50 anos de matrimônio).

Grossi (1990) afirma que a vida religiosa feminina desenrola-se em três períodos: o primeiro é o período de formação das futuras freiras, o segundo o período de vida ativa dessas freiras que inicia com a vestição e toda sua jornada de

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22 trabalho durante a vida, e o terceiro seria a sua aposentadoria e a afastamento das freiras das atividades da congregação, sendo esses períodos correspondentes a três etapas da vida, a adolescência a vida adulta e o envelhecimento. No primeiro desses três períodos se constrói a identidade dessa freira, a partir de aprendizados que juntos de uma série de comportamentos vão configurar o “jeito de freira”. Quando ainda meninas chegavam aos colégios dirigidos pelas freiras, as irmãs de caridade percebiam as vocacionadas para serem freiras encaminhando-as, assim, para o primeiro passo da vida religiosa, que é chamado de Postulantado.

O Postulantado é um período de preparação e autoconhecimento onde as mulheres desenvolvem sua vocação para assim terem a certeza para a consagração como freiras. Após o Postulantado passam para o noviciado, onde se estuda a vocação que antecede os votos religiosos. Somente depois de realizar os votos que as freiras vestem o hábito preto com o véu branco na cabeça, como forma de "uniformização com Cristo.

No segundo período, correspondente a vida ativa das religiosas, elas colocarão em pratica o aprendizado desse “jeito”, buscando a identificação pela pratica dos três votos feitos quando entram para congregação: obediência, castidade e pobreza. Nesse período existem dois preceitos fundamentais, a busca da santidade pelo sacrifício do trabalho e a obediência à hierarquia da congregação. Nesse período as freiras realizam trabalhos em hospitais, orfanatos e escolas, ocupando assim um lugar de grande importância dentro da congregação.

No terceiro período, na velhice, observa-se a verdadeira aproximação da freira com sua identidade de “esposa de Cristo”. Nesse período as freiras são desligadas de grande parte das obrigações religiosas e seguem o cotidiano a espera do “encontro derradeiro”, pois é na morte que ela assumira seu lugar ao lado de Deus.

Considerando o que está posto sobre a vida religiosa das freiras, pretendi mostrar que, embora abdiquem da vida privada, do convívio com a família, de participar do mercado financeiro e do relacionamento sexual, há elementos que garantem a vivência da feminilidade. Uma ilustração disso vem da fala que escutei de uma irmã

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23 de caridade que dizia: “ eu fui mãe de muitas crianças”, quando se referia as suas atividades em orfanatos.

Pretendo trabalhar, a seguir, os aspectos relacionados à vida religiosa dos padres de forma a compreender os elementos que se contrapõe que, em meu sentir, tem o efeito do sofrimento psíquico.

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24

3. O LUGAR DO PADRE NA SOCIEDADE: RELIGIOSIDADE E

MASCULINIDADE

Castilho (2012) afirma que a Igreja está no mundo social, as sociedades pré-modernas são a base de todas as matrizes originárias da Igreja Católica. A estrutura político-religiosa medieval ordenava-se em três grandes grupos: os reis e o clero, a nobreza, os vassalos e os servos. Nessa época o lugar de uma pessoa era predeterminado já em seu nascimento, sendo muito difícil conseguir transitar pelos demais grupos, aos quais não pertencia.

O pensamento filosófico medieval era construído por um sistema de fundamento único, centrado na figura de Deus, que suprimia qualquer manifestação da diferença e das relações igualitárias e horizontais. O mundo era apresentado como um todo sem rupturas. Por causa desse pensamento, a religião passou a ser a principal e insuperável garantia do sistema político. A religião passou a ter uma função ordenadora, explicativa e legitimadora. Castilho, 2012, p. 72.

A partir de agora apresentaremos os períodos que marcam a história da Igreja católica para posteriormente tratarmos do lugar dos padres na sociedade. A Igreja tem nos seus concílios1 a orientação a ser seguida pelos fiéis e também a orientação sobre a formação dos quadros eclesiásticos, aqui iremos destacar Três Concílios, são eles: Concílio de Trento, que ocorreu entre 1545 e 1563 e sua doutrina perdurou por 300 anos e foi presidido pelo Paulo III; Concílio Vaticano I que se reuniu de 1869 a 1870 cuja doutrina vigorou por 95 anos e foi presidido pelo Papa Pio IX ; e o Concílio Vaticano II presidido pelo Papa João Paulo II que se reuniu de 1962 a 1965, cuja doutrina ainda vigora.

O primeiro período que marca a trajetória da Igreja é situado no Concílio de Trento, que buscou condenar as novas doutrinas protestantes, além de reafirmar os dogmas da fé católica. Neste Concílio foram implantadas formas de combater as ideias protestantes, pois foram consideradas contrárias aos dogmas da Igreja católica. Vários decretos disciplinares também foram aprovados pelo Concílio, visando principalmente à moralidade e a adoção de medidas para melhorar o nível de instrução dos membros do clero, principalmente padres.

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Reuniões de dignitários eclesiásticos, esp. bispos, presidida ou sancionada pelo papa, para deliberar sobre questões de fé, costumes, doutrina ou disciplina eclesiástica.

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25 Castilho (2012) descreve que, a Igreja passou por um período chamado “catolicismo reformado” onde grupos se estabeleceram nas cidades construindo colégios, paróquias, missões e obras sociais. O Concílio de Trento dava ênfase a sacramentalidade, visando a construção de seminários diocesanos e de catedrais com o objetivo de estruturar a formação espiritual e intelectual do clero, dando um vigoroso impulso a vida religiosa da Igreja, definindo como missão essencial da Igreja e de seus sacerdotes a salvação de almas (do novo Mundo e do velho mundo). O período tridentino e pós-tridentino podem ser definidos como reforma e contrarreforma da Igreja.

Do Concílio de Trento (1545-1563) ao Vaticano II (1962-1965) a Igreja viveu quatro séculos sob a inspiração de uma eclesiologia de forte matriz defensiva e apologética, que alcançou no Concílio Vaticano I (1869- 1870) um dos momentos mais emblemáticos da Igreja, com a declaração da infalibilidade papal. Roma pronunciava-se sobre os mais diversos assuntos e com a consciência de dizer verdades inquestionáveis. Não se percebia sinal de dúvida ou perplexidade. O efeito dessas verdades era proporcionar segurança a população cristã sobre as tormentas das incertezas e das crises humanas. Castilho (2012, p. 72- 73)

A partir do século XVII são criados os “direitos humanos fundamentais”, liberdade, igualdade e fraternidade. As pessoas eram seduzidas pelo desejo de fazer sua vida pessoal, individual, livre e autônoma, cada vez mais prezando a intimidade e a privacidade. O dinheiro circularia mais estimulando assim as pessoas a comprarem mais, pois estariam sempre em busca de novidades. A Igreja foi a principal atingida por essas mudanças, já que essa era vista pela burguesia como uma instituição de gozava de riquezas e privilégios que eram contrários aos ideais da nova sociedade. A Igreja ficou muito fragilizada com o avanço da modernidade, já que a vida diocesana era vista como algo já definido, passível de ser levado adiante na mesma formulação histórica encontrada nos primeiros séculos. A população cristã viu-se seduzida pela modernidade, colocando a prova sua fé já que novos ideais eram apresentados como forma de progresso individual que buscavam liberdade e pretendiam substituir a religião pelo culto da razão.

Após a Revolução Francesa, acontece um período chamado de Restauração que teve inicio em 1815 com o estabelecimento de uma ordem conservadora que mantiveram até cerca de 1848. Dessa maneira novas congregações foram criadas e o clero começa a ser pensado como forma de intercessor diante de Deus, não lhe cabendo preocupações com atividades sociais e pastorais. Nesse mesmo período a

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26 sociedade vive um momento de conturbação, há cada vez mais problemas sociais e a população começa a migrar para as cidades, diminuindo assim a produção agrícola que se torna insuficiente para abastecer as necessidades do povo.

Entre o final do século XVIII e início do XIX, bispos e sacerdotes foram expropriados de seus bens e condenados à morte, à prisão, à extrema pobreza e abandono ou ao exílio. Na vida religiosa consagrada, a situação não foi melhor. Acusando os votos religiosos de serem contrários aos direitos humanos, o movimento revolucionário da modernidade deu passos sucessivos e rápidos em direção à supressão de ordens e congregações religiosas através da nacionalização de suas casas, confisco dos bens, proibição da emissão de votos e admissão de novos membros. Castilho (2012, p. 79)

Castilho, 2012 escreve que todos esses problemas sociais contribuíram para a aproximação do clero e o povo, dessa maneira a mulher começava a conquistar espaço no catolicismo, sendo assim na primeira metade do século XIX há a criação de centenas de congregações femininas. No fim desse mesmo século as congregações começaram a se tornar missionárias, evangelizando através de ações transformadoras na educação, na saúde e em obras sociais.

Durante o período chamado “vaticano II” (década de 60) a fé era vivida em grupos fechados em suas próprias crenças. A Igreja passou a se dividir em pequenas comunidades onde o padre era o grande animador pedagogo, que tinha a missão de educar o povo para as vivências comunitárias, despertando assim protagonismo aos leigos. Esse período ficou conhecido como “Catolicismo Renovado”.

Durante o período entre as décadas de 1960 e 1970, várias dioceses e congregações quebraram fortes estruturas institucionais: o Clegman2e o hábito religioso foram substituídos pelo traje civil, promoveu-se a organização das paróquias em pequenas comunidades, facilitou-se o acesso de presbíteros a cursos superiores fora de seus próprios estabelecimentos, teve fim a segmentação de religiosas em conversas e coristas3, aumentou o número de candidatos negros, iniciou-se uma nova consciência crítica e senso de justiça social em outras regiões brasileiras mais desafiantes, como, por exemplo, o Nordeste. Castilho (2012, p. 95-96)

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Clergyman- Colarinho romano usado por muitos sacerdotes como forma de adaptação protestante da veste católica romana.

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As congregações religiosas despontavam, no século XIX, com as marcas da Igreja medieval: piramidal hierárquica, estratificada entre aqueles que sabem, possuem e se constituem, e os que devem permanecer imutáveis e fixos na base da pirâmide.

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27 O Concílio Vaticano II unificou as categorias de presbíteros, irmãos, mestras e coadjutoras4, manifestando assim a insatisfação e aspiração do coletivo. Em 1970 a Igreja é surpreendida por uma crise de vocações quando um grupo significativo de presbíteros deixaram o ministério e a vida religiosa. O clero e o povo assistiram minguar o número de vocacionados, o que ocasionou o fechamento de inúmeros seminários. Aos que resistiram a angústia restava a espera do novo: as mudanças pós Vaticano II.

Padres e religiosas apesar de suas altas aspirações espirituais, estavam mergulhados nos privilégios eclesiais e sociais. Eram reverenciados e respeitados pelo uso da batina ou do hábito. O pós Vaticano II muda totalmente a forma com qual se enxergava os religiosos.

A era pós-Vaticano II traz uma série de contrastes: do pedestal à participação; de pregador a animador de comunidade; da espiritualidade monástica a uma espiritualidade secular5; da salvação de almas á libertação de pessoas excluídas por opressão econômica, cultura, intelectual, de gênero, de raça e pela idade. Castilho (2012, p. 107)

Na década de 80 do século XX, após duas décadas do Concílio do Vaticano II, Castilho relata que ouve uma “refundação” na Igreja, que incluíram mudanças na pastoral, nas estruturas paroquiais, no poder, na forma de lidar com o dinheiro, na dimensão humano-afetivo/sexualidade, no corpo e na vestimenta, também ocorreram mudanças nas estruturas arquitetônicas dos conventos e das casas, nas obras sociais, colégios, hospitais, na vida comunitária, e, sobretudo, na espiritualidade e na missão.

 Descobrem-se maneiras diferentes de experimentar o carisma, a espiritualidade, a missão.

 Modificam-se as formas pastorais de dioceses, constituições de institutos e congregações. Surgem novas formas, mais evangélicas, de governar e viver o poder.

 Redescobrem-se se o afeto e a busca de relações humanizadoras. Repensam-se a administração dos bens e o uso do dinheiro.

 Criam-se as pequenas comunidades, a maioria com inserção no meio rural, na periferia das grandes cidades, até mesmo com trabalho remunerado, a fim de garantir a autossustentação do grupo fraterno.

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Nas ordens religiosas, representam membros não sacerdotais ou encarregados dos serviços manuais.

5

: Espiritualidade que remete a condição de quem vive no século, isto é, entre as coisas do mundo e da vida. Opõe-se ao estado religioso, próprio dos que fizeram votos. O padre secular não

pertencente a uma ordem religiosa, é remunerado pela diocese, tem "carteirinha de padre" e mantém vínculo de obediência com o Ordinário (bispo) local. Ele exerce função de pastoreio dos fiéis da Diocese, 24 horas por dia (e sem direito a horas-extras!)

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 Aprofundam-se as mudanças institucionais no exercício da autoridade, com novas formas de poder redistribuído e responsável entre todos. Principio de subsidiariedade.

 Buscam-se novos espaços paroquiais, novas relações e modelos de formação, destacando o equilíbrio entre gênero, etnias e ecologia.

 Afloram vocações vindas dos meios populares, obrigando a vida religiosa da Igreja a enfrentar novos desafios na formação, como seminários menores e intercongregacionais: Novinter, Juninter6etc.

 Mudam-se os hábitos como residências seculares, horários, gestos, postura corporal, exercício profissional e processo de inculturaçao7 frente a outras religiões, raças, gênero e diferentes combinações culturais.

 Surge novo esforço para se construir uma teologia a partir da realidade local, distanciando-se de modelos europeus romanizados. Castilho (2012, p.122-124)

Castilho, 2012 descreve que no decorrer dos anos muitos presbíteros e religiosos ficaram libertados espiritualmente, culturalmente e psicologicamente de recalques históricos. A subjetividade é tecida no contexto institucional, pela rede de micropoderes, não existindo assim afetividade humana estável, conservadora ou adequada a essa ou aquela cultura.

O conceito de afetividade foi compreendido para muito além de uma simples questão psicológica ou genital. A crise afetiva dos presbíteros e dos religiosos era apenas a porta de entrada de um sintoma mais amplo, ou seja, da produção de novas subjetivações provenientes de novos modelos societários, consequentemente, um novo jeito de se fazer presbítero ou religioso. Castilho (2012, p.126)

Ao escutar um sacerdote, sabemos que esse sujeito encara questões sérias relacionadas à sexualidade, projeto de vida, relações humanas, personalidade, afeto, saúde mental, família, intimidade a principalmente a própria fé como questão principal. Desde os anos de 1500, até os dias de hoje, diversas mudanças ocorreram dentro da Igreja, afetando assim a forma de vida sacerdotal vivida pelos sacerdotes de cada época. Partimos da ideia de uma Igreja conservadora e cheia de decretos e tradições imutáveis para uma Igreja humanizada e adaptável as culturas e a modernização ocorrida nos últimos anos, provocando uma mudança significativa na subjetividade humana e no quadro da Igreja, modificando assim o lugar e a postura ocupada pelo sacerdote. Podemos observar e comparar essas mudanças nos quadros citados a baixo.

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São encontros promovidos pela Crb (Conferencia dos Religiosos do Brasil), com o objetivo de fornecer uma série de conteúdos ligados a vida religiosa, que reúnem Noviços e Noviças, juntamente com seus formadores(as).

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29 Figura 1: O período de 1500 a 1945.

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30 Figura 3: Período pós Vaticano II.

A partir do entendimento de Castilhos (2012) é possível traçar um percurso que nos ajuda a compreender a relação das mudanças pelas quais a Igreja passou, refletidas na subjetividade dos sacerdotes. O autor afirma que os presbíteros, religiosos ou religiosas são pessoas que iniciam com coragem e idealismo as aventuras da vida religiosa. Com o passar dos anos, sentem-se reduzidos quanto à realização pessoal no trabalho, um sentimento de impotência e inutilidade toma conta do sujeito que se encontra esvaziado de energias e ideais, incapazes de renovar as motivações e as forças espirituais que tinham no início do ministério sacerdotal. No contexto atual a crise pessoal se agrava pelo baixo status da "profissão"8 do padre que é considerada ultrapassada por uma parte da população e pelo fato de ser uma "profissão" que não consta no elenco das profissões desejáveis para os jovens de hoje. Isto tudo forma um conflito entre os valores pessoais e os valores exigidos pela Igreja.

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A palavra profissão aparece entre aspas para alertar ao leitor que em uma maneira tradicional de pensar a vida religiosa era considerada missão, assim sacerdócio.

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31 Todos esses sintomas podem chegar a uma crise irreversível, que pode chegar até mesmo no abandono da vida religiosa ou a permanência passiva na Igreja, onde o sacerdote se encontra improdutivo e depressivo.

Ênio Brito Pinto é um psicoterapeuta que dá contribuições para que possamos compreender os reveses da vida sacerdotal masculina uma vez que atende estes sujeitos no ambiente clínico. O autor descreve que de uma maneira geral os padres sempre vêm acompanhados para a terapia, geralmente quando um padre necessita atendimento psicológico ele entra em um primeiro momento em contato com seu superior, que na maioria dos casos é o bispo, a fim de solicitar o tratamento. O bispo analisa a situação e se sentir necessidade encaminha o padre para o acompanhamento terapêutico, possibilitando que ele se ausente de seu trabalho para realizar seu tratamento, devendo retornar para a paroquia em um tempo geralmente curto.

Pinto (2012) faz uma comparação que nos possibilita entender um pouco melhor a forma de trabalho clínico com padres, segundo ele a vida consagrada relativiza a independência econômica e a vida hierarquizada relativiza a possibilidade de reciprocidade com a geração precedente dentro do clero, não esperando assim de um presbítero a mesma autonomia que se pode esperar de um leigo. Isso possibilita chegar à conclusão de que “no que diz respeito à autonomia, a psicoterapia de padres guarda muitas semelhanças com a psicoterapia de adolescentes”. Pinto (2012, p. 65)

Lembro-me de que, certa vez, recebi para terapia um padre, de estilo histriônico, que passava por uma crise depressiva. Logo depois as segunda ou terceira sessão, seu bispo telefonou-me, querendo saber que identificações eu fazia para o caso. Conversei com ele, dando notícias sumárias do padre a partir do ponto de vista terapêutico, como costumo fazer com alguns pais de adolescentes que atendo, e o convidei para um encontro, numa oportunidade em que ele viesse a São Paulo, para que pudéssemos conversar pessoalmente e mais longamente. Pinto (2012, p. 67)

Outro fato que Pinto descreve como característica particular dos padres é a privação do contato com o corpo. O corpo humano é a fonte de todos os gozos, prazeres, emoções e sentimentos. Na idade média o corpo transforma-se em um lugar do demônio e as relações corporais são entendidas como portas para o inferno, o corpo era visto como uma fonte de pecados. A alma só pode existir em um

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32 corpo da mesma maneira que as necessidades só podem ser satisfeitas por meio do e no corpo.

No discurso da Igreja da Idade Média, há uma relação fundamentalmente masculina com o corpo, uma vez que a mulher, dentro dessa lógica, é vista como tentação. O que se consegue domar, no fim das contas, são a emoção e o sentimento enquanto expressão espontânea da corporeidade. Pinto (2012, p. 79)

As pessoas que escolhem viver na vida religiosa precisam realizar o voto de castidade, o qual implica na maneira com que o sacerdote vive a própria corporeidade. Aplica-se uma competitividade entre corpo e alma os colocando em um lugar de conflito ao invés de integralidade. Os cristãos principalmente acreditam em um predomínio da alma sobre o corpo, sendo o indivíduo separado em duas partes: corpo e alma para a religião, e corpo e mente para o público científico.

Descartes apud Pinto (2012) afirma que só o ser humano é possuidor de alma, os animais são puros, corpos puros desprovidos de pensamento, portanto não possuem alma. O atributo da alma é o pensamento e o atributo do corpo é a extensão. Da mesma forma que para a Igreja a alma era separada do corpo; para Descartes a racionalidade era um processo de desincorporação. A prova da existência dependia do pensamento, não do corpo nem do mundo, dai descartes afirma o seu “cogito, ergo sum”, ou seja, eu existo porque penso. Pinto (2012, p. 81)

O corpo se faz fálico, e é nele que o ser humano vivência uma grande parte de sua sexualidade. A Sexualidade, segundo Pinto (2012) é um dos temas mais polêmicos da vida consagrada, justamente por causa do voto de castidade que é imposto pela Igreja como condição de ser padre/freira. Hiriart, (2000) apud Pinto, (2012) estuda diversos tipos de crises desenvolvidas por sacerdotes, e denomina a mais comum entre elas, de, “crise afetivo-sexual”. Segundo Pinto, (2012) para as pessoas de vida consagrada a sexualidade e a afetividade são algo único e inseparável, já que a vivência sexual não se dá separada dos sentimentos. A partir desse pensamento chegamos à conclusão de que a vivência da sexualidade é fruto da capacidade reflexiva humana.

Sexo e sexualidade são diferentes, tem significados diferentes. Sexualidade, fenômeno inerente ao ser humano, está presente em todos os atos da vida. É um fundamento básico da personalidade que possibilita á pessoa maneiras particulares e individuais de existir, se comunicar, viver e se expressar. Sexualidade é um dos fundamentos da identidade pessoa, é fenômeno muito mais amplo que o sexo e o inclui. Sexo tem a ver com o

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fato de sermos macho ou fêmea e com o conjunto dos órgãos reprodutores, além de significar também o ato sexual propriamente dito; sexualidade é um conjunto de fenômenos que são ligados ao sexo e que o extrapolam: masculinidade e feminilidade, erotismo, sensualidade, afetos, desejos, posturas e valores. Em suma, sexualidade é a miríade de emoções, sentimentos, sensações, pensamentos e comportamentos associados ao sexo. Pinto, (2012, p. 90)

Pinto refere que a religião proporciona uma sensação de pertencer. Pertencer a um grupo, pertencer a um lugar na sociedade, pertencer ao mundo, pertencer ao sagrado, esse pertencimento gera uma sensação fundamental na constituição da identidade das pessoas. Para os padres, ao mesmo tempo em que a religiosidade

traz sensação de pertença, ela carrega consigo uma série de “abandonos”

relacionados à masculinidade. Boris apud Pinto (2012), p. 80, sustenta que o masculino “é sempre construído negativamente: não pode ser uma mulher, uma criança ou um homossexual, tendo de comprovar constantemente sua condição de homem, de adulto e de heterossexual”. Todas essas pressões fragilizam o homem, provocando ansiedade, angústia, temor do fracasso, dificuldade de expressão de seus sentimentos, sendo essas as consequências de muitas doenças psicossomáticas ou de comportamentos de violência.

Pesquisas com presbíteros confirmam essa tendência masculina em busca da “fortaleza” também entre os padres. Por exemplo, na pesquisa do Ceris (2004, p.20), encontrou-se que há parcela significativa dos padres que guardam o problema consigo ou não respondem ao quesito da pesquisa sobre dificuldades no campo afetivo (crise vocacional, sexualidade, relações interpessoais etc.) 20% dos padres que responderam disseram que recorrem a Deus para pedir ajuda para lidar com essas dificuldades; “alguns padres declararam que nunca passaram por dificuldades no campo afetivo (4%), outros, quando se encontraram em dificuldades, não recorrem a ninguém (5%), assim como não costumavam procurar pessoas da família para partilhar seus problemas pessoais”. Completando a amostragem, os pesquisadores do Ceris informam que “37% dos respondentes recorrem geralmente a um padre amigo. Há outros que recorrem: ao confessor (8%); e um diretor espiritual (6%); a amigos/as leigos/as (4%), e ao bispo (1%)”. Pinto (2012, p. 60)

O autor acredita que o ser humano vivência sua sexualidade por meio de sentimentos e de sua cultura, sendo ela recheada de símbolos que direcionam o desejo e são por ele direcionados. Para os homens e mulheres de vida consagrada, a sexualidade é mais ampla, estando além da expressão genital. Isso nos possibilita compreender que quando um padre é ordenado, ele renuncia a expressão genital da sexualidade, e não a sexualidade propriamente dita. A sexualidade é algo particular do ser humano, não havendo assim forma de suprimi-la, o máximo que se pode

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34 chegar é em uma repressão. A sexualidade é uma característica estrutural da personalidade de cada pessoa.

Para Duffy, 2006, p.106 apud, Pinto, 2012, p. 94

Desde uma perspectiva espiritual, o celibato não é somente a liberdade de dedicar-se ao apostolado, mas um chamado e uma opção por relacionar-se com Deus e com os outros em relações não genitais que geram vida para o sujeito e para os demais.

Castilho (2012) traz a ideia de que o celibato tem “halo de mistério”, uma mistura entre o sensual e o sagrado, despertando atração, fascinação e curiosidade por aquilo que é desconhecido e inalcançável para boa parte da população. O celibato pode ser encarado de duas formas por quem o escolhe como condição de vida, alguns conseguem vê-lo de forma radiante enquanto outros perdem a paz interior.

Jesus Cristo não fundou, prioritariamente, uma instituição de celibatários e virgens, nem prescreveu o matrimônio como um conselho especial. Ele viveu o mais belo e o mais difícil: a livre e terna amizade com homens e mulheres, sem fixações possesivas, sem blindagens aos redor do coração, aberta e desarmadamente. Falta por parte da Igreja, nesse sentido, uma árdua caminhada em direção à afetividade, à liberdade e à expressão dos afetos, permitindo que todos se sintam seguros e acolhidos, livres de preconceitos. Essa é uma área difícil que concentra fantasias, imaginações, desejos proibidos e constrangimentos infantis.

A forma de Jesus viver a sua afetividade/sexualidade, integrada na perspectiva amorosa do Reino, é que inspira a vida religiosa: o celibato – o tornar-se “eunuco por causa do Reino” – não se dá a partir de uma lei, mas de uma resposta amorosa a uma proposta de amor, que toca a pessoa no seu “íntimo mais íntimo”. Castilho (2012, p. 283)

Eunucos são homens que tiveram sua genitália removida total ou parcialmente, por motivação bélica, punição criminal ou imposição religiosa. O eunuco perde a capacidade de reprodução, por ter o organismo fortemente debilitado pela falta de testosterona, eram criados para servir ao Reino e ao seu Rei, realizando serviços nos palácios, sendo os únicos homens com acesso à família real e as concubinas do imperador. Ter um eunuco na família era visto como representante de orgulho, as famílias preparavam esses homens desde pequenos para realizarem tal função. Com a entrada da democracia o império chega a sua ruína, tirando os eunucos do lugar para o qual dedicaram suas vidas inteiras a serviço do Reino. Podemos comparar os eunucos com os padres na atualidade. Antigamente nas famílias, pelo menos um filho seria padre, sendo orgulho para

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35 todos, os padrem realizam o voto de castidade no qual abdicam de sua vida sexual, sendo essa uma forma de torná-los eunucos, proibidos de viver relações genitais.

Pinto (2012) descreve que os homens são mais descuidados com a saúde do que as mulheres, possuindo também uma dificuldade na maneira com que expressam seus sofrimentos e emoções, uma característica comum entre os padres, pois antes de serem padres, são homens. O psicoterapeuta referido nos escreve que a “impressão que temos é que o padre ocupa um lugar sagrado no imaginário das pessoas, sendo visto como curador e não como ferido, um representante de Deus digno de respeito, não imaginando assim esse tipo de gente fazendo terapia.” (Pinto, 2012, p. 11).

Os homens buscam a psicoterapia somente quando o sofrimento está em um nível não suportável, chegando ao ambiente clínico muito fragilizados e com as feridas abertas, precisando assim, cuidadosamente serem acolhidos. Acredita-se que isso é resultado de um modelo de masculinidade implantado e idealizado pela sociedade, ou seja uma questão de gênero, onde falar sobre problemas de saúde pode significar fraqueza e feminilidade perante os outros, pelo fato de que, as dores são reconhecidas como condição feminina, o que faz Boris, apud Pinto (2012), p. 60, concluir que “os homens, ao sentirem dor devem suportá-la e nunca queixar e se lamuriar, como é culturalmente permitido as mulheres”.

As pessoas que escolhem a vida consagrada custam muito para perceber que estão em crise. Quando o padre se depara com o sofrimento ele busca ajuda naquilo que lhe está acessível, alguns buscam a oração, outros buscam amigos, outros buscam seus superiores e somente como uma das últimas opções buscam a psicoterapia. Na maioria dos casos os padres aguentam o sofrimento até o limite da dor, não buscando ajuda de nenhuma forma, somente quando chegam ao esgotamento total permitem a si mesmos reconhecer a necessidade de ajuda.

Um exemplo é do padre que, a partir de algumas situações de grande sofrimento pelas quais passou, começou a enxergar na bebida, até o dia em que rezou embriagado uma missa, provocando queixas dos fiéis ao bispo, o que levou o padre a uma internação para tratamento do alcoolismo e posterior psicoterapia para a elaboração de sua situação frente a bebida e outras questões. Outro exemplo foi o de um padre que, apaixonado e mantendo uma relação com outro homem, resolveu que deveria, por dever de lealdade, contar para a família do companheiro sobre o relacionamento que mantinham, e que gerou considerável desconforto, a ponto de obrigar o

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bispo a transferir o padre de paróquia, além de o encaminhar para uma psicoterapia. Pinto (2012, p. 52)

Nosso estudo apontou que o homem que optou pela vida religiosa não encontra tantos dispositivos para o exercício do seu ser como acontece com as mulheres que optam pela vida religiosa. Acreditamos que uma mudança dentro da Igreja pode ser pensada como uma forma de aproximar o padre do falo perdido, não exigindo tanta abdicação de elementos valorizados na vida cotidiana, como por exemplo, a prática de esportes que possibilitam uma significação da identidade desse padre, a permissão para vivenciarem seus Hobbys que fazem significação fálica para os sujeitos, relacionados a diversas atividades, como culinária, música, carros, motos, estilo musical, etc.

Referências

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