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O valor simbólico do trabalho para o sujeito

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Academic year: 2021

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MÔNICA FABRICIA SEIDEL

O VALOR SIMBÓLICO DO TRABALHO PARA O SUJEITO

SANTA ROSA - RS 2015

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UNIJUI - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRAN-DE DO SUL

BACHARELADO EM PSICOLOGIA

MÔNICA FABRICIA SEIDEL

O VALOR SIMBÓLICO DO TRABALHO PARA O SUJEITO

Trabalho de Conclusão do Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), como requisito para aprovação e obtenção do título de Psicóloga.

Orientadora: Prof. Me. Elisiane Schonardie

Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Santa Rosa - RS

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AGRADECIMENTOS

Em toda atividade há muito a se agradecer aqueles que nos cercam, então, primeira-mente,agradeço a Deus, com certeza deve haver uma força maior que nos guie em momentos de extrema angustia e aflição.

Agradeço aos amores da minha vida - meus pais, que apesar da distância sempre esti-veram comigo, pela educação que sempre tive, pelo apoio necessário fornecido nas horas boas e ruins e por acreditarem sempre em mim, para que esta etapa fosse desenvolvida e finalizada, nesta conquista tão importante em minha vida que sem eles não seria possível.

Aos meus avós também deixo os meus agradecimentos por se mostrarem sempre pre-sentes na minha vida e em minhas escolhas, nunca duvidando do meu potencial como pessoa e graduanda do curso de psicologia.

À minha irmã, deixo aqui o meu carinho de irmã mais nova, e o meu desejo que siga na sua carreira profissional.

Deixo um enorme agradecimento a minha orientadora prof. Elisiane pela enorme paci-ência e compreensão por me apoiar na minha carreira acadêmica, me propiciando momentos de reflexão e mudanças pessoais importantes para meu futuro.

Por fim, a todos aqueles que em algum momento estiveram presentes nesta etapa de aprendizado ímpar durante este período de graduação.

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS 3

RESUMO 5

1 INTRODUÇÃO 6

2 O SIGNIFICADO DA PALAVRA TRABALHO 7

3 O MUNDO E A PSICODINÂMICA DO TRABALHO 14

3.1 O PROCESSO DE ALIENAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO 15

3.2 A FORMULAÇÃO PSICANALÍTICA PARA O CONCEITO DE ALIENAÇÃO 16

3.3 O VALOR DO TRABALHO NA SUBJETIVIDADE 22

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 28

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RESUMO

Tendo como embasamento teórico as proposições de diversos pensadores, em sua maioria filósofos, pode-se elencar uma rede de significados atribuídos ao trabalho. Muitos destes es-tudiosos construíram suas teses baseados em pontos de vista pessoais, influenciados pela cul-tura e sociedade nas quais encontravam-se inseridos, e consequentemente, a assimilação des-tas inúmeras teorias é ponto de partida essencial para o total entendimento da reflexão apre-sentada, culminando com o conceito atual de “trabalho" e seu valor percebido pela sociedade. A partir desta acepção, permite-se o estudo do tema através do conceito psicanalítico de alie-nação.O processo de alienação e separação é essencial para a constituição do sujeito frente ao Outro, e consequentemente em suas relações de trabalho. Ao analisar estes conceitos criados por Lacan, e apropriando-se de ideias de Marx, surgem questões pertinentes às relações do valor simbólico do trabalho na constituição subjetiva. Torna-se desnecessário exemplificar todo o processo de subjetivação do sujeito a partir do Trabalho, e ao invés disto questiona-se em qual lugar o sujeito responde à demanda do Outro nestas relações.

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1 INTRODUÇÃO

Qual o significado de “trabalho” na cultura contemporânea? Para responder a esta per-gunta, é necessário compreender a origem deste verbete. Ao analisar-se as relações do termo para com a sociedade em diferentes períodos da era moderna, é possível se traçar uma linha do tempo de sua evolução e diferentes interpretações históricas.

Portanto, para dar conta deste Trabalho de Conclusão de Curso, o mesmo se divide em dois capítulos:

O primeiro capítulo está direcionado nas questões básicas pertinentes ao trabalho, co-mo a origem e o significado da palavra “trabalho” para a cultura. Para chegar ao significado do trabalho e suas relações na atualidade, a pesquisa está focada na passagem do trabalho ao longo da historia, caracterizando o mesmo ao longo dos anos e destacando as principais mu-danças ocorridas.

O resgate de ideias de alguns autores que abordam sobre a questão do trabalho ao lon-go dos tempos, é fundamental para a reflexão sobre o ponto central desta pesquisa. Esta pas-sagem histórica representa o modo como o trabalho se desenvolveu até atingir o modelo atual, e permite o estudo através do conceito psicanalítico de alienação do sujeito, discutidos no segundo capítulo.

Portanto, a presente pesquisa bibliográfica aborda o valor simbólico do trabalho para o sujeito, tendo como questão principal: qual o valor simbólico do trabalho na contemporanei-dade e seus efeitos no sujeito?

A autora deste trabalho de pesquisa teve a oportunidade de vivenciar pessoalmente em seu estágio de Psicologia e Processos Organizacionais e do Trabalho o fato de que várias mu-danças ocorrem no mundo do trabalho, visando melhorias em todos os setores, principalmente os de risco; porém, muito pouco é feito pela saúde física e mental do trabalhador acometido por sofrimento psíquico e desgaste físico em decorrência do excesso de carga de trabalho.

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2 O SIGNIFICADO DA PALAVRA TRABALHO

O discernimento entre as diferentes conotações do termo Trabalho é essencial para a compreensão do tema, permitindo a identificação de cada importante modificação ocorrida ao mesmo, o que por sua vez abre caminho para a abordagem analítica do valor simbólico do trabalho para o sujeito.

No senso comum, a palavra trabalho possui diversos significados, dependendo do lu-gar e do contexto utilizados como referência. Assim, encontra-se o trabalho por um lado como realização pessoal, investimento, criação, invenção ou operação humana de transformação da matéria em objeto da cultura; por outro lado, o mesmo é associado à fadiga, cansaço, rotina, e até tortura, operação humana ligada à exploração do semelhante, alienação.

Na língua portuguesa existem dois significados para a mesma palavra Trabalho: a de realizar uma obra que se expresse e que dê reconhecimento social e, ao mesmo tempo, o es-forço rotineiro e repetitivo, sem liberdade, com resultados que se consomem e um incômodo inevitável. No dicionário encontra-se como definição de trabalho o emprego de forças e fa-culdades humanas para alcançar determinado fim; atividade coordenada de caráter físico ou intelectual, necessária a qualquer tarefa, serviço ou empreendimento; exercício dessa ativida-de como ocupação permanente, ofício e profissão.

Ainda é possível encontrar-se outros significados de trabalho como: o esforço feito na produção de uma obra de arte, dissertação ou discurso, discussões políticas para tratar de inte-resse público, coletivo ou particular. Para além destas atividades propriamente ditas, coloqui-almente o termo trabalho também significa dificuldade ou incômodo, por exemplo: “como esses meus filhos dão trabalho”; também pode significar preocupações, desgostos e aflições.

O registro mais antigo do significado de trabalho origina-se no Império Romano, onde consta no latim a palavra “trepalium” (CUNHA, 1986), utilizada para representar um instru-mento feito de três paus aguçados, algumas vezes ainda equipados de pontas de ferro, no qual os agricultores batiam o trigo e as espigas de milho para rasgá-los e desfiá-los. A maioria dos dicionários, contudo, registra trepalium apenas como instrumento de tortura, sendo esta sua origem inicial. Trepalium se refere a um instrumento romano de tortura, uma espécie de tripé formado por três estacas cravadas no chão em forma de pirâmide, no qual eram supliciados os escravos. Daí derivou-se o verbo do latim vulgar trepaliare, que significava, inicialmente, torturar alguém no trepalium.

É comumente aceito, na comunidade linguística, que esses termos vieram a dar origem no português às palavras “trabalho” e “trabalhar”, embora no sentido original o “trabalhador”

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seria um carrasco. Percebe-se que a etimologia da palavra Trepalium, ou tripalium em tradu-ções modernas (CUNHA, 1986) tem um fundo penoso, em que o trabalho é remetido à tortu-ra; não só a origem do termo está remetida a este sentido, mas o próprio “que-fazer” como algo penoso.

Durante a história o sentido da palavra sofre transformações, assim de Trepalium do latim trepaliare, que significa torturar, o conteúdo desse semântico passa a ser de “esforçar-se, laborar, obrar. Neste sentido, alguns filósofos ainda questionam esta origem etimológica e suas variações, portanto também encontram-se argumentos contrários à estas definições de sentido e de valor do trabalho. Para alguns, o trabalho é o gerador de sentido e prazer para a vida do sujeito, além de sua inserção no mundo social.

O labor era, portanto, uma forma de impedir que o ócio conduzisse o homem aos ví-cios; tais afirmações eram contemporaneamente compatíveis com as doutrinas calvinistas, baseadas nos Cinco Pontos do Calvinismo. Estes cinco pontos são a soma e a substância do sistema calvinista, que é tanto um movimento religioso protestante quanto uma ideologia so-ciocultural. O Calvinismo pressupõe que o poder de Deus tem um alcance total de atividade e que Deus trabalha em todos os domínios da existência, incluindo o espiritual, físico, intelectu-al, quer seja secular ou sagrado, público ou privado, no céu ou na terra (STEELE, 2014).

Para esta filosofia, o significado de trabalho tem o sentido de pôr em atividade suas forças espirituais ou corporais para alcançar o fim almejado pelo sujeito. Ou seja, o seu signi-ficado está no objetivo idealizado pelo sujeito, seja ele qual for, que é alcançado somente a-través do trabalho. Por outro lado, uma concepção oposta é a de Aristóteles (2003), ao postu-lar: “é no ócio que o homem encontra a virtude, qualidade relacionada à prática”. Segundo o pensamento da antiguidade clássica, os cidadãos não deveriam ser artesãos, mercantes ou camponeses, pois não restaria tempo para as atividades políticas, filosóficas e artísticas, ativi-dades valorizadas em demasia na época.

Pode-se perceber então duas opiniões atemporais e contraditórias a respeito do traba-lho: para Aristóteles as atividades reflexivas são as mais importantes para o sujeito, e para Agostinho (apud REVISTA CULT, 2009), o labor é uma forma de evitar o ócio proposto pe-las atividades reflexivas, crendo que as mesmas conduzem o homem aos vícios.

Dentro da discussão mais contemporânea e relevante encontram-se as idéias de Hegel (apud REVISTA CULT, 2009) este autor coloca o trabalho como a mediação entre o ser hu-mano e o mundo, afirmando que o homem só pode saciar suas necessidades por meio do tra-balho. Hegel foi o primeiro a formular a teoria filosófica de trabalho, argumentando que a atividade faz com que o egoísmo seja substituído pela realização das necessidades de todos.

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Nota-se também nos textos de Karl Marx (1987) uma semelhança com as ideias de Hegel de que o trabalho faz a mediação entre homem e natureza. Os homens são definidos pelo que fazem, e a natureza individual depende das condições materiais que determinam sua atividade produtiva. O trabalho seria então para o autor uma forma de alterar-se a relação do homem com a natureza, conquistando assim sua liberdade.

Entretanto, Marx (1987) também enfatiza que o trabalho pode se tornar uma forma de escravidão. O conceito de alienação, neste sentido, é fundamental, ou seja: o trabalho pode servir para que a maior parte do lucro de uma empresa vá para o empresário, ficando assim o trabalhador alienado da renda ao qual tem direito. Outro fator é que mesmo em um ambiente de trabalho onde surgem idéias de como otimizar a produção, as idéias nem sempre são divi-didas com os trabalhadores. Assim, o trabalhador interfere no ambiente de trabalho, mas é privado de participar das decisões que poderiam beneficiá-lo.

Portanto o fator de alienação do sujeito está presente quando ele não mais apresenta consciência e intencionalidade no que está fazendo, trabalhando unicamente para prover o seu sustento, o qual está aquém do esperado pelo seu esforço. Assim, Marx (1987) expõe uma contradição: por um lado, o sujeito tem a liberdade de escolha no sentido de que pode traba-lhar onde quiser; por outro, seu próprio trabalho pode se tornar sua alienação, ou seja, sua liberdade é questionada. Além do mais, o sujeito poderia realizar seu trabalho de uma maneira única ou de várias formas diferentes.

Hannah Arendt (2007) é uma das autoras contemporâneas que possivelmente tenha se atido mais a refletir sobre o valor simbólico do trabalho. No seu livro “A condição humana”, a autora destaca as atividades fundamentais: labor, trabalho e ação. Sendo o Labor o processo biológico do corpo do homem pela sobrevivência, o trabalho corresponderia à fabricação, criação de um produto por técnica ou arte, correspondente ao artificialismo ou existência hu-mana. A ação, por sua vez, exerce diretamente entre os homens, sem a mediação da matéria. É o domínio da atividade em que o instrumento é o discurso, a voz e a palavra.

O trabalho do homem aparece cada vez mais nítido por sua intenção e direção na qual seu esforço está proposto. Para muitos, o que distingue o trabalho humano dos outros animais é justamente a consciência e a intencionalidade, enquanto que os animais trabalham por ins-tinto. Estudiosos supõem que a origem tradicional da palavra trabalho se refere à passagem pré-histórica da cultura da pesca e caça para a descoberta da cultura agrícola. Já a significação de hoje que é dada ao trabalho se refere à transição da cultura agrícola para a produção indus-trial.

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Para melhor entender as origens da atividade de trabalho, convém recapitular as cons-tatações de Suzana Albornoz (1986), em seu livro “O que é o trabalho”, com as quais com-preende-se a transformação do trabalho de caçar e pescar como método de sobrevivência e sustento para a descoberta da agricultura e armazenamento de bens. A autora afirma ter en-contrado na selva amazônica um grupo de pessoas ligadas por laços de sangue, em estado primitivo de desenvolvimento, motivadas por lendas, mitos e crenças, no qual o esforço do grupo responde a uma ordem. Nelas, o principal modo de provisão de recursos é a coleta de frutos, além da pescaria e da caça. Nesta micro-sociedade, o excesso não consumido é devol-vido para a natureza.

Pode-se assumir então, que o trabalho é um esforço apenas para complementar o tra-balho da natureza. Não só o tratra-balho é primitivo na forma de complementaridade quase se-cundária ante à ação da natureza, mas a própria economia é cercada de uma simplicidade es-quecida hoje nas redes de produção modernas, onde há a preocupação com o acúmulo de ri-quezas. É interessante perceber a relação do sujeito com a natureza, provedora do seu susten-to. O trabalho dos homens passa a ser um complemento do que já existe, e existe a preocupa-ção em usar somente o necessário, poupando ou devolvendo para a natureza o não utilizado.

Nesse estágio de economia isolada, tem-se como ponto alto a descoberta da agricultu-ra, sendo que esta é passível de ter ocorrido ao acaso em meio a incêndios nas florestas onde os moradores da redondeza observavam que as sementes cresciam nas cinzas; assim, se tor-nou habitual queimar parte da floresta. Há também a suposição de que as mulheres desenvol-veram o período inicial da atividade agrícola, já que a caça e a pesca estavam esgotadas em alguns locais e houve a necessidade de desenvolvimento de outra forma de sustento. Desta maneira era comum encontrar em diversas regiões uma divisão do trabalho, no qual as mulhe-res plantavam e os homens caçavam e pescavam, embora isso não ocormulhe-resse em todas as cul-turas.

O desenvolvimento da agricultura e domínio da natureza pelo homem começam a per-turbar o equilíbrio deste ambiente; são descobertas novas formas de alimentos para as famílias e inicia-se o crescimento populacional. Essa expansão leva à conquista de novas terras, mu-dando as paisagens das quais a mata é retirada e substituída por grandes áreas de mato e pas-tagens. A partir disto cria-se condições para uma classe social ociosa, onde se o sujeito traba-lha algo com suas próprias mãos tem a sensação de que isso o pertence, e reivindica a posse ou domínio, por exemplo, daquela área plantada e cultivada. Percebe-se a partir destas mu-danças que a autonomia e o individualismo da futura sociedade capitalista já estão adquirindo força em seu discurso.

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Nessa produção nada é desperdiçado; quando sobra algo, leva-se e faz a troca por ou-tro produto com o vizinho. Porém, se o vizinho tiver mais posses do que as outras pessoas, suas sobras passam a valer mais, gerando uma troca desigual nessas relações. Essa troca desi-gual é equivalente às relações de comércio estabelecidas na atualidade, porém menos comple-xa. Esse sentimento de posse é perdido aos poucos e a propriedade se separa do trabalho, a tal ponto de se desapropriar totalmente o direito de quem trabalha pelo suposto direito da propri-edade ociosa. Ou seja, o valor dado ao trabalho de quem produz é menor do que ele realmente vale para o sujeito. Assim, a autora citada afirma:

Um fato relacionado com esta evolução da propriedade e de sua separação do traba-lho foi a prática da guerra. O povo conquistado na guerra frequentemente permane-ceu para trabalhar e entregar seus excedentes aos novos senhores. Ou pela guerra fo-ram capturados escravos que viefo-ram constituir a base da força de trabalho, ficando submetidos sob a categoria mais baixa da hierarquia social do povo conquistador. (ALBORNOZ, 1986, p. 18).

Encontramos, também, a mesma dinâmica na relação de trabalho: senhor e escravos, servos ou camponeses:

Conforme o tempo e lugar, o país e a época, as terras podem ser trabalhadas por es-cravos, servos ou camponeses; e o excedente pode ser recebido por fidalgos inde-pendentes ou por funcionários de uma monarquia ou de uma potência imperialista. Mas, as linhas principais das relações econômicas eram semelhantes: o excedente era consumido em parte para manter um aparato militar e em parte para sustentar o padrão de vida da classe ociosa. Do trabalho sobre a terra se origina a riqueza que vai incentivar o desenvolvimento do trabalho artesanal; ao mesmo tempo se intensi-fica o comércio. (ALBORNOZ, 1986, p. 19).

Tem-se o registro histórico de que na antiguidade alguns povos já se dedicavam ao comércio. É o caso dos fenícios. A economia avança na idade média, tornando o comércio uma fonte de riqueza que não depende mais diretamente da propriedade da terra. Surge em vários centros no mundo, como Europa, China e Peru, uma burguesia, que era uma comuni-dade onde suas rendas desfrutavam de um grau de independência maior ou menor dos poderes feudais. Os mais bem sucedidos entre os comerciantes empregavam trabalhadores e aos pou-cos estabeleceram uma hierarquia baseada no dinheiro, e um mercado onde os produtos agrí-colas pudessem ser vendidos por dinheiro. A burguesia, ainda nos dias de hoje, é a classe do-minadora, sendo ela quem determina, em grande parte, as formas pelas quais se realiza o tra-balho.

Depois de alguns séculos em que a colonização de novos mundos descobertos carre-ara pcarre-ara a Europa riquezas consideráveis, e com a aplicação da ciência à produção, a expansão capitalista gerou o que se chamou de Revolução Industrial. (ALBORNOZ, 1986, p. 22).

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Outro fator importante nesta conjuntura foi a Revolução Industrial; uma série de mu-danças tecnológicas que interferiu profundamente no processo produtivo, em nível econômico e social. Iniciou-se na Inglaterra, em meados do século XVIII, expandindo-se por todo o mundo no século XIX. No decorrer do processo, a produção agrícola manual foi superada pela máquina, que suplantou gradativamente o trabalho humano com novas relações entre capital e trabalho, propiciando o surgimento do fenômeno da cultura em massa, entre outros.

Essa transformação foi possível devido a uma combinação de fatores, como o libera-lismo econômico, cujo o pressuposto básico da teoria é a emancipação da economia de qualquer dogma externo a ela mesma, a acumulação de capital e uma série de in-venções. O capitalismo tornou-se o sistema econômico vigente. (MARX, 1987, s/p.).

Pode-se desta maneira identificar-se três estágios de desenvolvimento da tecnologia, sendo o primeiro a invenção da maquina a vapor, no século XVIII; o segundo se caracteriza pelo uso da eletricidade; e por fim, a automação é o mais recente estágio da evolução tecnoló-gica, tendo como invenção principal o computador, no século XX.

O sistema capitalista foi bastante analisado, principalmente por Karl Marx (1987), que discute alguns conceitos fundamentais para o entendimento acerca do valor do trabalho para o sujeito. Este autor define o termo alienado/alienação para explicar o trabalhador como não mais sendo dono do que produz; em decorrência disto surge a alienação em relação ao cargo que ele ocupa, trazendo também conseqüências como a desestruturação do mercado de traba-lho, em que o mesmo passa a ter apenas sentido de lucro. O sujeito, na medida em que não tem consciência do que está fazendo, e que aquela mercadoria que está produzindo não trará satisfação nem benefícios para sua vida, está produzindo um trabalho alienado e destituído de sentido para si próprio.

Outro conceito apreciado por Marx (1987) é o de “Mais Valia”, que é o nome dado à diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao trabalhador, que seria a base do lucro no sistema capitalista. Ele nada mais é do que o lucro gerado pelo trabalhador, constituindo, segundo o pensador, uma forma escrava de trabalho na medida em que este vale muito mais do que o recebido em troca pela empresa que o contrata.

Pode-se resumir os princípios ponderados por Marx (1987) utilizando-se o exemplo fictício do trabalhador/operário que trabalha em determinada montadora de automóveis, tendo a simples função de instalar uma peça; seguindo o processo da linha de produção, um colega instala outra, e assim sucessivamente. Muitas vezes ele nem sabe a razão ou finalidade da peça no todo, não sabe sequer quantos automóveis já ajudou a montar e não tem condições de

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adquirir o próprio produto para o qual trabalhou (ainda que por um salário abaixo da média); conseqüentemente, estará realizando um trabalho que não lhe traz benefícios.

Para o autor, o produto em questão varia conforme o local e ramo de trabalho, porém estando a alienação sempre presente. No caso de uma fábrica de confecções, o produto irá ser o tecido. No caso de um motorista de ônibus, por exemplo, em que seu trabalho não esteja vinculado a produção, é possível que ele desenvolva um trabalho alienado ou não. Ele pode realizá-lo com desejo de dirigir, não tendo a ambição de receber mais que ummotorista, pois ele produz com alegria.Podemos encontrar um pescador mais satisfeito com aquilo que está realizando do que um renomado empresário, dependendo das relações que eles tenham com o trabalho.

Autor de “O Capital”, Karl Marx (1987) afirma que se o produto do trabalho é aliena-do aliena-do trabalhaaliena-dor por ser algo exterior a ele, a ponto de não lhe pertencer, deve ser então pro-priedade de outro que não é evidentemente quem o produziu, nem os deuses e muito menos a natureza, como pensavam os antigos. Então, logicamente, deve ser outro homem que tomou dele aquilo que deveria lhe pertencer, tornando-se, assim, produto do meio, e na palavra do pensador, torna-se assim o homem “mercadoria”.

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3 O MUNDO E A PSICODINÂMICA DO TRABALHO

Há uma preocupação generalizada, mencionada por inúmeros autores, em relação às mudanças no trabalho causadas pelo processo de globalização, em vista de alto índice de de-semprego e a degradação das condições de trabalho no mundo inteiro. O processo de globali-zação em andamento define grandes mudanças no mundo trabalhista como as inovações tec-nológicas e a relação do homem com essas novas tecnologias, além do enfraquecimento da atividade econômica, mudanças na organização do trabalho e a inserção da mulher nas mais variadas áreas do trabalho, e redefine as relações entre capital e trabalho.

As mudanças do setor trabalhista tem transformado o perfil da classe trabalhadora, em vista de estar reduzindo reduzindo a classe operária industrial e expandindo o setor de servi-ços. O operário altamente qualificado está perdendo seu lugar para o multidisciplinar, que consegue realizar um número maior de tarefas. Paralelo a isto, o acelerado avanço tecnológico deixa o trabalhador muitas vezes frente a frente com o não saber e a desatualização, promo-vendo uma desqualificação cíclica e constante.

Alguns setores do mercado atual tem perdido importância, cedendo lugar a novos co-nhecimentos e habilidades, excluindo antigos trabalhadores cujo saber e experiência acumu-lados não têm mais tanto valor e não se encaixam mais nas novas organizações do trabalho. Os contratos de trabalho flexíveis do mundo contemporâneo favorecem a inserção de trabalhadores instáveis, onde a estabilidade financeira já não é mais parte dos planos. Surgem novas relações de trabalho, como Selma Lancman e Laerte Idal Sznelwar (2004) citam: os trabalhos informais, terceirizações de serviços, ofertas de trabalho autônomo, postos de traba-lho temporários, subcontratos e terceirização. O fim do trabatraba-lho estável inviabiliza e dificulta os sonhos de muitos trabalhadores em construir uma carreira e fazer planos a partir de seu salário.

A reestruturação produtiva do país, a incorporação de novas tecnologias, a precari-zação das relações de trabalho, a intensificação do ritmo, a diminuição de postos de trabalho, a sobrecarga e a exigência de polivalência dos que permanecem trabalhan-do têm ampliatrabalhan-do e agravatrabalhan-do o quadro de trabalhan-doenças e de riscos de acidentes. Os dis-túrbios osteomusculares e as lesões por esforços repetitivos – DORT/LER, além dos transtornos psíquicos, são hoje as principais causas de afastamento no trabalho e de aposentadorias precoces, com forte impacto nas contas da previdência. (LAN-CMAN; SZNELWAR 2004, p. 27).

Segundo Lancmane Sznelwar (2004), o fim do trabalho estável traz consigo a perda de esperança de uma vida estável, limitando-se aos ganhos necessários para a sobrevivência imediata. Vários autores frisam a importância do trabalho que liga o sujeito à sociedade em

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que vive na constituição do próprio sujeito. O trabalho vai além do ato de trabalhar, da supe-ração e do salário. Há outra remunesupe-ração que é a social. Nesta, abrangemos a função psíquica do trabalho, que é um dos grandes pilares de constituição do sujeito e de sua rede de signifi-cados, tais como, reconhecimento, gratificação, mobilização da inteligência. Mais do que re-lacionados à realização do trabalho propriamente dito, eles estão ligados à constituição da identidade e da subjetividade do trabalhador.

O trabalho para Lancman e Sznelwar (2004) é o maior fator a oferecer sentido para a integração social, embora a integração social não se constitua apenas nas relações de trabalho. Uma das características fortes destas mudanças no trabalho são as mudanças relativas ao gê-nero, onde as mulheres passaram a se inserir de maneira muito expressiva no mundo do traba-lho, ocupando muitas vezes o lugar de provedoras das famílias. Essa inserção crescente, ge-rando substituição do trabalho do homem pelo da mulher, também se refletiu na identidade dos trabalhadores homens, gerando situações de humilhação e de enfraquecimento da autori-dade paterna.

As mudanças das atividades profissionais nos tempos modernos mudaram a vida dos sujeitos que agora são obrigados a viver lógicas de mercado extremamente flexíveis, onde a instabilidade domina e suas vidas ficam à mercê da economia. O avanço tecnológico com sua linha do tempo cada vez mais estreita, acaba por acentuar ainda mais as desigualdades e traz consigo novas modalidades de opressão, sobretudo psíquicas. O mercado trabalhista tem de-monstrado tentativas de adequar-se à nova lógica, visando a melhoria da produção e estímulo à adoção de novas tecnologias, capacitação profissional, bem como da aplicação destas tecno-logias em prol das condições e organização do trabalho.

3.1 O PROCESSO DE ALIENAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO

Tendo-se percorrido uma sinopse da história do trabalho e seu valor para o sujeito, pode-se abordar o conceito fundamental na constituição do sujeito em relação ao Outro, a alienação. Jacques Lacan subverte este conceito trazido desde a teoria de Marx (1987) como uma operação de subjetivação junto com o de separação. Em que medida este conceito de alienação nos ajuda a pensar as relações do sujeito com o trabalho? A resposta a este questio-namento advém da abordagem do conceito de alienação, primeiramente de acordo com Marx(1987), e em seguida como postulada por Lacan na psicanálise.

A partir das leituras dos psicanalistas Cristina Poli (2005) e Bruce Fink (1995), onde os mesmos ressaltam a importância que Lacan referencia Marx e Hegel no tema da alienação,

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e atribui a Marx a invenção do sintoma. Especificamente sobre a alienação, é estabelecido partindo da discussão entre Marx e Hegel (trabalhado em Hegel e mais tarde desenvolvido de outra forma por Marx), como exemplo do sujeito alienado é a clássica figura do “senhor e do escravo”, que, segundo Hegel (1807), o sujeito deve submeter-se ao Outro para ser reconheci-do como sujeito reconheci-do desejo, ou seja, deve-se alienar como sujeito e reduzir-se a condição de objeto do Outro, o qual lhe escreve os seus desejos.

Isto é constatado em decorrência desta figura encenar a determinação do desejo huma-no como desejo do Outro. Este é o momento de passagem do estado de natureza à determina-ção social. A reladetermina-ção de dominadetermina-ção que se estabelece então, revela a falsa aparência da “von-tade livre” do estado de natureza. A liberdade e a von“von-tade só se realizam pela passagem por outra vontade que estabeleça o seu limite, reconhecendo-as. Para Marx (1987) é a ideologia capitalista que reduz o ser humano à condição de mercadoria, o excluindo como sujeito.

O que sucede a mercadoria, ocorre, de certo modo, ao ser humano. Como ele não vem ao mundo munido de um espelho, nem da fórmula do eu fichtiano, o homem se vê e se reconhece primeiro no espelho de um outro homem. É somente através de sua relação ao homem Paulo, seu semelhante, que o homem Pedro se refere a si mesmo como homem. Mas, assim fazendo, o Paulo em questão, com toda a sua cor-poreidade paulina entre carne e osso, é igualmente reconhecido por ele como forma fenomenal do gênero humano (MARX,1987, p. 60).

Esta comparação de Marx traz consigo o fato de que o objeto é considerado mercado-ria por sua dupla característica, ou seja, o valor de uso e o valor de troca. O filósofo apresenta a relação de simples troca de um objeto por outro, no qual o corpo de um se torna o espelho do valor do outro. Em “O capital” Karl Marx (1987) aponta que o trabalho do homem é con-siderado uma mercadoria, a tal ponto que o ser humano acaba se reduzindo à própria, por nele se representar.

Para Marx, o movimento de “alienação e reconhecimento” descrito por Hegel (1995), constituintes da “consciência-de-si”, prescreve a redução do sujeito de ser objeto do Outro. Ele demonstra que o mecanismo dialético opera no sistema simbólico dos homens, que é re-gido pelo capital, tornando-os instrumentos de produção a seu serviço. A alienação seria uma submissão involuntária ao sistema econômico, semelhante à servidão religiosa.

3.2 A FORMULAÇÃO PSICANALÍTICA PARA O CONCEITO DE ALIENAÇÃO

É de extrema importância ressaltar que Lacan utiliza o termo alienação desde o início para dar conta da relação especular do sujeito com o Outro, dizendo que o sujeito se aliena aos significantes do Outro. O Outro ao qual o sujeito se aliena não é apenas o da imagem, mas

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o Outro simbólico, tanto o é que Lacan o enuncia de forma bastante direta ao dizer que “a alienação é o imaginário enquanto tal”.

Assim Poli (2005) nos diz:

O sujeito tem sede por alienação, onde o “eu” é, varias vezes evocado como lugar

do engodo, da ilusão, que dissimula a relação do sujeito à verdade, ao desejo. Pode-mos dizer que o inconsciente do sujeito deseja a alienação pois ela distorce a reali-dade, muitas vezes uma realidade difícil de encarar. (POLI, 2005, p. 116).

Ainda a mesma autora afirma que:

No mito individual do neurótico, Lacan (1979) desenvolve a idéia da alienação co-mo dizendo respeito à duplicação. Lacan enuncia nesse texto que o sujeito se dupli-ca, se faz outro, a fim de fugir do objeto de seu desejo. Ele “aliena-se a si mesmo", ao criar um personagem substitutivo que é aquele que será representado como tendo acesso ao objeto (POLI, 2005, p.116).

Desta maneira, a alienação está sempre presente no desejo, o distorcendo, fazendo com que o sujeito tome a sombra como verdade, ela falseia não só o objeto em questão como o próprio sujeito, e nessa dialética é impossível escapar. É essencial destacar a concepção de desejo para Lacan, ao enunciar que o sujeito deseja ser desejado, ou seja, que “o “objeto” do seu desejo é o si - mesmo como desejado pelo Outro. Para o sujeito é a mediação do Outro que fornece a ele elementos para uma identificação, por meio da alienação.

Lacan, em 1953 desenvolve uma psicogênese do que concebe como o processo de “alienação”, o qual é marcado por uma temporalidade: uma fase de alienação primordial onde o desejo está alienado, correspondente a uma agressividade radical e desejo de extermínio do outro (POLI, 2005). A primeira alienação do desejo onde “o sujeito se capta primeiro como eu no rival”, o desejo é marcado na luta pelo reconhecimento, para depois entrar na outra fase "O desejo do sujeito é o desejo do Outro", nesse tempo o sujeito se vê integrado sob a forma de um “eu”, onde ele se constitui pelo desejo do Outro.

“O eu, sentencia Lacan, é esse mestre que o sujeito encontra num outro” (POLI, 2005, p.110). Por isso, as relações que o sujeito estabelece apresentam sempre esta exclusão imaginária. Ou ele ou eu, é o que a estrutura originária do eu estabelece.

Também segundo Poli (2005), Lacan trabalha este conceito de alienação no seu semi-nário sobre as psicoses acerca do que acontece na “alienação psicótica”. Estabelece-se a rela-ção entre a foraclusão do significante nome-do-Pai e as alterações decorrentes nos suportes imaginários e simbólicos do sujeito, isto é, na relação do sujeito ao outro/Outro. A psicose se problematiza segundo Lacan na dificuldade interna ao percurso da alienação na constituição

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do sujeito. Na ausência do significante do Nome-do-Pai, todo o suporte imaginário e simbóli-co do sujeito é simbóli-comprometido.

Lacan (in.: Poli, 2005) em relação à foraclusão1 pontua algumas diferenças com a neu-rose, e fala da foraclusão como uma “alienação radical”, onde há uma desapropriação do sig-nificante, diferente da rivalidade com o pai no caso da neurose, que pode ter um sentido ani-quilante, mas diferente do aniquilamento do significante tal como na psicose. Pontua-se a questão da foraclusão do nome-do-pai, ocorrida na psicose para destacar que essa é uma for-ma de resistência do sujeito ao processo de alienação, ficando desta forfor-ma sem a identificação ao Outro, e, portanto não respondendo deste lugar.

Um ponto importante a ser destacado que é estabelecido por Poli (2005) é esta “desa-propriação” no primeiro tempo da alienação, onde o sujeito não conta com a mediação do significante prendendo-se diretamente no espelho do Outro, alienado a uma imagem de com-pletude narcísica. Segundo Lacan nesse caso a agressividade é radical, e visa a destruição do outro, além disso não há registro de desejo e nem de afetividade.

Outra diferença que aponta Poli (2005) em referência a Lacan, em relação à dita “alie-nação radical”, na qual o significante encontra-se foracluido, é o caso da Psicose, onde aquilo que é alienado não retorna reflexivamente ao sujeito e perde-se como não-eu; e a outra, medi-ada pelo significante, constitutiva do eu e do desejo, sendo este o caso da neurose onde o não-eu retorna como outro do sujeito, base imaginária do não-eu, cujo desejo se encontra alienado á imagem de satisfação do semelhante.

Assim, este segundo processo é o de subjetivação, ou seja, de construção e atribuição de um sujeito ao desejo e à pulsão. “A alienação mediatizada significa simplesmente a intro-dução do ser humano no universo das significações, representa a inscrição da pulsionalidade no registro do desejo”.(POLI, 2005, p. 122)

Percebe-se nessa citação de Poli (2005) um dos pontos centrais desse processo, que será enfatizada mais tarde no complemento a esse processo, o de “separação”, onde essa alie-nação mediada pelo Outro, tem sua principal significação no processo identificatório e de apropriação no sujeito dos significantes que se encontravam antes no Outro.

A condição Radical da alienação só se dá pela mediação de “um” significante, que coloca o semelhante na condição de duplo lugar do sujeito. A construção de uma

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Trata-se de um mecanismo específico da psicose, desenvolvido por Jacques Lacan, através do qual se produz a rejeição de um significante fundamental para fora do universo simbólico do sujeito (REDEPSI, 2008).

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ção que inscreva um sujeito à Pulsão é necessariamente mediada pelo outro/Outro; tal é a fun-ção que fracassa na Psicose, e desta forma Poli (2005, p.123) afirma:

Se o significante divide o sujeito tornando-o para sempre perdido na alienação do

desejo do outro/Outro, a alternativa da psicose não lhe fornece melhor saída. Na neurose, a “opção” será entre alienar-se a um desejo insatisfeito ou a um desejo im-possível, conforme as figurações do outro na histeria e na obsessão.

Neste sentido, afirma a autora que Lacan usa ao mesmo tempo o termo “sujeito alie-nado” e “sujeito dividido”, pois ele é ao mesmo tempo o eu imagem e o eu inconsciente, sen-do ele alienasen-do pela imagem e pelo significante, e como ele se representa na língua e pela língua será sempre um sujeito alienado.

Em 1964 Lacan desenvolve um novo conceito de alienação, a noção de “aliena-ção/separação”, sendo ela um movimento de corte, pelo qual o sujeito advém ao campo do Outro. Lacan parte da suposição que esse campo do Outro é falho, e que não há um signifi-cante que garanta significação; esta falta no campo do Outro, que podemos nomear de castra-ção, Lacan denomina de representação subjetiva. Onde o desejo do Outro aparece, é impossí-vel encobrir suas faltas. Lacan, como anteriormente destacado, atribui importância muito grande à questão “nome-do-Pai” como significante fálico, concluindo que este seria suficiente para dar suporte ao sujeito.

Em determinado momento o autor fala sobre a travessia do fantasma, onde o rumo dela seria o da falta do Outro, isto é:

O significante que, recalcado, significaria ao sujeito o seu Ser no mundo – determi-nado pela falta a ser do Outro, condicionando, assim, o seu gozo no sintoma. Esse significante que Lacan chama de fálico, representa e significa o desejo do Outro – o casal parental – ao qual o sujeito – o filho – encontra-se alienado. Nesse tempo das elaborações de Lacan, trata-se de supor no fantasma a resposta “alienada” que o su-jeito elabora à questão que o desejo do Outro lhe coloca, sendo esta resposta um e-feito de construção da psicogênese.(POLI, 2005, p.126).

Lacan reconhece em Hegel a sobredeterminação do sujeito à estrutura da linguagem, e se vale da “dialética do senhor e do escravo”, já exposto anteriormente, para concluir que “um significante representa um sujeito para outro significante”, sendo o sujeito escravo dessa ca-deia de significante. Distancia-se então das idéias de Hegel para se aproximar às de Marx, para pensar os efeitos de gozo na “escravidão”. O autor indica que, ao contrário do que Hegel (1995) afirmava, o escravo não renuncia ao gozo, mas sua submissão o coloca na relação a um gozo Outro: a mais valia, conceito formulado por Marx (1987), e que Lacan nomeia na sua leitura de “mais de gozar”.

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O mesmo afirma que “o desejo do homem é o desejo do Outro”, sendo que o homem ganha sua significação enquanto tal na alienação, ela é constituinte do sujeito, e do lugar lógi-co do Outro. “O verdadeiro “mestre” é o significante, porém não um significante qualquer, mas aquele que representa o desejo do Outro: o "falo”. (POLI, 2005, p.133)

A alienação é o efeito de duas lógicas: a do discurso e a da pulsão, definição do in-consciente como discurso do Outro, estruturado pela linguagem, onde para que a palavra te-nha o efeito de significante precisa se renunciar ao gozo do objeto. A inclusão pelo lado do discurso implica que do lado pulsional o objeto se perca.

Segundo Poli (2005), Lacan introduz o conceito de Reunião que “é a forma lógica do vel alienante; fruto do encontro do discurso do Outro (o inconsciente) com a pulsão, ela com-porta a dimensão de separação, devido à alienação comcom-portar uma escolha cuja solução se formula pelo ”nem um nem outro”, como proposto anteriormente. O encontro com o Outro só é possível na medida em que falta algo ao discurso, um significante que garanta a significa-ção, que por sua vez é completado com o lado pulsional do sujeito, ou seja, com o corpo. O que retorna ao Outro então é representado pela falta de objeto para a satisfação da pulsão.

A autora então propõe um questionamento sobre o desejo: O que o Outro quer de mim? Um desejo insatisfeito ou impossível de conseguir, onde o neurótico e a histeria sempre ficarão inconformados por acharem que nele poderiam encontrar a satisfação. Surge a angús-tia de se ver engolfado apenas como objeto a preencher a falta do Outro, porém defendendo-se ao contestar a existência do Outro; defendendo-se o outro não existe não há dedefendendo-sejo a defendendo-ser satisfeito.

Nesta dialética da pulsão e linguagem, portanto, do sujeito e do Outro, permanece um resto, inacessível, denominado "resto a-mais-gozar", excluído do universo da representação, ao qual o sintoma vem tentar fazer suplência. Ou seja, o sintoma vem dar conta do que não se pode representar nesse jogo, dando conta desse ”resto”.

Ponderando-se por outro lado a Alienação como processo constitutivo, denomina-se o processo que a complementa e que confere sentido aos significantes ao qual o sujeito se aliena frente ao Outro, de “separação”. A leitura Lacaniana do autor Bruce Fink (1995) propicia uma melhor compreensão do conceito de separação, o qual nos indica onde a separação entra no conceito de Alienação e a sua importância para a constituição subjetiva do sujeito.

As partes envolvidas no conceito Lacaniano de Alienação, o sujeito e o Outro tem pesos desiguais na relação, onde a criança nessa briga quase sempre perde se submetendo ao Outro; por outro lado, ganha ao se inscrever no mundo da linguagem, permitindo que o signi-ficante a substitua. Nesta etapa a criança se encontra como sujeito dividido, desaparecendo atrás do significante.

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Segundo Lacan (apud FINK, 1995) a criança não precisa perder essa briga; ela faz uma escolha “forçada” na submissão ao Outro, onde o mesmo diz que ela pode vencer, esco-lhendo não se sujeitar ao Outro como linguagem, podendo ser a psicose a resposta dessa vitó-ria. Na etapa da Alienação é a “linguagem” que está envolvida na relação com o Outro, tendo em vista que esta escolha que a criança faz ao submeter-se é importante para a sua constitui-ção e inserconstitui-ção no mundo da linguagem, tendo por meio dela a mediaconstitui-ção e distorconstitui-ção em repre-sentar suas necessidades.

A segunda operação nomeada por Lacan de Separação “envolve o conforto do sujeito alienado com o Outro, dessa vez não como linguagem, mas como desejo” (FINK, 1995, p.72). O autor efetua ainda uma leitura de desejo em Lacan, que permite o prosseguimento nesta linha de raciocínio; seu argumento é de que o corpo físico da criança surge ao mundo movido pelo desejo dos pais, os quais podem ser complexos, ou nem mesmo estarem de acor-do quanto à razão de terem esse filho. Neste sentiacor-do “o sujeito é causaacor-do pelo desejo acor-do ou-tro”; dessa forma compreende-se a afirmação como à alienação em torno do desejo, e não somente na linguagem, embora ambas andem juntas.

Se, então, a alienação consiste na causação do sujeito pelo desejo do Outro que pre-cedeu seu nascimento, por algum desejo que não partiu do sujeito, a separação con-siste na tentativa por parte do sujeito alienado de lidar com esse desejo do Outro na maneira como ele se manifesta no mundo do sujeito (FINK, 1995, p.73).

A separação é importante para que o sujeito venha a apropriar-se da linguagem e a falar em nome próprio, e não apenas em função ao desejo do Outro. Bruce Fink (1995) traz este processo de uma forma forçada por parte da criança, onde a mesma luta por manter-se o único objeto de desejo do Outro, porém fracassa ao perceber que não pode satisfazer todos os desejos da mãe, a qual tem outros interesses.

A alienação não é um processo permanente, mas uma operação acometida em alguns momentos na vida do sujeito. O que entra em questão é a relação sujeito e Outro, na qual o sujeito sai sempre como perdedor na cena quando se submete a esse processo. Ela é o primei-ro passo para a subjetivação do sujeito, e nesse passo o que é envolvido é o próprio desapare-cimento. Parece contraditório denotar o sujeito alienado ao Outro como “desaparecido”, po-rém, antes da inscrição da palavra e da apropriação da linguagem, ele não é, não existe, e so-mente através desse processo poderá discutir como sujeito, mesmo não o sendo.

Através da alienação, tem-se a abertura para que possa ser um sujeito, sendo que antes dela não havia nenhuma possibilidade de ser; ela abre um lugar onde se espera encontrar um sujeito, mas que no entanto permanece vazio, e a primeira visão com que o sujeito se depara é

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com a “falta”. E para exemplificar essa “falta” Lacan utiliza a metáfora de que para que algo falte, é preciso de que antes ele esteja presente e localizado, e que antes tenha tido um lugar.

Em relação ao processo que complementa a “alienação”, que é essa escolha forçada, a “separação” é o processo que da origem ao “ser”. Enquanto na alienação o processo confuso está baseado na lógica de ou/ou, a separação se baseia na de nem/nem. Na alienação percebe-se que o sujeito está excluído frente ao Outro; já na percebe-separação tanto o sujeito como o Outro estão excluídos. Segundo o autor há uma coincidência, uma justaposição entre ambos, onde a falta coincide.

Pode-se utilizar o exemplo da alienação e separação na criança com relação a sua mãe, onde no primeiro conceito encontra-se alienada ao Outro, e para que aconteça a separação, a mãe precisa demonstrar-se desejante de um desejo que não se encontra na criança; em conse-quência disso, aparece como faltante e também alienada na relação, se pondo numa relação igualitária, onde a criança vai passar a responder em nome próprio, e não apenas como uma extensão do desejo materno.

No seminário 10 de Lacan esta relação é claramente demonstrada:

O que provoca ansiedade? Ao contrário do que dizem as pessoas, não é nem o ritmo nem a alternância da presença-ausência da mãe. O que provoca isso é que a criança delicia-se em repetir os jogos de presença – ausência: a segurança da presença é en-contrada na possibilidade de ausência. O que mais causa ansiedade na criança é quando a relação através da qual ela vem a ser – baseada na falta que a faz desejar – é mais perturbada: quando não há nenhuma possibilidade de falta, quando a mãe es-ta conses-tantemente antecipando suas necessidades. (FINK, 1995, p. 76).

Considerando-se esta aproximação ao conceito de Alienação/Separação, resgatando os fundamentos da leitura Lacaniana desenvolvida pelos dois psicanalistas citados, reconhece-se seus efeitos no mundo do trabalho, tendo em vista que esta é uma das atividades de maior representação para o ser humano. Ao mesmo tempo é de suma importância recapitular a teoria de Marx (1987), na tentativa de compreender-se o que nos faz questão no mundo do trabalho, e da constituição do sujeito frente a este. Além de Marx (1987), as leituras do psicanalista Alfredo Jerusalinky (2000) oferecem uma abordagem contemporânea das relações no traba-lho. A partir deste coletivo de idéias pode-se formular um conceito completo e abrangente da relação entre o sujeito e o trabalho.

3.3 O VALOR DO TRABALHO NA SUBJETIVIDADE

O trabalho para um sujeito pode tanto não ter valor nenhum como pode ser a atividade mais valiosa em sua vida. Tratando-se deste tema, seu significado tem se alterado ao longo da

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história; Mills (1976) demonstrou que para os gregos antigos o trabalho era encarado como um “mal físico” que embrutecia o espírito, ao qual os indivíduos de maior valor não deveriam submeter-se. Para os hebreus tinha um sentido semelhante, porém para o cristianismo o signi-ficado era o de ajudar o homem a se livrar dos pensamentos ruins; já para Lutero o trabalho passa a ser um modo de servir a Deus. John Locke via no trabalho a origem da prosperidade individual e a fonte de todo o valor econômico.

Entretanto, somente no séc. XIX se analisou o verdadeiro significado do trabalho. John Ruskin (apud Mills, 1976), observando o rumo que tomava a organização capitalista do trabalho, denunciou o lucro sobre o capital como uma injustiça, onde dizia que isto arruinaria o sujeito ao fazê-lo pensar desta forma capitalista; segundo o filósofo, o trabalho deveria ser fonte de paz interior. Karl Marx (1987) por sua vez voltou-se para o futuro, reconhecendo o trabalho como atividade inseparável do próprio desenvolvimento humano. Ao mesmo tempo apontou os efeitos do capitalismo sobre o ser humano, observando a visão do homem como mercadoria e que este sistema tinha o efeito colateral de produzir um indivíduo alienado.

Marx (1987) sugere que o trabalho teve seu inicio com a adoção da ferramenta pelo homem, afirmando também que a sua própria essência como pessoa encontra-se no trabalho, no sentido do que o sujeito produz e como o produz.

A natureza dos indivíduos depende, portanto das condições materiais que determi-nam a sua produção. Assim, a distorção do trabalho na sociedade capitalista coinci-de com a própria coinci-deformação do homem, que ele chamou coinci-de alienação (MARX, 1987).

De acordo com Marx (1987), o ser humano não é vitima do capitalismo; esta inversão de valores criados pela sociedade capitalista é fruto da sua própria alienação criada pela sua condição materialista de produção. Além disso, dialoga que a partir de uma determinada for-ma de sua organização, poderiam ocorrer prejuízos tais como a despersonalização.

“Até agora o sistema de representação de valor simbólico nos intercâmbios entre os indivíduos e a coletividade tem sido o trabalho”. Assim Marx (1987) formalizou a noção de que o trabalho é o modo de representação de valor do sujeito no discurso, no ponto de vista das relações entre o individual e o coletivo. Nesse sistema de valor prevalecia o homem no valor do intercâmbio social.

O sujeito possui valor real que é o que se agrega à mercadoria através da atividade laboral; mas supondo-se que cada sujeito, dono de seu próprio corpo, determinasse seu valor corporal, isto é, seu valor real, esta medida seria dependente do valor do câmbio atribuído a essa “hora-homem" de trabalho.

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O imaginário em relação ao trabalho passou por diversas transformações, e é possui-dor de lógica própria. Lógica esta análoga, ou seja, que se estabelece por comparação. Tal lógica baseia-se na escala de falo imaginário, no sentido de que o falo agrega determinado valor. Jerusalinsky (2000a) aplica um exemplo desta lógica à comparação de barrigas entre grávidas que estão no mesmo período de gestação, onde uma compara-se às outras dizendo "minha barriga é maior que a sua". Esta dimensão fálica aparece corriqueiramente.

Suas relações com a verdade são muito fracas. São mais da ordem do encobrimento

e da construção de um objeto de satisfação (ou seja, falo de um objeto imaginário de suficiente tamanho), do que uma tentativa de encontrar algo da ordem da verdade. A lógica do imaginário funciona assim, é necessária para nós, é imprescindível, senão não poderíamos suportar a vida (JERUSALINSKY, 2000a, p. 14).

Pode-se compreender que esta lógica mencionada é justamente a de que é necessário o convencimento próprio de que o trabalho que se executa possua ou poderá possuir algum va-lor, enquanto que na realidade não necessariamente de fato o tenha.

O autor menciona outro exemplo relativo ao tema, comparando a produção real de um computador e de um escrivão e questionando qual dos dois "produz" mais. Neste caso o escri-vão produz um valor real, que não é refletido na escala imaginária, no valor de câmbio. Se o valor real do trabalho não tem valor, podemos equiparar o imaginário dele a zero, e o sujeito vai ser colocado nesta posição simbólica.

Qual valor atribuir a uma determinada função depende do valor simbólico adotado pela sociedade em questão. Se alguém é possuidor de conhecimento ou habilidade específica que nesta sociedade em questão é valorizado em demasia, seu trabalho tem um valor de câm-bio muito grande. Por outro lado, aqueles que não dominam o valor simbólico do dinheiro, não possuem dinheiro para se auto-representar ou que executam atividades cujo valor simbó-lico é igual à zero, terminam por acomodar-se com perspectivas sôfregas de crescimento e futuro.

Jerusalinsky (2000a) também questiona:

Como é possível uma sociedade na qual os sujeitos que a compõe valem simbolica-mente zero? Em qual formação psicopatológica o sujeito simbolicasimbolica-mente vale zero? Na Psicose. Por isso os psicóticos não podem encontrar na escala imaginária uma representação fálica suficiente, por que eles partem de um suposto estabelecido na sua estrutura.

Segundo Lacan, a possibilidade do sujeito se representar no discurso social dependeria de seu traço unitário. E o que se pode trazer é um número menor que 1, como 0,9999..., e que para o sujeito ter alguma posição ele precisa sair do zero, ou seja, ter um traço unitário;

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entre-tanto, é necessário que este traço não chegue à totalidade, ou seja no 1. Que é o que acontece com o paranoico, seu discurso oscila somente entre o 0 e o 1.

Jerusalinsky (2000a) em seu texto “Clínica do Social: O mal estar no trabalho” com-para como as coisas mudam através da recapitulação da maneira como os romanos adotavam a concepção de paternidade como uma opção, sempre da ordem do simbólico, o que não ocor-re hoje em dia em que do ponto de vista jurídico cada vez mais a paternidade é tomada do ponto de vista biológico. Há uma mudança de papéis tanto do homem quanto da mulher na sociedade contemporânea; por exemplo, até existe algum tempo era noção pré-estabelecida que o responsável por levar os filhos a consultas era sempre à mãe; hoje em dia não é inco-mum o pai exercer esta função pois possui tempo livre, enquanto a mãe não está disponível por estar trabalhando.

Nossa concepção genérica do traço unário nos permite pensar o sujeito na medida que é reduzido pelo discurso social, em seu traço unário, ou seja, o traço que o re-presenta simbolicamente no discurso. (....) esta posição do oficio, essa posição sim-bólica do oficio no nome, passa à ordem do real no corpo. O corpo humano aparece então modificado, precisamente no imaginário social e nos sistemas míticos sociais, que são os sistemas simbólicos, pelo real de seu oficio. Já que seu oficio não tem mais valor simbólico, é real (JERUSALINSKY, 2000a, p. 19).

De acordo com Jerusalinsky (2000b), ao estudar-se o papel do pai na sociedade dos mongóis, percebe-se que na medida que se produziu um sistema de laços paranoicos, o pai foi reduzido a zero, referindo-se a função simbólica do pai; então cada um passou a valer pelo poder concreto. Esta seria a situação atual da sociedade capitalista, onde cada indivíduo vale o que possui, o que produz ou o que consome.

Dito ainda de um modo mais clássico freudiano: depende da posição e do estatuto da castração. Sendo que para a psicanálise, o agente da castração é o pai, não o pai real, mas o pai enquanto função, e sendo que o estatuto de castração depende de a que é que o pai fica referido, torna – se então para nós, de estrema importância a análise da posição paterna na psicopatologia (JERUSALINSKY, 2000c, p. 24)

No inicio do texto ”Papai não trabalha mais”, o autor menciona a história referente a um relojoeiro chamado Nicolas Kadañ, que dedicou praticamente à vida toda a construir um relógio na torre de Alcaidía, obra-prima a qual possuía diversas funções; ao completar a pro-dução do mesmo, o prefeito da cidade acaba por ordenar que fossem perfurados os olhos do artesão, de modo que este nunca mais pudesse vir a fazer outro relógio igual em outro lugar. A partir deste momento todo o saber do relojoeiro passa a estar no objeto por ele produzido, já que este saber lhe foi privado. Pode-se afirmar que na contemporaneidade a situação tomou

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rumo similar ao da história contada; ocorrendo uma crescente produção de mercadorias que se apropriam do saber embutido no objeto, deixando os sujeitos à mercê dos mesmos.

Surge ali um sujeito ao mesmo tempo fortalecido de sua autonomia produtiva e na sua inventiva, mas cada vez mais cego no endereçamento de seu saber (JERUSA-LINSKY, 2000c, p. 36).

Nota-se então uma inversão do complexo de Édipo, onde é Édipo quem fura os olhos para apagar os vestígios do objeto; Nicolas Kadañ é privado de sua condição de sujeito de um saber que possuía, enquanto esse saber permanece constituído no lado do objeto. Édipo passa da ignorância ao saber, enquanto Kadãn passa do saber à ignorância.

A partir desse momento o valor está no objeto, e a existência de Kadãn como sujeito passa a ser decorrente do objeto que construiu. Este paradigma ilustra a sociedade industrial, em que o sujeito não vê sua própria posição no discurso social. Neste discurso em que a eco-nomia é alvo, e o sujeito é desconsiderado totalmente, o mesmo mantém-se na dependência desse poder que o objeto tem, e para estabelecer seu valor simbólico deve possuir o objeto, produzi-lo ou dominá-lo.

O sujeito desloca-se de sua posição original, a de possuir subjetividade, e passa a ser um mero produtor do objeto. Como o saber concentra-se no objeto, o que importa é ou cons-truí-lo, ou possuí-lo. Quando o saber está no lado do objeto e não do sujeito nomeia-se como “objeto suposto saber”.

O objeto se torna persecutório quando em lugar de se manter na posição de causador do desejo, se constitui em máquina de sua satisfação. Cabe então, aqui, a pergunta: por que o sujeito não suporta que seu desejo se realize? (JERUSALINSKY, 2000a, 39).

Entende-se que a palavra tem um espaço de eficácia e poder operatório, podendo pro-duzir seu efeito, na medida em que entre o sujeito e o objeto aja um intervalo. A Psicanálise explica que nessa lógica observa-se uma negatividade, e que é um lugar de referência à falta. A palavra vem para ocupar o lugar que esse objeto deixou vazio, permitindo nesse vazio a sua simbolização. Porém quando o objeto possui a fonte de todo o saber, a palavra já não possui mais este efeito de suprir a falta.

A ciência embarcou a classe operária na promessa de satisfação, positivando o objeto pelo viés do empírico – criticismo, tanto o capitalismo quanto o socialismo, com a diferença de uma distribuição mais justa contra uma distribuição injusta, tinham o mesmo programa de relação entre o sujeito e o objeto, não há lugar para o sujeito do desejo, somente para o objeto da realização. Objeto este analisado previamente na alienação, onde o sujeito está alienado ao

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desejo do Outro, não tendo espaço para o seu próprio desejo. Lacan trabalha isto na Alienação radical onde este sujeito não aparece, e onde a inscrição nome-do-pai, encontra-se foracluída, impedindo o processo de constituição subjetiva, sobrando então apenas espaço para o objeto da realização e não para o desejo.

É importante ressaltar-se a transição da importância do sujeito como transmissor de saber, para o objeto como possuidor deste saber, obrigando o sujeito a encarar novas formas de trabalho. O que resulta de todas estas transformações é a dificuldade do homem em se re-presentar no discurso social; esta mesma ideia é reafirmada por Freud, Lacan e Marx: o sin-toma não é nada mais do que o ponto de articulação entre o discurso social e o sujeito, no qual o sujeito tenta criar uma forma legítima de gozar. Quando ele não consegue esse apoio no outro, quando seu trabalho não tem o devido valor simbólico e reconhecimento, é possível que o sujeito acabe por fazer um sintoma em torno disso. Percebe-se ainda, com base no foco na concepção de que o significante é o centro da significação do sujeito, que a mínima altera-ção nessa relaaltera-ção é transformadora.

Por fim, sabe-se que o mundo do trabalho é complexo e diversificado, em vista de ser formado por agentes de diferentes competências, que agem de forma a transformar o meio em que se inserem da melhor forma possível, visando atingir objetivos específicos (para a organi-zação e para suas particularidades), e nesse ímpeto, saber a melhor forma de apoiar esse sujei-to na execução do seu “fazer” proporciona, além de importante vantagem competitiva para a organização, qualidade de vida para esse sujeito e amplia sua gama de possibilidade de trans-formações.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este compêndio de informações desperta grande curiosidade no âmbito do estudo das relações de trabalho a partir do processo de Alienação; principalmente considerando-se que esta é uma pesquisa não finita, a respeito de um tema ainda em evolução em nossa sociedade. O levantamento histórico realizado no início da investigação oferece uma visão ampla e con-ceitual do trabalho na cultura contemporânea, o que culmina em uma abrangente análise das relações do sujeito com o trabalho, no intuito de melhor compreender como o sujeito consti-tui-se a partir destas relações.

Com o desenvolvimento da pesquisa aprofundando-se em relações laborativas, consta-tou-se a necessidade de compreender-se mais a fundo a constituição subjetiva do sujeito fren-te ao Outro, uma vez que esta é a base para as relações mencionadas. No principal conceito abordado, entende-se que o desejo do sujeito é distorcido através do processo de alienação; entretanto, é também relevante o fato do conceito não ser tomado apenas como negativo para o sujeito, mas de forma constitutiva; o sujeito só se reconhece como tal em referência a outro sujeito, e para isso precisa alienar-se aos significantes do Outro, constituindo assim um pro-cesso de identificação. A alienação como conceito psicanalítico difere do sentido no senso comum, sendo que o inconsciente de certa forma a deseja de modo a suportar determinadas situações que outrora seriam difíceis de serem suportadas sem este processo.

Considerando-se os conceitos trabalhados, pode-se adentrar nas questões do mundo de trabalho, refletindo-se a respeito das indagações:

• “Este sujeito está fazendo um trabalho alienado?"

• "Todos nós fazemos um trabalho alienado?"

• "É possível o desenvolver de forma não alienada?”

Em suma, tendo-se uma visão geral do resultado da pesquisa bibliográfica e avalian-do-se o somatório de considerações extraídas deste material, esta obra apresenta outra visão a respeito do trabalho na sociedade contemporânea, levantando importantes questões para a formação acadêmica e profissional em psicanálise. O aprendizado de novas concepções teóri-cas e o questionamento de algumas ideias pré-estabelecidas acabam por abrir um leque de novos interesses de pesquisa, tornando este trabalho uma porta de entrada para estudos futuros em relação ao assunto abordado.

Ressalva-se ainda, sob óptica da percepção da presente autora, que no contexto em que o sujeito se insere em um mercado cada vez mais pujante, exigente e globalizado, o mes-mo tem que mes-moldar-se aos padrões pré-estabelecidos, tanto de conduta, quanto de

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competên-cia para o exercício de suas funções. Tais fatores surgem como agravo à liberdade de cada ser, assim como engessa seu processo de criatividade, e também de potencializar experiências e competências. Ainda, há uma exacerbada conduta por diplomação, levando a mensuração de responsabilidade e comprometimento segundo o grau de ciência deste sujeito, excluindo, des-sa forma, aqueles que não obtiveram iguais oportunidades, obrigando-os a colocações com menores remunerações, como também reconhecimento social.

Vale mensurar que, a busca de qualificação pelo sujeito não é uma ação a ser reprova-da, pelo contrário, em vista de ampliar capacidades e maximizar conhecimentos. O que bus-cou-se ressaltar anteriormente é o fato de esse fator atingir diretamente os sujeitos que não interpõem nessa busca (seja pelos diversos fatores adjuntos ao seu contexto). Ainda, saber gerir as competências oriundas dessa qualificação e de todo conhecimento desenvolvido pelo sujeito, para a organização é importante, em vista de maximizar ações e transformações em seu contexto e geral melhores resultados (tanto tangíveis, quanto intangíveis).

Por fim, destaca-se que o presente estudo atinge seu objetivo ao abordar o valor sim-bólico do trabalho para o sujeito, bem como traçar análise teórica do processo e de como atin-ge o sujeito e seu contexto social, o que possibilitou, dessa forma, melhor compreensão desse importante processo, tanto para o sujeito, quanto para a sociedade a que pertence.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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