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A visibilidade das mulheres lésbicas em Porto Alegre, de 1997 a 2011

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Academic year: 2021

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Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Luciana Ketzer de Oliveira

A visibilidade das mulheres lésbicas em Porto Alegre, de 1997 a 2011

Ijuí 2013

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A visibilidade das mulheres lésbicas em Porto Alegre, de 1997 a 2011

Monografia apresentada ao Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais como requisito parcial à obtenção do titulo de Bacharel em Sociologia pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - Unijui.

Orientadora: Profa Dra. Andréa Becker Narvaes

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Luciana Ketzer de Oliveira

A visibilidade das mulheres lésbicas em Porto Alegre, de 1997 a 2011

Monografia apresentada ao Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais como requisito parcial à obtenção do titulo de Bacharel em Sociologia pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - Unijui.

Aprovada em: _________________

Banca Examinadora:

___________________________________________________________________ Prof. Dr. Walter Frantz

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Sem ordem de importância:

Aos funcionários e estagiários do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa. Os arquivos e museus públicos, ao abrirem suas portas à pesquisa, ajudam a evitar que a história social seja completamente apagada pelo tempo e por aqueles que, provisoriamente, governam os estados.

Aos movimentos sociais que, às vezes com ideologia, às vezes com dialética, possibilitam que as amarras que nos prendem sejam afrouxadas.

A Educação a Distancia da Unijui que me possibiltou concluir um curso de graduação de muita qualidade.

Aos professores da Unijui. Principalmente dos cursos de sociologia, história e geografia. O conhecimento compartilhado por eles abriu caminho para a construção de novos conhecimentos.

Aos tutores e funcionários da Unijui. Em especial ao tutor Pedro (História), pela ajuda prestada quando iniciei o curso; e à tutora Avani (Sociologia), por ter aberto as portas de sua casa quando estive em Ijui para realização do Enade.

A professora Nadia Scariot pelo estimulo e ajuda na compreensão das interfaces temáticas, fundamentais às Ciências Sociais.

Aos colegas de aula que interagiram nos fóruns, às vezes de forma bastante acalorada, fazendo da distância física um mero detalhe.

Aos queridos professores Andréa Narvaes e Walter Frantz que, na apresentação pública desta monografia, não me deixaram esquecer que estamos em constante aprendizado. Suas observações, quanto ao conteúdo e organização do trabalho, foram para mim fundamentais.

A Karen Fogassi Ribeiro. Pelo companheirismo insubstituível. Pelas dicas de livros, de sites. E por seu senso radicalmente critico que acendeu uma luz de alerta ao perguntar: “mas afinal, qual o objetivo desse trabalho??”.

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as invisíveis lésbicas covardemente agredidas e assassinadas em nome de dogmas religiosos, machistas, preconceituosos.

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O presente trabalho apresenta alguns recortes acerca do movimento homossexual no Brasil. Procurando nele a figura da mulher lésbica. Faz também um apanhado de conceitos utilizados ao longo dos anos para nomear o ato de ser heterossexual, homossexual e lésbica. Apresentando ligações com patologias, pecados e crimes. Verifica algumas ligações entre a história das mulheres e das mulheres lésbicas atrás de evidencias que contribuam para a estigmatização não só delas mas também dos homossexuais em geral. Com foco na cidade de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, entre os anos de 1997 e 2011, a pesquisa busca nas datas caracterizadas com o movimento homossexual a figura das lésbicas. A montagem da história dos fatos ocorridos foi organizada a partir de pesquisa, além da bibliografia especifica disponível, no Jornal do Nuances, Jornal Lampião da Esquina e no blog da Liga Brasileira de Lésbicas. Para a confecção do corpus, sem perder de vista o foco na visibilidade lésbica, a ferramenta utilizada consistiu na realização de pesquisa em fontes escritas contidas nos jornais gaúchos Correio do Povo e Zero Hora. Com fixação das datas dos eventos públicos alusivos a comemoração do chamado Orgulho Gay. Foram priorizados os eventos referentes as Paradas Livres, as Paradas do Orgulho GLBT (Gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros), as Miniparadas e as Marchas e Jornadas Lésbicas Feministas. O material pesquisado sofreu uma pequena análise quantitativa de palavras, havendo a geração de tabelas e gráficos. Também foi o material analisado qualitativamente com ênfase em frases ditas por participantes nos dias dos eventos públicos aos jornais envolvidos na pesquisa.

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This study presents some clippings about the homosexual movement in Brazil. Looking him the figure of the woman lesbian. It also makes an overview of concepts used over the years to name the act of being heterosexual, homosexual and lesbian. Featuring links to diseases, pathology and crimes. Verifies some connections between the history of women and lesbian women behind evidence which contribute to the stigmatization not only them but also homosexuals in general. Focusing on the city of Porto Alegre, capital of Rio Grande do Sul, between the years 1997 and 2011, the research seeks the dates with the homosexual movement characterized the figure of lesbians. The assembly of the history of the events was organized from research, beyond the specific bibliography available in the Nuances Journal, Journal of Lampião da Esquina, blog of Brazilian Lesbian League. To make the corpus, without losing sight of the focus on lesbian visibility, the tool used consisted of written sources in research papers contained in gauchos journal Correio do Povo and Zero Hora. With fixing the dates of public events depicting the celebration of Gay Pride called. Were prioritized events for the Free Parades, the Pride Parades GLBT (gay, lesbian, bisexual and transgender), the Miniparadas and Lesbian Feminist Marches and Journeys. The material researched suffered a small quantitative analysis of words, with the generation of tables and graphs. Also the material was qualitatively analyzed with emphasis on spoken sentences by participants in the days of public events to newspapers involved in the research.

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Quadro 1 - Datas dos eventos... 16

Quadro 2 - Dias pesquisados... 17

Figura 1 - Recorte do jornal Correio do Povo. Os corpos, vestidos de preto, foram encontrados lado a lado na cama... 38

Figura 2 - Recorte do jornal Correio do Povo... 39

Figura 3 - Recorte do Jornal Lampião: Um jornal com muitas chanas... 43

Figura 4 - Militantes no Ferro´s Bar... 44

Figura 5 - Bahia: os ativistas vão a luta... 46

Quadro 3 - Senales realizados... 48

Figura 6 - Folder de programação do Planeta Arco-Íris... 50

Figura 7 - Bandeira em Porto Alegre... 51

Figura 8 - Folder do Projeto Olhares... 52

Figura 9 - Discriminação contra lésbicas e ato público... 54

Figura 10 - Palco da 6ª Parada Livre de Porto Alegre... 56

Figura 11 - Visibilidade Lésbica... 56

Figura 12 - Cartaz contra o homossexualismo: Skins voltam a agir em Porto Alegre... 57

Figura 13 - Miniparada reuniu milhares de pessoas contra a homofobia... 59

Figura 14 - Montagem de fotos da 1a Jornada Lésbica e lll Marcha Lésbica de Porto Alegre... 61

Figura 15 - Folder distribuído por grupos presentes na lll Marcha Lésbica... 61

Figura 16 - Folder da Parada Livre 2009... 62

Figura 17 - Folder do Ato Contra Dom Dadeus Grings... 62

Figura 18 - Ato contra Dom Dadeus Grins... 63

Figura 19 - Montagem feita com folder da MMM e fotos de Naiara Malavolta (LBL-RS)... 64

Figura 20 - 4a Marcha de Lésbicas... 65

Figura 21 - Folder da 14a Parada Livre de Porto Alegre... 65

Figura 22 - Beijaço em Porto Alegre... 66

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Quadro 4 - Titulo das reportagens publicadas pelo Correio do Povo anteriores aos eventos... 70 Quadro 5 - Titulo das reportagens publicadas pela Zero Hora anteriores aos eventos... 71 Quadro 6 - Titulo das reportagens publicadas pelo Correio do Povo que serão analisadas... 72 Quadro 7 - Titulo das reportagens publicadas pela Zero Hora que serão analisadas... 72 Gráfico 1- Expressões encontradas nas 24 reportagens do corpus referentes as pré paradas... 75 Gráfico 2 - Expressões agrupadas encontradas nas 24 reportagens do corpus referentes as pré paradas... 76 Gráfico 3 - Expressão lésbica nos jornais pesquisados de 1997 a 2011 referentes as pré paradas... 78 Gráfico 4 - Expressões encontradas nas 40 reportagens do corpus referentes as paradas... 80 Gráfico 5 - Expressões agrupadas encontradas nas 40 reportagens do corpus referentes as paradas... 80 Gráfico 6 - Expressões encontradas nas 40 reportagens do corpus referentes as paradas... 82 Gráfico 7- Expressões encontradas nos títulos das 40 reportagens do corpus referentes as paradas... 83 Quadro 8 - Reivindicações captadas nas reportagens... 86

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Tabela 1 - Números de reportagens encontradas... 70 Tabela 2 - Expressões encontradas nas 24 reportagens do corpus referentes às pré paradas... 74 Tabela 3 - Expressão lésbica nos jornais pesquisados de 1997 a 2011 referentes às pré parada... 77 Tabela 4 - Expressões encontradas nas 40 reportagens do corpus referentes às paradas ... 79 Tabela 5 - Expressão lésbica nos jornais pesquisados de 1997 a 2011 referentes às paradas... 81 Tabela 6 - Expressões encontradas nos títulos das 40 reportagens do corpus referentes às paradas... 83 Tabela 7 - Assuntos sugeridos nos títulos... 84

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LF - Lésbico-Feminista

Galf - Grupo de Ação Lésbico-Feminista

AIDS - Acquired Immune Deficiency Syndrome SIDA - Síndrome de Imunodeficiência Adquirida GGB - Grupo Gay da Bahia

GLBT - Gays, lésbicas, bissexuais, travestis LGBT - Lésbicas, gays, bissexuais, travestis

LGBTTT - Lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros Senale - Seminário Nacional de Lésbicas

Colerj - Coletivo de Lésbicas do Rio de Janeiro GMPA - Grupo de Mulheres de Porto Alegre MHG - Movimento Homossexual Gaúcho Nuances - Grupo Pela Livre Expressão Sexual FSM - Fórum Social Mundial

MMM - Marcha Mundial de Mulheres CFL - Coletivo de Feministas Lésbicas Ufir - Unidade Fiscal de Referência HIV - Human Immunodeficiency Virus

Anel - Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre! Ong - Organização não Governamental

CSP - Central Sindical e Popular

Conlutas - Coordenação Nacional de Lutas GLS - Gays, lésbicas e simpatizantes GLS - Gran Luxo Super

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1 INICIANDO...13

2 METODOLOGIA...15

2.1 Caminho Percorrido...16

2.2 Pesquisando no Correio do Povo...18

2.3 Pesquisando na Zero Hora...19

2.4 O Blog da LBL-RS como fonte de pesquisa...19

2.5 A organização e a forma de análise do material...20

3 TRABALHANDO ALGUNS CONCEITOS...22

3.1 A heterossexualidade e a homossexualidade...24

3.2 Um pouco sobre as mulheres ...30

3.3 As lésbicas...34

4 RECORTES DA HISTÓRIA...42

4.1 Porto Alegre...48

4.2 Saindo às ruas em Porto Alegre: Um pouco do que aconteceu entre 1997 e 2011...52

5. O CORPUS...69

5.1 Decifrando as reportagens...73

5.2 Um lado quantitativo...74

5.3 Noticiando as manifestações do Orgulho Gay em Porto Alegre ...85

5.3.1 Os objetivos das manifestações publicas contidos nas reportagens...86

5.3.2 Analisando as versões das realidades contadas pelos Jornais...89

6. A CONSTRUÇÃO DA VISIBILIDADE NA REALIDADE É NECESSÁRIA E CONSTANTE...98

7. CONCLUINDO...101

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1 INICIANDO

O interesse em descobrir, em partes, o que ocorre quando o assunto é visibilidade a formas normativas de expressão levou-me a realizar esse trabalho. Mais especificamente quanto à visibilidade de mulheres, mulheres lésbicas. O estudo que proponho visa explorar, descrever e tentar entender a visibilidade lésbica na cidade de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul.

O período de exploração do tema proposto compreende as datas que, de alguma forma, poderiam marcar a presença em público das lésbicas. O Dia do Orgulho Gay, as Paradas Livres e o Dia da Visibilidade Lésbica. Esclareço que a intenção inicial era focar essa pesquisa apenas no Dia da Visibilidade Lésbica. Porém, por ser essa data um tanto recente, optei por ampliar mais o estudo englobando as Paradas Livres, realizadas desde 1997 em Porto Alegre, para poder, então, ter em mãos um material mais consistente. Esses eventos, contemplados com atores, sujeitos, mídia, poderiam ser indicadores de algum tipo de aceitação, ou não, dos grupos ditos homossexuais por parte da sociedade.

O trajeto da pesquisa será realizado através da análise de fontes escritas. Materiais publicados nos jornais Correio do Povo e Zero Hora com datas previamente selecionadas. Com foco em uma possível divulgação por esses jornais da visibilidade marcada por dias que, de alguma forma, favoreceriam o aparecimento da mulher homossexual. Essa fonte de pesquisa utilizada objetivou mostrar de que maneira a visibilidade proporcionada por dias específicos é apresentada à sociedade por meio do jornal. Das reportagens, procurei extrair uma análise tanto qualitativa quanto quantitativa. Sempre levando em conta ser a realidade algo constantemente narrado, absorvido ou modificado pela sociedade.

Por qual motivo as mulheres lésbicas buscaram um movimento paralelo ao movimento homossexual? Como nasceu o dia da Visibilidade Lésbica e porquê? Será que houve avanços no quesito visibilidade lésbica tendo como base a realização das Paradas Livres? Como são as Paradas, quem participa? Procurando concentrar o foco na cidade de Porto alegre, nos anos de 1997 a 2011, essas foram as primeiras, mas não as únicas, perguntas que fiz.

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Partindo de um pequeno relato sócio histórico, procurei estudar o processo que levou o movimento lésbico a tentar tornar-se um movimento social reconhecido. E, por esse caminho, tentar fazer seus anseios serem retirados do desconhecimento. Do estigma. Sem esquecer de tratar a diversidade que, mal usada, difere para marginalizar. A própria história das mulheres é uma história de invisibilidade. Também busquei ideias, ou definições não engessadas, ao ser homossexual, a lésbica, ao gênero, ao estigma, à visibilidade, ao movimento social, à comunicação. Um caminho que pode tanto envolver relações de poder como também pode dialeticamente tratar de uma luta de opostos. Sempre buscando enxergar a figura da mulher, mesmo quando esta parecia não existir.

Procurei organizar o texto em capítulos sem, porém, findar assuntos que entendo serem complementares uns aos outros. Procurando ter uma visão o mais abrangente possível de um todo em constante movimento. Assim, inicío tentando dar nome às palavras, atrás de conceitos forjados ao longo do tempo. Sigo buscando na história fatos que marcaram o movimento homossexual no Brasil e principalmente em Porto Alegre. Completo esse processo apresentando e analisando o corpus da pesquisa.

Para este trabalho busquei apoio na teoria de autores de diversas áreas de conhecimento como a sociologia, a história, a psicologia, a antropologia, as ciências sociais em geral. .

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2 METODOLOGIA

Muitas dúvidas surgiram na escolha das fontes desta pesquisa. Umberto Eco enfoca a necessidade de utilizar instrumentos que possibilitem o estudo de um objeto. “ Uma tese estuda um objeto por meio de determinados instrumentos.” (ECO, 2009, p. 35). Pensei realizar um trabalho baseado em uma pesquisa bibliográfica, documental, em busca de materiais escritos que tratassem do assunto de meu interesse. Em seguida, achei que deveria trabalhar com matérias publicadas na mídia escrita. Também estudei a possibilidade de realizar algumas entrevistas com atores ligados ao movimento organizado homossexual. Ou, ainda, a sujeitos no entorno desses movimentos.

Depois de analisar essas questões, considerando que este complexo tema dificilmente se esgotaria em um TCC de graduação, delimitei a pesquisa. Focando uma possível divulgação, por parte de jornais, da visibilidade marcada pelos Dias do Orgulho Gay. Até por considerar ter sido esse um caminho até então não seguido, podendo assim trazer alguma contribuição aos estudos já realizados.

Considerando a intenção em trabalhar com a visibilidade, optei por realizar um levantamento dirigido em jornais da cidade de Porto Alegre. A escolha pelos jornais Correio do Povo e Zero Hora deveu-se a serem eles jornais de grande circulação, representando duas linhas editoriais por vezes competitivas. Também considerei importante verificar, de forma não muito abrangente, o que outras mídias poderiam estar mostrando em matéria de visibilidade lésbica.

Numa espécie de leitura flutuante1 de Bardin (2011), analisei alguns sites da internet, jornais temáticos, em especial o Jornal do Nuances e o Lampião da Esquina, e movimentos sociais. E fiz um levantamento da bibliografia disponível sobre o assunto, privilegiando especificamente o sujeito na cidade de Porto Alegre. Importante fonte de pesquisa foi o blog da Liga Brasileira de Lésbicas, Região Sul

1 Sobre a leitura flutuante em uma pré análise, Bardin diz que “A primeira atividade consiste em estabelecer contato com os documentos a analisar e em conhecer o texto deixando-se invadir por impressões e orientações.” (BARDIN, 2011, p.126)

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(LBL-RS). Através dele, tive acesso a fotos e imagens referentes ao Dia da Visibilidade Lésbica.

2.1 Caminho percorrido

Com objetivo de organizar esta pesquisa e torna-la exequível2, realizei um levantamento preliminar acerca do movimento lésbico, principalmente em Porto Alegre. Para Bardin (2011, p. 125), é necessária uma pré análise a fim de organizar as ideias iniciais que acompanharão a pesquisa. Com esse procedimento inicial, listei datas e ocasiões que fossem importantes a esse trabalho. Privilegiei as datas que relacionam-se com a divulgação do movimento homossexual para a população como, por exemplo, a celebração do Dia do Orgulho Gay, 28 de Junho. Os dados obtidos estão apresentados no quadro 1.

Quadro 1 - Datas dos eventos

Datas Evento

29/06/1997 1a Parada Livre, organizada pelo Nuances 28/06/1998 2a Parada Livre, organizada pelo Nuances 04/07/1999 3a Parada Livre, organizada pelo Nuances 25/06/2000 4a Parada Livre, organizada pelo Nuances 24/06/2001 5a Parada Livre, organizada pelo Nuances 23/06/2002 6a Parada Livre, organizada pelo Nuances 29/06/2003 7a Parada Livre, organizada pelo Nuances 04/07/2004 8a Parada Livre, organizada pelo Nuances 05/06/2005 9a Parada Livre, organizada pelo Nuances

19/06/2005 1a Parada do Orgulho GLBT, organizada pelo Fórum GLBT 06/08/2006 2a Parada do Orgulho GLBT, organizada pelo Fórum GLBT 17/09/2006 10a Parada Livre, organizada pelo Nuances

01/07/2007 1a Miniparada, organizada pelo Desobedeça

11/11/2007 11a Parada Livre, organizada pelo Nuances, e 1a Marcha Lésbica 18/11/2007 Parada do Orgulho GLBT, organizada pelo Fórum GLBT

16/11/2008 12a Parada Livre, organizada pelo Nuances, e 2a Marcha Lésbica 28/06/2009 2a Miniparada, organizada pelo Desobedeça

30/08/2009 3a Caminhada Lésbica encerrando a 1a Jornada Lésbico Feminista LBL-RS, ocorrida durante o mês de agosto

25/10/2009 13a Parada Livre, organizada pelo Nuances, e Marcha Lésbica 27/06/2010 3a Miniparada, organizada pelo Desobedeça

29/08/2010 4a Marcha Lésbica

18/11/2010 14a Parada Livre, organizada pelo Nuances 26/06/2011 4a Miniparada, organizada pelo Desobedeça

29/08/2011 Encerramento da 3a Jornada Lésbica em ato no Largo Glênio Peres 23/10/2011 15a Parada Livre, organizada pelo Nuances, e 5a Marcha Lésbica Fonte: montagem feita pela autora

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Para a realização da coleta de material nos jornais que tem frequência diária, tornou-se necessário um recorte de datas, pois não haveria tempo hábil para uma abrangência de 365 dias/ano.

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Para a obtenção dessas datas chaves foram úteis as ferramentas de busca da internet, algumas edições do Jornal do Nuances3 e a própria bibliografia disponível quando da realização da pesquisa. Com esse ponto de partida, cerquei as datas e montei um roteiro a ser garimpado.

Ultrapassada esta etapa da pesquisa, foi necessário escolher critérios que legitimassem a coleta de material a ser realizada, a formação do corpus. “O Corpus é o conjunto de documentos tidos em conta para serem submetidos aos procedimentos analíticos. A sua escolha implica, muitas vezes, escolhas, seleções e regras.” (BARDIN, 2011, p. 126 )

Os documentos passiveis de serem selecionados no ato da coleta deveriam estar dentro de critérios a fim de dar alguma homogeneidade à amostra final. Defini então alguns critérios que considerei adequados a esse trabalho, sempre tendo em mente a necessidade de legitimar a pesquisa a ser realizada. Em consequência, além da data chave pré estabelecida (quadro 1), considerei ser importante pesquisar as datas adjacentes ao período para contemplar possíveis arranjos editoriais dos jornais. Assim, se a data escolhida foi, por exemplo, o dia 5, foram pesquisados também dois dias antes e dois depois, formando um campo indo do dia 3 ao dia 7. Esse critério foi rigorosamente seguido em todo o levantamento de material nos jornais. Os dias efetivamente pesquisados são mostrados no quadro 2.

Quadro 2 - Dias pesquisados

Datas Principais Dias Pesquisados Datas Principais Dias Pesquisados 29/06/1997 27, 28, 29, 30, 01 11/11/2007 9, 10, 11, 12, 13 28/06/1998 26,27,28, 29,30 18/11/2007 16, 17, 18, 19, 20 04/07/1999 02, 03, 04, 05, 06 16/11/2008 14, 15, 16, 17, 18 25/06/2000 23, 24, 25, 26, 27 28/06/2009 26, 27, 28, 29, 30 24/06/2001 22, 23, 24, 25, 26 30/08/2009 28, 29, 30, 31, 01 23/06/2002 21, 22, 23, 24, 25 25/10/2009 23, 24, 25, 26, 27 29/06/2003 27, 28, 29, 30, 01 27/06/2010 25, 26, 27, 28, 29 04/07/2004 02, 03, 04, 05, 06 29/08/2010 27, 28, 29, 30, 31 3

O Jornal do Nuances, com o primeiro número circulado em 1998, é uma publicação do Grupo Pela Livre Expressão Sexual, uma ong de Porto Alegre. Para maiores informações, consultar: BARROSO, Fernando Luiz Alves. Jornal do Nuances: A pratica midiática de uma ong de Porto Alegre-RS para o confronto político entre o "gay classe media" e a "bixa bafona". 2007. 310 f. Dissertação (Doutorado em Ciências da Comunicação) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

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05/06/2005 03, 04, 05, 06, 07 18/11/2010 16, 17, 18, 19, 20 19/06/2005 17, 18, 19, 20, 21 26/06/2011 24, 25, 26, 27, 28 06/08/2006 04, 05, 06, 07, 08 29/08/2011 27, 28, 29, 30, 31 17/09/2006 15, 16, 17, 18, 19 23/10/2011 21, 22, 23, 24, 25

01/07/2007 29,30,01,02,03 - -

Fonte: montagem feita pela autora

Outra regra estabelecida foi descartar materiais que fossem referentes a conquistas de direitos civis e afins, mesmo referindo-se diretamente à comunidade de travestis, transexuais, transgêneros, homossexuais masculinos e femininos ou bissexuais. Não por desconsiderar essas conquistas e notícias como importantes, mas por não serem elas balizadoras desta pesquisa. Procurei focar a figura da mulher lésbica, porém considerando as datas de visibilidade que, inicialmente, restringiam-se à organização das “Paradas do Orgulho Gay”.

Eventualmente, algum material encontrado e que fuja do perfil pré-estabelecido poderá ser usado de forma ilustrativa. Não fazendo parte, porém, do corpus da pesquisa.

2.2 Pesquisando no Correio do Povo4

O site5 do jornal Correio do Povo oferecia acesso digital gratuito às edições impressas do mesmo quando da realização da pesquisa. Por isso optei por coletar o material diretamente do seu site.

Tendo como base as datas pré escolhidas, procurei nos jornais, pagina por pagina, matérias relativas ao movimento homossexual, principalmente ao movimento lésbico. Quando necessário, devido a alguma nova informação encontrada, poderia

4

O jornal Correio do Povo, jornal mais tradicional do Estado do Rio Grande do Sul, foi fundado em 1895 pela família Caldas. Em 2007, a Empresa Jornalística Caldas Junior vendeu o jornal Correio do Povo para a Rede Record, pertencente a Edir Macedo da Igreja Universal. Para maiores

informações, consultar <http://www.cpovo.net/jornal/especiais/cpespecial/PDF/Fim08.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2012

5

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adicionar alguma outra data na pesquisa inicial. Mantendo, porém, o rigor de sempre acrescentar dois dias antes e dois depois de qualquer data escolhida. Como já dito anteriormente, foquei a pesquisa na figura da mulher homossexual e nas atividades referentes às datas mencionadas (paradas livres, marchas, manifestações publicas). Feito esse levantamento no site do Correio do Povo, repeti a rotina com o Jornal Zero Hora.

2.3 Pesquisando na Zero Hora6

Para ter acesso às edições antigas de Zero Hora, optei pela pesquisa no Museu de Comunicação Hipólito José da Costa7. Procurando pelas datas já pesquisadas no Correio do Povo e seguindo a mesma regra de adicionar alguma nova data se necessário, fiz o levantamento nos jornais impressos. Fotografei as matérias que se enquadrassem nos critérios de pesquisa estabelecidos para posterior análise.

2.4 O Blog8 da LBL-RS como fonte de consulta

Tive a oportunidade de conhecer brevemente as gurias que comandam a liga aqui no Rio Grande do Sul. O encontro ocorreu no dia 29 de agosto de 2012, na 4ª Jornada Lésbica Feminista organizada por elas no Largo Glênio Peres, em Porto Alegre. Na ocasião, perguntei a elas se poderia utilizar imagens de seu blog em meu TCC. A resposta foi positiva, mas com a ressalva de não haver a divulgação de rostos que não os delas para não haver exposição de pessoas, fato esse com o qual

6

O jornal Zero Hora foi fundado em 1964, sendo propriedade do Grupo RBS de Comunicação. 7

O Museu da Comunicação Hipólito José da Costa é uma Instituição da Secretaria de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul. Localizado no centro de Porto Alegre, o prédio histórico preserva parte da memória da comunicação social do estado. Seu site pode ser consultado no endereço eletrônico: < http://www.museudacomunicacao.rs.gov.br/site/>.

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concordei prontamente. Também houve um contato preliminar por email com o mesmo objetivo de uso do material visual disponível no blog.

2.5 A organização e a forma de análise do material

Depois de feito o levantamento nos jornais, o material foi separado por ano, mês, dia. Uma leitura atenta de todo material foi necessária. O material a ser descartado foi então separado do material a ser efetivamente utilizado. Pensando em dar homogeneidade a amostra, separei o material em duas partes. Uma delas contendo as reportagens publicadas antes dos acontecimentos e a outra parte composta pelas matérias que davam cobertura ao já ocorrido.

Com essa etapa cumprida, pude ter uma percepção do que seria realizar uma análise qualitativa da contextualização da visibilidade da mulher nas reportagens, focando sua ausência ou sua presença nas varias formas encontrados nos textos lidos. Neste momento, senti que seria muito interessante uma pequena análise quantitativa em parte do material com o intuito de visualizar e confrontar aquilo que as palavras poderiam, ou não, contar.

Os jornais são veículos de comunicação ao alcance de um número considerável de pessoas e, portanto, um portal de visibilidade. Porém, nem sempre essa comunicação é sinônimo de uma correta informação ou educação. Uma possível análise quantitativa, mesmo sendo instigante, não será uma análise definitiva. Isso porque a própria terminologia utilizada pela divulgação das causas referentes ao movimento homossexual sofre uma constante modificação e contestação pelos próprios atores envolvidos. O uso de expressões como, por exemplo, lésbica, gay, veado, sapatão, bixa, pode ser defendido ou atacado pelo movimento que escolhe a forma de se auto denominar de acordo com diretrizes de atuação dos grupos9. Assim, a presença quantitativa dessas expressões em mídias

9

Para maiores informações, consultar FACCHINI, Regina; SIMÕES, Júlio Assis. Na trilha do

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escritas precisa ser filtrada, contextualizada qualitativamente O importante para essa pesquisa é ilustrar a presença ou ausência da mulher homossexual na imprensa pesquisada, assim como perceber o contesto em que a mulher é inserida nos textos que são disponibilizados à parte da sociedade.

É fundamental fixar que não estão em análise os jornais em que pese seu comprometimento em divulgar, ou não, um fato acontecido. Este julgamento necessitaria de um aprofundamento no estudo da imprensa no que se refere a linhas editoriais, assim como um fundamental conhecimento de uma corrente de informações entre quem promove e quem divulga, coisa que não faz parte direta desta pesquisa.

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3 TRABALHANDO ALGUNS CONCEITOS

A linguagem levanta um problema particularmente dramático para o sociólogo: ela é, com efeito, um enorme deposito de pré construções naturalizadas, portanto, ignoradas como tal, que funcionam como instrumentos inconsciente de construção. (BOURDIEU, 2010, p. 39)

Alguns termos como homossexual, heterossexual, lésbica, travesti, transexual, transgênero podem ser contextualizados de formas diferentes em distintas sociedade e espaço de tempo. As próprias palavras tem limitação vinculada a sua criação. Trevisan (2007, p. 37), pensando sobre o uso dos nomes dados às coisas como, por exemplo, a expressão homossexual ou homoerótico, diz que “Cada tempo tem a sua maneira de nomear, interpretar e identificar o mundo”. Um instrumental linguístico trabalha em nome de alguma normatização. O relativismo que pode estar presente no uso das palavras porém não deve mascarar as consequências trazidas às sociedades e aos indivíduos que vivem sob as normas sociais vigentes. “A palavra, como fenômeno ideológico por excelência, está em evolução constante, reflete fielmente todas as mudanças e alterações sociais. O destino da palavra é o da sociedade que fala” (BAKHTIN, 1988, p. 194). Marilena Chaui(1984, p. 22) diz que “Nenhuma cultura lida com o sexo como um fato natural bruto, mas já o vive e compreende simbolicamente, dando-lhes sentidos, valores, criando normas, interditos e permissões”.

A sexualidade e a reação a ela muda a cada espaço de tempo, em cada sociedade. As características, as nuances, os simbolismos que envolvem o ser sexual não deveriam ser universalizadas para estigmatizar. Porém, é importante estudar o porquê de certas mudanças serem tendenciosas a algum tipo de normatização. O uso das palavras, se não deve ser engessado, precisa ser de alguma forma analisado, expressado. Para exemplificar, poderia dizer que o que hoje conhecemos por homossexualismo já foi chamado de homofilia, sodomia e, até, pederastia sem, porém, ser necessariamente vinculado a crime.

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Seguindo esta linha de pensamento, relações entre pessoas do mesmo sexo poderiam ser aceitas e até ditas normais. Ou poderiam ser ligadas a anomalias, contravenção, puníveis com a morte. Recentemente, por exemplo, o então arcebispo Dom Dadeus Grings relacionou o homossexualismo à pedofilia, causando desconforto e revolta em algumas organizações e movimentos sociais1. Outro exemplo, o feminismo, já foi relacionado a movimentos de lésbicas como forma de desencorajar a participação das ditas mulheres de verdade, na tentativa de manter as mulheres presas ao mundo doméstico. Borrillo (2010, p. 30) diz que uma caricatura antifeminista transformou a mulher autônoma em lésbica e a lésbica em um ser invisível que precisaria ser reparada pela intervenção de um homem de verdade.

Os conceitos podem ser relativizados, a história pode até sofrer distorções ideológicas ou interpretações diversas que possam atender a determinados interesses culturais, políticos, religiosos. Para exemplificar, poderíamos fazer varias perguntas cujas respostas seriam variadas. O Brasil foi descoberto ou invadido? Os movimentos sociais invadem ou ocupam? A mulher vem sendo ligada à figura do diabo e os homossexuais seriam pecadores tentados pelo demônio. Então, seria o homem heterossexual deus? Hermenêutica ou epistemologia? Estudar uma situação qualquer pode ter seus propósitos dirigidos a apenas uma parte da questão sem analisar o todo, o entorno. O conhecimento, porém, deve ser amplo.

Há linhas de pensamento, as vezes antagônicas. Há pessoas que consideram desnecessárias certas denominações linguísticas. Há defesa e negação do dualismo das palavras. Há formas diversificadas de conceituar, nomear, interpretar, rotular, descrever um mesmo fato, uma mesma situação, uma mesma coisa, uma mesma pessoa. Porém, acho interessante buscar na literatura alguns conceitos para tentar entender um pouco como algumas palavras que denominam os indivíduos vêm sendo trabalhadas. Neste sentido, procuro mostrar um pouco as questões conceituais que fazem parte deste trabalho.

1

Jornal Sul21. Notícia disponível em <http://sul21.com.br/jornal/2010/05/ato-contra-declaracoes-de-dom-dadeus-grings-acontece-na-proxima-quarta-19/>

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3.1 A heterossexualidade e a homossexualidade

Você vai a um cinema, a uma banca de jornais, lá está o homossexual pintado nos filmes e nas publicações como uma pessoa totalmente irreal, devoradora, vampiresca, sem nenhum sentimento humano. Isso me arrasa. Nos meus livros o homossexual é gente. Na vida real ele é gente.

( Cassandra Rios) 2

Se fizermos um exercício de acessar algum site de notícias, alguma rede social ou até mesmo um sistema de buscas na internet, vamos nos deparar com uma definição de homossexualismo que remete a ideias bem variadas. Perversão, promiscuidade, doença, pecado ou, até mesmo, festa e diversão. Se formos mais além e procurarmos pela expressão lésbica, poderemos até ser remetidos a sites de pornografia. Paralelamente, parece que, para o senso comum, divulgado massivamente nos dias atuais pelos meios de comunicação e redes sociais, heterossexual é aquele homem que se relaciona sexualmente com uma mulher. No sistema de buscas do Google, a palavra heterossexual remete a uma série de sites de dicionários. O natural, o comum, o amor que até pode dizer seu nome, o amor que gera filhos, que constrói uma família, os abençoados. É um termo implícito em praticamente todas relações sociais, sendo somente citado quando se faz necessária a diferenciação do homossexual. Não há, por exemplo, a necessidade de anunciar-se heterossexual na vida pratica, no dia a dia. Não é comum a anunciação, com letras garrafais, da presença de um heterossexual em um programa de entrevistas assim como não se vê com frequência discussões sobre o ser heterossexual na TV, no rádio, no jornal. O heterossexual é tão corriqueiro que se torna invisível, imperceptível. Mas, afinal, o que seria ser heterossexual?

Jonathan Ned Katz (1996) apresenta um pouco do surgimento da expressão heterossexual principalmente na literatura americana, mais precisamente nos Estados Unidos. Segundo Katz (1996, p. 31) a palavra heterossexual teve seu uso conhecido pela primeira vez nos Estados Unidos em um artigo do Dr James G. Kiernan, em 1892. O termo não era sinônimo de sexo normal e sim era comparado à

2

Cassandra Rios. Manchete, Rio de Janeiro, n. 1 483, 20 set. 1980. p. 22-25. Reportagem de Walterson Sardenberg Sobrinho

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perversão. O Heterossexual sentia atração física masculina por mulheres e atração física feminina por homens. Nessa análise, não seria uma mulher se relacionando com um homem ou um homem se relacionando com uma mulher. Era um heterossexual se relacionando com uma mulher ou um heterossexual se relacionando com um homem. Um heterossexual tinha assim inclinação para os dois sexos, por dois sexos diferentes, tendo por isso um desvio sexual e erótico. Em uma época onde a reprodução deveria ser o motivo do ato sexual, os heterossexuais foram acusados de anormalidades por buscarem prazer sem fins reprodutivos à espécie. Por outro lado, no mesmo artigo, os homossexuais eram vistos como seres invertidos que não aceitavam sua masculinidade ou feminilidade. A anormalidade dos heterossexuais chegava a ser considerada maior que a dos homossexuais. Em 1893, o médico Krafft-Ebing, responsável pela edição da obra Psychopathia Sexualis, utiliza o termo hetero-sexual para designar um desejo de um sexo a seu oposto, incluindo em sua definição implicitamente um desejo reprodutivo. Já havia nesse momento indicações de estar a reprodução da espécie automaticamente incluída nas relações entre os sexos. Assim, o homo-sexual é visto como patológico por não ser reprodutivo (KATZ, 1996, p. 34).

“Seus hetero-sexual e homo-sexual ofereceram ao mundo moderno dois erotismos de sexo diferenciado, um normal e bom, outro anormal e ruim, uma divisão que viria a dominar a nossa visão do séc. XX do universo sexual” ( KATZ, 1996, p. 40)

Fry (1991) diz que o homossexualismo era visto por Krafft-Ebing como uma patologia congênita. Ou como uma perversão caso envolvesse pessoas não uranistas3. Tania Navarro-Swain (2004) cita Klaich para dizer que Krafft-Ebing propunha curar as mulheres homossexuais através de cauterização ou ablação do clitóris, para evitar a masturbação, curar a neurastenia (definida como inquietação), e encorajar sentimentos heterossexuais com um estrito controle de si mesmo.

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Uranista foi o nome dado por Karl Henrich Ürichs aos homossexuais, funcionando como uma espécie de sinônimo. Fry (1997, p. 63) explica que um uranista teria seus órgão sexuais direcionados em uma direção contraria ao seu cérebro, uma alma feminima presa em um corpo masculino, ou vice versa, sendo assim considerado doente. O termo foi inspirado em Urânia, uma musa de um mito de Platão que seria inspiradora do amor entre pessoas do mesmo sexo.

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Com uma tomada crescente da sexualidade pela medicina, o sujeito vai ficando em segundo plano porque o interesse maior era analisar o objeto. Se tornou comum um recorte nas falas dos sujeitos submetidos às consultas médicas. Diz Souza(1997, p. 30) que “Ao servir-se de testemunhos individuais como método de conhecimento, a instituição médica devia cuidar para que tais testemunhos não ultrapassassem os limites esperados ou escapassem ao controle exigido pela metodologia.” Para Souza(1997), a construção da homossexualidade como objeto clínico depende do ato de anulação da fala do paciente.

A heterossexualidade chegou a ser medida entre homens e mulheres. A mulher teria um desejo sexual bem pequeno, se bem educada, sendo menos heterossexual que o homem cujo erotismo seria naturalmente maior. Katz(1996) sugere que os estudos de Krafft-Ebing, apesar de falar sobre igualdade entre mulheres e homens, na verdade estariam isolando a mulher. Porém, as mulheres ao se aproximarem da erotização no século 20, ficaram mais heterossexuais, aproximando-se neste quesito dos homens.

O sexo reprodutivo de Krafft-Ebing ganhou a concorrência de novas teorias com os estudos de Freud. Com maior foco na libido, no prazer. Freud utiliza o termo heterossexual em relação a emoções, impulsos, amor. Não necessariamente a um ato, mas a um sentimento. Fry (1991, p. 73) considera que Freud buscou uma análise baseada em aspectos experimentais, sociais e familiares, ao invés de uma leitura biológica de uma homossexualidade inata na visão de Kraft-Ebing e Ürichs.

Para Katz (1996), talvez Freud tenha buscado justificar a busca pelo prazer não reprodutivo da nova classe média que se formava. Com Freud, a heterossexualidade respirou ares de ser o normal e, provavelmente, fortaleceu-se uma tendência de normatização e legitimização da ordem heterossexual. Mas isso aconteceu através do estudo de seu contrário, o homossexual.

Os heterossexuais devem quase todas as menções explicitas e públicas à sua existência ao debate sobre os homossexuais. Embora a categoria heterossexual tenha passado a significar o padrão dominante, permaneceu estranhamente dependente da categoria homossexual subordinada. O heterossexual e o homossexual aparecem em público pela primeira vez

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como gêmeos siameses, o primeiro bom, o segundo ruim, ligados por toda a vida em uma simbiose antagônica e inalterável. (KATZ, 1996, p. 75)

A sensação de que o heterossexual tornou-se de certa forma invisível, parece também aparecer na obra de Freud. Katz (1996) exemplifica dizendo que em 24 volumes completos da obra de Freud, o grupo de palavras com a partícula hetero aparecem 29 vezes, contrastando com as 316 vezes da partícula homo. Isso apesar de seus estudos aplacarem a tendência em transformar a heterossexualidade em uma norma. Assim, a palavra normal é vastamente utilizada, buscando classificar as mulheres,os homens, os atos sexuais como normais ou não.

Trevisan (2007, p. 179) diz que o termo homossexual passou a ser largamente usado pela ciência, inclusive no Brasil4, a partir de 1869, quando foi lançado na Alemanha pelo médico Karl Maria Kertbeny. Em Fry (1991, p. 62) o nome aparece como Karoly Maria Benkert.5

Chamada por outros nomes, como sodomia, a homossexualidade em 1707 no Brasil Colonial era denominada de “hediondo pecado, péssimo e horrendo, provocador da ira de Deus e execrável até pelo próprio Diabo” nas Constituições Primeiras do Arcebispo da Bahia, como mostra Fry (1991, p. 61). A punição para tal atrocidade podia ser a purificação na fogueira. No século XX, em clima de surgimento de uma nova classe social, inicia-se também no Brasil uma ideia de buscar a saúde da nação para essa nova e privilegiada classe, com a higienização. Fica assim definido que homossexual, antes, ou além, de ser pecador perante a Igreja, é um doente que precisa ser tratado ou isolado da população sadia a fim de evitar um maior contágio.

Fry (1991) esclarece que a homossexualidade não era Crime Penal no Brasil como era em outros países6. Mas, para burlar esse sistema, nos anos de 1930 a

4

Em 1906 o termo homossexual aparece impresso pela primeira vez no Brasil na publicação Homossexualismo, a libertinagem no Rio de Janeiro do médico brasileiro José Ricardo Pires de Almeida (1843-1913).

5

Karl-Maria Kertbeny era seu nome em alémão e Károly Mária Kertbeny, em húngaro.

6

Segundo Facchini (2009), desde 1830 que referências à sodomia deixaram de constar no Código Penal do Brasil. Além disso, O Código Internacional de Doenças, o CID, não inclui mais a

homossexualidade em seu rol de doenças e, no Brasil, desde 1985 o Conselho Federal de Medicina não mais considera a homossexualidade como um desvio sexual. Porém, em 1988, a promulgação da nova Constituição Brasileira não proíbe explicitamente uma proibição de discriminação por

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polícia andava de mãos dadas com a classe médica. Assim, homossexuais vistos como delinquentes eram levados para o Laboratório de Antropologia Criminal do Instituto de Identificação de São Paulo para serem estudados.

Vale a pena dizer que, se nas mãos da Igreja um sodomita poderia ser queimado na fogueira, no tempo da medicina os homossexuais sofriam tratamentos que podiam envolver confinamento, dopagem, castração, cauterização do clitóris, choques elétricos, retiradas de parte dos lóbulos frontais do cérebro, injeção de hormônios masculinos de animais, e até mesmo relações sexuais forçadas com pessoas do seu sexo oposto.

O heterossexual foi tornando-se dominante em um manto de invisibilidade, diz Katz (1996). Não seria necessário falar do que é normal, o assunto vira um tabu. Falar poderia gerar análises, críticas e, quem sabe, contestações. Assim, a heterossexualidade foi sendo forjada como norma através da concentração de estudos negativos na categoria homossexual. O que não é visto não é lembrado. Ou poderia-se dizer que o que não é contestado, normal fica.

A heterossexualidade aparece, assim, como o padrão para avaliar todas as outras sexualidades. [...] Todas as outras formas de sexualidade são consideradas, na melhor das hipóteses, incompletas, acidentais e perversas; e, na pior, patológicas, criminosas, imorais e destruidoras da civilização. (BORRILLO,2010, p. 31)

A própria mudança que sofreu a sociedade no início do século xx, com nova divisão de trabalho, mudança nos papeis sociais, nas relações de poder do homem sobre a mulher e no capital frente ao trabalho também teve reflexos na questão da sexualidade. Katz (1996, p. 96) fala que a mulher foi cada vez mais “heterossexualizada”, nascendo assim seu oposto, “um monstro feminino ameaçador, a lésbica”. A figura da lésbica apareceria na cultura popular para legitimar a nova e erotizada mulher heterossexual.

orientação sexual. Nawarro-Swain (2004) diz que em 1973 a American Psychological Association não mais incluiu a homossexualidade em sua lista de doenças enquanto que no Brasil apenas em 1999 o Conselho de Psicologia tomou semelhante atitude de proibir a terapia de mudança de orientação sexual através da resolução CFP n° 001/99 de 22 de março de 1999.

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Na lógica essencialista, o homossexual foi sendo considerado doente ou pecador por uma perspectiva biológica e religiosa. Tendo como pano de fundo, cada vez mais, uma ideia normativa de ser o heterossexual o lado bom da vida. E, quando se fala na partícula heterossexual, vem em mente outro dualismo, a mulher e o homem ou, na ordem biológica e religiosa, o homem macho e a mulher fêmea. No homossexualismo, um dualismo também aparece. Aparentemente, no senso comum, a figura de um gay7 é confundida com um estereotipo de mulher enquanto que a lésbica aparece estigmatizada como mulher-macho. Passando assim a ideia de manter-se vivo o dualismo homem x mulher.8 Parece evidente a constante presença da figura da mulher como um símbolo também usado para “manchar” uma figura masculina. É importante, assim, estudar um pouco da história das mulheres. Mulheres que podem ser negras, escravas do lar, religiosas, intelectuais, prostitutas, trabalhadoras formais, enfim. Katz (1996) considera que se estuda e se nomeia a história dos negros, não dos brancos. De mulheres, não de homens. De homossexuais, não de heterossexualidade. Normatizando uma figura perfeita de um homem branco heterossexual.

Wolf (1973) diz que há uma lenda antiga, escrita no Banquete, de Platão, que seria uma antiga teoria sobre o homossexualismo. Nesta lenda, Aristófanes lembra um velho mito que diz haver três tipos de hermafroditas no início do mundo. O homem-homem, a mulher-mulher e o homem-mulher.

Essas primeiras criaturas humanas cometeram atos ofensivos a Zeus, senhor do Olimpo, que dividiu cada ser hibrido em duas pessoas. Desde aqueles tempos legendários, só o amor pode reunir de novo o que foi separado ao meio. Todo ser humano procura seu complemento original (WOLF, 1973, p. 25)

O interessante é que na lenda há a explicação de haver a procura do homem pelo seu complementar homem e do homem pelo complemento mulher. Sem haver, segundo diz Wolf (1973), referência ao hermafrodita mulher-mulher também buscar

7

Para fins de escrita, utilizo a expressão gay para me referir ao homossexual masculino. Gay, porém, é um termo bem mais abrangente que envolve também as mulheres.

8

Há muitas sexualidades envolvidas além de um dualismo forjado. Não deve-se esquecer a bissexualidade, o travestismo, transexualismos, etc.

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seu complemento pós separação. Ficando apenas a cargo de nossa interpretação imaginar que uma mulher procuraria o seu complemento original, a sua outra parte mulher.

Nawarro-Swain (2004, p. 18) comenta que a Inquisição não sabia como se referir às mulheres, não conseguindo assim julgá-las por seus supostos pecados. Para ultrapassar essa dificuldade, as chamava de sodomitas, nome comumente referente aos homens. Assim, se “ não se fala, logo, não existe”. Sem um nome, não viravam personagem perante o imaginário social. Não existiam.

Parece fundamental estudar a lésbica deslocada da partícula homossexual, pois se a história das mulheres ainda é uma história pouco contada e, muitas vezes, contada dentro de uma perspectiva idealizada na figura do homem, a história das mulheres lésbicas é uma história de gays.

3.2 Um pouco sobre as mulheres

De fato a mulher jamais foi definida socialmente. A infraestrutura do caráter feminino é atribuída à biologia: fêmea, está destinada à reprodução; mamífera, está destinada a cuidar dos filhos; primata, está destinada ao seu macho. Seu estatuto fundamental e suas funções especializadas são, portanto, determinados pré-sociologicamente e a sociedade apenas faz variar os atributos e o modo de ser com que ela marca o mundo (MORIN, 1969, p. 156)

A história social das mulheres é rica e extensa. Definir o ser mulher nas sociedades seria um trabalho gratificante. Mas realizar aqui este estudo não é possível. Porém, seguindo a ideia de navegar por algumas definições e fatos, digo que algumas coisas são fundamentais destacar.

A mulher, ou aquilo que ela representa – e aqui posso até citar os estigmas carregados pelos próprios homossexuais - carrega uma carga de pré-conceitos. É dita impura, causadora de todos os males pelas mais diversas religiões. Por regimes econômicos, mais precisamente pelo capitalismo, foi reprodutora de mão de obra e é

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mercadoria, vendendo seu trabalho a baixíssimo custo. Ou é trabalhadora não reconhecida, não remunerada quando “do lar”. Para o Estado, ganhou mais importância quando virou cidadã com poder de voto e, principalmente, contribuinte nos impostos. Ficando, também, mais suscetível a um controle do Estado a partir do momento que este lhe fornece alguns mimos. Também virou símbolo sexual ao conquistar uma suposta liberdade sexual. Armadilha que a responsabilizou pela própria violência a que era submetida por transformar-se em mulher fácil, talvez fazendo valer em mentes menos brilhantes os dogmas religiosos da criação: há quem diga que a culpa do estupro é da própria mulher.

Perrot (2008) comenta que

De Aristóteles a Freud, o sexo feminino é visto como uma carência, um defeito, uma fraqueza da natureza. Para Aristóteles, a mulher é um homem mal acabado, um ser incompleto, uma forma malcozida. Freud faz da “inveja do pênis” o núcleo obsedante da sexualidade feminina. A mulher é um ser em concavidade, esburacado, marcado para a possessão, para a passividade. Por sua anatomia. Mas também por sua biologia. (PERROT, 2008, p. 63)

Toledo (2005) diz que mulheres e homens, ao longo da história, tiveram papeis ligados à divisão social do trabalho. E esse pertencimento a um determinado local no modo de produção vigente determinava o tratamento recebido pelas mulheres e pelos homens. Margaret Mead apud Toledo (2005), indica em seus estudos antropológicos que a cultura, os costumes e necessidade econômica de sobrevivência determinava o papel sexual que cada um assumia, não sendo a natureza determinante de um pertencimento a alguma tarefa.

Por outro lado, pensadores apontam uma suposta inferioridade da mulher relacionada a fatores biológicos, sendo a mulher dita inferior por natureza. Toda uma suposta incapacidade feminina para quase tudo, forjada característica marcante das mulheres estigmatizadas, fazia com que até mesmo tarefas relegadas a elas fossem inferiorizadas. Diz Perrot (2008) que o ato de costurar, para ser realmente de qualidade, deveria ser de “alta costura”, esta destinada aos homens. E, na mesma linha, cozinheiras jamais chegariam ao estatus de um chefe de cozinha. Perrot

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(2008) conta que no final do século 19, fisiologistas concluíram terem as mulheres cérebro menor, mais leve e menos denso. Fato pitoresco que justificava que as mulheres nem mesmo podiam estudar matemática por sua dita falta de racionalidade.

Concordo com Green (2006) quando este diz ser até mesmo engraçado, nos dias de hoje, o que disse José Ricardo Pires de Almeida em seu livro escrito em 1906. Apesar de referente aos homossexuais, trás a figura da mulher em uma passagem divertida, e também triste, à leitura no século 21.

Ulrichs diz que os uranistas, bem como as mulheres, não sabem assobiar, e – mais ainda – que encontram grande dificuldade de aprendê-lo [...]. Há aqui, parece-me, um erro de observação[...], os que não sabem assobiar são unicamente os pederastas passivos; uns, pelo abalo incomodo que produz, no reto, não só esse, como outros movimentos mais ou menos violentos; a tosse, o espirro, etc; outros, pelos pontos de contato que aproximam o feminista da mulher, igualmente avessa a esse gênero de música. (GREEN, 2006, p. 80)

Para piorar a situação das mulheres, muitas religiões definem a mulher como aquela que carrega uma carga negativa de pecado e imperfeição. Numa relação dualista, é relaciona com o mal, com a carne, enquanto cabe ao homem o bem e o espírito racional.

Nawarro-Swain (2004, p. 17) lembra que algumas religiões nomeiam como casal fundador do mundo o Adão e a Eva, sendo eles responsáveis pela naturalização da sexualidade humana. Esse casal passa a representar um dos mais importantes dogmas monoteístas. Um homem criado à imagem e semelhança de um único deus, chamado Deus. E uma mulher, incompleta e imperfeita. Fraca e sedutora, destinada à dor por seu erro, o pecado original. Interessante o que cita Perrot (2008, p. 91). A mulher (Eva) teria cedido aos apelos do diabo por querer saber o que havia naquela árvore de fruto proibido. Ao procurar o conhecimento, privilegio que deveria ser apenas do homem, foi punida9. Com isso, fica marcado um

9

A Reforma Protestante trouxe uma importante abertura às mulheres. Mesmo que por linhas tortas, foi dado a elas o direito a aprender a ler para que assim pudessem estudar a Bíblia. Aprender a ler com certeza foi fundamental para uma futura, gradativa e ainda incompleta emancipação feminina

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dualismo onde um dos polos, o superior, racional, é espírito. E o outro, o inferior, é a carne reprodutora não só da espécie, mas principalmente do pecado. Chaui (1984, p. 91), ao falar do Apóstolo São Paulo e sua justificativa quanto ao indesejado, mas necessário, contato do homem com as mulheres, impuras por natureza, cita que “A mulher, sendo responsável pelo pecado original, é mais sensual, mais sexuada, mais fraca que o homem e precisa do casamento como freio. Além disso, casando todas as mulheres, não haverá tentação disponível aos homens.”

Também houve defesa de ser a mulher portadora da tarefa de reprodução. Ficando responsável pela manutenção da espécie humana, alimentando e cuidando não só dos filhos, mas também do pai dos filhos, visto como o trabalhador e o chefe da família. Porém, segundo Saffioti, apud Toledo (2005, p. 30), havia sociedades de caça e coleta onde as mulheres eram responsáveis pelo provimento de mais de 60% dos alimentos nas coletas diárias, sem deixar de reproduzir a espécie.

Assim, Toledo (2005, p. 33) diz que “A origem da opressão da mulher está, portanto, ligada às transformações ocorridas nas relações humanas desde as primeiras sociedades que se conhece”.

Fincando uma análise em um período mais atual, fica claro que conquistas foram obtidas pelas mulheres, principalmente na área de direitos civis. Porém, se a violência contra as mulheres é universalizada, não se pode dizer o mesmo quanto ao reconhecimento de ser a mulher um ser social passível de ter não só deveres, mas também direitos. Suas conquistas estão intimamente ligadas ao local de nascimento e vida dessas mulheres. Em países cujo Estado é atrelado à religião, as mulheres ficam reféns de escrituras antigas com traduções e, principalmente, interpretações altamente ideológicas. Tem suas vidas regidas pela Bíblia, pelo Alcorão. E, mesmo em alguns países laicos, ao menos laicos no papel, como o Brasil, a interferência dessas escrituras ditas sagradas, na ação dos políticos nas Camaras, no Senado, nas Assembleias, é determinante na vida das mulheres.

Não quero fazer apologia ao dito sexo frágil, no sentido de rotular a mulher como uma endêmica sofredora, jogando para os homens todo os males do mundo.

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Mas é latente a existência sim de diferentes formas de tratamento quando o assunto é o sexo feminino. E aqui não se pode deixar de dizer que há também diferenciações entre o ser mulher. Há mulheres multirraciais, cada qual com seu estigma perante a sociedade de cada época. Há índias praticamente mendigando pelas ruas das grandes cidades brasileiras. Mulheres negras ainda são, no século 21, destinadas a sub empregos. Há aquelas que sofrem violência doméstica. Existem mulheres que vendem seu corpo. Essas, as profissionais do sexo, muitas vezes foram até aceitas pela Igreja agindo como forma de manter um casamento puro entre o homem e sua esposa, sem perversões sexuais que deveriam ficar a cargo das prostitutas. Há mulheres que, artisticamente, são ditas possuídas pelo demônio nos cultos evangélicos, numa clara alusão ao ser ela fraca ao pecado. A diversidade é muito grande. E há mulheres lésbicas.

3.3 As lésbicas

A expressão lésbica vem da Grécia, no Mar Egeu, Ilha de Lesbos. Diz Mott (1987) que ser lésbica, ou lesbiana, ou lésbia poderia referir-se a ser natural de Lesbos ou falar a língua da ilha. Também poderia significar um tipo de verso da métrica da poesia helênica. Na Ilha viveu Safo, uma poetisa.

“Houve um tempo em que lésbica era a mulher nascida em Lesbos, ilha grega na Ásia Menor, marcada pela presença de Safo, poetisa de talento excepcional cuja inspiração era insuflada pela paixão e desejo pelas mulheres.” (NAVARRO-SWAIN, 2004, p. 29)

A obra de Safo, ligada à poesia e à musica, foi destruída. A queima de seus inscritos iniciou por volta de 380 a.c, em um período onde o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo virava crime passível de execução pelo Império Romano. E continuou com o advento do cristianismo, tendo restado poucos fragmentos de sua obra.

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“Entretanto, Safo é “liberada” de seu lesbianismo, é “recuperada” a partir do relato de Ovídio sobre sua vida na XVa Heróide, que a faz se suicidar por ser desprezada por um homem”. (NAVARRO-SWAIN, 2004, p. 32)

Assim, Safo tem sua história modificada. Sua obra é queimada e sua vida idealizada10 já ao gosto de uma nova era cristã. Se cria a imagem de uma mulher jogando-se de um abismo ao ser rejeitada por um rapaz. Podendo ser esse um dos episódios que fortalecem o mito de ser a mulher totalmente dependente do homem.

Mesmo com a tentativa de silenciar o legado de Safo de Lesbos através da queima de sua obra, as expressões safismo, sáfico e lesbianismo ficaram marcados como sinônimo de relacionamento entre mulheres11. Porém, segundo Mott (1987, p. 11)

Lésbica como sinônimo de homossexual feminina só aparece na literatura francesa por volta de 1842, e na inglesa em 1870: no Brasil ao menos desde 1894 o criminalista Viveiros de Castro introduziu o termo lésbia como sinônimo de “invertida sexual”[...]

Encontrar livros editados no Brasil sobre uma história das lésbicas não é tarefa fácil. Se a história das mulheres vinha sendo mal contada, o que deveríamos esperar da história das lésbicas? Principalmente se considerarmos que tanto a Igreja quanto a medicina no século 19 e início do século 20 nem mesmo reconheciam o homossexual feminino. A própria sexualidade feminina era de certa forma desconhecida ou desconsiderada. Luis Mott, antropólogo, baseado em suas andanças em Portugal pesquisando a homossexualidade masculina no período colonial, encontrou e guardou material referente às mulheres que possibilitou iniciar uma primeira publicação, destinada à história das lésbicas no Brasil no início dos

10

Porém, os fragmentos posteriormente recuperados de sua obra mostram seu amor por mulheres. 11

Fato interessante ocorreu em 2008, quando um grupo de moradores da ilha grega de Lesbos ingressou na justiça tentando impedir o uso da expressão lésbica para designar homossexuais. O uso estaria insultando a identidade dos moradores da ilha. Porém, o tribunal de Atenas não acatou a solicitação. Notícia disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u424890.shtml >. Acesso em: 06 jun. 2012

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anos de 198012. Porém, foi só no final da década de 90 do século 20 e, principalmente, nos anos 2000 que a figura da lésbica começou a ganhar maior visibilidade.

Voltando ao tempo, Mott (1987) diz ter encontrado nos livros das Denuncias e Confissões do Santo Oficio material coletado pelos inquisitores em suas andanças pela colônia brasileira atrás de denúncias de atos sofistas. Apesar de não haver registro de queima de mulheres no Brasil, a prática da dita sodomia era passível de morte na fogueira havendo casos de mulheres queimadas vivas por suas relações contra a natureza, a fé e a moral em outras localidades. Alguns casos de morte na fogueira ocorreram na França e Alemanha. Em Portugal, em 1499, as Leis Estravagantes determinam que

A mulher que usa torpemente como homem, haverá a mesma pena que o homem que tal pecado com outro macho comete: deve ser queimada viva, reduzida a pó, seus bens sequestrados, seus descendentes tornados inábeis para que não ficasse delas memória (MOTT, 1987, p. 30)

Essas leis podem ter tido um caráter de impor temor e pânico em Portugal, visto que as penas efetivamente impostas por lá às mulheres gravitavam entre jejuns violentos a penitências13. .

No Brasil, segundo Mott (1987), apesar de haver mulheres incriminadas pelo pecado da sodomia, Filipa de Souza foi quem chegou ao Tribunal do Santo Ofício em 1592. Filipa foi acusada de namorar muitas mulheres e confessou sentir grande amor e afeição carnal ao relacionar-se com mulheres. Sua pena foi considerada branda. Descalça, foi açoitada pelas ruas, vestindo uma túnica e carregando uma vela acesa. Expulsa da Bahia, foi ainda obrigada a jejuar a pão e água e ainda teve que pagar as custas do processo que a condenou.

12

O Lesbianismo no Brasil, obra de Luis Mott, conta um pouco da história das lésbicas desde o Brasil colonial.

13

Em 1646, o Conselho Geral da Inquisição de Lisboa determina que os atos sodomíticos entre mulheres não devem mais ser reconhecidos, ficando as mulheres livres da inquisição ao menos pelo crime direto de sodomia.

(37)

Assim como aconteceu com os homossexuais, as lésbicas também foram alvo não só da religião mas também da medicina. Segundo diz Mott (1987), Krafft-Ebing chegou a classificar as lésbicas em loucas, congênitas e viciadas. As loucas e viciadas poderiam ser curadas com química ou choques. As congênitas, porém, segundo Krafft-Ebing, apud Mott (1987, p. 45)

Têm inteligência lúcida e sã, sentimentos nobres e puros. Mas sentem pelo homem o mesmo horror, a mesma repugnância invencível que uma pessoa normal tem pelas relações antinaturais.[...]Esta inversão sexual faz parte integrante de sua personalidade psíquica. [...]Para elas a imoralidade estaria no amor normal

O médico brasileiro Pires de Almeida também falou das lésbicas e, curiosamente, queixou-se do silêncio, da dificuldade em conseguir estudá-las por seus supostos recatos, suas vergonhas em admitir suas inclinações sexuais.

Mott (1987) também faz referência a uma possível criminalização dos homossexuais, incluindo o amor entre mulheres. Para alguns pesquisadores, os homossexuais teriam tendência congênita ao crime. O doutor Luis Angelo Dourado14, citado por Mott (1987), diz que muitos crimes originam-se em homossexuais femininas. Ciúmes, raptos violentos, corrupção de menor, suicídio em pactos de morte onde só uma morre, prostituição.

Com tamanha repressão ao longo do tempo, torna-se compreensível o sentimento de culpa que muitas mulheres, e também os homossexuais em geral, carregam. Uma bomba ideológica que tenta matar aos poucos a autoestima de mulheres que amam outras mulheres. Basta acessar a internet para encontrar centenas de sites fazendo ligação entre homossexualismo e doenças, perversão, possessão demoníaca, promiscuidade, violência. Mas também há uma violência velada, um silêncio que segrega, reprime.

14

Chefe do Serviço de Biopsicologia da Penitenciária do Rio de Janeiro. Autor do livro Homossexualismo e Delinquência (1961).

(38)

Lendo Mott (1987) foi possível encontrar referência à morte de duas meninas em 1979, no Rio Grande do Sul. Estudantes de medicina em Passo Fundo, suicidaram-se e, em carta, pediram para serem enterradas juntas. Na reportagem, não é falado de um possível relacionamento além de amizade entre as duas. A carta deixada por elas e publicada no jornal, também não é conclusiva a esse respeito ficando passível a interpretações. Porém, pela foto na reportagem não teríamos dúvidas de ser um casal, caso a imagem apresentasse uma mulher e um homem.

Figura 1 - Recorte do jornal Correio do Povo. Os corpos, vestidos de preto, foram encontrados lado a lado na cama

Fonte: PACTO de morte das estudantes de medicina abalou Passo Fundo. Zero Hora, Porto Alegre, n. 4 983, ano XVI, 17 jul. 1979, p. 34.

Nessa mesma linha, causou-me curiosidade uma matéria que encontrei no jornal Correio do Povo, mostrada na figura 2.

(39)

Figura 2 - Recorte do jornal Correio do Povo

Fonte: CRIME?. Correio do Povo, Porto Alegre, n. 309, ano 114, 5 ago. 2009. Há um século no Correio do Povo, p. 21.

Fiquei pensando na expressão companheira. Seriam companheiras de quarto, amigas, comunistas, seria um casal? Sem considerar o linguajar da época, que poderia ser diferente do usado nos anos atuais, se o ocorrido envolvesse uma mulher e um homem essa dúvida não seria latente.

Portinari (1989) trabalha com um discurso da homossexualidade feminina. O discurso seria habitante de uma linguagem de homens, baseado em relações heterossexuais. “É discutível se essa que há é mesmo a linguagem dos homens, mas é inegável que, por ser um objeto histórico, a linguagem deve ter-se moldado nos termos de um universo que se percebe como dominado pelos signos da masculinidade.” (PORTINARI, 1989, p. 48)

Assim, mais complexo do que o silêncio que envolve as mulheres seria o que é dito sobre elas quando se rompe, mesmo que em partes, esse silêncio. Os movimentos lésbico-feministas, por exemplo, tinham queixas quanto a inexistência de uma linguagem própria, sem ficar atrelada a uma linguagem dos homens, com todo um significado baseado em padrões pré estabelecidos.

Até mesmo uma suposta melhor aceitação ao homossexual masculino é vivenciada no dia a dia, apesar de ser grande a homofobia no Brasil e haver um número absurdo de agressões e assassinatos. Porém, às lésbicas há um tratamento um pouco diferente. Ainda há pensamentos mágicos de serem as lésbicas apenas

Referências

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