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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA NAYARA LUIZA BITTENCOURT SILVA

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Academic year: 2021

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NAYARA LUIZA BITTENCOURT SILVA

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO E A LEI DA LIBERDADE ECONÔMICA

CURITIBA 2021

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A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO E A LEI DA LIBERDADE ECONÔMICA

Monografia apresentada como requisito parcial para à obtenção do grau de Bacharel em Direito, do Centro Universitário Curitiba.

Orientador: Prof. Dr. Roberto Eurico Schmidt Junior

CURITIBA 2021

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A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO E A LEI DA LIBERDADE ECONÔMICA

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos

professores:

Orientador: Prof. Dr. Roberto Eurico Schmidt Junior

_________________________ Prof. Membro da Banca

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Agradeço a todos que de alguma forma contribuíram ao longo de toda a minha trajetória, servindo de alicerce para as minhas realizações.

Agradeço, particularmente, ao meu orientador, Roberto Eurico Schmidt Junior, por aceitar conduzir o meu trabalho de pesquisa.

(5)

A personalidade jurídica permite uma separação patrimonial entre sócios e sociedade, tornando o ente um sujeito jurídico apto a adquirir direitos e contrair obrigações. Contudo, há casos em que a sociedade é usada indevidamente pelos sócios, portanto, a desconsideração da personalidade jurídica é o instituto adequado para coibir os abusos perpetrados contra os credores. Nesses casos, a legislação brasileira previu o afastamento temporário da autonomia patrimonial para que os responsáveis pelo ato respondam solidariamente pelas suas obrigações. No entanto, o código era relapso quanto a sua aplicação, abrindo margem para interpretações dos operadores do direito. Diante disso, a Lei de Liberdade Econômica promoveu importantes alterações no Código Civil com relação ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Dentre as modificações, está o reforço da autonomia patrimonial e a restrição das hipóteses de incidência da desconsideração, fortalecendo a sua excepcionalidade. Essa aplicação criteriosa do instituto está diretamente ligada com a atividade empresarial, visto que reduz os riscos do negócio jurídico, contribuindo com o desenvolvimento econômico do país.

Palavras-chave: Personalidade jurídica. Autonomia Patrimonial. Abuso de Direito. Lei da Liberdade Econômica. Desconsideração da Personalidade Jurídica.

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The legal personality allows the patrimonial separation between partners and society, making it a legal subject able to acquire rights and obligations. However, there are cases in which the society is misused by the partners, therefore, the disregard of legal personality is the appropriate institute to curb perpetrated abuses against creditors. In such cases, Brazilian law has provided for the removal of patrimonial autonomy, so that those ones responsible for the act are jointly liable for their obligations. However, the code was sloppy in its application, allowing for different interpretations by legal practitioners. Thus, the Economic Freedom Law promoted important changes in the Civil Code in relation to the institute of the disregard of legal personality. Among the modifications, is the reinforcement of patrimonial autonomy and the restriction of the hypotheses of incidence of disregard, strengthening its exceptionality. This careful application of the institute is directly linked to the business activity, since it reduces the risks of the legal business, contributing to the economic development of the country.

Keywords: Legal personality. Patrimonial Autonomy. Abuse of Right. Economic Freedom Law. Legal Personality Disregard.

(7)

CC – Código Civil

CF – Constituição Federal CPC – Código de Processo Civil

EREsp – Embargos de Divergência em Recurso Especial MP – Medida Provisória

REsp – Recurso Especial

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1 INTRODUÇÃO ... 8

2 A PERSONALIDADE JURÍDICA ... 10

2.1 CONCEITO E REQUISITOS PARA CONSTITUIÇÃO ... 10

2.1.1 As teorias a respeito da personalidade jurídica ... 12

2.1.2 Da capacidade da Pessoa Jurídica ... 14

2.1.3 Os efeitos da personalidade jurídica ... 16

2.2 AUTONOMIA PATRIMONIAL ... 17

2.3 RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA... 19

3 A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ... 22

3.1 ORIGEM HISTÓRICA ... 22 3.1.1 A teoria no Brasil ... 24 3.1.2 Teoria Maior ... 25 3.1.3 Teoria Menor ... 27 3.2 APLICABILIDADE ... 28 3.2.1 Subcapitalização ... 30

3.2.2 Dissolução irregular da empresa ... 31

4. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CÓDIGO CIVIL E A LEI DA LIBERDADE ECONÔMICA ... 33

4.1 REFORÇO DA AUTONOMIA PATRIMONIAL ... 33

4.2 ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL ... 35

4.2.1 Desvio de finalidade ... 36 4.2.2 Confusão patrimonial ... 38 4.2.3 Desconsideração Inversa ... 40 4.2.4 Grupos Econômicos ... 41 4.3 DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO ... 42 4.3.1 Instauração e cabimento ... 44

4.3.2 Defesa e natureza da decisão ... 45

4.3.3 Prescrição e Decadência ... 45

4.3.4 Fraude à execução ... 46

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 48

(9)

1 INTRODUÇÃO

A presente monografia é resultado de uma pesquisa jurídica que visa discorrer a respeito da desconsideração da personalidade jurídica no Código Civil Brasileiro com o advento da Lei da Liberdade Econômica.

De forma a expor o assunto com mais clareza, faz-se a divisão do trabalho, além desta Introdução e das Considerações Finais, em três partes, sendo elas: 1. A Personalidade Jurídica; 2. A Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica; 3. A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código Civil e a Lei da Liberdade Econômica, sendo que, neste último capítulo, será realizada uma breve análise dos aspectos processuais da teoria da desconsideração.

Ao tratar desse tema, inicialmente, é necessário verificar a personificação que foi atribuída as pessoas jurídicas, possibilitando a elas adquirirem direitos e contraírem obrigações. Essa personificação veio com o desenvolvimento econômico dos povos e a necessidade de formarem grupos para atingirem suas metas.

Desta forma, criou-se um sujeito de direitos, com patrimônios próprios que não se confundem com os dos sócios que a compõe, dependendo do tipo societário adotado. Portanto, a personalidade jurídica existe para criar a autonomia patrimonial da sociedade em relação aos seus sócios, propiciando um estímulo ao empreendedorismo, visto que reduz o risco da atividade empresarial.

No entanto, alguns empresários abusam dessa autonomia para fraudar credores. Sendo assim, a Lei criou a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica, contanto que seja comprovado o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial.

Esse incidente visa afastar a autonomia patrimonial da sociedade a fim de atingir o patrimônio dos sócios que a compõe. Contudo, trata-se tão somente de uma suspensão temporária de eficácia da personalidade para aquele caso de abuso, e não de uma anulação da personalidade jurídica.

Portanto, verifica-se que a desconsideração tem como finalidade tornar efetiva uma obrigação contraída com a intenção de lesar credores.

Diferente da responsabilidade subsidiária, em que os credores, independente de abuso de poder, quando esgotadas as tentativas de execução da devedora principal poderão reclamar a dívida dos sócios, subsidiariamente, nos limites da integralização do capital social.

(10)

Ocorre que o Código Civil de 2002 não dispunha de hipóteses específicas para postular a desconsideração da personalidade jurídica, mas tão somente de um critério amplo que tinha que ser interpretado pelos tribunais e, portanto, gerava uma insegurança jurídica aos empresários, que não tinham conhecimento de quais condutas poderiam levar a uma desconsideração.

Com isso, a Lei da Liberdade Econômica, promulgada com o propósito de fortalecer os princípios da livre iniciava e o livre exercício da atividade econômica, trouxe alterações na redação do Código Civil Brasileiro, no que se refere a desconsideração da personalidade jurídica.

Além de fortalecer o princípio da autonomia patrimonial, restringiu as hipóteses da desconsideração, reforçando a ideia da excepcionalidade para o emprego desse instituto.

Quanto ao incidente de desconsideração, poderá ser aplicado tanto no processo de conhecimento, quanto no cumprimento de sentença ou na execução por título extrajudicial. Ainda, poderá ser instaurado pela manifesta vontade da parte ou então, nas hipóteses em que for cabível, pelo Ministério Público.

Sendo assim, finalizada uma breve exposição do tema a ser tratado nesta monografia, este trabalho tem por finalidade analisar as repercussões das alterações trazidas pela Lei nº 13.784/19, quanto ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica no Código Civil Brasileiro.

(11)

2 A PERSONALIDADE JURÍDICA

A personalidade jurídica atribuída as sociedades é um dos temas de grande importância para entender a teoria da desconsideração. Isso pois, é a partir dela que o ente se torna sujeito de direito apto a contrair obrigações. Além disso, promove uma proteção dos bens pessoais dos sócios, de modo a não se confundirem com a sociedade.

De forma a explanar o assunto da melhor forma, faz-se a divisão do presente capítulo conforme os tópicos a seguir.

2.1 CONCEITO E REQUISITOS PARA CONSTITUIÇÃO

Historicamente, a personalidade jurídica surge da necessidade dos homens se unirem para realizar determinados empreendimentos, em diversos fins almejados, conforme ressalta Venosa1:

A necessidade da sociedade em constituir pessoas jurídicas surge desde a criação de uma associação de bairro para defender o interesse de seus moradores ou de uma associação esportiva para reunir adeptos de determinada prática esportiva até a criação do próprio Estado, entidade jurídica que transcende a própria noção singela que ora damos.

Com o advento do Estado liberal, surgiu o interesse de atribuir uma personificação as entidades e organizações, tornando-as sujeito jurídico apto a adquirir direitos e contrair obrigações, tal como de pessoa física. Isso pois, de acordo com Lôbo, “como pessoa, reclama os atributos desta: nome, domicílio, direito da personalidade, bens, direito do autor, propriedade intelectual, capacidade de exercício de direitos, nacionalidade”2.

Assim, verifica-se que a intenção era criar um sujeito autônomo ao das pessoas que lhe deram origem, de forma que o patrimônio da atividade empresarial não pudesse se confundir com o dos seus sócios e, então, estes não responderiam pelas obrigações da sociedade.

Desta maneira entende Rubens Requião3:

1 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 241. 2 LÔBO, Paulo. Direito civil: parte geral. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 173.

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A sociedade transforma-se em novo ser, estranho à individualidade das pessoas que participam de sua constituição, dominando um patrimônio próprio, possuidor de órgãos de deliberação e execução que ditam e fazem cumprir a sua vontade.

Percebe-se a importância desse novo sujeito de direitos, que já no esboço do Código Civil Brasileiro, idealizado por Teixeira de Freitas, foi reconhecida a personalidade jurídica das sociedades, tratando da autonomia patrimonial, bem como da distinção entre a pessoa ideal e as pessoas que a constituem4.

Ocorre que, para criar uma entidade jurídica, são necessários alguns elementos, tais quais: necessidade da vontade humana, finalidade específica de um grupo de pessoas ou conjunto de bens, e presença de um contrato com o devido registro. Nas palavras de Tomazette5:

Existindo um grupo de pessoas ou conjunto de bens, com uma finalidade específica, pode a vontade humana, expressamente manifestada, dar origem a uma pessoa jurídica, a qual só nasce efetivamente com o registro dos atos constitutivos no órgão competente (art. 985 do Código Civil).

Primeiramente, pela vontade humana, entende o animus dos futuros integrantes da sociedade, em construir uma organização com fins específicos, sem a necessidade de interferência estatal, exceto quando se faz necessária. Conforme entende Venosa “em qualquer caso, portanto, a pessoa jurídica tem como ponto de nascimento a vontade criadora”6.

Ainda, para criação de uma pessoa jurídica é necessária uma observância dos requisitos legais, tal como a inscrição dos atos constitutivos no Registro Público de Empresas Mercantis, no caso de empresário e sociedade empresária, ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, no caso de sociedade simples. Com o registro do ato constitutivo, a sociedade passa a ter o status de regular, ao contrário das sociedades irregulares que são consideradas assim pois, tendo ou não contrato escrito, não fazem a inscrição no devido local7.

Dentro deste aspecto, entendeu-se por fazer uma nova distinção, entre a sociedade irregular e a sociedade de fato. A primeira, possui um documento escrito, ainda que registrado em local diverso do disposto em lei. Já a segunda, é aquela que

4 REQUIÃO, 2010, p. 437.

5 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 11. ed. São

Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 253.

6 VENOSA, 2020, p. 243. 7 REQUIÃO, op. cit., p. 444.

(13)

não há qualquer documento escrito, mas que, conforme Requião, “vive, funciona e prospera”8. Apesar de não serem dotadas de personalidade jurídica pela falta de

registro em local certo, elas continuam sendo consideradas como sociedades empresárias.

Por fim, como último requisito para criação de personalidade jurídica, é necessário que a finalidade específica seja lícita, isso pois o ordenamento jurídico não permite a criação de uma sociedade com fins ilícitos, sendo que, neste último caso, a consequência seria a sua extinção.

Assim afirma Venosa9:

Não se adapta à ordem jurídica a criação de uma pessoa que não tenha finalidade lícita. Não pode a ordem jurídica admitir que uma figura criada com seu beneplácito contra ela atente. Se a pessoa jurídica, em suas atividades, desviar-se das finalidades lícitas, o ordenamento tem meios para cercear e extinguir sua personalidade.

Esses requisitos são fundamentais para a atribuição da personalidade jurídica à sociedade, que foi reconhecida através das discussões entre diversas teorias que justificavam a existência ou não dessa personificação.

2.1.1 As teorias a respeito da personalidade jurídica

Do reconhecimento da pessoa jurídica como sujeito de direitos, surgiram inúmeras teorias, conforme exposto acima, que visam justificar ou não a existência desse ente autônomo. Primeiramente, cumpre demonstrar a teoria individualista de Rudolf von Ihering, a qual afirmava que os direitos atribuídos a uma sociedade não eram dela como entre próprio, mas sim de seus sócios10.

Esta teoria é criticada por Pereira11:

Contra esta conceituação podemos de início objetar que, sendo possível um conflito entre a pessoa jurídica e um dos seus membros componentes, litígios que se esboçam com relativa frequência, dos quais resulta o reconhecimento de direito da sociedade ou associação contra o associado ou vice-versa, não explica a doutrina como se realizaria o exercício do direito da entidade contra o seu membro componente, se fosse verdade que ela não é o sujeito da relação jurídica, mas apenas um meio técnico pelo qual os seus componentes o exercitam.

8 REQUIÃO, 2010, p. 444. 9 VENOSA, 2020, p. 243. 10 TOMAZETTE, 2020, p. 254.

(14)

Desta forma, tal teoria foi superada, tendo em vista que, se assim fosse, a sociedade seria mera aparência, pois não cabe aos membros da sociedade exercerem direitos que competem a sociedade.

Em seguida surgiu a teoria da ficção, sustentada por Savigny, a qual entendia que apenas a pessoa humana é sujeita de direitos, pois conforme afirma Venosa “só ele tem existência real e psíquica”12. Portanto, de acordo com essa concepção a

pessoa jurídica é uma ficção jurídica, criada para exercer direitos patrimoniais13.

Sendo que o legislador pode livremente conceder, negar ou limitar a capacidade desses entes14.

Em terceiro plano veio a teoria da vontade, seguindo o mesmo equívoco da teoria anterior, pois acreditava que a vontade que criou a sociedade é personificada e não a sociedade15.

Por fim, outra teoria que nega a personalidade jurídica das sociedades é a da equiparação ou do patrimônio de afetação, a qual defende que a personalidade jurídica é um patrimônio comparado as pessoas naturais. Assim descreve Tomazette: “Ela admite, tão somente, que há certas massas de bens, determinados patrimônios, equiparados, no seu tratamento jurídico, às pessoas naturais. As pessoas jurídicas não passam de meros patrimônios destinados a um fim específico.”16.

Desta forma, verifica-se que as teorias listadas acima não reconhecem a personalidade jurídica das sociedades, entendendo que apenas as pessoas naturais são sujeitos de direitos e obrigações.

Ao contrário das demais, a teoria da realidade objetiva ou teoria orgânica, entende que as pessoas jurídicas “têm vida autônoma e vontade própria, cuja finalidade é a realização do fim social”, segundo Monteiro e Pinto. Essa teoria não ganha validade, tendo em vista que, ainda segundo os autores, “a vontade é peculiar aos homens”, portanto, a pessoa jurídica não possui vontade própria17.

12 VENOSA, 2020, p. 245.

13 MONTEIRO, Washington de Barros; PINTO, Ana Cristina de Barros Monteiro França. Curso de

direito civil: parte geral. 45. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 151.

14 VENOSA, op. cit., p. 245. 15 TOMAZETTE, 2020, p. 255. 16 Loc. cit.

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Apesar de superadas, as teorias da ficção e da realidade orgânica contribuíram para o desenvolvimento de uma nova teoria, da realidade técnica. Tendo em vista que reconhece uma parcela de verdade daquelas teorias18.

A teoria da realidade técnica é aceita pela maior parte da doutrina19. Pois leva

em consideração que a personalidade jurídica não é uma ficção, mas sim “um atributo, que o Estado defere a certos entes, havidos como merecedores dessa situação” 20, de

acordo com Monteiro e Pinto.

Com isso, concluiu-se que a personalidade jurídica é uma realidade técnica, ou seja, é um ente autônomo ao das pessoas naturais que a compõe, com relação aos direitos e obrigações. Contudo, a vontade sempre será dos sócios da sociedade.

Assim, reconhecida a personalidade jurídica das sociedades, faz-se necessário demonstrar a capacidade desse ente no mundo jurídico, como consequência do status de sujeito de direitos.

2.1.2 Da capacidade da Pessoa Jurídica

A capacidade da pessoa jurídica decorre, logicamente, da personalidade que a ordem jurídica lhe reconhece por ocasião de seu registro21. Sendo estendida a todas

as áreas do direito. Sobre este ponto, Venosa completa: “Assim, uma vez registrada a pessoa jurídica, o Direito reconhece-lhe a atividade no mundo jurídico, decorrendo daí, portanto, a capacidade que se estende por todos os campos do Direito e em todas as atividades compatíveis com a pessoa jurídica”22.

A pessoa jurídica tem uma esfera ampla de atuação, não se limitando apenas a esfera patrimonial, mas também aos direitos subjetivos23. Portanto, com a atribuição

da personalidade jurídica, a sociedade passa a ser dotada de uma denominação, de um domicílio e de uma nacionalidade24.

Primeiramente, quanto a denominação, as pessoas jurídicas possuem um nome próprio, pela qual se vinculam ao mundo jurídico. Quanto ao domicílio, é de

18 MONTEIRO; PINTO, 2016, p. 153. 19 TOMAZETTE, 2020, p. 257.

20 MONTEIRO; PINTO, op. cit., p. 153.

21 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 35. ed. São Paulo:

Saraiva Educação, 2018. p. 323.

22 VENOSA, 2020, p. 249. 23 Ibid., p. 250.

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suma importância existir um local de funcionamento, tanto para ordem tributária, quanto para definição do foro competente para as ações contra a sociedade 25.

Já com relação a nacionalidade, considera-se brasileira a sociedade organizada conforme as leis brasileiras e que mantém sua sede no país 26. Contudo,

nada impede que uma sociedade estrangeira funcione no país. Nas palavras de Tomazette27:

As sociedades estrangeiras podem funcionar no país, dependendo de autorização (arts. 1.134 a 1141 do Código Civil). Entretanto, é mais comum a criação de subsidiárias, isto é, de pessoas nacionais, controladas pelas sociedades estrangeiras, dada a simplicidade de constituição e funcionamento das sociedades limitadas.

No entanto, diferente da capacidade da pessoa natural, que, teoricamente, é ilimitada, a capacidade da pessoa jurídica é sempre limitada. Essa limitação pode decorrer de sua natureza, pois a sociedade não é dotada de um organismo biopsíquico. Portanto, falta-lhe direitos que são exclusivos ao homem, tal como questões do direito de família28.

Isso influência no exercício das atividades da sociedade, levando em consideração que são ligadas a vontade dos sócios que a compõe, portanto, a pessoa jurídica não pode agir senão através do homem29. É por esse motivo que o Código

Civil Brasileiro afirma que as pessoas jurídicas se obrigam aos atos dos administradores, obedecendo as disposições do ato constitutivo da sociedade.

Contudo, se houver desvio ou excesso dos poderes conferidos aos sócios, deverão responder, pessoalmente e com seu patrimônio, pelos atos lesivos causados às pessoas com quem negociaram30.

Além disso, quando a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as decisões serão tomadas pela maioria de votos dos presentes, ou seja, metade mais um, quando o ato constitutivo não dispuser de forma diversa.

Assim disserta Venosa31:

25 TOMAZETTE, 2020, p. 259. 26 Loc. Cit. 27 Loc. Cit. 28 VENOSA, 2020, p. 250. 29 Loc. cit. 30 DINIZ, 2018, p. 325. 31 VENOSA, op. cit., p. 250.

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A base jurídica da pessoa jurídica em sua ordem interna será sempre seu ato constitutivo, seus estatutos ou contrato social. Quando estes não contraírem norma de ordem pública, prevalecerá sobre os dispositivos legais em prol da autonomia da vontade.

Em determinados casos, quando houver falta de administrador da sociedade, poderá ser determinado pelo Juiz, por ato voluntário ou não do administrador, um provisório. Este poderá ser um dos sócios competentes, ou então, um terceiro32.

Ainda, existe outra limitação a ser tratada: a da norma jurídica. Esta, afirma que a capacidade da pessoa jurídica, mesmo no campo patrimonial, é limitada, em face da segurança pública. Assim dispõe Maria Helena Diniz33:

As pessoas jurídicas estrangeiras não podem receber concessão para o aproveitamento de recursos minerais, nem adquirir propriedade no país, com exceção dos edifícios-sede de suas representações diplomáticas e consulares, nem, em regra, ser acionista de empresas jornalísticas etc.

Desta forma, verifica-se que a pessoa jurídica tem capacidade para exercer atos que estejam de acordo com sua natureza e dentro dos limites legais, gerando efeitos perante a sociedade, que serão analisados a seguir.

2.1.3 Os efeitos da personalidade jurídica

A atribuição da personalidade jurídica a um ente faz surgir um novo sujeito com direitos e obrigações. Assim, se estabelece uma legitimidade contratual, responsabilidade patrimonial e legitimidade processual da sociedade34.

A capacidade processual determina que as sociedades podem ser partes nos processos, não necessitando dos seus sócios para tanto. Contudo, Tomazette entende que “tal atributo não é inerente apenas aos entes personalizados, pois o artigo 75 do CPC/2015 reconhece tal capacidade para alguns entes desprovidos de personalidade jurídica.”35.

Ainda, a sociedade tem capacidade contratual, visto que podem firmar contratos em nome próprio, não dependendo dos seus sócios.

32 DINIZ, 2018, p. 326. 33 VENOSA, 2020, p. 250. 34 DINIZ, op. cit., p. 446. 35 TOMAZETTE, 2020, p. 261.

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Além da consideração do sujeito, a sociedade passa ter uma autonomia patrimonial, de modo o patrimônio não se confunde com os dos sócios da sociedade. Não só com relação ao patrimônio, mas quanto a uma individualidade própria da sociedade, que não se estende aos sócios. Tendo em vista que estes não adquirem a qualidade de comerciantes36.

Por fim, a sociedade tem competência para alterar a sua organização de forma jurídica e/ou econômica. Nas palavras de Requião37:

A sociedade tem a possibilidade de modificar a sua estrutura, quer jurídica, com a modificação do contrato adotando outro tipo de sociedade, quer econômica, com a retirada ou ingresso de novos sócios, ou simples substituição de pessoas, pela cessão ou transferência de parte do capital.

Diante disso, é perceptível a importância da atribuição de personalidade jurídica à sociedade, visto que passa a ser considerada como um sujeito autônomo com direitos e deveres, gerando diversos efeitos na sociedade.

2.2 AUTONOMIA PATRIMONIAL

Com a personificação estabelecida, a sociedade passa a ter um patrimônio próprio que responderá por suas obrigações, independente do patrimônio dos sócios que a compõe, isso em decorrência do princípio da autonomia patrimonial.

Sobre este ponto, Gonçalves Neto38 afirma:

Autonomia patrimonial da sociedade significa patrimônio distinto e inconfundível com o de seus sócios. Ou seja, os sócios não são condôminos ou coproprietários dos bens que formam o patrimônio social. Os bens que os sócios trazem para a formação do patrimônio social deixa, de lhes pertencer, pois se transferem à sociedade a título de propriedade.

A autonomia já era tratada pelo Código Comercial de 1850 antes mesmo de ser reconhecida a personificação da sociedade, mas, conforme afirma Coelho “o princípio da autonomia da pessoa jurídica da sociedade não estava claramente determinado no Código Comercial de 1850.”39.

36 REQUIÃO, 2010, p. 446. 37 Loc. cit.

38 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Lições de Direito Societário: Regime Vigente e Inovações

do novo Código Civil. 2 ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 28.

39 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. v. 1. 16. ed. São Paulo:

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Percebe-se, então, a relevância do instituto para as atividades empresariais, pois, conforme entende Coelho, “sua importância para o desenvolvimento de atividades econômicas, da produção e circulação de bens e serviços, é fundamental, na medida em que limita a possibilidade de perda nos investimentos mais arriscados.”40.

Segue o mesmo entendimento Tomazette41:

A existência desta autonomia é que torna a sociedade um dos mais importantes instrumentos do desenvolvimento da moderna economia de mercado, na medida em que se permite a redução dos riscos no exercício da atividade empresarial, assegurando o destaque de determinada parcela patrimonial para o exercício da atividade.

Ocorre que em determinadas situações a pessoa jurídica se utiliza do artefato da autonomia patrimonial para lesar credores, caracterizado, assim, o abuso da personalidade, seja pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Sobre isso, destaca Coelho42:

Em razão do princípio da autonomia patrimonial, as sociedades empresárias podem ser utilizadas como instrumento para a realização de fraude contra os credores ou mesmo abuso de direito. Na medida em que é a sociedade o sujeito titular dos direitos e devedor das obrigações, e não os seus sócios.

Nesses casos, tidos como excepcionais, justifica-se o afastamento do princípio da autonomia patrimonial a fim de atingir o patrimônio dos sócios, através do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

Como regra, conclui-se que “a sociedade assegura aos sócios uma distinção entre seu patrimônio pessoal e o patrimônio empregado para o exercício da atividade”43, conforme dispõe Tomazette. Contudo, quando a personalidade jurídica

for utilizada indevidamente, com o intuito de lesar credores, a autonomia patrimonial deverá ser afastada e aquele que agiu ilicitamente responderá pelas obrigações assumidas.

Definida a autonomia patrimonial, é necessário analisar as responsabilidades atribuídas diante da pessoa jurídica.

40 COELHO, 2012, p. 25. 41 TOMAZETTE, 2020, p. 263. 42 COELHO, op. cit., p. 40. 43 TOMAZETTE, op. cit., p. 263.

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2.3 RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA

A responsabilidade trata-se da obrigação dos indivíduos e da pessoa jurídica, de cumprirem com as regras estabelecidas no ordenamento jurídico. Conforme entende Cavalcante44:

Em todo o sistema jurídico, positivado ou não, antes de se falar em “direitos”, primeiramente se fala em responsabilidade dos indivíduos e das pessoas jurídicas. A responsabilidade consiste na obrigação dos entes sociais perante o organismo coletivo, de cumprir as regras formais, elaboradas pelo Estado, a fim de que se tenha uma harmoniosa convivência social.

A responsabilidade empresarial dos sócios perante os credores depende do tipo societário escolhido, podendo ser mais abrangente ou não. Porém, sempre será patrimonial. De acordo com o que disserta Cavalcante, a responsabilidade “alcança o patrimônio dos sócios para solver as obrigações contraídas em nome da sociedade.”45

O artigo 1.024 do Código Civil Brasileiro dispõe que “os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”46, isso defronte a responsabilidade subsidiária dos

sócios.

Sendo assim, em qualquer hipótese, os credores somente poderão executar os patrimônios pessoais dos sócios, quando esgotadas as possibilidades de localizar os patrimônios da sociedade.

Assim expõe Cavalcante47:

Qualquer que seja a modalidade de responsabilidade empresarial, antes de buscar-se a responsabilidade pessoal e patrimonial dos sócios é necessário, primeiro, voltar-se aos bens da sociedade. Na hipótese de não serem encontrados os bens sociais, os credores poderão voltar-se contra os bens particulares dos sócios observados os requisitos legais já examinados.

Entretanto, deve-se observar o tipo societário adotado, pois há um limite que o credor pode ter satisfeito o crédito. Essa responsabilidade patrimonial, pode ser classificada em limitada, ilimitada ou mista. De acordo com Negrão, “sociedades de

44 CAVALCANTE, Benigno. Manual prático de direito empresarial. 2. ed. São Paulo: Cronus, 2019.

p. 78.

45 Ibid., p. 79.

46 BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 02 dez. 2020.

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responsabilidade ilimitada são aquelas nas quais todos os sócios, sem exceção, respondem ilimitadamente pelas obrigações contraídas pela sociedade”48, ou seja,

não se limitam ao valor total do capital social, mas até o valor da dívida contraída. Já as sociedades limitadas são aquelas nas quais todos os membros respondem limitadamente pelas obrigações da sociedade, em conformidade com o valor do capital social. Cumpre destacar que se o capital social estiver totalmente integralizado, os credores se limitaram aos bens da sociedade, ainda que não sejam suficientes para satisfação da dívida. Porém, existe a possibilidade de os bens particulares dos sócios responderem pela obrigação no limite do capital social, desde que esteja subscrito e não integralizado.

Assim explica Cavalcante49:

Na responsabilidade limitada, os bens particulares dos sócios estão a salvo sob o manto do capital social, isto é, o capital social representa o limite do valor a ser alcançado no patrimônio particular de cada sócio. Se o capital social estiver totalmente integralizado, os credores não poderão lançar mão dos bens particulares dos sócios, ainda que os bens da sociedade sejam insuficientes para liquidar as obrigações sociais. Todavia, se o capital não estiver integralizado, os bens particulares dos sócios poderão ser alcançados, solidariamente, ou não, mas sempre até o limite do capital social subscrito e não integralizado.

Existem, também, as sociedades mistas, que são aquelas em que há as duas espécies de sócios descritos acima, ou seja, os que respondem de forma limitada e outros que respondem de forma ilimitada. Da mesma forma entende Negrão50:

Sociedades por cotas de responsabilidade mista são todas aquelas em que há duas espécies de sócios, uns que respondem ilimitadamente e outros que não têm qualquer responsabilidade de ordem pecuniária ou respondem limitadamente pelas obrigações sociais.

Portanto, na responsabilidade subsidiária, os sócios responderão pelas obrigações contraídas através da sociedade somente quando o patrimônio social não for suficiente para pagamento integral da dívida e respeitando os limites do tipo societário adotado.

Disserta Coelho51:

48 NEGRÃO, Ricardo. Curso de direito comercial e de empresa: teoria geral da empresa e direito

societário. 14. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 296.

49 CAVALCANTE, 2019, p. 81. 50 NEGRÃO, op. cit., p. 296.

51 COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: direito de empresa. 23. ed. São Paulo:

(22)

Se o patrimônio social não for suficiente para integral pagamento dos credores da sociedade, o saldo passivo poderá ser reclamado dos sócios, em algumas sociedades, de forma ilimitada, ou seja, os credores poderão saciar seus créditos até a total satisfação, enquanto suportarem os patrimônios particulares de cada sócio. Em outras sociedades, os credores somente poderão alcançar dos patrimônios particulares um determinado limite, além do qual o respectivo saldo será perda que deverão suportar. Em um terceiro grupo de sociedades, alguns dos sócios têm responsabilidade ilimitada e outros não.

Por fim, destaca-se que a responsabilidade subsidiária pode ser transformada em solidária, em caso do mau uso da autonomia patrimonial, através do “abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial” 52, conforme disposição do artigo 50 do Código Civil Brasileiro, tema que

será aprofundado posteriormente no aspecto da desconsideração da personalidade jurídica.

52 BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:

(23)

3 A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Após tratar da importância da personalidade jurídica das sociedades, adentramos na teoria da desconsideração, instituída como uma forma de responsabilizar os sócios pelos abusos cometidos diante da autonomia patrimonial. Conforme veremos nos próximos tópicos, a desconsideração é o meio adequado para preservar a função social da empresa.

3.1 ORIGEM HISTÓRICA

Existe uma divergência doutrinária quanto ao marco inicial do instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Alguns doutrinadores entendem que a primeira aplicação se deu na jurisprudência inglesa, em 1897, com o caso Salomon

vs. Salomon Co, enquanto outros afirmam que foi em um julgado nos Estados Unidos,

em 1809, com o caso Bank of United States vs. Deveaux.

No primeiro e mais difundido caso, o comerciante Aaron Salomon, após atuar 30 anos na área de calçados, resolveu constituir uma limited company, que, de acordo com Tomazette, é “similar a uma sociedade anônima fechada brasileira”53. O

comerciante cedeu seu fundo de comércio à sociedade, e como consequência recebeu 20 mil ações em razão de sua contribuição, enquanto os seis demais sócios, que eram membros de sua família, tinham apenas uma cada um54. Contudo, conforme

disserta Tomazette, “além das ações, ele recebeu várias obrigações e garantias, assumindo a condição de credor privilegiado da companhia.”55

Ocorre que a companhia entrou em liquidação e seu ativo era insuficiente para atender as obrigações garantidas, gerando então, insatisfação nos credores sem garantia. Desta forma, conforme expõe Tomazette, “a fim de proteger os interesses de tais credores, o liquidante pretendeu uma indenização pessoal de Aaron Salomon, uma vez que a companhia era ainda a sua atividade pessoal”56, portanto, a liquidação

do seu crédito privilegiado deveria ser utilizada para satisfazer os credores quirografários.

53 TOMAZETTE, 2020, p. 268. 54 REQUIÃO, 2010, p. 440. 55 TOMAZETTE, op. cit., p. 268. 56 Loc. cit.

(24)

A pretensão foi acolhida pelo juízo de primeiro grau e pela Corte de Apelação, imputando a responsabilidade pelos débitos da sociedade a Salomon.

Assim disserta Requião57:

O Juízo de primeira instância e depois a Corte acolheram essa pretensão, julgando que a company era exatamente uma entidade fiduciária de Salomon, ou melhor, seu agent ou trustee, e que ele, na verdade, permanecera como o efetivo proprietário do fundo de comércio.

Contudo, a Casa dos Lordes reformou unanimemente a decisão, diante da autonomia patrimonial da sociedade, considerando que foi constituída regularmente, pois a lei exigia a participação de sete pessoas58, sendo assim, conforme Requião,

“não existia, enfim, responsabilidade pessoal de Aaron Salomon para com os credores de Salomon & Co., e era válido o seu crédito privilegiado”59.

A partir deste caso e da decisão da instância inferior, foi constituída a disregard

doctrine, tendo sido aplicada largamente na jurisprudência dos Estados Unidos.

Entretanto, Suzy Koury entendeu que o primeiro caso de aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica foi em 1809, no caso Bank of United States

vs. Deveaux, em que o Juiz Marshall considerou a individualidade dos sócios de uma

sociedade60.

Segundo dispõe Tomazette61: “Não se trata propriamente de um leading case

a respeito da desconsideração da pessoa jurídica, mas apenas de uma primeira manifestação, que olhou além da pessoa jurídica e considerou as características individuais dos sócios.” Isso pois a justiça federal norte-americana precisou desconsiderar a personalidade jurídica para então ser considerada competente para julgar o caso.

Assim, verifica que desde os primeiros casos, a desconsideração foi desenvolvida como meio de responsabilizar os sócios pelo mau uso da pessoa jurídica. Com relação a aplicação da teoria no Brasil sua exposição será feita no próximo tópico.

57 REQUIÃO, 2010, p. 440. 58 Ibid., p. 441.

59 Loc. cit.

60 KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 64.

(25)

3.1.1 A teoria no Brasil

No Brasil, antes mesmo de qualquer legislação a respeito do assunto, Rubens Requião defendia sua aplicação na década de 196062. Isso pois, antigamente, havia

um pensamento de que a autonomia patrimonial era um instituto absoluto, que de certa forma permitia que os sócios praticassem abusos. Foi diante dessa situação que o doutrinador Requião buscou introduzir a teoria no país, a fim de responsabilizar aquele que utilizasse indevidamente a pessoa jurídica.

Nesses termos, Requião afirma: “Em qualquer caso, todavia, focalizamos essa doutrina com o propósito de demonstrar que a personalidade jurídica não constitui um direito absoluto, mas está sujeita e contida pela teoria da fraude contra credores e pela teoria do abuso de direito”63.

Contudo, apenas em 1990 houve a regulamentação da Teoria da Desconsideração no direito brasileiro, com o advindo do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990)64, o qual dispunha da seguinte redação:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Posteriormente foi incorporada na Lei 8.884/1994, que trata sobre a prevenção e a repressão às infrações à ordem econômica, e na Lei 9.605/1998 que regula sobre crimes ambientais.

Ainda que regulamentada, apenas a edição do Código Civil de 2002 se manteve fiel aos preceitos da disregard doctrine, conforme entende Ramos, tendo em vista que discorreu sobre a necessidade do abuso de direito, seja pelo desvio da finalidade ou pela confusão patrimonial, para ser cabível a aplicação da desconsideração65.

62 TOMAZETTE, 2020, p. 269. 63 REQUIÃO, 2010, p. 441.

64 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá

outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm>. Acesso em: 02 dez. 2020.

65 RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial: volume único. 10. ed. São Paulo: Método,

(26)

No entanto, apesar do Código Civil Brasileiro ter acrescentado uma regra geral para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, os demais institutos jurídicos sobre o tema continuam em vigência. Assim dispôs o Enunciado 51 da Primeira Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: “a teoria da desconsideração da personalidade jurídica - disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.”66.

Portanto, nos casos em que se observar situações abusivas dos sócios e administradores com o intuito de lesar os credores, deve-se afastar a autonomia patrimonial e aplicar o instituto da desconsideração, para preservar a propriedade privada e sua função social.

Quanto as teorias para aplicação da desconsideração, serão melhor explanadas no próximo tópico.

3.1.2 Teoria Maior

Visando proteger a personalidade jurídica atribuída para a sociedade, a Teoria Maior da desconsideração propõe que haja fundamentos específicos para configurar a aplicação desse instituto. Desta forma, essa teoria é considerada a que mais se assemelha à desconsideração originária, tendo em vista que protege a autonomia patrimonial da sociedade e propõe cautela na aplicação da desconsideração. Isso pois, se tal instituto fosse aplicado de forma exacerbada, poderia ocasionar a extinção da pessoa jurídica.

Portanto, a mera incapacidade administrativa não enseja a desconsideração, tendo em vista que não há qualquer relação com um ato fraudulento ou abusivo da pessoa jurídica.

Assim entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do Agravo de Instrumento sob o nº 0070270-98.2013.8.26.000067:

66 CJF, Conselho da Justiça Federal. Enunciado nº 51, I Jornada de Direito Civil. A teoria da

desconsideração da personalidade jurídica - disregard doctrine - fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema. Disponível em: <https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/750>. Acesso em: 02 dez. 2020.

67 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento nº

0070270-98.2013.8.26.0000. 1ª Vara Cível. Relator: Des. Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho. Julgamento:

(27)

Percalços econômico-financeiros da empresa, tão comuns na atualidade, mesmo que decorrentes da incapacidade administrativa de seus gerentes, não se consubstanciam por si sós, em comportamento ilícito e desvio da finalidade da entidade jurídica. Do contrário, seria banir completamente o instituto da pessoa jurídica.

Diante desse entendimento, conclui-se que a má administração da sociedade é imputável apenas ao administrador, tendo em vista que o ato irresponsável não tem relação com a personalidade jurídica.

Da mesma forma, entende Coelho68:

A responsabilização, por exemplo, do administrador de instituição financeira sob intervenção por atos de má administração faz-se independentemente da suspensão da eficácia do ato constitutivo da sociedade. Ela independe, por assim dizer, da autonomia patrimonial da pessoa jurídica da instituição financeira. Tanto faz se a companhia bancária é considerada ou desconsiderada, a má administração é ato imputável ao administrador. É ele o direto responsável, porque administrou mal a sociedade; a obrigação é imputada a ele diretamente, sem o menor entrave, derivado da personalidade jurídica desta.

Por conseguinte, faz-se necessário demonstrar quais os requisitos específicos para desconsideração. Contudo, a doutrina não é unânime nessa questão, tendo divido a Teoria Maior em subjetiva e objetiva.

Em suma, a Teoria Maior Subjetiva propõe que para ser aplicada a desconsideração é necessário demonstrar a intenção em prejudicar terceiros, através do desvio da finalidade, pois conforme afirma Tomazette69: “a desconsideração nada

mais é do que uma forma de limitar o uso da pessoa jurídica aos fins para os quais ela é destinada”. Já a Teoria Maior Objetiva pressupõe que haja a confusão patrimonial, ou seja, a ausência de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e dos seus sócios ou administradores.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 279.27370, já

reconheceu a divisão da teoria maior em subjetiva e objetiva e seus requisitos, conforme se vê:

Não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).

68 COELHO, 2012, p. 47. 69 TOMAZETTE, 2020, p. 271.

70 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 279.273/SP. 3ª Turma. Relator: Min. Ari

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Entretanto, importante destacar que a confusão patrimonial, por si só, não é pressuposto fundamental para desconsideração, tendo em vista que pode ser consequência de uma necessidade da atividade empresarial. Além disso, deve-se respeitar a individualidade de cada caso, pois como afirma Tomazette “há casos nos quais não há confusão de patrimônios, mas há o desvio da função da pessoa jurídica, autorizando a superação da autonomia patrimonial”71.

Diante disso, a Teoria Maior é aplicada no Código Civil, com o objetivo impedir o mau uso da pessoa jurídica. Portanto, em caso de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, a desconsideração será o meio para responsabilizar aquele que está promovendo atos ilícitos contra terceiro.

3.1.3 Teoria Menor

A Teoria Menor, assim como a teoria apresentada acima, tem como finalidade a responsabilidade dos sócios e administradores que utilizam indevidamente da pessoa jurídica para lesar terceiros. Porém, diferentemente da teoria maior, esta entende que não há pressupostos para aplicação da desconsideração, bastando que a pessoa jurídica seja insolvente. Assim, dispõe Tomazette: “se a sociedade não tiver patrimônio para honrar suas obrigações, mas os sócios forem solventes, deve‐se aplicar a desconsideração da personalidade jurídica”72.

A aplicação do incidente de desconsideração baseado nessa teoria deve se limitar em casos previstos expressamente em lei, como, por exemplo, nas relações desiguais entre consumidor e fornecedor ou empregador e empregado. Nesse ponto, o STJ, no julgamento do REsp 279.27373, já manifestou o entendimento quanto a

aplicação dessa teoria:

A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

71 TOMAZETTE, 2020, p. 273. 72 Ibid., p. 274.

73 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 279.273/SP. 3ª Turma. Relator: Min. Ari

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Com efeito, a Teoria Menor não contribui para o desenvolvimento das atividades empresariais, pois enfraquece a autonomia patrimonial das sociedades, tendo em vista que tem como requisito a mera insolvência, independentemente de qualquer conduta ilícita dos sócios ou administradores. Por este motivo, não é aplicada em todos os ramos do direito.

Nas palavras de Tomazette74:

Embora não aplicada a todos os ramos do direito, não vemos razoabilidade na aplicação dessa teoria menor. Tal teoria praticamente ignora a ideia de autonomia patrimonial das pessoas jurídicas e não se coaduna com a própria origem de aplicação da teoria da desconsideração. Ao contrário de proteger, a teoria menor acaba por minar a existência da autonomia patrimonial, em nada favorecendo aqueles que se dignam a exercer atividades econômicas.

Desta forma, verifica-se que a Teoria Maior visa a proteção da atividade empresarial com limitação da responsabilidade, exigindo requisitos específicos para aplicação da desconsideração, qual seja, o abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio da finalidade ou confusão patrimonial. Já a Teoria Menor pretende proteger o mais vulnerável da relação jurídica, impondo a desconsideração nos casos de insolvência.

3.2 APLICABILIDADE

Conforme já exposto anteriormente, a desconsideração da personalidade jurídica foi instituída e largamente discutida pela doutrina e jurisprudência, visto a necessidade de evitar situações nas quais os sócios, com o intuito de prejudicar credores e, em poder da autonomia patrimonial, pretendiam se esquivar das suas responsabilidades.

Desta forma, dispõe Tomazette: “Diante da possibilidade de se desvirtuar a função da personalidade jurídica é que surgiu a doutrina da desconsideração, a qual permite a superação da autonomia patrimonial, que, embora seja um importante princípio, não é um princípio absoluto”75.

Salienta-se que essa medida deverá ser aplicada de forma excepcional. Isso pois afasta momentaneamente a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, sendo esse um instrumento de suma importância para a sociedade, visto que limita a sua

74 TOMAZETTE, 2020, p. 274. 75 Loc. cit.

(30)

responsabilidade e preserva o desenvolvimento econômico. Portanto, é necessário preencher alguns requisitos fundamentais.

Primeiramente, é imperioso que haja uma personalidade jurídica, tendo em vista que a própria terminologia do incidente pressupõe essa existência, sem ela, não há autonomia patrimonial e, portanto, não há o que desconsiderar. Conforme já destacado no presente trabalho, a personalidade jurídica é adquirida com o registro dos atos constitutivos no órgão competente.

Assim disserta Tomazette76:

Sem tal registro, não importa se exista ou não o ato constitutivo, não se pode falar em personificação da sociedade, mas em sociedade em comum, ou eventualmente em sociedade em conta de participação. Ora, não se tratando de uma pessoa jurídica, não há que se cogitar de autonomia patrimonial, não havendo a possibilidade do uso desta autonomia para fins escusos.

Além da personificação, os sócios devem optar pelo regime de responsabilidade limitada, isso pois, “a aplicação da desconsideração pressupõe uma sociedade na qual o exaurimento do patrimônio social não seja suficiente para levar responsabilidade aos sócios”77. Nesse regime, que é atribuído as sociedades

anônimas e limitadas, o patrimônio dos sócios ou acionistas não se confundem com o da pessoa jurídica.

Outro ponto a ser analisado é a fraude, que é a utilização de meios maliciosos para lesar terceiros. Isso ocorre quando, determinadas pessoas, utilizam de má-fé da autonomia patrimonial da sociedade a fim de fugir das obrigações assumidas. Essa ilicitude, nas palavras de Tomazette, “decorre do desvio na utilização da pessoa jurídica, dos fins ilícitos buscados no manejo da autonomia patrimonial”78. Contudo,

para aplicar o instituto de desconsideração, a fraude deve estar diretamente ligada com o uso da pessoa jurídica.

Por fim, o requisito do abuso de direito, que é caracterizado pelo mau uso da pessoa jurídica, visto que deixa de cumprir com a sua finalidade social, se preocupando apenas em atender as vontades dos sócios ou administradores.

Desta forma, dispõe Tomazette79:

76 TOMAZETTE, 2020, p. 275. 77 Loc. cit.

78 Loc. cit. 79 Ibid., p. 278.

(31)

No uso da personalidade jurídica, tais abusos podem ocorrer, e frequentemente ocorrem. Quando existem várias opções para usar a personalidade jurídica, todas lícitas, a princípio, mas os sócios ou administradores escolhem a pior, isto é, a que mais prejudica terceiros, nos deparamos com o abuso de direito.

O abuso de direito com relação a personalidade jurídica pode ser identificado em dois exemplos, que serão melhor demonstrados a seguir.

3.2.1 Subcapitalização

Entende-se por subcapitalização a incompatibilidade entre o capital social e as atividades previstas no Contrato Social da empresa. Portanto, o ordenamento jurídico exige um capital social mínimo adequado ao objeto social, sob pena de ser aplicado o instituto de desconsideração da personalidade jurídica.

Ocorre que a legislação brasileira deixou de estabelecer um valor mínimo para constituição de uma empresa. Assim explica Ramos80:

A legislação societária brasileira, no entanto, não prevê capital social mínimo para a constituição de sociedades (a EIRELI, que não é propriamente uma sociedade, tem capital social mínimo previsto em lei: art. 980-A do CC; as instituições financeiras e seguradoras também precisam ter um capital social mínimo, em obediência a normas infralegais das suas respectivas autoridades regulatórias), tornando difícil a caracterização da subcapitalização.

Sendo assim, é necessário fazer a interpretação por meio de algumas leis presentes no ordenamento. Como, por exemplo, o artigo 173, da Lei 6.404/76, e o artigo 1.082, II do Código Civil.

Nestes termos, disserta Ramos81:

A exigência de adequação do capital social ao objeto social é extraída de uma interpretação dos173 da Lei 6.404/1976 (“a assembleia geral poderá deliberar a redução do capital social se houver perda, até o montante dos prejuízos acumulados, ou se julgá-lo excessivo”) e 1.082, II, do CC (“pode a sociedade reduzir o capital, mediante a correspondente modificação do contrato: (...) II – se excessivo em relação ao objeto da sociedade”. Ora, se a lei menciona que o capital social pode ser reduzido quando se tornar excessivo em relação ao objeto social, está implícito que se espera uma congruência entre eles: se o capital não deve ser excessivo em relação objeto, também não deve ser insuficiente.

80 RAMOS, 2020, p. 535. 81 Loc. cit.

(32)

Essa questão já foi discutida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento do Agravo de Instrumento sob o nº 0076467-06.2012.8.26.0000, que se manifestou pela possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica no “caso de subcapitalização (capital social insuficiente para a atividade e riscos inerentes a ela)”82.

Contudo, antes de aplicar o instituto é necessário fazer uma análise a cada caso para averiguar se há a presença dos requisitos específicos do artigo 50 do Código Civil, quais sejam, o abuso de direito pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, sendo que somente nestes casos a autonomia patrimonial poderá ser afastada.

3.2.2 Dissolução irregular da empresa

Além da subcapitalização, outro tema que suscita questionamentos sobre o cabimento ou não da desconsideração da personalidade jurídica pelo abuso de direito é a dissolução irregular da empresa. Sua ocorrência decorre do encerramento das atividades sem a baixa perante a Junta Comercial, conforme dispõe Ramos.83

Contudo, a mera dissolução irregular não incide na desconsideração da personalidade jurídica, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp sob o nº 1.306.553, “encerramento das atividades ou dissolução, ainda que irregulares, da sociedade não são causas, por si só, para a desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do Código Civil”84.

Sendo assim, a desconsideração apenas poderá ser aplicada em caso de dissolução por má-fé, como, quando a sociedade é dissolvida a fim de esquivar das obrigações assumidas, contudo, os sócios constituem outra sociedade de mesmo objeto social.

Nestes termos, Tomazette85 afirma:

82 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento nº

0076467-06.2012.8.26.0000. 25ª Câmara de Direito Privado. Relator: Des. Vandeci Álvares. Julgamento: 15 ago.

2012. Publicação: 17 ago. 2012.

83 RAMOS, 2020, p. 533.

84 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em Recurso Especial nº

1.306.553/SC. Relator: Min. Maria Isabel Gallotti. Segunda Seção. Julgamento: 10 dez. 2014.

Publicação: 10 dez. 2014.

(33)

A princípio, não há nenhuma ilicitude na criação de uma nova pessoa jurídica. Todavia, quando se cria um novo ente em detrimento dos credores da sociedade primitiva, dissolvida irregularmente, há claramente um desvio da função da pessoa jurídica. Ora, se os sócios pretendiam continuar a atividade exercida, o melhor caminho seria na sociedade já existente. A criação de um novo ente representa claramente um mau uso do instituto da pessoa jurídica.

Portanto, conclui-se que o mero encerramento da sociedade não é causa de desconsideração da personalidade jurídica. Contudo, se for demonstrado que a dissolução ocorreu com o intuito de lesar credores, e se configurar o abuso de direito pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, também será permitido o afastamento da autonomia patrimonial.

Desta forma, é necessário analisar cada situação de forma individual, logo, “nada mais justo do que conceder ao Estado, por meio da justiça, a faculdade de verificar se o privilégio que é a personificação e, consequentemente, a autonomia patrimonial, estão sendo adequadamente realizados”86, conforme afirma Requião.

Quanto aos requisitos do artigo 50 do Código Civil, serão tratados no próximo capítulo.

86 REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. Revista dos

(34)

4. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CÓDIGO CIVIL E A LEI DA LIBERDADE ECONÔMICA

A Medida Provisória nº 881 de 2019, convertida na Lei da Liberdade Econômica, foi pensada em razão do país exercer uma forte intervenção estatal na atividade econômica. Em decorrência desse Estado burocrático, o Brasil assumiu distantes posições no ranking de Liberdade Econômica, conforme se verifica na exposição de motivos da MP 881/201987:

O Brasil figura em 150ª posição no ranking de Liberdade Econômica da Heritage Foundation/Wall Street Journal, 144ª posição no ranking de Liberdade Econômica do Fraser Institute, e 123ª posição no ranking de Liberdade Econômica e Pessoal do CatoInstitute.

Tais dados refletiram diretamente no cenário político-econômico do país, “com a triste realidade atual de mais de 12 milhões de desempregados, a estagnação econômica e a falta de crescimento da renda real dos brasileiros nos últimos anos”88,

ainda de acordo com a exposição de motivos.

Portanto, a intenção da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) é resgatar o liberalismo, estimulando o crescimento da atividade empresarial no país, com a redução da intervenção do Estado na economia.

Com relação as mudanças provocadas no Código Civil Brasileiro, serão tratadas individualmente nos próximos tópicos.

4.1 REFORÇO DA AUTONOMIA PATRIMONIAL

É diante do cenário anteriormente exposto que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica sofreu importantes modificações, sendo uma delas o reforço da autonomia patrimonial, ou seja, a distinção entre a pessoa jurídica e seus sócios,

87 BRASIL. Câmara do Deputados. Exposição de Motivos Interministerial. Medida Provisória nº 881,

de 30 de abril de 2019. Disponível em:

<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/2019/medidaprovisoria-881-30-abril-2019-788037-exposicaodemotivos-157846-pe.html>. Acesso em: 18 abr. 2021.

88 BRASIL. Câmara do Deputados. Exposição de Motivos Interministerial. Medida Provisória nº 881,

de 30 de abril de 2019. Disponível em:

<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/2019/medidaprovisoria-881-30-abril-2019-788037-exposicaodemotivos-157846-pe.html>. Acesso em: 18 abr. 2021.

(35)

associados, instituidores ou administradores, sendo positivado no artigo 49-A no Código Civil, com a seguinte redação89:

Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.

Ao enfatizar o princípio da autonomia patrimonial, a lei reduz o risco da atividade econômica e, consequentemente, incentiva o exercício das atividades empresariais no país.

Nestes termos, dissertam Venosa e Rodrigues90:

A autonomia patrimonial é a tônica para a exploração da atividade econômica, porquanto é a contrapartida ao risco experimentado pelo empresário e, assim, limitador de prejuízos pessoais, a desconsideração representa a retirada da limitação de prejuízos.

Com isso, todos são positivamente alcançados com a geração de empregos, renda, tributos e desempenho da economia, conforme destaca o parágrafo único do artigo 49-A. Portanto, tal preceito está intimamente ligado com a função social da empresa, visto que se não se preocupa apenas com o lucro da atividade, mas também com os reflexos na sociedade.

Importante destacar que os fundamentos teóricos da desconsideração da personalidade jurídica são a propriedade privada e a função social da propriedade, previstas no artigo 170, II e III da Constituição Federal91, conforme se vê:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade.

89 BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 02 dez. 2020.

90 VENOSA, Sílvio de Salvo; RODRIGUES, Cláudia. Direito empresarial. 10. ed. São Paulo: Atlas,

2020. p.108.

91 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:

Senado Federal, 1988. Disponível em:

(36)

Sendo que, “é dessa combinação de princípios – propriedade privada e função social da propriedade – que decorre um dos mais alardeados princípios do direito empresarial: a função social da empresa”92, conforme destaca Ramos.

Conclui-se então, que a inclusão deste artigo visa destacar a importância da autonomia patrimonial, bem como a excepcionalidade da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.

4.2 ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL

A Lei nº 13.874/2019 também alterou a redação do artigo 50 do Código Civil, “modificando substancialmente a extensão e a compreensão para a caracterização da desconsideração da personalidade jurídica, o que nos parece oportuno já que proporcionará decisões mais justas”93, como destacam Venosa e Rodrigues.

Com isso, a nova redação passou a viger da seguinte forma94:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

Diante dessa modificação, este dispositivo legal destaca que a desconsideração será aplicada apenas quando houver abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio da finalidade ou pela confusão patrimonial. Segundo Ramos, isso demonstra “o seu alinhamento aos ideais originários da

disregard doctrine”95.

Ainda, antes da promulgação da Lei da Liberdade Econômica, tratava-se de requisitos amplos, sendo necessária a interpretação dos operadores do direito quanto as hipóteses de aplicação do instituto, gerando uma insegurança jurídica. Com a nova redação, o legislador buscou conceituar os requisitos de acordo com o consolidado

92 RAMOS, 2020, p. 47.

93 VENOSA; RODRIGUES, 2020, p. 109.

94 BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 02 dez. 2020.

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