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As canções para voz aguda e piano de Carlos Alberto Pinto Fonseca : análise e interpretação

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Academic year: 2021

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RAISSA AMARAL MAGRINI

AS CANÇÕES PARA VOZ AGUDA E PIANO DE CARLOS ALBERTO PINTO FONSECA: ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO

CAMPINAS 2017

(2)

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Música, na área de Música: Teoria, Criação e Prática.

ORIENTADOR: ANGELO JOSÉ FERNANDES

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA RAISSA AMARAL MAGRINI E ORIENTADA PELO PROF. DR. ANGELO JOSÉ FERNANDES.

CAMPINAS 2017

(3)

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The songs for high voice and piano of Carlos Alberto Pinto Fonseca : analysis and performance

Palavras-chave em inglês:

Fonseca, Carlos Alberto Pinto, 1933-2006 Songs - Brazil Music - Performance

Music appreciation

Área de concentração: Práticas Interpretativas Titulação: Mestra em Música

Banca examinadora:

Angelo José Fernandes [Orientador] Adriana Giarola Kayama

Eliana Asano Ramos

Data de defesa: 31-08-2017

Programa de Pós-Graduação: Música

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-6641-3057

- Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/8202969107888701

Música - Execução. 4. Música - Análise, apreciação. I. Fernandes, Angelo José, 1973-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

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ORIENTADOR: ANGELO JOSÉ FERNANDES

MEMBROS:

1. PROF. DR. ANGELO JOSÉ FERNANDES 2. PROF(A). DR(A). ADRIANA GIAROLA KAYAMA 3. PROF(A). DR(A). ELIANA ASANO RAMOS

Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da comissão examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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(6)

para tirar as minhas dúvidas.

Ao Prof. Dr. Angelo José Fernandes pela orientação, amizade e dedicação. Por sempre acreditar em mim.

À Profa. Dra. Adriana Giarola Kayama pelas considerações apresentadas no Exame de Qualificação e sua disponibilidade em me ajudar.

Ao meu amigo Fernando Barreto que me auxiliou no processo de editoração das canções.

(7)

revisão bibliográfica, levantamento do material, editoração das partituras, análise musical e vivência do repertório a partir da montagem e execução pública. Por fim, dispõe-se o cronograma para a realização do projeto em dois anos e a bibliografia

palavras-chave: canção brasileira; interpretação; análise; carlos alberto pinto fonseca

(8)

scores. In sequence the methodological tools to be used are presented: literature review, survey material, digitizing of music scores, musical analysis and experience of the repertoire from the assembly and public performance. Finally, the schedule for the completion of the project in two years is presents, together with the bibliography.

(9)

Figura 7 não-dobramento e dobramento da linha vocal, Canção da

Retirante, c.01-08... 33

Figura 8 escala de lá menor natural, Canção da Retirante, c.01-16... 35

Figura 9 sugestão do modo dórico de lá, Canção da Retirante, c.09-16... 35

Figura 10 colcheias em staccato, Canção da Retirante, c.19-26... 36

Figura 11 notas alteradas, Canção da Retirante, c.07-08... 37

Figura 12 acorde de tônica com 6ªM e 9ª, Canção da Retirante, c.09-12... 37

Figura 13 acordes de tônica, Canção da Retirante, c.48-52... 38

Figura 14 ausência de pausas na linha vocal, Canção da Retirante, c.01-08. 38 Figura 15 frase longa de 8 compassos, Canção da Retirante, c.09-16... 39

Figura 16 presença de melisma, Poema do Gitanjali nº 84, c.22-23... 44

Figura 17 intervalo de 6M, Poema do Gitanjali nº 84, c.17-20... 45

Figura 18 extensão vocal em uma única frase, Poema do Gitanjali nº 84, c.36-39... 45

Figura 19 trítono indireto, Poema do Gitanjali nº 84, c.26-28... 46

Figura 20 Escala de Sol# eólio, Poema do Gitanjali nº 84, c.14-17... 46

Figura 21 Arpejos de Sib Maior em contraste com Sib Menor, Poema do Gitanjali nº 84, c.22-23... 47 Figura 22 reiteração e contorno da tríade de Mi Menor, Poema do Gitanjali

(10)

84, c.22-24... 51

Figura 28 dobramento da linha vocal, Poema do Gitanjali nº 84, c.33-35... 52

Figura 29 Escala de Mi frígio conflitando com o Ré#, Poema do Gitanjali nº 84, c.29-32... 52

Figura 30 Escala de tons inteiros, Poema do Gitanjali nº 84, c.22-23... 53

Figura 31 Fragmento de escala cromático e trítonos, Poema do Gitanjali nº 84, c. 25... 53

Figura 32 4J ilustradas em vermelho, 6m em verde e 7m em azul, Poema do Gitanjali nº 84, c.12-14... 54

Figura 33 nota mais aguda, A Estrela, c.33-36... 61

Figura 34 intervalos na linha vocal, A Estrela, c.01-04... 61

Figura 35 intervalo de 9M, A Estrela, c.21-24... 61

Figura 36 boca chiusa, A Estrela, c.43-45... 62

Figura 37 dobramento perfeito, A Estrela, c.37-40... 62

Figura 38 escala de Mi eólio, A Estrela, c.01-08... 62

Figura 39 escala de Mi frígio, A Estrela, c.12-15... 63

Figura 40 trítonos descendentes, A Estrela, c.33-36... 63

Figura 41 trítono descendente, A Estrela, c.39-42... 63

Figura 42 síncopas, A Estrela, c.22-29... 64

(11)

Figura 51 escala de lá eólio, Ogun de Nagô, c.03-06... 72

Figura 52 blocos harmônicos e rítmicos, Ogun de Nagô, c.70-74... 73

Figura 53 sugestão do estilo recitativo, Ogun de Nagô, c.37-46... 73

Figura 54 piano em registro grave, Ogun de Nagô, c.16-20... 74

Figura 55 glissando ascendente no piano, Ogun de Nagô, c.106-110... 75

Figura 56 centro em lá, Ogun de Nagô, c.03-07... 76

Figura 57 sugestão de Lá maior, Ogun de Nagô, c.19-24... 76

Figura 58 conflito entre Lá Mixolídio e Mi Mixolídio, Ogun de Nagô, c.37-43.. 76

Figura 59 reiteração das notas Mi e Si, Ogun de Nagô, c.58-64... 77

Figura 60 centro em Lá no coda, Ogun de Nagô, c.105-110... 77

Figura 61 intervalo de 6ª M, Ave Maria, c.21-24... 81

Figura 62 motivo rítmico de acompanhamento, Ave Maria, c.01-04... 82

Figura 63 acordes de Ré Maior e Si Menor, Ave Maria, c.17-19... 83

Figura 64 cadência final, Ave Maria, c.25-28... 79

Figura 65 indicação de segunda seção no manuscrito, As sem-razões do amor... 87

(12)

Figura 73 padrões rítmicos... 91

Figura 74 ritmos característicos, As sem-razões do amor, c.22-25... 91

Figura 75 intervalos de 2ª, 3ª, 4ª e 5ª, As sem-razões do amor, c.09-12... 92

Figura 76 presença do fá natural, As sem-razões do amor, c.22-25... 92

Figura 77 presença do Sol sustenido, As sem-razões do amor, c.26-30... 93

Figura 78 acordes de Ré Maior e Sol Maior, As sem-razões do amor, c.52-55... 93 Figura 79 indicação dos símbolos, O Tempo Perdido... 95

Figura 80 texto sem continuação, O Tempo Perdido... 95

Figura 81 indicação da sequência, O Tempo Perdido... 96

Figura 82 união dos compassos na editoração, O Tempo Perdido... 96

Figura 83 glissando presente na canção, O Tempo Perdido, c.20-22... 99

Figura 84 boca chiusa em “hm”, O Tempo Perdido, c.30-33... 99

Figura 85 nota mais aguda, O Tempo Perdido, c.26-28... 99

Figura 86 trítonos presentes, O Tempo Perdido, c.19-22... 100

Figura 87 presença do lá# na linha vocal, O Tempo Perdido, c.01-05... 100

Figura 88 dobramentos indiretos, O Tempo Perdido, c.19-21... 100

(13)

Figura 97 acorde de Lá# diminuto, O Tempo Perdido, c.29-32... 105

Figura 98 manuscrito, Ave Maria... 106

Figura 99 intervalos compensados por graus conjunto , Ave Maria (1999) c.01-04... 108

Figura 100 intervalos de 8ª e 9ª, Ave Maria (1999), c.19-25... 108

Figura 101 sugestão de modo lídio na linha vocal, Ave Maria (1999), c.05-08... 109 Figura 102 intervalos, Ave Maria (1999), c.01-04... 109

Figura 103 trítono, Ave Maria (1999), c.17-20... 110

Figura 104 ritmo característico da linha vocal na seção A , Ave Maria (1999), c.01-08... 110

Figura 105 acorde de Lá Maior, Ave Maria (1999), c.05... 111

Figura 106 acorde de Mi Bemol Maior, Ave Maria (1999), c.24-25... 111

Figura 107 sugestão de respiração, Ave Maria (1999), c.18-23... 112

Figura 108 ausência das hastes das notas no manuscrito, Água do Coração, c.01-02... 113 Figura 109 inserção das hastes Água do Coração, c.01-03... 113

Figura 110 indicação de ritornellos, Água do Coração... 114

Figura 111 adição dos dois compassos finais, Água do Coração, c.28-31... 114

(14)

Figura 119 acorde de Fá# Maior, Ave Maria, c.01-04... 122 Figura 120 poliacorde, As sem razões do amor, c.52-55... 123 Figura 121 Excerto de Canção da Retirante (c.01-07) – exemplo de melodia

acompanhada... 123 Figura 122 Excerto de Água do Coração (c.04-06) – exemplo de melodia

acompanhada com maior elaboração harmônica... 123 Figura 123 Excerto de Poema do Gitanjali (c.22-25) – exemplo de utilização

de uma harmonia mais elaborada e da exploração de recursos timbrísticos no piano através de acordes arpejados, trêmolos e

cromatismos... 124 Figura 124 Excerto de Ogum de Nagô (c.01-03) – exemplo de utilização do

piano de forma percussiva...

124 Figura 125 Excerto de As sem-razões do Amor (c.01-04) – exemplo de

utilização de elementos nacionalistas... 125 Figura 126 Excerto de Ave Maria (c.01-04) – outro exemplo de melodia

acompanhada... 125 Figura 127 Excerto de Água do Coração (c. 13-19) – exemplo de utilização

(15)

Gitanjali, nº84... 54

Tabela 07 divisão de seções, frases, compassos, textura, quadras e versos, A Estrela... 60

Tabela 08 divisão de seções, compassos e pontos, Ogun de Nagô... 71

Tabela 09 Variação de andamentos, Ogun de Nagô... 71

Tabela 10 ritmos característicos de cada seção, Ogun de Nagô... 75

Tabela 11 divisão de seções, frases e versos da canção, Ave Maria... 80

Tabela 12 variação de andamentos ao longo da canção, Ave Maria... 80

Tabela 13 divisão das seções, frases, timbre e dinâmicas, Ave Maria... 83

Tabela 14 divisão de seções, compassos e versos, As sem-razões do amor. 88 Tabela 15 divisão de seções, frases, timbre e versos, O Tempo Perdido... 98

Tabela 16 divisão de seções, fórmulas de compasso, andamento e expressões, O Tempo Perdido... 101

Tabela 17 comparação de dinâmica, andamentos e expressões, O Tempo Perdido... 105

Tabela 18 divisão das seções e versos, Ave Maria(1999)... 107 Tabela 19 divisão de seções, frases, compassos e versos, Ave Maria (1999) 108 Tabela 20 divisão de seções, frases, compassos, timbre e versos, Água do

Coração...

(16)

2.1. O poema ...32

2.2. Aspectos Musicais ...33

2.2.1. Estrutura Formal ...33

2.2.2. Melodia e material melódico ...34

2.2.3. Ritmo ...35

2.2.4. Harmonia e material harmônico ...36

2.2.5. Aspectos Interpretativos...38

3. POEMA DO GITANJALI N° 84 (1955) ...40

3.1. O poema ...40

3.2. Aspectos Musicais ...42

3.2.1. Estrutura Formal ...42

3.2.2. Melodia e material melódico ...44

3.2.3. Ritmo ...49

3.2.4. Harmonia e material harmônico ...52

3.2.5. Aspectos Interpretativos...54

4. A ESTRELA (1977) ...57

4.1. O poema ...58

4.2. Aspectos Musicais ...60

4.2.1. Estrutura Formal ...60

4.2.2. Melodia e material melódico ...60

(17)

5.2.4. Harmonia e material harmônico ...75 5.2.5. Aspectos Interpretativos...77 6. AVE MARIA (1987) ...79 6.1. O poema ...79 6.2. Aspectos Musicais ...80 6.2.1. Estrutura Formal ...80

6.2.2. Melodia e material melódico ...81

6.2.3. Ritmo ...81

6.2.4. Harmonia e material harmônico ...82

6.2.5. Aspectos Interpretativos...83

7. AS SEM-RAZÕES DO AMOR (1988) ...85

7.1. O poema ...85

7.2. Aspectos Musicais ...87

7.2.1. Estrutura Formal ...87

7.2.2. Melodia e material melódico ...88

7.2.3. Ritmo ...90

7.2.4. Harmonia e material harmônico ...92

7.2.5. Aspectos Interpretativos...94

8. O TEMPO PERDIDO (1988) ...95

8.1. O poema ...97

(18)

9.2. Aspectos Musicais ...107

9.2.1. Estrutura Formal ...107

9.2.2. Melodia e material melódico ...108

9.2.3. Ritmo ...110

9.2.4. Harmonia e material harmônico ...111

9.2.5. Aspectos Interpretativos ...112

10. ÁGUA DO CORAÇÃO (DATA DESCONHECIDA) ...113

10.1. O poema ...114

10.2. Aspectos Musicais ...115

10.2.1. Estrutura Formal ...115

10.2.2. Melodia e material melódico ...116

10.2.3. Ritmo ...117

10.2.4. Harmonia e material harmônico ...118

10.2.5. Aspectos Interpretativos...119

DISCUSSÃO.. ...120

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...128

(19)

Ogum de Nagô (1977), com texto da Umbanda, A Estrela (1977), com texto de

Manuel Bandeira (1886-1968); As sem-razões do amor (1988), com texto de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987); Ave Maria (1987), oração tradicional católica; O

Tempo Perdido (1988), com texto traduzido de Rabindranath Tagore; Ave Maria

(1999), oração tradicional católica e Água do Coração (data desconhecida), com texto de Carmen de Melo. Devemos ressaltar que a escolha dessas canções foi baseada na classificação vocal desta autora, ou seja, soprano lírico. Embora as partituras das canções não tragam indicações sobre qual seria a classificação vocal desejada pelo compositor para cada canção, algumas delas foram escritas em clave de fá numa tessitura clara para a voz de baixo e outras, mesmo escritas em clave de sol, apresentam uma tessitura favorável a voz de mezzo-soprano.

Além do objetivo central, também é intenção deste trabalho: a recuperação, através da editoração2 das partituras de todo o conjunto das 19

canções de CAPF que ainda se encontram manuscritas; a realização de uma parceria com o ICAPF – Instituto Carlos Alberto Pinto Fonseca para a publicação das partituras; a observação sobre a existência de possíveis relações texto/música no repertório analisado e a forma como o compositor trata tais relações; a execução daquelas compostas para voz aguda; e, por fim, a realização da transcrição fonética de cada canção afim de orientar o aluno estrangeiro.

Embora se trate de uma produção bastante numerosa, nenhuma dessas canções foi editada. Todas se encontram ainda manuscritas, sua maioria localizada no arquivo particular do compositor, atualmente administrado pelo ICAPF. Felizmente, o citado instituto tem colaborado com pesquisadores interessados pela

1 Doravante usaremos a sigla CAPF para referência ao nome do compositor.

2 Segundo IGAYARA (2010), editoração é o trabalho de preparação técnica de originais. Chama-se

editoração eletrônica o conjunto de atividades ou processos de montagem e apresentação gráfica, realizados por meio de programas e equipamentos computacionais.

(20)

disponibilidade dos atuais responsáveis por este repertório e da possibilidade de publicação dessas partituras, é fundamental que se realizem trabalhos de pesquisa que estudem estas obras. Assim, a partir da editoração das partituras, vimos propor a realização deste trabalho inédito, por meio da análise musical do conjunto de 9 canções e de sua performance.

A realização desta pesquisa se justifica: por ser uma potencial ferramenta de divulgação do nome de CAPF e de suas canções ainda pouco conhecidas; por ser uma forma eficaz de colocar à disposição da comunidade um repertório de alto nível artístico; por trabalhar com obras de grande elaboração que abordam elementos musicais da cultura brasileira; e, por fim, por ter como base um repertório potencialmente eficaz na formação técnica e musical de cantores e pianistas.

O desejo de realizar esta investigação é proveniente do contato que esta autora teve com obras de CAPF durante o curso de graduação, sendo integrante do Coro Contemporâneo de Campinas, grupo coral regido pelo Prof. Dr. Angelo José Fernandes. Há uma necessidade de se conhecer com maior profundidade a obra do compositor, que possui 195 peças catalogadas para diversas formações. No gênero canção, soma-se um total de 19 canções escritas para voz e piano. Além das canções escrita para voz e piano existem outras com formações que incluem voz solo, como: Nuvens de cisnes brancos (1970) para canto, piano e flauta; Adeus às

margens de um rio (1970) para flauta, clarineta, canto e piano; Gelado para canto,

piano e flauta; Mudo amor para canto, piano e flauta.

O desenvolvimento da pesquisa se deu a partir das seguintes ferramentas metodológicas: levantamento bibliográfico a respeito de trabalhos realizados sobre a obra de CAPF; levantamento do material pesquisado junto ao ICAPF; editoração das partituras com o auxílio do software de edição musical Sibelius 7.0; estudo analítico das partituras contemplando três etapas: (1) poema e (2) música e (3) a relação entre elas; e, por fim, a vivência musical através do estudo e performance pública das canções.

(21)

Ainda, as canções receberam uma transcrição fonética visando a conscientização da dicção do Português Brasileiro Cantado (PB Cantado) e a orientação de intérpretes estrangeiros. A transcrição foi baseada nas normas do PB Cantado3 e inserida na última página da partitura de cada canção.

Para a análise inicial dos textos, decidiu-se responder, questões como: a)

interlocutores: quem é o seu eu-lírico e se ele está falando com alguém diretamente

e quem é este alguém; b) ambiente: indicações sobre a possível atmosfera e o local possível onde se passa o poema; os sentimentos e a personalidade do eu-lírico. Para analisar tais questões, foram aplicados os conceitos sugeridos por Kimball (2013), baseados nos seus pressupostos teóricos que tornam possível analisar os “elementos da narrativa”.

Quanto à análise musical, o objetivo é encontrar qual parte do texto o compositor preferiu enfatizar, pois, conforme Kimball (2006, p.18), existem várias maneiras de se tratar um texto e cada compositor escolherá alguma parte dele para enfatizar. Além dos autores destacados, este estudo será baseado em ideias e pesquisas das seguintes literaturas: Poetry into Song - Performance and Analysis of

Lieder (STEIN & SPILLMAN, 1996), Song: A guide to Art Song Style and Literature

(KIMBALL, 2006); Art Song - Linking Poetry and Music (KIMBALL, 2013). Os procedimentos musicais utilizados pelo compositor foram verificados tendo como referência Kostka (2006).

A estrutura e o aspecto melódico são os primeiros a serem analisados devido à relação com o texto e sua estrutura. Nos aspectos melódicos foram apontadas características como: tessitura, extensão, tamanho das frases e respiração, contornos melódicos recorrentes, dissonâncias e intervalos.

3 KAYAMA, Adriana Giarola; et al. "PB Cantado: normas para a pronúncia do português brasileiro no

canto erudito". In: Opus: Revista da Associação de Pesquisa e Pós-Graduação em Música –

(22)

Em relação às ferramentas harmônicas, para a análise foram observados: a presença de escalas modais, escalas de tons inteiros, escalas cromáticas, referenciais tonais e a harmonia do piano em relação à voz, fundamentada em Kostka (2006).

Após todo esse processo, apresentam-se para cada canção os aspectos interpretativos, que incluem a dinâmica, a agógica e o fraseado, além de algumas sugestões interpretativas, tendo como referência Stein e Spillman (1996). A união destes dois elementos, poema e música, permitiu a construção de uma visão interpretativa das obras.

Esta dissertação está dividida em dois capítulos, sendo o primeiro uma breve biografia do compositor e outro dedicado às canções analisadas.

4 Meters that can change frequently are usually tied to poetic stress, but can be used by the composer to create tension or surprise for the listener. (tradução nossa)

(23)

Figura 1: Carlos Alberto Pinto Fonseca

Fonte: http://blogdomadrigale.blogspot.com.br/2013/06/saudades-de-carlos-alberto-pinto-fonseca.html

Nascido em Belo Horizonte/MG em 3 de junho de 1933, Carlos Alberto Pinto Fonseca foi um dos mais profícuos compositores mineiros. Aos 7 anos de idade iniciou seu aprendizado de piano com a Prof. Jupyra Duffles Barreto5 em Belo

Horizonte. Em 1951, CAPF ingressou no Conservatório Mineiro de Música, hoje Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na qual deu continuidade aos seus estudos de piano. Além disso, fez aulas de teoria musical com o Professor Hostílio Soares6 no Conservatório. Em Belo Horizonte, também

estudou com o maestro Sérgio Magnani7, tendo este sido uma de suas mais

5

Jupyra Duffles Barreto (1913 - s.d), primeira professora de piano de Carlos Alberto Pinto Fonseca, nasceu em Sertãozinho, no Estado de São Paulo. Formada em piano, desenvolveu, mais tarde, estudos de regência coral sob a orientação de Villa-Lobos. Como professora na Universidade Federal de Minas Gerais, ocupou as cadeiras de Morfologia e Estética Musical.

6 Hostílio Soares (1898-1988) nasceu em Visconde do Rio Branco/MG. Foi professor catedrático de

Contraponto e Fuga do Conservatório Mineiro de Música de Belo Horizonte, e professor designado para as cadeiras de Harmonia Elementar e Superior, Composição e Instrumentação durante 34 anos.

7 Sérgio Magnani (1914-2001) foi uma referência no cenário musical mineiro. Segundo OLIVEIRA

(2008), atuou como professor em diversas instituições como UFMG, UEMG e na Fundação de Educação Artística, onde formou instrumentistas, cantores e regentes. Também foi responsável pela fundação do Coral da UEE (1959), posteriormente passando para a responsabilidade de Carlos Alberto em 1964. Este coral viria a se tornar o Coral Ars Nova.

(24)

Koellreutter9. Logo, na Bahia, começou a frequentar os Seminários de Música da

Pró-Arte (1954-1955) tendo aulas de Harmonia e Regência Coral. Em 1960, se formou pela Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, na qual estudou Regência, Harmonia, Contraponto e Fuga. A maestrina Angela Pinto Coelho10

revelou em entrevista11 concedida a Mauro Chantal dos Santos, que este período na

Bahia foi de extrema importância para o compositor.

Koellreutter foi uma pessoa importantíssima na formação de Carlos Alberto. Foi através de Koellreutter e também de Widmer [Ernst] que Carlos Alberto teve contato com o mundo fora de Minas Gerais. Profundo admirador de Jorge Amado, Carlos Alberto se permitu sofrer todas as influências da cultura do estado da Bahia, no período em que estudou lá, absorvendo importantes elementos que até hoje estão presentes em sua produção artística. (SANTOS, 2001, p. 17)

Ainda em 1960, após a conclusão do curso, CAPF se mudou para a Europa, onde estudou com Schmidt-Isserstedt12, Ferry Gebhardt13, Wolfgang

Sawallish14 e Schmidt-Neuhaus15. Segundo CAPF, no período em que esteve na

8 Entrevista concedida a Heloísa Greco e Shirley Ferreira para a pesquisa “Memória da Música

Erudita em Belo Horizonte” desenvolvida pela coordenação de Projetos e Pesquisa – CRAV/FMC/PH). Citada na dissertação de Matheus (2010).

9 Segundo Santos (2001), Hans Joachim Koellreutter nasceu em Freiburg, Alemanha, no ano de

1915. Compositor, musicólogo e professor, chegou ao Brasil no ano de 1937, introduzindo em nosso país o dodecafonismo de Schoenberg.

10 Segundo Santos (2001), Ângela Pinto Coelho é formada em Regência pela UFMG. Ex-esposa de

CAPF, atuou constantemente junto ao Ars Nova – Coral da UFMG, como corista e também como regente auxiliar. Esteve à frente do Coral Lírico de Minas Gerais, dividindo hoje suas atividades entre a regência coral, a regência orquestral e a direção da Escola de Formação Musical da Fundação Clóvis Salgado em Belo Horizonte.

11 Entrevista concedida à Santos no dia 3 de dezembro de 2000.

12 Schmidt-Isserstedt (1900-1973) foi um compositor e maestro alemão, nomeado diretor-musical da Berlin State Opera e diretor da Escola Superior de Música de Hamburgo.

13 Ferry Gebhardt (s.d), pianista e professor de piano na Hochschule für Musik e Theater Hamburg. 14 Wolfgang Sawallish (1923-2013), pianista e maestro. Foi diretor-musical de diversas orquestras e

casas de ópera como: Bavarian State Opera, Orchestre de la Suisse Romande e Philadelphia Orchestra.

(25)

assumido o Ars Nova (Coral da UFMG) a convite de Magnani, ele adquiriu reconhecimento nacional e internacional, obtendo vários prêmios no Brasil e no exterior. A partir deste momento, CAPF consolidou sua carreira como regente, compositor e, posteriormente, como educador. Sobre sua atuação como regente, a maestrina Angela Pinto Coelho18 relatou que:

Ele foi um dos grandes regentes do mundo. Eu falo assim com uma tranquilidade, porque só o pessoal que estava presente, que participava do

Ars Nova é que via a consideração, o encantamento que os outros regentes

tinham pelo Carlos Alberto. O Carlos Alberto era respeitado, o brasileiro não sabe disso, mas o Carlos Alberto era respeitado em todos os concursos que nós fomos classificados com ótimas classificações, 1º lugar, 2º lugar. O Ars

Nova teve 11 prêmios internacionais sendo que tirou inclusive o Gran Prix

na Grécia, entre os melhores corais do mundo. O júri perguntava: como o senhor conseguiu esse resultado, explica pra nós! Agora, peças assim de Penderecki... esses compositores modernos todos que são realmente de difícil execução e interpretação ... ele conseguia coisas assim fantásticas, que ninguém no Brasil jamais conseguiu e muito gente não consegue (COELHO, 2010).

CAPF foi um notável educador, ministrando aulas na Fundação de Educação Artística e na Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado. CAPF foi também um defensor do canto coral como disciplina obrigatória nas escolas. Em entrevista a Macedo (1990)19, CAPF diz:

O canto coral era muito benéfico para os estudantes. Além da educação musical, elas aprendem a trabalhar em conjunto. Cada criança podia ver

16 Segundo Barber (2003), Sergiu Celibidache (1912-1996), um dos mais importantes regentes de

orquestra do século XX. Celibidache tornou‐se memorável especialmente por sua fixação na busca pela transcendência durante o fazer musical, por não aceitar realizar gravações comerciais de suas performances e por exigir um número de ensaios por programa considerado excessivo pela crítica.

17 Entrevista concedida a Heloísa Greco e Shirley Ferreira para a pesquisa “Memória da Música

Erudita em Belo Horizonte” desenvolvida pela coordenação de Projetos e Pesquisa – CRAV/FMC/PH). Citada na tese de Matheus (2010).

18 Entrevista concedida a Matheus em maio de 2010.

(26)

1.2. O compositor

Entrevistado por Santos (2001), CAPF ao ser questionado sobre o seu estilo de composição, explanou da seguinte forma:

Não me descrevo como um compositor nacionalista, mas sim como um compositor eclético. Não posso dizer que tenho um único estilo de compor. Minhas experiências vão da música impressionista ao dodecafonismo (FONSECA in SANTOS, 2001).

Segundo Matheus (2010), é possível pontuar dois momentos impressionistas em sua obra, o primeiro de 1954 a 1955 e um segundo de 1965 a 1972. O compositor deixou clara a presença da estética impressionista em sua obra em entrevistas concedidas a Lauar (2002), nas quais ele afirmou: “Tenho todo um setor de música meio impressionista e... compus Volta20... e tem também O Rio e És

na minha vida de Manoel Bandeira. Então existem essas peças que eu fiz no meu

período mais impressionista”.21

Contudo, uma das características mais marcantes em sua obra é a presença de elementos afro-brasileiros, utilizados em grande parte de suas peças para coro. Um exemplo é a Missa Afro-Brasileira de 1971. Na pesquisa de Fernandes (2004), vários elementos populares puderam ser encontrados como: batuques, acalantos, marcha-rancho, samba-canção, cantos de trabalho. Desde quando viajou a Salvador em 1954, o interesse pela cultura afro-brasileira só aumentou. Segundo Santos (2001), CAPF, em entrevista, disse:

20 FONSECA, Carlos Alberto Pinto. Belo Horizonte: 2005. Entrevista concedida a Heloísa Greco e

Shirley Ferreira para a pesquisa “Memória da Música Erudita em Belo Horizonte” desenvolvida pela coordenação de Projetos e Pesquisa – CRAV/FMC/PHB). Cópia em CD da gravação integral, gentilmente cedida por Bruno Fonseca, filho do compositor. Citada na tese de mestrado de Matheus (2010).

21 Entrevista contida em LAUAR, Suely. A Escrita Idiomática para Coro Infantil de Carlos Alberto Pinto Fonseca: entrevista com o maestro e análise da obra O Passarinho Dela, p. 11.

(27)

[compôs] a Missa, [ele] frequentava um grupo de meditação. [...] Isso tudo [o] influenciou na escrita da peça”.

Sergio Magnani, em entrevista cedida a Santos em 200023, foi enfático ao

declarar que:

Carlos Alberto é fundamentalmente um compositor brasileiro. Um compositor que não se afasta das origens da musicalidade brasileira, embora tendo experimentado, e valiosamente, as linguagens contemporâneas. Então, soube dar um cunho altamente brasileiro em uma linguagem que não é a linguagem tonal dos pequenos arranjos folclóricos anteriores, mas sim a linguagem de uma verdadeira composição (MAGNANI in SANTOS, 2001).

Segundo Matheus (2010), CAPF compôs 195 peças para diversas formações, sendo 74% escritas para coro e apenas 9,7% para canto e piano.

1.3. CAPF e suas canções de câmara

De 1952 a 1999, CAPF compôs 19 canções, explorando textos de Rabindranath Tagore (1861-1941), Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Manuel Bandeira (1886-1968), Carmen de Melo (s.d), Robert Jones (s.d.), poemas chineses com tradução de Paulo Mendes Campos (1922-1991), textos bíblicos, além de textos de autoria própria. Em entrevista, CAPF explicou a Lauar (2001, p.11) que procurava poesias que tinham alguma coisa a ver com a música. Na verdade, houve um intervalo de 22 anos em sua produção para canto e piano. CAPF compôs canções para esta formação até 1955, sendo o Poema do Gitanjali a última escrita neste período, e voltou a compô-las em 1977, com a canção A Estrela. Além das canções escritas para voz e piano, existem outras com formações diferenciadas

22 Entrevista cedida a Fernandes (2004) em 22 de junho de 2002. 23 Entrevista concedida a Santos (2001) no dia 16 de dezembro de 2000.

(28)

Matheus (2010):

ANO DE CRIAÇÃO TÍTULO TEXTO EXTENSÃO24

1952 Escuta Moreno CAPF Lá2 ao Lá4

1952 Berceuse CAPF Réb3 ao Fá4

1953 Canção da Retirante CAPF Réb3 ao Sib4

1954 Volta Rabindranath Tagore Si2 ao Lá4

1955 Poema do Gitanjali Nº84

Rabindranath Tagore Mi3 ao Sol4

1977 A Estrela Manuel Bandeira Ré3 ao Sol4

1977 Ogum de Nagô Umbanda Ré3 ao Lá4

1977 Oxalá Umbanda Mi1 ao Mi3

1987 Ave Maria Oração Católica Ré#3 ao Fá#4

1988 As sem-razões do Amor Carlos Drummond De

Andrade Si2 ao Fá#4 1988 O tempo perdido Rabindranath Tagore Ré#3 ao Sol#4

1999 Ave Maria Oração Católica Dó#3 ao Si4

Data Desconhecida Água do Coração Carmen De Melo Mi3 ao Lá 4

Data Desconhecida Fumaça Poema chinês traduzido por Paulo Mendes

Campos

Si1 ao Ré3

Data Desconhecida Desespero em luz Poema chinês traduzido por Paulo Mendes

Campos

Dó2 ao Ré#3

Data Desconhecida Ao espelho Poema chinês traduzido por Paulo Mendes

Campos

Fá1 ao Sol2

(29)

CAPF dedicou suas canções para diversas pessoas que fizeram parte de sua vida. As canções Berceuse e Escuta Moreno foram dedicadas a Maria Lúcia Godoy (1924). Outros cantores também aparecem nas dedicatórias: Canção da

Retirante para D. Lia Salgado (1914 - 1980); Katya Kazzaz, ex-cantora do Ars Nova

– Coral da UFMG para quem ele dedicou As sem-razões do Amor, Tempo Perdido e

Ave Maria (1999); Rita Paixão a quem ele dedicou Água do Coração; e o barítono

Francisco Campos Neto para o qual foi dedicada a canção Oxalá. Além das dedicações a cantores, CAPF dedicou a canção Volta para a sua mãe, Carmen Pinto Fonseca.

Nos capítulos seguintes discutiremos cada uma das 9 canções para voz aguda, abordando aspectos musicais, estilísticos e interpretativos.

(30)

próprio compositor. Em nosso trabalho de editoração, não encontramos neste manuscrito nenhum elemento que pudesse criar alguma dúvida para sua execução, uma vez que sua escrita está bastante clara. Um único aspecto que alteramos para facilitar a leitura dos futuros executantes foi a organização das repetições. O manuscrito possui duas páginas. Os compassos que formam o que, mais adiante, chamaremos de seção A, localizam-se nos três primeiros sistemas da página 1. Há indicação de repetição desses compassos com a utilização do sistema de casa 1 e casa 2 (fig. 09).

Figura 02: indicação de repetição no manuscrito, Canção da Retirante, manuscrito

Os compassos da seção B iniciam-se no último sistema da página 1 e seguem até o terceiro sistema da página 2. Ao final desta seção também há indicação de repetição com a utilização do mesmo sistema de 2 casas. Para a finalização da canção o compositor indicou um retorno à seção A com a expressão

dal senza repetizione (fig. 03). Há ainda no final de tudo, a inserção dos dois

últimos compassos, escritos no último sistema da página 02 (fig. 04), para os quais o intérprete deve ir após o compasso 14, onde há a marcação do símbolo .

25 Lia Salgado (1914-1980), soprano que se consagrou cantando ópera e música brasileira foi

cofundadora da Cultura Artística de Minas Gerais, da Sociedade Coral de Belo Horizonte, da Sociedade Mineira de Concertos Sinfônicos.

(31)

Figura 03: indicação de repetição, Canção da Retirante, manuscrito

Figura 04: compassos finais do manuscrito, Canção da Retirante, manuscrito

A fim de facilitar a leitura, em nossa editoração, decidimos deixar a partitura com 03 páginas, sendo que a última traz a repetição da seção A com a inserção dos dois compassos finais.

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Figura 06: Os Retirantes de Cândido Portinari. Fonte: www.portinari.org.br

Neste poema, CAPF expõe o sofrimento dos migrantes, ou seja, dos retirantes nordestinos, transmitindo aspectos de suas vidas como a miséria e sentimento de desejo de uma vida melhor. Mais especificamente, o texto que narra uma canção de ninar trata da relação de uma mãe e seu filho, descrevendo a cena em que ela o embala. Apesar de todo o sentimento de esperança e otimismo presente em sua fala, na verdade, ela parece apenas estar tentando consolá-lo e, através disso, consolar a si mesma.

Conforme podemos observar abaixo, CAPF retrata a simplicidade e a linguagem inculta do eu-lírico feminino nos versos 1 e 7, nos quais é utilizado o sujeito “nós” (primeira pessoa do plural) com o verbo conjugado na terceira pessoa do singular – “nós vai”. Além desse aspecto, o texto revela a fome vivida por eles, o

(33)

3 Meu filhinho dormiu, dormiu mesmo com fome. (B) 4 Amanhã vou fugir do sol que tudo consome. (B) 5 Tudo aqui já secou sob um céu muito azul. (C) 6 Amanhã vou embora, vou no caminho do sul. (C)

7 Fecha os olhos, dorme meu filho que amanhã nós vai'mbora cedo, (A) 8 não precisa chorar, não precisa ter medo. (A)

2.2. Aspectos Musicais

2.2.1. Estrutura Formal

A Canção da Retirante é uma canção simples em compasso ternário, caracterizada por ser uma melodia acompanhada. A linha vocal apresenta sempre a melodia que é acompanhada pelo piano, sendo também dobrada por ele em vários momentos. A figura abaixo apresenta os oito primeiros compassos, exemplificando as duas situações de melodia acompanhada. Nos compassos de 1 a 4 o piano não dobra a linha vocal, mas, nos compassos de 5 a 8 há o dobramento realçando “amanhã nós vai’imbora cedo”:

(34)

seção B, sendo 3 e 4 na primeira vez que a melodia é apresentada (casa 1) e 5 e 6 na repetição (casa 2). Por fim, a seção A final apresenta os versos 7 e 8 que são uma repetição dos versos 1 e 2, enfatizando as rimas presentes nos versos.

Cada frase musical é composta por oito compassos em todas as seções, conforme demonstrado no quadro abaixo:

Seções Seção A Seção B Seção A

Frases a1 c.01-08 a2 c. 09-18 b1 c.19-26 b2 c. 27-36 a1 c. 37-44 a2 c.45-52 Versos 1 2 3 4 5 6 7 8

Tabela 02: Divisão de seções, frases e versos, Canção da Retirante

Nesta canção o compósito fez apenas algumas indicações de temporalidade. Não há nenhum andamento indicado na seção A. Somente no princípio da seção B é que há uma indicação de poco piu mosso.

2.2.2. Melodia e material melódico

A extensão da linha vocal é bastante ampla e está entre Réb3 e Sib4. A nota mais aguda Sib4 aparece na seção B no compasso 28 sugerindo um possível lamento da mãe, assim como na nota Lá4 no compasso 12 da seção A.

Trata-se de uma linha predominantemente silábica, sem a presença significativa de melismas. Há, contudo, duas exceções, sendo a primeiro nos compassos 11 e 12 e a segunda entre os compassos 29 e 30 ressaltando a ideia de lamento da mãe.

Na seção A, a linha vocal é predominantemente formada por graus conjuntos descendentes, sendo ainda marcada pela presença de saltos de terça, quarta e oitava. Na seção B, a linha da voz abrange toda a extensão em que foi composta. Semelhante à seção A, é predominantemente composta em graus

(35)

Figura 08: escala de lá menor natural, Canção da Retirante, c.01-16

Contudo, a partir do compasso 8, a presença da nota fá# na parte do piano sugere um “momento” modal, neste caso, no modo dórico de Lá (fig. 09).

Figura 09: sugestão do modo dórico de lá, Canção da Retirante, c.09-16

Na seção B as notas da linha vocal, assim como da parte do piano, estão no modo maior de Réb (Réb - Mib - Fá - Solb - Láb - Sib - Dó).

2.2.3. Ritmo

Conforme abordamos anteriormente, a Canção da Retirante é uma melodia acompanhada, composta em compasso ternário simples. Sua escrita rítmica é regular com a predominante utilização de semínimas, semínimas pontuadas e mínimas na linha vocal e na parte do piano. Nesta última, observamos uma exceção

(36)

Figura 10: colcheias em staccato, Canção da Retirante, c.19-26

O que ainda pode ser observado na figura acima é a existência de motivo rítmico de acompanhamento na linha da mão esquerda, caracterizado pela presença constante de semínimas. Este motivo, como um acalanto, está presente em toda a canção.

Conforme observado anteriormente, em muitos momentos da canção, estão presentes na parte do piano notas da linha vocal, porém de modo discreto. Os trechos mais evidentes são aqueles em que ocorre o desenho de fragmentos de escalas descendentes em graus conjuntos tanto na seção A quanto na B.

2.2.4. Harmonia e material harmônico

Da mesma forma que o ritmo, a escrita harmônica da Canção da Retirante é bastante simples. As funções harmônicas presentes – predominantemente tônica e dominante, com alguma inserção da subdominante relativa na seção B – podem ser claramente percebidas pelos baixos oitavados no 1º tempo de cada compasso.

Conforme visto anteriormente, apesar da simplicidade da canção, sua elaboração melódico-harmônica apresenta um elemento pouco convencional: a utilização do centro tonal em Lá na primeira seção, ora na escala menor natural (c. 01-07), ora no modo dórico (c. 08-18), e a utilização da tonalidade de Réb Maior na segunda seção.

Há ainda algumas pequenas ocorrências na escrita harmônica que merecem atenção. A primeira delas está no compasso 8 no qual aparece um

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Figura 11: notas alteradas, Canção da Retirante, c.07-08

Outra ocorrência importante é a utilização de um acorde de tônica com 6ªM e 9ª nos compassos 11 e 12, na palavra “chorar”. Tais dissonâncias pode representar o choro da criança consolada por sua mãe (fig. 12).

Figura 12: acorde de tônica com 6ªM e 9ª, Canção da Retirante, c.09-12

Por fim, chama-nos ainda à atenção os acordes de tônica utilizados nos dois últimos compassos da canção (c.51-52). No compasso 51, o acorde de tônica aparece com a 4ª aumentada e 7ª. No compasso conclusivo – c. 52 – há a presença da 9ª do acorde (fig. 13).

(38)

Figura 13:acordes de tônica, Canção da Retirante, c.48-52

2.2.5 Aspectos Interpretativos

O contraste de tonalidade entre as seções pode ser sugerido pelo texto, no qual em B, ela se sente mais esperançosa de que tudo poderá dar certo, entretanto, há o retorno à seção A em modo menor que pode sugerir que esse amanhã nunca possa chegar, retornando assim ao sentimento inicial de sofrimento no qual o filho chora sem cessar por estar com fome.

É também marcada pela dinâmica em pp e pela presença de uma fermata no Lá4, sugerindo que possa ser o sofrimento da mãe de uma forma mais intimista visto a presença da dinâmica em pp.

Na seção B, devemos nos atentar para o fato de que a melodia, por estar numa tessitura mais aguda, pode prejudicar a inteligibilidade do texto, portanto, o intérprete, principalmente se for um soprano, deve se atentar principalmente ao trecho do compasso 28. A articulação do texto não deve ser esquecida, porém sugere-se manter o legato para preservar a continuidade da frase.

A ausência de pausas na linha vocal é uma dificuldade para o cantor. Sugerimos que a última nota de cada frase seja minimamente encurtada para melhor administração do ar como, por exemplo, nestes trechos:

(39)

Figura 15: frase longa de 8 compassos, Canção da Retirante, c.09-16

Segundo Fernandes (2009), O caminho mais eficaz para se administrar a respiração e levar a musculatura envolvida neste processo a cumprir adequadamente seu papel durante o canto é, segundo a recomendação de grande parte dos atuais cientistas da voz, a técnica do appoggio26 que ajudará o cantor a alcançar ciclos respiratórios mais longos, além de uma maior estabilidade e uniformidade do som.

26 Consiste na ação prioritariamente muscular abdominal mantendo o diafragma e a musculatura

intercostal externa acionados, relaxando-os de forma mais lenta e gradativa, do princípio ao fim da frase.

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CAPF escolheu o poema nº 84 desta coleção, o qual foi traduzido do inglês para português por Plácido Barbosa (1871-1938). Este mesmo poema foi retirado da edição realizada pelo poeta irlandês Willian Butler Yeats (1865-1939), o qual traduziu de bengalo para inglês. O entusiasmo de Yeats pela obra de Tagore foi a razão principal da publicação das traduções em inglês em 1913. Segundo Loundo (2012, p.20), essa publicação da coletânea em inglês propiciou ao poeta indiano o Prêmio Nobel da Literatura em 1913.

A coletânea Gitanjali tornou-se um verdadeiro hino da poesia romântica europeia, com tons de uma religiosidade profética e salvífica de que tanto carecia a espiritualidade da época. Os poemas, em forma dialógica, exaltavam uma personalidade divina, toda penetrante, objeto de amor místico, de enlaçamento espiritual, princípio criador de toda a diversidade cósmica. Esta combinação sui generis de panteísmo religioso com dualismo filosófico de tendências unicistas, deu nascimento do 'divino' Tagore, apropriação privilegiada do misticismo reacionário do século XIX, devocional, sentimental e processualmente poético e anti-racionalista (LOUNDO, 2012, p.20).

Rabindranath Tagore é conhecido no oriente exatamente por esta coleção escolhida por Fonseca. Foi poeta, músico, compositor, ator, dramaturgo e pintor. Segundo Loundo (2012, p.22), após as publicações, as obras completas de Tagore assumem proporções gigantescas. Sua importância para a língua bengali (uma das principais línguas regionais da Índia e língua nacional do Bangla Desh) é semelhante àquela desempenhada por Willliam Shakespeare (1564-1616), por Johann W. von Goethe (1749-1832), e por Machado de Assis (1839-1908) em suas respectivas línguas.

Trata-se de um poema constituído por versos livres e sem rimas. Seu texto do poema traduzido para o inglês por Yeats e a tradução de Plácido Barbosa para o português seguem abaixo:

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joy in human homes;

and this it is that ever melts and flows in songs through my poet's heart.

128 É a angústia da separação que se estende pelo mundo todo

2 E se multiplica em formas sem contas no céu infinito.

3 É a tristeza da separação que toda noite, de estrela em estrela, nos olha em silêncio,

4 E soa como uma lira entre as folhas sussurrantes, nos dias chuvosos de julho. 5 É esta dor recresceste que nos nossos lares permeia o amor e os desejos, os sofrimentos e as alegrias.

6 É ela que se desfaz no meu coração de poeta, e dele flui, depois, cantando.

Segundo Sharma (1987, p. 59), cada poema pode ser considerado como um poema independente com seu próprio tema e persona. No entanto, quando os poemas são lidos no início ao fim, como um todo, podemos perceber que eles relatam a história da vida de uma pessoa do ventre até a sua morte.

Ainda segundo Sharma, ao lermos a obra Gitanjali, a partir de seu primeiro poema, o autor relata a espera de uma criança que está para nascer. Essa criança que é do sexo feminino chega à juventude, se apaixona, alcança o objetivo de encontrar seu amor após esperar por um longo tempo. Ela se torna mãe e assume as responsabilidades maternais. O eu-lírico ainda paira sobre questões metafísicas e no fim da obra, é cercado pelos pensamentos em relação à morte.

Tagore “foi aclamado por Gandhi como ‘o grande mestre’ e reconhecido por todos os indianos como ‘o sol da Índia’”. Segundo Ivo Storniolo:

27 TAGORE, R. A collection of prose translations made by the author from the original Bengali with an introduction by W. B. Yeats. Ed. Macmillan Company. New York, 1920. (pp.56 e 57).

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personificação (tristeza... nos olha/ tristeza soa como uma lira/ dor recrescente flui depois cantando) e o uso de metáforas contribuem para essa atmosfera subjetiva e simbólicas. A leitura do poema baseado em Sharma nos permite observar que o texto fala sobre a angústia da separação, sugerindo a morte e um sentimento de aceitação desta. A progressão poética é marcada por um sentimento negativo nos cinco primeiros versos, sentimento que se modifica no último (6º verso) na palavra “cantando”, a qual sugere a resignação, indicando que a dor se desfaz e, do coração “flui, depois, cantando”.

3.2. Aspectos musicais

3.2.1. Estrutura formal

A canção está dividida em três seções (A-B-C), cada uma com dois versos do poema. Esses versos ainda foram usados pelo compositor para a construção de frases. Desta forma, em cada seção, há duas frases musicais com o texto de dois versos, como indicado no quadro abaixo:

Tabela 03: divisão de seções, frases e versos na canção, Poema do Gitanjali nº 84

Logo após a introdução (c.01-03), inicia-se a seção A (c.04-11) que corresponde aos versos 1 e 2. A seção B (c.14-25) é precedida por um episódio30

que liga a seção A à B e também abrange dois versos do poema (3 e 4). Por sua

29 STORNIOLO, I. “Prólogo” in TAGORE, R. Gitanjali. São Paulo: Paulinas, 1991, p. VI-VII. 30 Neste contexto, a palavra episódio se refere a uma ponte de ligação entre as seções A e B.

Seções Intro Seção A Episódio Seção B Seção C

Frases c.01-03 a1 c.03-07 a2 c.07-11 c.12-14 b1 c.14-21 b2 c.22-25 c1 c.26-33 c2 c.33-39) Versos - 1 2 - 3 4 5 6

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continuação do primeiro. No caso desta canção, a relação de enjambement entre os versos é clara pela pontuação (o ponto final aparece a cada dois versos). Acredita-se que o compositor valorize tal relação entre os versos uma vez que ele coloca os dois versos como duas frases dentro de uma seção.

A seção B inicia-se com uma mudança considerável de textura e dinâmica. CAPF trata o poema com maior intensidade dramática considerando a dinâmica, a tensão harmônica e a exploração de recursos timbrísticos no piano, como acordes arpejados e trêmulo.

O trecho mais intenso, com relação à dinâmica e à mudança de registro tanto no canto quanto no piano é a seção C que já se inicia em ff, contrastando com a finalização da seção B, no registro central do piano e em ppp.

É importante ressaltar que, no decorrer da peça, há várias mudanças de andamento conforme descrito no quadro abaixo:

C. 01-03  = 40-42 C. 03-07  = 52

C. 07-25 Piu animato  = 63 C. 26-39  = 52

Tabela 04: Variação de andamentos ao longo da canção, Poema do Gitanjali nº 84

A estrutura da canção se assemelha ao throughcomposed32, forma

31 “If the first line or phrase does not stop, but flows naturally into the next the line uses enjambement[...] Se a primeira linha ou frase não se separar, mas flui naturalmente para a próxima, a

linha usa o que chamamos de enjambement.

32 Segundo Stein e Spillman (1996), a forma é caracterizada pela ausência de uma repetição formal

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A extensão da linha vocal está entre Mi3 a Sol4. Trata-se de uma linha predominantemente silábica, prezando a inteligibilidade do texto, sem a presença de melismas. Há, no entanto, uma única exceção (fig. 16):

Figura 16: presença de melisma, Poema do Gitanjali nº 84, c.22-23

Inicialmente, na seção A (c.03-11) a linha vocal apresenta, predominantemente, graus conjuntos, com poucos intervalos de terça e quarta. Na seção B (c. 14-25) a predominância dos graus conjuntos se mantém, bem como uma inclusão maior de terças, contudo, com a presença de intervalos mais amplos como quinta justa e a sexta maior, sendo este último o maior intervalo de toda a canção (fig. 17), talvez evocando a distância da estrela. A estrutura melódica da linha vocal na seção C (c.26-36) mantém aquela apresentada na seção A, com a diferença de que na seção C a extensão exigida é mais ampla que aquela utilizada na primeira seção (fig. 18).

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Figura 18: extensão vocal em uma única frase, Poema do Gitanjali nº 84, c.36-39

A nota mais aguda da linha vocal é a nota Sol4, escrita quatro vezes: (c.19) enfatizando a palavra “olha”; (c. 28) como nota de passagem de uma melodia em legato; e (c.39) nas duas últimas sílabas de “cantando”.

Contudo, o clímax da canção encontra-se no compasso 28, no qual a linha melódica apresenta um intervalo de trítono indireto ascendente, precedido por uma expansão de registro no piano e aumento da dinâmica, coincidindo com o ponto mais dramático do poema “nos nossos lares” (fig. 19). Outro exemplo do trítono indireto, desta vez descendente, encontra-se na mesma frase, no c. 32, enfatizando justamente a palavra “sofrimentos”.

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Figura 19: trítono indireto, Poema do Gitanjali nº 84, c.26-28

A linha vocal é predominantemente modal. A primeira frase a1 da primeira seção (c. 03-07: verso 1) tem como referência o modo dórico de Mi (Mi-Fá#-Sol-Lá-Si-Dó#-Re), enquanto que a segunda frase a2 (c. 07-11: verso 2) está composta no modo eólio de Mi (Mi-Fá#-Sol-Lá-Si-Dó-Ré). Em ambos os casos, a parte do piano compartilha a escala modal da linha vocal.

Na seção B, na frase b1 (c.14-21: verso 3), há a utilização do modo eólio de Sol# (Sol#-Lá#-Si-Dó#-Ré#-Mi-Fá#) e modo lídio de Dó (fig. 20).

A segunda frase de B (b2 – verso 4) não tem uma referência clara de escala, entretanto, considerando a parte do piano, observa-se que os arpejos enfatizam o acorde de SibM em contraste com os arpejos de Sibm (fig. 21).

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Figura 21: Arpejos de Sib Maior em contraste com Sib Menor, Poema do Gitanjali nº 84, c.22-23

O centro tonal em Mi se mantém ao longo de toda a seção C – versos 5 e 6 – em grande parte dela no modo eólio, passando pelo modo frígio (c.31-33) e, também, pelo dórico (34-36).

A linha vocal tem o centro tonal predominantemente, em Mi na seção A, considerando a reiteração e o contorno da tríade de Mi menor, como no exemplo abaixo:

Figura 22: reiteração e contorno da tríade de Mi Menor, Poema do Gitanjali nº 84, c.01-07

Na seção B, o centro é caracterizado por uma indefinição. Há uma sugestão de Sol# eólio na linha vocal considerando o contorno da tríade, mesmo

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em quintas na linha do baixo, embora, no início da seção, este fato não apareça de forma clara.

Um aspecto importante a ser observado é que em grande parte da canção o piano apresenta a melodia em ambas as mãos de forma oitavada, dobrando com a linha do canto (fig. 23), com exceção dos c. 22 ao 25.

Figura 23: dobramento perfeito da melodia, Poema do Gitanjali nº 84, c.08-11

Nestes compassos, não há o dobramento completo, contudo, as notas da melodia estão presentes na harmonia de alguma forma, conforme a figura 24. Ainda observamos que neste momento a parte do piano é mais descritiva, o que pode explicar a separação entre as partes. O piano assume a voz da lira e da chuva dando a ideia de que algo permeia.

33 [...] o impressionismo é uma forma de compor que procura evocar, principalmente através da

harmonia e do colorido sonoro, estados de espírito e impressões sensoriais. É, assim, uma espécie de música programática. Difere, no entanto, do grosso da música programática, pois não procura exprimir emoções profundas nem contar uma história, mas sim evocar um estado de espírito, um sentimento vago, uma atmosfera, para o que contribuem os títulos sugestivos e as ocasionais reminiscências de sons naturais, ritmos de dança, passagens melódicas características, e assim sucessivamente (GROUT; PALISCA, 1994, p. 684).

(49)

Figura 24: inserção das notas da melodia na harmonia, Poema do Gitanjali nº 84, c.22-25

3.2.3. Ritmo

A canção possui certa variedade rítmica, sendo a parte do piano um pouco mais elaborada. Na linha do baixo é explorado o recurso de notas longas; nas vozes intermediárias as síncopas; e linha melódica superior o dobramento da linha vocal que, em alguns trechos, é dobrada tanto a linha superior quanto a do baixo. A escrita resulta em três camadas, valorizando a independência das vozes. A linha vocal é baseada em figuras de mínimas, semínimas e colcheias e, em alguns poucos momentos, a síncopa é utilizada assim como na parte do piano, como no c. 16 (fig.25), na qual através do acento agógico34 inicia uma nova semi-frase (que toda

a noite...) no segundo tempo do compasso. Na seção C, a linha vocal predominantemente é caracterizada por semi-frases iniciadas em anacruse, resultando numa diluição rítmica, ou seja, maior independência rítmica quando o piano assume um caráter descritivo.

34 Para um teórico musical, o acento agógico ocorre quando uma nota em tempo fraco é enfatizada

ritmicamente, normalmente como uma sincopa, podendo ser enfatizada também em registro. Para o intérprete, o acento agógico é criado quando uma nota é enfatizada por uma hesitação ou um atraso na articulação (STEIN; SPILLMANN, 1996, p. 70).

(50)

Figura 25: síncopa presente na linha vocal, Poema do Gitanjali nº 84, c.16

Há uma alternância de fórmulas de compasso no decorrer da obra, sempre entre 2/4 e 4/4, com exceção da seção B. Essas alternâncias servem para realçar o texto, por exemplo, nos c.06-07 há alternância de 2/4 para 4/4 respectivamente, ressaltando “mundo”. Além destas, no c. 22-23, há a presença da barra de compasso pontilhada No quadro abaixo podem ser observadas tais ocorrências:

Seção A Seção C

Compasso Fórmula de

Compasso Compasso Fórmula de Compasso

c.5 2/4 c.26 2/4 c.7 4/4 c.27 4/4 c.8 2/4 c.29 2/4 c.9 4/4 c.30 4/4 c.36 2/4 c.37 4/4

Tabela 05: alternância de compassos, Poema do Gitanjali nº 84

Na seção A, o acompanhamento do piano é predominantemente realizado por figuras de colcheias, semínimas e semínimas pontuadas e estabelecem uma escrita sincopada em relação à linha vocal nas vozes internas. Na mão esquerda há a utilização de semibreves e mínimas na linha do baixo, além da inserção da melodia uma oitavada com a mão direita.

Na seção B, nos compassos 23, 24 e 25, há uma nova informação rítmica na qual o acompanhamento surge como um trêmulo de fusas e a inserção de escalas cromáticas em fusas e semicolcheias respectivamente, provavelmente relacionadas com o texto. Os trêmulos sugerem os sussurros das folhas e a escala cromática sugere a chuva (fig. 26).

(51)

Figura 26: trêmulos e fragmento de escala cromática, Poema do Gitanjali nº 84, c.23-25

Os arpejos do piano também sugerem uma relação da escrita musical com o texto, evocando o som da lira, conforme ilustrado abaixo:

Figura 27: uso dos arpejos como elemento evocativo, Poema do Gitanjali nº 84, c.22-24

A terceira e última seção retoma a ideia inicial do acompanhamento sincopado, e as notas da linha vocal estão incorporadas no piano de forma oitavada (fig. 28).

(52)

Figura 28: dobramento da linha vocal, Poema do Gitanjali nº 84, c.33-35

3.2.4 Harmonia e material harmônico

Assim como observado na análise da linha vocal, a parte do piano tem como referência principal escalas modais. Em grande parte, o piano compartilha destas escalas com a linha vocal, mas, dos c. 30 ao 32 há um conflito estabelecido pela escala de mi frígio (Mi-Fá-Sol-Lá-Si-Dó-Ré) na linha vocal e a inserção do Re# na voz interna do piano, resultando na sensível de mi, trazendo assim uma referência tonal (fig. 29).

Figura 29: Escala de Mi frígio conflitando com o Ré#, Poema do Gitanjali nº 84, c.29-32

Outra escala utilizada pelo compositor é a de tons inteiros35 (fig. 30).

(53)

Figura 30: Escala de tons inteiros, Poema do Gitanjali nº 84, c.22-23

Também há um fragmento de escala cromática no c. 25, enfatizando justamente a ideia de melancolia nos dias chuvosos presentes no texto do compasso anterior, e ainda, ressaltando os trítonos formados pelas notas mais grave e mais aguda da escala utilizada (fig. 31).

Figura 31: Fragmento de escala cromático e trítonos, Poema do Gitanjali nº 84, c. 25

Nos momentos modais, a harmonia é marcada por referências tonais. Vale ressaltar o movimento das quintas paralelas que caminham na linha do baixo dos c. 04 ao 05, sugerindo uma referência ao organum paralelo e enfatizando o modalismo e o centro em Mi, elemento que será retomado na seção C. Essas quintas paralelas ajudam a criar uma centricidade tonal.

Assim como na linha vocal, a parte do piano também tem o centro principal em Mi, considerando a ênfase das notas Mi e Si ao longo da seção A (lembrando a tônica e dominante), centro que será retomado no final da canção.

A seção B é indefinida com relação ao centro tonal, essa indefinição já tem início no episódio de ligação do piano. No episódio há ausência da reiteração de alguma nota e ênfase nos intervalos de quartas, sextas e sétimas, gerando uma maior indefinição harmônica (fig. 32).

(54)

Figura 32: 4J ilustradas em vermelho, 6m em verde e 7m em azul, Poema do Gitanjali nº 84, c.12-14

3.2.5 Aspectos interpretativos

Segundo Fernandes (2004, p.142), em grande parte de sua obra, CAPF é bastante rigoroso quanto às indicações específicas de elementos relacionados à expressão e à interpretação. O autor cita os aspectos dinâmica, timbre, fraseado e ênfases que precisam ser considerados pelos intérpretes e ressalta que, em sua prática como regente coral, CAPF foi sempre muito elogiado pelo rigor com que explorava tais elementos na interpretação de suas obras.

No Poema do Gitanjali nº 84, percebe-se uma preocupação do compositor em ser bastante claro na indicação de andamentos, expressões de agógica e dinâmica, a qual varia de ppp ao ff, principalmente na parte do piano, conforme mostrado na tabela abaixo:

Tabela 06: divisão das seções, frases, timbre e dinâmicas, Poema do Gitanjali, nº84

Observa-se, ainda, que a dinâmica nesta canção está diretamente

Seções Intro Seção A Episódio Seção B Seção C

Frases c. 01 ao 03 c. 04 ao 11 c.12 ao 14 c. 14 ao 20 c. 21 ao 24 c. 24 ao 25 c. 26 ao 29 c. 30 ao 33 c. 33 ao 38 c. 39

Timbre Piano Piano e voz Piano Piano e Voz Piano e Voz

Dinâmica

da Voz - - - f - - ff - - p

Dinâmica

(55)

está relacionado ao “sussurro das folhas” e aos “dias chuvosos”. No compasso 26, quando se inicia a Seção C, a dinâmica indicada é fortissimo (ff) em ambas as linhas, enfatizando a expressão “dor recrescente”. A dinâmica ainda varia ao longo da seção, terminando no último compasso com a palavra “cantando”, com uma indicação de piano (p) na linha do canto e pianissimo (pp) na linha do piano, ressaltando o quanto CAPF queria buscar o equilíbrio entre voz e piano e trazendo à tona o sentimento de resignação do eu-lírico.

Não só as dinâmicas, mas também alguns efeitos timbrísticos escritos na linha do piano relacionam a música ao texto. O pianista intérprete precisa estar atento para explorar tais efeitos de forma adequada. Importantes exemplos desses efeitos timbrísticos relacionados ao significado do texto estão nos c. 22-25. Nesses compassos o texto diz “como uma lira entre as folhas sussurrantes, nos dias chuvosos de julho”. A “lira” é representada por acordes arpejados nos compassos 22 e 23. As “folhas sussurrantes” são representadas por um trêmulo em pianissimo. Enfim, os “dias chuvosos de julho” são representadas por um movimento cromático ascendente e descendente, em fusas e semicolcheias respectivamente em

pianississimo (ppp).

A melodia, por sua vez, sugere o canto em legato de forma a manter o contorno da melodia, mesmo contendo saltos intervalares. Importante notar que a linha melódica principal não aparece somente na voz, mas, em vários momentos, o piano a dobra de forma oitavada. O duo intérprete precisa, portanto, “cantar junto”, procurando “timbrar” de forma a valorizar a melodia.

Fagnan (2010) descreve o uso do legato no canto como uma fusão entre as palavras e as notas. As consoantes, segundo esse autor, não devem perturbar essa ligação, porém, evitando que a articulação se torne frouxa e indiscernível, muito pelo contrário, deve manter-se enérgica sem perturbar a beleza e a qualidade do som.

(56)

Consiste em partir da dinâmica indicada pelo compositor, ‘caminhar’ com uma leve crescendo até o ponto culminante – geralmente uma sílaba tônica – e continuar o ‘caminho’ com um leve decrescendo até o fim da frase, fechando-a prosodicamente. [Desta forma], as frases ficam mais modeladas e cria-se uma valorização da expressividade em sua execução.

É necessário, portanto, que o cantor intérprete valorize a acentuação tônica das palavras e realize um leve decrescendo das sílabas tônicas para as sílabas átonas que sucedem como forma de fechamento e acabamento.

Ehmann e Haasemann (1981, p.64) nos lembram que o “legato significa conectado”36 e implica no “fluxo fácil da frase, na conexão das sílabas e no som

homogêneo”37. No canto, o legato está relacionado ao som bem sustentado, à

estabilidade do sopro e ao fraseado realizado em cantabile.

Apesar da escrita do piano não possuir ligaduras, sugere-se seguir o fraseado inserido na linha vocal pelo compositor. O pianista deve estar atento à forma como o cantor realiza o fraseado e aos pontos de respiração.

36 Legato heisst Bindung.

Referências

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