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Imprensa e educação: a posição editorial dos principais jornais brasileiros a partir da proposta política do movimento Escola Sem Partido

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM JORNALISMO

Alexandro Kichileski

Imprensa e Educação: A posição editorial dos principais jornais brasileiros a partir da

proposta política do movimento Escola Sem Partido

Florianópolis 2019

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Alexandro Kichileski

Imprensa e Educação: A posição editorial dos principais jornais brasileiros a partir da

proposta política do movimento Escola Sem Partido

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de Mestre em Jornalismo

Orientador: Prof. Carlos Augusto Locatelli, Dr.

Florianópolis 2019

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Ficha de identificação da obra

A ficha de identificação é elaborada pelo próprio autor. Orientações em:

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Alexandro Kichileski

Imprensa e Educação: A posição editorial dos principais jornais brasileiros a partir da

proposta política do movimento Escola Sem Partido

O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Samuel Pantoja Lima, Dr.

Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

Prof. George Luiz França, Dr.

Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de mestre em Jornalismo.

____________________________ Coordenador(a) do Programa

____________________________ Prof. Carlos Augusto Locatelli, Dr.

Orientador

Florianópolis, 2019 Documento assinado digitalmente Carlos Augusto Locatelli Data: 21/01/2020 10:48:25-0300 CPF: 526.419.539-00

Documento assinado digitalmente Rita de Cassia Romeiro Paulino Data: 21/01/2020 10:58:36-0300 CPF: 539.117.769-34

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Este trabalho é dedicado à Ludemila Galeski Lucachinski (in memorian)

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AGRADECIMENTOS

A Deus, essa substância única que garante a existência de todas as coisas.

À minha família que sempre me apoiou. Obrigado pai Miguel e mãe Marli pelo incentivo, desde cedo, aos estudos. Ju, Ana, Maria e Adir: sem vocês por perto eu não teria vencido.

Aos meus amigos que sempre torceram e ajudaram nessa caminhada.

Aos professores do POSJOR que possibilitaram aumentar meu horizonte intelectual. Ao Locatelli que, com sua exigência, humildade e sinceridade, permitiu ampliar minha formação acadêmica. Obrigado Caetano, Luis, Marcionise, Mário e Suelen por todas as trocas de ideias, brincadeiras e colaboração.

À minha turma, especialmente Lizi, Keltryn e Rafaela pelos cafés terapêuticos. À Escola de Educação Básica Luiz Davet pela compreensão, organização de horários e apoio.

Ao Roni que, além de me incentivar, ajudou a cobrir minhas aulas na escola. À Leo e Henrique pela leitura e revisão textual.

Ao Márcio que sempre me incentivou nos momentos mais delicados da minha jornada no mestrado. Os livros foram preciosos para a execução do trabalho.

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RESUMO

A pesquisa propõe identificar o posicionamento editorial dos jornais Folha de S. Paulo, O

Estado de S. Paulo e O Globo diante das propostas políticas do movimento Escola Sem

Partido (ESP). O movimento foi criado em 2004 com o objetivo de denunciar supostas doutrinações ideológicas existentes nas instituições educacionais. A justificativa do ESP é embasada na ideia vaga de que a escola, o currículo e o trabalho pedagógico não devem entrar no campo das convicções morais, religiosas e políticas do educando. O embasamento teórico do trabalho parte da compreensão do papel que a esfera pública cumpre em sociedades democráticas (HABERMAS, 2014; SILVA, 2002; ESTEVES, 2003; GOMES, 2008; MAIA, 2008), entendendo o conceito como um espaço ou engrenagem social que busca soluções coletivas publicamente discutidas, formuladas e deliberada fazendo valer os interesses da sociedade civil. Na esfera pública os meios de comunicação, em especial os voltados ao jornalismo, têm forte influência por agirem, simultaneamente, como agentes políticos e dispositivos que oferecem visibilidade aos demais atores envolvidos. Outra questão de fundo, a Educação é compreendida em sua relação com a sociedade (ADORNO, 1995; BOURDIEU; PASSERON, 1975; DURKHEIM, 2011), especialmente em seus aspectos objetivos de reprodução social, bem como sua potencialidade na formação emancipatória. Reflexões sobre a Ideologia (ALTHUSSER, 1985; RICOEUR, 1990; ZIZEK, 1999) e Hegemonia (FAIRCLOUGH, 2001; MORAIS, 2004) tornam-se importante para a compreensão da atividade política do movimento Escola Sem Partido e também para os pressupostos metodológicos do trabalho. Da teoria da educação destacam-se as principais tendências pedagógicas (LUCKESI, 1994; SAVIANI, 2005) que balizam a atividade pedagógica nas instituições escolares. A partir dessas referências, o problema que a pesquisa procura responder é: Diante das propostas políticas do movimento Escola Sem Partido como se posicionaram, editorialmente, os principais jornais brasileiros? A escolha do gênero jornalístico editorial se dá sobretudo no reconhecimento de que vai expressar a opinião oficial da empresa diante os acontecimentos de maior repercussão ou importância social do momento. Reflete os consensos que emanam dos diferentes núcleos que participam da propriedade e organização do jornal (BELTRÃO, 1980; MARQUES DE MELO, 2003). O corpus é composto pelos editoriais dos jornais publicados entre janeiro de 2014 a dezembro de 2018, tempo que constitui a criação e arquivamento de projetos de lei reforçando as propostas do ESP no Congresso Nacional. Metodologicamente, a observação do material utiliza um modelo adaptado da análise crítica do discurso (FAIRCLOUGH, 2001), onde a prática discursiva necessita ser percebida no contexto interdiscursivo, compreendendo e contextualizando a situação histórica, política e ideológica no qual o texto está inserido. Para organizar e analisar o objeto empírico é utilizado o conceito de enquadramento (MAIA, 2009), colaborando na compreensão dos editoriais e dos acontecimentos circunscritos no texto, gerando esquemas interpretativos no processo de estruturação de sentido, relacionando com a dinâmica social. Os resultados indicam que os jornais corroboraram as denúncias de doutrinação levantadas pela ESP, mas discordaram do procedimento proposto pelos projetos de lei, considerando uma via paternalista, autoritária e totalitária da educação. O tom imperativo e indiscutível das posições apresentadas nos editoriais também permitem perceber uma tendência de as organizações jornalísticas participarem da esfera pública com um viés de coação sobre os dirigentes do Estado e a Opinião Pública.

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ABSTRACT

The research proposes to identify the editorial position of the newspapers Folha de S. Paulo,

O Estado de S. Paulo and O Globo before the political proposals of the Escola Sem Partido

(ESP) movement. The movement was created in 2004 with the objective of denouncing supposed ideological indoctrinations existing in educational institutions. ESP's justification is based on the vague idea that school, curriculum and pedagogical work should not enter into the field of moral, religious and political convictions of the student. The theoretical basis of the work starts from the understanding of the role that the public sphere plays in democratic societies (HABERMAS, 2014; SILVA, 2002; ESTEVES, 2003; GOMES, 2008; MAIA, 2008), understanding the concept as a space or social gear that seeks collective solutions publicly discussed, formulated and deliberate making use of the interests of civil society. In the public sphere, the media, especially those focused on journalism, have a strong influence for acting, simultaneously, as political agents and devices that offer visibility to other actors involved. Another fundamental issue, Education is understood in its relationship with society (ADORNO, 1995; BOURDIEU; PASSERON, 1975; DURKHEIM, 2011), especially in its objective aspects of social reproduction, as well os its potential in emancipatory education. Reflections on Ideology (ALTHUSSER, 1985; RICOEUR, 1990; ZIZEK, 1999) and Hegemony (FAIRCLOUGH, 2001; MORAIS, 2004) become important for understanding the political activity of the Escola Sem Partido movement and also for the methodological assumptions of work. From the theory of education, the main pedagogical trends stand out (LUCKESI, 1994; SAVIANI, 2005) that guide the pedagogical activity in school institutions. From these references, the problem that the research seeks to answer is: Faced with the political proposals of the movement School Without Party how did the main Brazilian newspapers position themselves, editorially? The choice of the editorial journalistic genre occurs mainly in the recognition that it will express the official opinion of the company in the face of events of greater repercussion or social importance of the moment. It reflects the consensus that emanates from the different nuclei that participate in the ownership and organization of the newspaper (BELTRÃO, 1980; MARQUES DE MELO, 2003). The corpus is composed of the editorials of the newspapers published between January 2014 and December 2018, a time that constitutes the creation and archiving of bills reinforcing the proposals of the ESP in the National Congress. Methodologically, the observation of the material uses a model adapted from the critical analysis of discourse (FAIRCLOUGH, 2001), where the discursive practice needs to be perceived in the interdiscursive context, understanding and contextualizing the historical, political and ideological situation in which the text is inserted. To organize and analyze the empirical object is used the concept of framing (MAIA, 2009), collaborating in the understanding of the editorials and the events circumscribed in the text, generating interpretative schemes in the process of structuring meaning, relating with the social dynamics. The results indicate that the newspapers corroborated the accusations of indoctrination raised by ESP, but disagreed with the procedure proposed by the bills, considering a paternalistic, authoritarian and totalitarian way of education. The imperative and indisputable tone of the positions presented in the editorials, also allow us to perceive a tendency for journalistic organizations to participate in the public sphere with a bias of coercion on the leaders of the State and Public Opinion.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Primeiro Editorial do Folha de São Paulo ... 110

Figura 2 – Último Editorial do Folha de São Paulo... 111

Figura 3 – Editorial de O Estado de São Paulo ... 113

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Editoriais analisados ... 98

Tabela 2 – Contexto político dos editoriais ... 98

Tabela 3 – Apectos gráficos dos editoriais ... 100

Tabela 4 – Aspectos textuais dos editoriais ... 101

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 O ABSTRATO ... 17

2.1 A LINGUAGEM EM FUNÇÃO DA POLÍTICA: A ESFERA PÚBLICA ... 17

2.2 ENTRE OBJETIVIDADE E SUBJETIVIDADE: A EDUCAÇÃO ... 28

2.2.1 Maneiras de Ensinar: As tendências pedagógicas ... 33

2.3 IDEOLOGIA E DISCURSO ... 41

3 O CONCRETO ... 51

3.1 A EDUCAÇÃO BRASILEIRA: PRECARIEDADE CONSTITUINTE ... 51

3.1.1 Escola Sem Partido: Da carta aberta ao Congresso Nacional ... 67

3.2 JORNALISMO: ENTRE OPINIÃO E OBJETIVDADE ... 76

3.2.1 O gênero editorial e os jornais de referência... 92

4 ANÁLISE DOS EDITORIAIS ... 97

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 123

REFERÊNCIAS ... 129

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1 INTRODUÇÃO

A educação é um valor universal, consagrado no 26º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Todos os países têm a educação como uma questão central para o desenvolvimento de sua Nação. Em geral, a educação é tida como uma meta nacional. No Brasil, segundo a Carta Magna, é vista como um dever do Estado e um direito de todos. Após a promulgação da Constituição de 1988, principiaram debates acerca da necessidade da criação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB/1996) que, depois de oito anos de intenso debate, consolidou-se e passou a balizar todo o funcionamento do ensino regular. No entanto, um grupo específico de brasileiros acredita que esses princípios estão errados. Segundo eles ocorre uma contaminação ideológica nas escolas brasileiras. Essa é a essência da representação política do movimento Escola Sem Partido (ESP), uma ação coletiva que se tornou oficial em 2004 no Brasil, tendo objetivo de denunciar supostas doutrinações ideológicas existente nas instituições educacionais em todos os seus níveis. Desde então, o movimento ESP apresentou uma série de modelos com propostas legislativas pretendendo redefinir os rumos da educação pública.

A justificativa para a mudança é embasada na noção de que certas convicções pessoais não devem ser debatidas nas escolas, portanto, a escola, o currículo e o trabalho pedagógico feito pelos educadores não deve abordar convicções morais, sendo tratadas exclusivamente na esfera da vida privada. Logo, deve ser vedada a transversalidade sobre temas que envolvem a educação moral, sexual e religiosa. O ESP argumenta que nas escolas há o abuso na liberdade de ensinar pelos docentes e que estes procuram influenciar as preferências ideológicas e políticas dos alunos. Em seu site oficial, o ESP argumenta que a doutrinação “ofende a liberdade de consciência do estudante; afronta os princípios de neutralidade política e ideológica do Estado; ameaça o princípio democrático na medida que instrumentaliza o sistema de ensino” (ESCOLA SEM PARTIDO, 2018).

No campo institucional, o primeiro Projeto de Lei apresentado em um poder legislativo foi encomendado pelo então deputado estadual fluminense Flávio Bolsonaro (PSC)1 a Miguel Nagib, fundador do ESP. Em nível federal, o primeiro projeto procurando instituir o Programa Escola Sem Partido foi o de nº 867, de 23 de março de 2015, apresentado pelo deputado Izalci Lucas (PSDB) e, devido afinidades, apensado ao Projeto de Lei nº 7.180,

1 Em todo o trabalho, a vinculação política citada corresponde aos partidos aos quais os representantes

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de 2014, apresentado pelo deputado Erivelton Santana (PSC). Esses projetos propunham alterar artigos da LDB/1996, incluindo a necessidade de respeitar às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, tendo os valores de ordem familiar precedência sobre a educação escolar nos assuntos relacionados à educação moral, sexual e religiosa (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2014).

Moura (2016) aponta que nos primeiros anos de sua existência o movimento não encontrou grande repercussão social. No entanto, três momentos foram marcantes para a sua consolidação. O primeiro, em 2007, a partir de uma polêmica gerada em torno de um artigo de opinião publicado pelo jornal O Globo, escrito por um dos principais executivos do Grupo Globo, o jornalista Ali Kamel, onde faziam-se duras críticas ao livro didático Nova História

Crítica. O segundo, em 2011, com a polêmica gerada em torno do material produzido pelo

Ministério da Educação a respeito da Escola sem Homofobia, vulgarmente chamado de Kit

Gay. E o terceiro, em 2014, na campanha presidencial entre a presidente Dilma Rousseff (PT)

e o senador Aécio Neves (PSDB).

Foi entre 2014 e 2018 que o movimento conseguiu, objetivamente, espaço no legislativo federal, conseguindo colocar em tramitação um projeto de lei. Mas, sem conquistar maciçamente o apoio popular e legislativo, o projeto foi arquivado. O movimento de fato explodiu nas eleições de 2018, com a absorção de suas premissas pela frente capitaneada pelo candidato de extrema direita à presidência Jair Bolsonaro (PSL) e endossadas nas unidades federativas por simpatizantes que se tornaram candidatos ao legislativo e executivo estaduais. É possível concluir que, até o presente momento, final de 2019, a eleição presidencial de 2018 tenha sido o ponto máximo da visibilidade do tema concernente à “desideologização da Escola” na esfera pública.

Cita-se a esfera pública porque esta é uma condição necessária para que atores sociais atinjam seus interesses políticos em uma democracia. De modo simples, a esfera pública é um espaço, uma engrenagem social que busca soluções coletivas publicamente discutidas, formuladas e deliberadas que façam valer os interesses da sociedade civil em contraste com as pressões do Estado (GOMES, 2008). Em tese, tudo deve ocorrer através do debate aberto, racional e de interesse público, existindo uma posição relativamente consensual, a opinião pública. Essa esfera de pessoas privadas reunidas em um público para discutir e questionar a autoridade e a legitimidade do poder do Estado (HABERMAS, 1997), contemporaneamente, é fortemente influenciada pelos meios de comunicação de massa, o jornalismo em particular. Os meios jornalísticos são importantes pois agem simultaneamente como agentes políticos

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bem como visibilizam, em diferentes intensidades, os demais atores envolvidos e suas preferências. Os meios de comunicação de massa colaboram na visibilidade de argumentos, bem como na construção, ampliação e retroalimentação de opiniões capazes de influenciar na opinião pública e na esfera de decisões políticas (GOMES, 2008).

Na sociedade moderna os meios de comunicação de massa tornaram-se espaços privilegiados na disseminação de informações que circulam, colaborando na construção do cotidiano, influenciando valores e opiniões. A mídia, essa ecologia técnico-comunicativa que viabiliza e fomenta a comunicação humana em larga escala, pode ser compreendida enquanto condução e representação do cotidiano, ou seja, a extensão dos seres humanos, suas experiências e dimensões, proporcionando referências para a condução da vida (McLUHAN, 1964). Por outro lado, pode ser entendida como comunicação mediatizada cujas características essenciais são a produção de conteúdo centralizada/padronizada e sua disseminação de forma unilateral (LIMA, 2006). Fato é que a mídia tornou-se espaço privilegiado da política na sociedade moderna, ocupando uma posição ímpar na relação com o poder e democracia. A política informacional (CASTELLS, 2000) transforma o jogo político de acordo com os interesses midiáticos, dando legitimidade ou prioridade a determinados temas e enquadramentos.

Numa democracia, espera-se normativamente que o campo midiático possua pluralidade e contemple com igualdade de condições diversos segmentos e grupos sociais, para que todas as demandas possam ser inseridas no debate público. Afinal, na democracia moderna a opinião pública tornou-se um importante e necessário meio de legitimação de ação do poder, transformando-se em objeto de interesse estratégico de distintos grupos interessados em fazer valer a sua opinião. O campo da comunicação assumiu importância estratégica e a política de opinião precisa ser feita na esfera de visibilidade pública dominante para que o público pense de uma forma sobre determinado assunto (GOMES, 2009). A esfera de visibilidade pública tem um papel relevante para a vida democrática contemporânea porque é nela que os cidadãos terão acesso às questões que dizem respeito ao coletivo e a partir disso tomar posição sobre o poder político. Nas sociedades de massas é a mídia que estabelece, na maioria das vezes, a mediação entre esfera civil e esfera política, adquirindo progressivamente uma importância central no modelo democrático representativo.

A relevância e complexidade do tema abordado remete necessariamente a reflexão em torno de concepções de ideologia e hegemonia, tanto pelos pressupostos teórico-metodológicos desenvolvidos quanto pela retórica empreendida pelos defensores do ESP. A

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ideologia pode ser compreendida pelo viés crítico de legitimação das desigualdades estruturais (ALTHUSSER, 1985; ZIZEK, 1999), ou pela função de integração social (RICOEUR, 1990). O conceito de hegemonia surgiu como tradução da autoridade cultural de uma classe social sobre as outras que lhe opõem (CORREIA, 2004), ou seja, pode ser compreendida como construção de alianças mediante concessões para ganhar consentimentos, cujo foco se dá na constante luta sobre os pontos de maior instabilidade entre as classes (FAIRCLOUGH, 2001).

A ideologia investe na linguagem de diversas maneiras, necessitando compreendê-la tanto nas estruturas quanto nos próprios eventos que reproduzem ou transformam as estruturas hegemônicas condicionadas. Portanto, o sujeito é posicionado ideologicamente, mas possuí capacidade para agir criativamente e fazer suas próprias conexões entre as diversas práticas e ideologias. A ideologia surge em sociedades caracterizadas por relações de dominação baseadas em ordens econômicas, étnicas, sexual, de gênero, entre outras (FAIRCLOUGH, 2001).

Parte da comunicação de massa, o jornalismo, é produzido em um ambiente marcado por configurações específicas e sujeito às diversas pressões e constrangimentos (CARPINI, 2005). Na democracia moderna o jornalismo procurou separar as seções de notícias e de opinião, justamente como forma de dar consistência aos princípios institucionais e sua relação entre o comercial e o público (JAMIL MARQUES; MONT’ALVERNE; MITOZO, 2017). No entanto, a neutralidade e a objetividade jornalística são, evidentemente, princípios normativos e, pragmaticamente, contestáveis. Sobretudo ao reconhecer que as escolhas de pautas, fontes, bem como ênfases dadas a determinados assuntos ou enquadramentos passam por critérios subjetivos de interesses diversos. Se o jornalismo ajuda na construção da realidade em vez de simplesmente refleti-la (TRAQUINA, 2005), também tem a possibilidade de priorizar a perspectiva dos assuntos abordados e consolidar a autoridade de determinados setores sociais em detrimento de outros.

Observando a potencialidade dos meios de comunicação para a discussão sobre a democracia moderna e compreendendo que o movimento Escola Sem Partido traz uma discussão que envolve a definição de escopo de interesse social – a Educação – essa dissertação tem como problema central de pesquisa a seguinte questão: Diante das propostas e da ação política do movimento Escola Sem Partido, ocorridas entre 2014 e 2018, como se posicionaram editorialmente os principais jornais brasileiros?

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A escolha de Editoriais se dá pelo reconhecimento histórico de que o editorial sinaliza o posicionamento preferencial do próprio jornal. E, como intérprete das questões públicas, exerce o papel do agente político ao pressionar, com suas opiniões, o que julga mais adequado. É o gênero jornalístico que vai expressar a opinião oficial da empresa diante os acontecimentos de maior repercussão ou importância social do momento. Normativamente, em uma sociedade que possui uma opinião pública mais autônoma e com uma sociedade civil forte, é direcionado para a orientação da opinião pública, o que não é o caso do Brasil. Segundo Marques de Melo (2003), no Brasil o editorial dirige-se formalmente para a opinião pública, mas encerra uma relação de diálogo com o Estado. Um diálogo de coação para a defesa de interesses dos segmentos empresariais e financeiros que representam.

Os editoriais podem dizer muito sobre a cobertura informativa da empresa de comunicação, que chega a um público mais amplo. Quais são as influências da opinião da instituição sobre a cobertura noticiosa é algo a ser investigado com maior profundidade. No entanto, os editoriais passam por um dilema ainda maior, pois não podem se utilizar de estratégias como a objetividade para justificar os enquadramentos apresentados, obrigando o jornal a trazer para si a responsabilidade das caracterizações e das opiniões em foco, ao invés de atribuí-las a uma suposta reflexão da realidade (MONT’ALVERDE; JAMIL MARQUES, 2018, p. 32)

Toma-se por objeto os editoriais que discorreram sobre o movimento Escola Sem Partido, dos jornais O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e O Globo, três dos mais influentes do país, que pertencem ao que a literatura usualmente tipifica como veículos de referência. O objetivo geral do trabalho é identificar as posições editoriais dos jornais a respeito das propostas e consequências do movimento ESP. Para atingi-lo, a dissertação tem como percurso: a) Traçar um panorama teórico sobre Educação, Esfera Pública, Ideologia e Discurso; b) Compreender historicamente o processo educacional brasileiro e a consolidação do jornalismo na percepção e definição de questões públicas; c) analisar o posicionamento editorial dos jornais Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e O Globo que trataram do movimento Escola Sem Partido.

O corpus da pesquisa é composto pela totalidade dos editoriais que trataram do tema, publicados entre janeiro de 2014 a dezembro de 2018, resultando em onze peças (seis do jornal Folha de S. Paulo, três do Estado de S. Paulo e dois do O Globo). Metodologicamente a análise dos editoriais ocorreu com adaptação do modelo de análise crítica do discurso proposto por Fairclough (2001). A compreensão do discurso como um modo de ação que permite aos indivíduos agirem e construírem o mundo com significado é de fundamental

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importância para o desenvolvimento do trabalho. Nessa perspectiva, a prática discursiva necessita ser analisada no contexto interdiscursivo, compreendendo e contextualizando a situação histórica, política e ideológica no qual o texto está inserido. Para organizar e analisar o objeto empírico será utilizado o conceito de enquadramento, a partir da adaptação feita por Maia (2009), colaborando na compreensão dos editoriais e dos acontecimentos circunscritos no texto, gerando esquemas interpretativos no processo de estruturação de sentido, relacionando com a dinâmica social.

A dissertação está dividida em três capítulos. Procura-se organizar o trabalho numa escala ascendente, do abstrato ao concreto, como nominou-se metaforicamente os capítulos: o primeiro capítulo opera a reflexão sobre a esfera pública, educação, ideologia e discurso; o segundo preocupa-se com a descrição da história da educação, culminando no surgimento da ESP, bem como na reflexão acerca do sistema jornalismo; o terceiro capítulo, absorvendo a reflexão teórica, analisa especificadamente os editoriais selecionados. Por fim, as considerações finais procuram conectar os resultados da observação empírica e a dimensão conceitual, histórica e ideológica do tema.

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2 O ABSTRATO

Este capítulo tem como propósito a reflexão conceitual acerca de conceitos cruciais para o desenvolvimento da dissertação: Esfera Pública, Educação, Ideologia e Discurso. O arcabouço teórico acerca da Esfera Pública é pensado a partir da prerrogativa habermasiana, na valorização do agir comunicativo. A Educação é apresentada pelos vieses funcionalista, reprodutivista das desigualdades sociais e emancipatório. A Ideologia é discutida tanto pela sua função integradora social, quanto pela legitimação das dominações sociais, conectando-se ao conceito de Hegemonia. Por fim, o Discurso é compreendido como uma prática social que deve ser analisada na sua dimensão textual e prática.

2.1 A LINGUAGEM EM FUNÇÃO DA POLÍTICA: A ESFERA PÚBLICA

É impossível pensar a construção do mundo social, suas interações e a constituição do indivíduo sem a linguagem. Entendendo a linguagem como expressão humana2, a mesma se consolida como uma estrutura ou sistema dotado de signos que funcionam de maneira naturalizada e independente dos sujeitos que a empregam. Portanto, “a linguagem é a consciência real, prática, que existe também para os outros homens (...) a linguagem surge como consciência da incompletude, da necessidade dos intercâmbios com outros homens” (MARX, ENGELS, 2005, p.56). É pela linguagem que construímos conhecimentos, reproduzimos e reinterpretamos. Também por ela ocorre a internalização das normas, regras e valores, bem como a compreensão de nosso papel por meio da socialização.

A linguagem é inseparável do homem e segue-o em todos os seus atos. A linguagem é o instrumento graças ao qual o homem modelo seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base última e mais profunda da sociedade humana. (...) Antes mesmo do primeiro despertar de nossa consciência, as palavras já ressoavam à nossa volta, prontas para evolver os primeiros germes frágeis de nosso

2 Marilena Chauí levanta quatro tipos de resposta sobre a origem da linguagem: “1. a linguagem nasce

por imitação: os humanos imitam, pela voz, os sons da natureza. A origem da linguagem seria, portanto, onomatopeia; 2. a linguagem nasce por imitação dos gestos: nasce como uma espécie de pantomima ou encenação, na qual o gesto indica um sentido. Pouco a pouco o gesto passou a se acompanhar de sons, estes foram se tornando palavras; 3. A linguagem nasce da necessidade: a fome, a sede, a necessidade de se abrigar e se proteger ou de reunir em grupo para se defender das intempéries, dos animais e de outros humanos mais fortes levaram à criação de palavras. Com isso, formou-se um vocabulário elementar e rudimentar que, gradativamente, tornou-se mais complexo e transformou-se em uma língua; 4. a linguagem nasce das emoções: o grito (medo, surpresa, alegria), o choro (dor, medo, compaixão) e o riso (prazer, bem-estar, felicidade) seriam suas principais emoções” (CHAUÍ, 2017, p. 173-174).

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pensamento e nos acompanhar inseparavelmente através da vida, (...) a fala é a marca da personalidade, da terra natal e da nação, o título de nobreza da humanidade (HJELMSLEV, 1975, p. 01).

Ela é um processo pelo qual historicamente os humanos organizam suas experiências. O aprendizado se dá pela vivência e o pensamento se constrói com os significados ao qual suas experiências têm acesso. O valor de qualquer enunciado não deve ser determinado somente pelo sistema linguístico, mas sim pela interação que a língua tem com a realidade social, com os sujeitos falantes e demais enunciados. A palavra se apresenta em diversos enunciados e a compreendemos dentro de um contexto ideológico ao qual estamos circunscritos. “As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios” (BAKHTIN, 2004, p.41). Ao nascermos encontramos um mundo falado e articulado de modo diferente, no entanto, a linguagem está em constante transformação. O diálogo não é apenas alternâncias de vozes, mas encontro e incorporação dessas em um contexto histórico.

Por outro lado, numa visão fenomenológica, a linguagem é compreendida como o ato de significar. A linguagem não é mera correspondência, mas é ela mesma significação. A palavra não é uma tradução de um sentido, mas criação do mesmo. A linguagem é um aparelho singular, assim como nosso corpo, que nos dá mais do que pusemos nela, seja aprendendo nossos pensamentos quando falamos, seja ouvindo os outros, “pois torna-se por sua vez algo como um universo capaz de alojar em si as próprias coisas – depois de as ter transformado em sentido das coisas” (MERLEAU-PONTY, 1992, p. 43).

Seja a linguagem o ato de significar ou a própria significação, é através dela que a interação social é construída. A linguagem é a condição sine qua non do mundo da vida. O mundo da vida, inicialmente pensado por Edmund Hursserl (apud PIZZI, 2006), é a compreensão de um amplo espaço de experiências e certezas pré-categoriais, relações intersubjetivas e de valores que são comungados no cotidiano dos seres humanos. É o mundo histórico concreto das vivências cotidianas e seus costumes. É o âmbito da formação ordinária de nossos sentidos.

Em seu livro A crise das ciências europeias, Husserl contrapõe dois mundos: um que é fonte, lugar onde acontecem os fenômenos onde o homem atua, espécie de matéria-prima para suas reflexões e elaborações teóricas científicas. Outro é o mundo “das explicações”, que se sobrepõe ao mundo original. No primeiro, de natureza pré-científica, rico, polivalente, complexo, ocorrem as condições de possibilidade da ciência, trata-se do mundo vivido ou Lebenswelt. O outro (...) é o mundo que aparece a partir do momento que a humanidade (grega, no caso) se vê levada a transformar a ideia pragmática (anterior) de “conhecimento” e de

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“verdade”, atribuindo-lhe a mais alta dignidade, como norma de todo conhecimento, como ideia de “verdade objetiva” (MARCONDES FILHO, 2010, p 129)

Habermas (apud PIZZI, 2006) compreendera o mundo da vida como um bloco com modelos consentidos de interpretação e práticas que constitui o pano de fundo do horizonte de falas que os sujeitos agem comunicativamente. A linguagem assume o suporte de integrador social, bem como suporte viabilizador de entendimento como meio de produzir consensos.

(...) O mundo da vida só pode ser apreendido a tergo. Desde a perspectiva frontal dos próprios sujeitos agentes orientados ao entendimento, o mundo da vida, sempre ‘dado em conjunto’, escapa à tematização. Como totalidade que possibilita as identidades e os próprios projetos biográficos de grupos e indivíduos, o mundo da vida só está presente de maneira pré-reflexiva. Da perspectiva dos implicados, é possível, com efeito, reconstruir o saber de regras requerido na prática e sedimentado em manifestações, mas não o contexto fugidio e os recursos, que sempre permanecem à costas, do mundo da vida em seu todo. Torna-se necessário uma perspectiva constituída teoricamente para podermos considerar a ação comunicativa como médium através do qual o mundo da vida se reproduz em seu todo (HABERMAS, 2000, p. 417).

É no mundo da vida que o agir comunicativo3 consolida-se como uma possibilidade emancipatória. O desdobramento da compreensão do mundo da vida se dá em níveis distintos. Pode-se compreender como saber não tematizado e categorizado cientificamente, servindo como base da comunicação cotidiana e também pode compreender como um horizonte pré-comunicativo que se desfaz no momento que é transformado em tema de discussão. O mundo da vida constitui um mundo simbólico compartilhado intersubjetivamente. A linguagem, no agir comunicativo, oferece um horizonte pré-estruturado onde os sujeitos podem relacionar-se entre si e sobre o mundo. Na linguagem está depositada o saber pré-teórico específico do gênero humano, como horizonte que possibilita ações e obtenção de consenso (LONGHI, 2008).

As interações sociais no mundo da vida, em grande parte da história, constituem-se

face a face, ou seja, aproximação e intercâmbio de formas simbólicas dentro de ambientes

3 Tão logo, porém, as forças ilocucionárias das ações de fala assumem um papel coordenador na ação,

a própria linguagem passa a ser explorada como fonte primária da integração social. É isso que consiste o "agir comunicativo". Neste caso, os atores, na qualidade de falantes e ouvintes, tentam negociar interpretações comuns da situação e harmonizar entre si os seus respectivos planos através de processos de entendimento, portanto, pelo caminho de uma busca incondicionada de fins ilocucionários. Quando os participantes aprendem o enfoque objetivador de um observador e de um agente interessado imediatamente no próprio sucesso e passam a adotar um enfoque performativo falante que deseja entender-se com uma segunda pessoa sobre algo no mundo, as energias de ligação da linguagem podem ser mobilizadas para a coordenação de planos de ação. Sob essa condição, ofertas de atos de fala podem visar um efeito coordenador na ação, pois da resposta afirmativa do destinatário a uma oferta séria resultam obrigações que se tornam relevante para as consequências da interação (HABERMAS, 1997, v1, p.36).

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físicos compartilhados. A interação face a face funciona em contexto de co-presença, onde os participantes possuem o mesmo referencial de tempo e espaço, possuindo um caráter dialógico do fluxo de informação, os participantes possuem uma multiplicidade de deixas simbólicas não verbais para transmitir ou interpretar as mensagens. Com o surgimento da escrita, aparece uma nova possibilidade de interação, a mediada, que por sua vez, implica no uso de um meio técnico que possibilita a transmissão do conteúdo simbólico para indivíduos situados remotamente no espaço e contextos distintos (THOMPSON, 2002).

O mundo da vida, esse horizonte de conhecimento intersubjetivamente partilhado, não pode ser cientificamente mensurado em sua totalidade. Diferente da concepção de sistema. No sistema a linguagem deixa de ser fonte de integração social e torna-se uma ferramenta para transmitir, de forma objetiva, um fim determinado que será alcançado pelos meios de comunicação adequado, seja o dinheiro representando a economia ou o poder político do Estado (PIZZI, 2006).

O conceito de sistema foi formulado por Luhmann, continuado por Parsons (apud RESSE-SCHAFER, 2008) e trata-se de um ponto de vista bem determinado: para esses autores, a sociedade é vista como um sistema. Do ponto de vista dos participantes da ação a sociedade é o mundo da vida, diferente da perspectiva dos observadores no qual se torna um sistema de ações. Daí a preocupação de Habermas em conceber, ao mesmo tempo, a sociedade como sistema e mundo da vida. Somente pela diferenciação de sistema e mundo da vida é possível compreender as distorções da Modernidade. O grande problema da modernidade está na colonização do mundo da vida pelo sistema, ou seja, com a crescente complexidade do sistema social, o mundo da vida torna-se marginal e perde seu papel de integrador social. Os valores do sistema, sobretudo finalidades econômicas, sobrepõem-se ao entendimento mútuo. Esse desengate chega ao paradoxo de que a racionalização do mundo da vida é prejudicial ao próprio mundo da vida devido ao crescimento de subsistemas cujos imperativos se voltam contra ela através da instrumentalização da razão (HABERMAS, 2000).

Habermas (apud FREITAG, 1995) procura compreender a modernidade através da deformação da razão ao longo da história. Com isso resgatará as origens da esfera pública grega até chegar ao sistema capitalista moderno. A razão humana é primordial para promover interação nos processos de emancipação social. Resgatando, em Sócrates, o conceito de autorreflexão, como forma de transcender e libertar-se das falsas ideias, a comunicação dialógica torna-se um imperativo prático que pretende construir um comportamento social

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mais livre e solidário. Ao fazer a distinção entre o mundo da vida e sistema, Habermas possibilitou em sua teoria distinguir as transformações ocorridas no sistema e no mundo vivido. Com isso, ao invés de negar a modernidade é possível enfrentar os desafios e reconstruí-la buscando superar as patologias detectadas. Enquanto a modernização do sistema ocorreu pelos processos de racionalização da economia e da administração do Estado, essas totalmente controladas pela razão instrumental, o mundo da vida (modernidade cultural) ocorreu com a racionalidade comunicativa, onde no interior do sistema foi permitido o debate e a reflexão sobre a ciência, moral e arte sem as amarras religiosas (FREITAG, 1995).

O mundo da vida é uma realidade que não cabe no sistema, ou seja, só a razão comunicativa (e não a instrumental) pode potencializar a emancipação humana contida no mundo da vida. “No entanto, a ideologia embutida na consciência tecnocrática dominante conseguiu promover um esgotamento das energias utópicas, e o sistema consegue legitimar formas constrangedoramente antidemocráticas de desigualdade e dominação” (KONDER, 2002, p. 132). Só podemos compreender, com alguma objetividade não coisificada, a nossa realidade social pela intersubjetividade. A interação é que nos constitui, e a linguagem é a chave de compreender a dinâmica da subjetividade contida no mundo da vida. A linguagem é o meio simbólico pelo qual o real é constituído, onde se toma consciência do nosso ser e do ser do mundo.

Brevemente estabelecido o parâmetro geral da teoria habermasiana é possível reconhecer no autor grande contribuição para as ciências sociais, sobretudo na elaboração e reflexão do conceito de Esfera Pública. O conceito de esfera pública contribui para o entendimento da consolidação da modernidade burguesa, reconhecendo o importante papel da imprensa de opinião nesse processo. O livro Mudança estrutural da esfera pública, de 1962, é uma obra pioneira na compreensão das modificações institucionais do poder político, que representa a consolidação de uma esfera que está entre o domínio da autoridade do estado e domínio privado (THOMPSON, 2002).

Na Idade Média o poder do estado era conduzido por círculos relativamente fechados da corte, de modo invisível para a maioria da população. A publicidade dizia respeito não ao exercício do poder, mas a exaltação do soberano. Com o desenvolvimento constitucional do Estado moderno a invisibilidade do poder começou a ser limitada de alguma maneira. Tornando-se aos poucos mais visível os processos de tomada de decisão, essas eram, em grande medida, de maneira uniforme-oficialista. O senhor feudal representava a

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personificação de um poder transcendente, apresentando-se perante o povo com uma “aura” que transmitia sua autoridade (SILVA, 2002).

Com o desenvolvimento dos meios de comunicação, a sociedade burguesa consolida novas formas de interação social e também relação com o poder do Estado. Agora, eventos que antes exigiam presença num espaço e tempo compartilhado podem tornar-se públicos para outros que não participavam. A imprensa nascente tem um papel decisivo nesse processo, como se verá a seguir, pois se por um lado ela possibilitou a projeção da imagem dos líderes, por outro possibilitou veiculação de imagens negativas ou críticas (THOMPSON, 2002).

É pela comunicação que o caráter simbólico dos públicos será sustentado, onde pode ser vista como “uma comunicação reflexiva, agonística, argumentativa e racional desenvolvida em torno das existências de validade assumida através de discursos” (ESTEVES, 2003, p. 28). É por essa comunicação que a constituição dos públicos na sociedade encontra as instâncias de Espaço Público e Opinião Pública como núcleo normativo moderno.

Antes do desenvolvimento da imprensa a publicidade ocorreria entre os indivíduos submetidos a um espaço físico comum, era uma “publicidade tradicional de co-presença” (THOMPSON, 2002, p. 114). Esses eventos eram espetáculos em que poucos indivíduos podiam ouvir e falar, mas caracterizado sobretudo pelo diálogo. Com o desenvolvimento da imprensa surge novas formas de publicidade, a publicidade mediada, que vem assumindo papel primordial na sociedade moderna. Não significa que a publicidade tradicional de co-presença tenha sido substituída, mas sim suplantada e estendida pela publicidade mediada.

Por publicidade entende-se, aqui, publicação, o acto de tornar público algo: dar a conhecer opiniões, ideias, factos, situações ou até mesmo pessoas (aquele que publicita, ou aquele que é objecto de publicação). É nesse sentido que Kant se refere à publicidade, atribuindo-lhe a função de mediação moral da política, sem chegar, contudo, a encará-la propriamente como uma forma de comunicação; mas é, precisamente, como uma forma de comunicação pública que dá visibilidade à política, para os participantes do espaço público em geral, e, mais importante ainda, é ela que permite projectar e dimensionar a política de acordo com as exigências, expectativas e aspirações desses mesmos sujeitos (cidadãos) (ESTEVES, 2011, p. 190).

A esfera pública burguesa surgirá do conflito dialético dessa suplantação de dois tipos de publicidade. De um lado a publicidade das cortes feudais e de outro a publicidade crítica nascida com o Iluminismo. No contexto do Iluminismo, a literatura e a arte necessitavam de uma legitimação através da crítica literária-artística, e é dessa apropriação crítica que a

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imprensa de opinião pressupõe um ideal de comunicação dialógica, racional. O pressuposto de que qualquer um pode julgar uma pintura, um livro ou uma apresentação de teatro nos salões de café representou a possibilidade de troca racional de argumentos. A discussão racional, enquanto forma de apropriação de manifestações culturais e artísticas, possibilitou a democratização da discussão enquanto universalidade de acesso e igualdade de participação. Essa esfera de “pessoas privadas” que juntas, enquanto público, debatem de forma crítica e racional gera direitos civis e políticos; reivindica o estatuto de cada indivíduo enquanto ser humano livre na esfera patriarcal burguesa; oferece direitos básicos que se referem à propriedade privada, entre outros (SILVA, 2002).

O advento da imprensa moderna de fato está ligado pela publicidade da palavra impressa, oferecendo uma partilha separada de um espaço comum. No entanto, essas poderiam ser lidas e discutidas em lugares comuns. Havia, como dito, possibilidade de o público leitor interagir em co-presença o que liam. No entanto, seria enganador definir essas características particulares de recepção como definidores do tipo de publicidade que se tornou possível com a imprensa. O ato de tornar público libertava o intercâmbio do diálogo e tornava cada vez mais dependente o acesso da publicidade produzida pela imprensa. Podia ter conhecimento das ações e eventos pela leitura, mas essa atividade não exigia do leitor, nem lhe permitia muitas vezes, comunicar seus pontos de vista aos indivíduos envolvidos na produção das ações e eventos originais (THOMPSON, 2002).

No entanto, é possível observar que se na fase liberal clássica do capitalismo a aproximação do interesse de classe burguesa e interesse geral era grande sob a promessa de universalidade de acesso à educação, política e propriedade, a verdade é que, após a consolidação da burguesia, apenas os mesmos possuíam interesses capazes de convergir com o interesse geral, no âmbito de domínio autônomo frente ao poder do Estado. Tornando-se natural que apenas os proprietários representassem o chamado interesse geral. No entanto, contra a ortodoxia marxista, Habermas (apud SILVA, 2002) ainda demonstrava opinião favorável aos princípios organizadores do espaço público liberal por considerar que por mais de um século o caráter universal, crítico e racional formava a opinião pública. Essa discussão de privado de forma pública, sobre questões de interesse geral, garantiria a legitimidade democrática. O problema começa como resultado da fusão entre o público e privado, que geraria uma re-feudalização da esfera pública. Essa re-feudalização ou, posteriormente pensada como colonização da esfera pública, resultaria na centralização do poder econômico e

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poder político transformando a esfera pública em potencial esfera de consumo (FUCHS, 2015).

A palavra impressa desempenhou um papel importante para o fortalecimento do debate entre indivíduos privados. Habermas (apud THOMPSON, 2002) traz, em sua explicação sobre a esfera pública, uma marca da concepção greco-clássica sobre a vida pública, afirmando que ela é constituída sobretudo a partir do discurso, intercâmbio de argumentos em locais comuns. Contudo, não se chega a uma compreensão da natureza pública da vida moderna conectada pela concepção de publicidade orientada em caráter dialógico e espacial. O fenômeno da publicidade se separou da ideia de conversação dialógica em espaços compartilhados e ligou-se a uma visibilidade produzida pela mídia.

A mudança de natureza da publicidade alterou as condições pelas quais o poder é exercido. Apesar da administração da visibilidade ser uma arte política antiga, os meios de comunicação mudaram as regras dessa arte. O soberano antigo e medieval raramente era visto em público, sua visibilidade requeria co-presença, quando apresentava-se ao público buscava todas as pompas e extravagâncias. “A manutenção da distância atestava o caráter sagrado do poder. O governante estava acima (...) dos súditos que ele governava e sua existência era mortal e divina ao mesmo tempo” (THOMPSON, 2002, p. 122). Nas democracias liberais os partidos e líderes políticos precisam de uma proporção de votos para estarem, temporariamente, no poder. Logo, nas atuais condições sociopolíticas, o governante precisa submeter-se compulsoriamente a visibilidade.

Outros limites acerca das considerações da esfera pública burguesa são (THOMPSON, 2002): a) Habermas tendeu a negligenciar outras formas de discursos e atividades públicas que existiram nos séculos XVII; b) ao dar ênfase sobre a imprensa periódica do século XVIII teria excluído formas anteriores de impresso, onde a ideia de um cavalheiro ocupado num debate de café público “merecesse menos ênfase do que o caráter agudamente comercial da imprensa primitiva e do conteúdo inconveniente e sensacionalista de muitos de seus produtos” (THOPMSON, 2002, p. 70); c) a exclusão das mulheres foi constitutiva da própria da noção de esfera pública.

Porém, como defende Fuchs (2015), essas críticas são frutos de mal-entendidos. Habermas não idealiza a esfera pública burguesa, mas aplica uma lógica dialética que mostra que os ideais e valores burgueses encontram limites na existência de relações de poder na sociedade de classes. Ou seja, o exercício revela o caráter ideológico dominante ao confrontar os ideais da esfera pública com sua realidade capitalista. Essa desconexão precisa ser

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explicitada para superar essa incongruência. A própria crítica sobre re-feudalização da esfera pública moderna não deve ser vista como uma condição fatalista, mas como possibilidade de reversão, onde a ação comunicativa possa substituir a lógica sistêmica da esfera econômica e política. O perigo da diversidade de públicos sem uma unidade na luta social é que passam a lutar apenas por políticas reformistas de identidade, não desafiando o todo que afeta a vida de todos os subordinados. Esses críticos “se preocupam tanto em enfatizar a diferença que não percebem que ela pode se tornar repressora, quando se transforma em uma pluralidade sem unidade” (FUCHS, 2015, p. 19).

Em Direito e Democracia (1997b), Habermas revisita o conceito de esfera pública e o descreve como um espaço de discussão, uma arena para a confrontação de argumentos racionais. Para gerar poder político, o exercício dos cidadãos tem que produzir efeito nas deliberações políticas, legitimando o papel de participação igualitária em processos democráticos. As preferências dos cidadãos e a possibilidade de escolhas constantemente modificam de acordo com o debate público. Habermas, em sua primeira análise sobre a Esfera Pública, mostrava-se extremamente crítico e pessimista quanto a consolidação dos meios de comunicação de massa. Porém, essa perspectiva vai alterando ao reconhecer os ganhos de acessibilidade, apesar de manter as ressalvas sobre a qualidade da discubitilidade. Mas, ainda é possível realçar a potencialidade de que a comunicação de massa tem no funcionamento da esfera pública e da democracia nas esferas contemporâneas. As mudanças mais significas de sua tese reforçam um caráter dinâmico aos novos papéis que a esfera pública passa a ter com o avanço tecnológico (LOCATELLI, 2014).

Se a formação da esfera pública burguesa funcionou enquanto instância que controla e dá legitimidade democrática ao poder exercido pelo Estado administrativo, remontando assim a visão kantiana de uso público da razão pelo uso de cidadãos privados, Habermas passa a conceber a esfera pública enquanto:

(...) domínio social em que os fluxos de comunicação provenientes dos contextos da vida concreta de atores sociais, individuais ou coletivos, são condensados e filtrados como questões, indagações e contribuições, firmando-se ao redor do centro do sistema político como força tendente a influenciá-lo de modo favorável à esfera civil. Representa basicamente o provimento de pressões e alternativas, provenientes do corpo da sociedade, para a legitimação da decisão política (GOMES, 2008, p. 119).

A esfera pública não se configura como instituição, ou organização e nem possuí estrutura normativa para se diferenciar entre competências e papéis. Ela é caracterizada pelo

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horizonte aberto, com um fluxo comunicacional filtrado e sintetizado. A esfera pública é reproduzida através do agir comunicativo. É ligado às funções gerais do mundo da vida e diferentes saberes comunicados pela linguagem comum. No entanto, “a esfera pública não se especializa em nenhuma destas direções; por isso quando abre questões politicamente relevantes, ela deixa ao cargo do sistema político a elaboração especializada” (HABERMAS, 1997b, p 92). É preciso fazer uma distinção entre os atores que surgem do público e participam na reprodução da esfera pública e outros que já a ocupam a fim de aproveitar-se dela. Como é o caso dos grupos de interesses que exercem influência no sistema política pela esfera pública.

Esse aprimoramento procura superar a esfera pública liberal, que fez parte de uma engrenagem histórica capaz de assegurar a autonomia privada dos indivíduos contra o Estado autoritário, para pensar um modelo democrático que assegure a participação civil nos negócios públicos garantindo a busca cooperativa por parte de cidadãos, que procuram soluções para os problemas políticos. Essa nova caracterização sobre a esfera pública não substitui a definição clássica, apenas lê a privacidade pela chave da sociedade civil, convertendo a característica liberal de igualdade de direitos e liberdades do indivíduo pela ênfase deliberacionista. Portanto, a esfera pública torna-se uma engrenagem social voltada para a solução coletiva de problemas que afetam a comunidade política em um sentido que faça valer os interesses da sociedade civil no contraste de pressões sobre o Estado (GOMES, 2008). Podemos considerar que a teoria habermasiana procura explicar a força legitimadora através de um procedimento democrático que garanta aceitabilidade racional dos resultados, no entanto:

Essa noção de democracia exige uma estrutura de comunicação ideal, em que os debates de ideias são concebidos enquanto discussões públicas e inclusivas, que pressupõe direitos de comunicação iguais para todos os participantes, que requerem sinceridade e que não aceitam qualquer tipo de poder que não a força do melhor argumento (SILVA, 2002, p. 146).

Essa estrutura de comunicação é que seria capaz de criar espaços deliberativos, entendidos como troca pública de argumentos, como a decisão precedida de discussão segundo um conjunto de procedimentos, na qual as melhores argumentações sobre as temáticas em debate emergissem, construindo consensos racionalmente aceitos. Essa política contemplaria não só o sistema político, mas também os inputs permanentes que resultam dos

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processos de debate da própria esfera pública, legitimando-se por meio do fluxo de debate e comunicação (LOCATELLI, 2014).

O que está em jogo nessa prerrogativa é o processo de intercompreensão de uma ética de reconhecimento recíproco dos participantes da interação, onde a comunicação, no sentido estrito, assinala a coordenação das ações por meio da linguagem natural. “O que não impede que Habermas desenvolva, em sobreposição, um conceito de discussão que situa os processos de entendimentos no registro reflexivo da argumentação (FERRY, 2007, p. 41). Esses processos de discussões também fazer parte da vida, não devendo ser renegado somente aos especialistas.

O viés deliberativo diz respeito a diversos contextos de comunicar, não devendo se resumir as ações das mídias. Nesse sentido, o termo comunicação envolve uma movimentação em direção ao outro, onde valoriza a dimensão reflexiva do uso da linguagem. No entanto, a igualdade discursiva não é simples, gerando debates sobre suas definições e problemas. As tensões entre indivíduo e coletividade passam pelo reconhecimento da ambivalência das dimensões cívica e civil, potencialmente capaz de encerrar seus valores contraditórios. Onde a ideia do cívico traz a noção dos deveres e responsabilidade do cidadão e do civil, está associada pela busca moderna de direitos dos membros na coletividade, buscando igual direito de viver suas próprias vidas como eles as compreendem, consistente da liberdade dos outros (MAIA, 2008).

Tendo a definição de esfera pública reformulada na compreensão da deliberação, no centro de cada consenso ou conflito encontra-se a problemática de definir o interesse comum. O bem comum ou interesse comum é o objeto por excelência da discussão da esfera pública e, como tal, “não se define uma opção à priori do bem comum, importando sim os métodos e os processos que levam ao entendimento, que por sua vez depende de esforço da vontade dos cidadãos” (LOCATELLI, 2014, p. 39). A definição de interesse comum perpassa a complexidade de interesses particulares, de grupos, entre local e global, bem como definidos e geridos pelo Estado. A concepção tende a ser deslizante por procurar legitimar os interesses de quem detêm o poder em cada contexto.

Em síntese, quer como nominação das coisas do mundo, quer como mediação das questões que afetam o mundo, a linguagem, a palavra e a comunicação de fato são essenciais na constituição do próprio mundo, agindo como definidoras das relações humanas, tanto em situações de co-presença, como em eventos mediados, particularmente no jornalismo. É a

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partir da premissa comunicativa na esfera pública que a política contemporânea se institui e procura se instituir um ideal democrático deliberacionista.

2.2 ENTRE OBJETIVIDADE E SUBJETIVIDADE: A EDUCAÇÃO

Todos os seres humanos são alvos do processo educativo, de maneira geral, a Educação transcende a imagem da instituição escolar. A educação é composta por todo processo de interação que gera situações de aprendizagem. No regime tribal, por exemplo, a característica essencial da educação reside em ser difusa e administrada indistintamente por todos os membros do Clã. O jovem recebe dos mais velhos toda força dos costumes da tribo e esse saber gera legitimidade da manutenção e convivência social. Portanto, a educação ocorre em todas as partes, de forma geracional, ensinando os mais jovens a continuar o trabalho da vida social (BRANDÃO, 1975).

A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não estão maturas para a vida social. Ela tem como objetivo suscitar e desenvolver na criança um certo número de estados físicos, intelectuais e morais exigidos tanto pelo conjunto da sociedade política quanto pelo meio específico ao qual ela está destinada em particular (DURKHEIM, 2011, p. 53-54).

Procurando entender e explicar os mecanismos orientadores do funcionamento da sociedade, Durkheim (2011) apresentou imperativos necessários para sua manutenção e equilíbrio. A harmonia do “corpo social” como um todo dependeria da sincronia das partes, seu funcionamento estaria dependente do acato dos seus integrantes aos conjuntos de normas, leis e tradições que constituem a cultura do grupo social. Tal percepção já apresenta o papel atribuído à educação enquanto agente promotor da ordem, do progresso e da harmonia social. A educação, dentro dessa perspectiva, é um instrumento de vital importância no processo de internalização de regras, normas, símbolos e padrões de comportamento que garantam a convivência social.

Se o mecanismo que oferece coesão para a sociedade é a solidariedade social (fruto da divisão do trabalho), o papel da educação acentua-se na sociedade moderna, principalmente com a intensificação da divisão do trabalho social. Quanto mais as sociedades se complexificam, mais funções especializadas vão surgindo, logo, recaí sobre a escola a responsabilidade de preparar as novas gerações para a vida social. A educação deve ser amparada pelas políticas do Estado, esse deve proporcionar fomentos materiais e incentivos

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para que a escola forme indivíduos que valorizem os princípios da razão, da ciência e os sentimentos que ressaltem a moral democrática. “O papel do Estado consiste em identificar esses princípios essenciais, fazer com que eles sejam ensinados nas escolas (...)” (DURKHEIM, 2011, p 64).

O Estado não pode se desinteressar da educação devendo ser submetida à sua ação. Não precisa monopolizar o ensino, porém, em prol do interesse público deve autorizar e ser submetida ao seu controle escolas que não são de sua responsabilidade. “Uma vez que não há escola que possa reivindicar o direito de dar, com toda liberdade, uma Educação antissocial” (DURKHEIM, 2011, p. 63).

Nessa compreensão, o processo educativo é explicitamente social, constituindo-se em instrumento empregado para perpetuar o legado sociocultural traduzido no conjunto de valores, costumes, crenças e práticas sociais típicas de um grupo social. O funcionamento harmônico da sociedade seria fruto da ação educativa. Considerada um fato social e instituição social a educação estaria presente na sociedade independente da vontade individual. É perceptível que Durkheim (2011) preconizava a supremacia da consciência coletiva4 em detrimento da individual, reconhecendo o processo educativo como transmissão e perpetuação da primeira.

Como desdobramento crítico dos pressupostos de Durkheim, Parsons (1951) aprimora o pensamento funcionalista. De acordo com o autor estadunidense, as sociedades estão estruturadas em quatro sistemas: o cultural, o social, o da personalidade e o do organismo. No sistema cultural a unidade básica da análise é o significado: a ação humana necessita dos sistemas simbólicos relativamente estáveis, bem como valores morais compartilhados. No sistema social é incluída a pluralidade de indivíduos que interagem entre si, desempenhando papéis sociais, sendo considerados como atores. Essa relação entre os atores se dá devido a mediatização dos símbolos compartilhados do sistema cultural. O sistema de personalidade é o ator individual em sua unidade, suas motivações. Por fim, o

4 O conjunto das crenças e dos sentimentos comum à média dos membros de uma mesma sociedade

forma um sistema determinado que tem vida própria; podemos chamá-lo de consciência coletiva ou comum. Sem dúvida, ela não tem por substrato um órgão único; ela é, por definição, difusa em toda a extensão da sociedade, mas tem, ainda assim, características específicas que fazem dela uma realidade distinta. De fato, ela é independente das condições particulares em que os indivíduos se encontra: eles passam, ela permanece. É a mesma no Norte e no Sul, nas grandes e nas pequenas cidades, nas diferentes profissões. Do mesmo modo, ela não muda a cada geração, mas liga umas às outras as gerações sucessivas. Ela é, pois, bem diferente das consciências particulares, conquanto só seja realizada nos indivíduos. Ela é o tipo psíquico da sociedade, tipo que tem suas propriedades, suas condições de existência, seu modo de desenvolvimento, do mesmo modo que os tipos individuais, embora de outra maneira (DURKHEIM, 1999, p.50).

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sistema de organismo refere-se ao aspecto biológico propriamente dito e o meio físico em que o organismo vive. A percepção de Parsons (1951) a respeito da educação é que ela é primordial na constituição dos papéis sociais. A aposta educacional se constitui dentro de sua concepção de modernidade: foi a educação que reduziu a ignorância e desenvolveu a capacidade dos indivíduos e da sociedade para utilizar o conhecimento em prol do interesse humano e da implementação dos valores modernos. O processo educacional possuí consequências para a individualização e desenvolvimento da integração social e também para o crescimento econômico vinculado ao desenvolvimento educacional.

Dentre as críticas feitas à Educação funcionalista, pode-se destacar o menosprezo da subjetividade. Afinal, a educação é vista como integradora ou propiciadora de desenvolvimento econômico e não como contemplação reflexiva que acaba reproduzindo a estrutura e estratificação social vigente. Críticos da visão funcionalista, os pesquisadores franceses Bourdieu e Passeron (1975) realizaram trabalhos acerca do sistema educacional francês, reconhecendo como um campo em disputa, porém com posições bem delimitadas pelo capital econômico. O indivíduo, nessa esteira, é um ator configurado a partir de sua formação familiar e comunitária. Cada ser passa a ser caracterizado pelo que socialmente herda. Fazem desse primeiro habitus o capital econômico (bens e serviços ao qual possuí acesso), capital social (conjunto de relacionamentos sobre o qual mantém influência) e o capital cultural (conjunto de conhecimentos e valores que dispõe). Dentro dessa lógica, a escola é o espaço de reprodução de estruturas sociais e a transferência dos capitais de forma geracional. O conhecimento que o processo de socialização primário traz dos educandos de classes mais abastadas por vezes é associado ao mérito individual. Esse mérito é internalizado inclusive pelos próprios alunos mais pobres. A escola, ao ignorar as diferenças de acesso do capital cultural, acaba marginalizando os menos favorecidos e considera-os incapazes de prosseguir ou estarem em determinados espaços5.

Se considerarmos seriamente as desigualdades socialmente condicionadas diante da escola e da cultura, somos obrigados a concluir que a equidade formal à qual obedece todo o sistema escolar é injusta de fato, e que, em toda sociedade onde se proclama ideais democráticos, ela protege melhor os privilégios do que a transmissão aberta dos privilégios (BOURDIEU, 1998, p.53).

5 A fala de Vélez Rodríguez, ex-ministro da Educação do governo de Jair Bolsonaro, demonstra

exatamente essa linha: “As universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual” (CARTA CAPITAL, 2019).

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