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Índice Fuzzy de Vulnerabilidade Hídrica : uma análise dos municípios brasileiros

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

NAOMI GENEROSO FAUSTINO

Índice Fuzzy de Vulnerabilidade Hídrica - uma análise dos

municípios brasileiros

Campinas

2020

(2)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

NAOMI GENEROSO FAUSTINO

Índice Fuzzy de Vulnerabilidade Hídrica - uma análise dos

municípios brasileiros

Prof.ª Dr.ª Rosângela Ballini orientadora

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Desenvolvimento Econômico, área de Padrões e Estratégias de Desenvolvimento.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA NAOMI GENEROSO FAUSTINO, ORIENTADA PELA PROF.ª DR.ª ROSÂNGELA BALLINI.

Campinas

2020

(3)

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Economia Luana Araujo de Lima - CRB 8/9706

Faustino, Naomi Generoso,

F275i FauÍndice Fuzzy de Vulnerabilidade Hídrica - uma análise dos municípios brasileiros / Naomi Generoso Faustino. – Campinas, SP : [s.n.], 2020.

FauOrientador: Rosângela Ballini.

FauDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia.

Fau1. Vulnerabilidade hídrica. 2. Lógica fuzzy. 3. Índice de Pobreza de Água. 4. Indicadores sociais. I. Ballini, Rosângela, 1969-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Economia. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Water Vulnerability Fuzzy Index - an analysis of Brazil's

Municipalities

Palavras-chave em inglês:

Water vulnerability Fuzzy logic

Water Poverty Index Social indicators

Área de concentração: Padrões e Estratégias de Desenvolvimento Titulação: Mestra em Desenvolvimento Econômico

Banca examinadora:

Rosângela Ballini [Orientador] Alexandre Gori Maia

Daniela Verzola Vaz

Data de defesa: 24-06-2020

Programa de Pós-Graduação: Desenvolvimento Econômico Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0003-1158-6601 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/7454636412131931

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

NAOMI GENEROSO FAUSTINO

Índice Fuzzy de Vulnerabilidade Hídrica - uma análise dos

municípios brasileiros

Prof.ª Dr.ª Rosângela Ballini orientadora

Defendida em 24/06/2020

COMISSÃO JULGADORA

Prof.ª Dr.ª Rosângela Ballini - PRESIDENTA Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Prof. Dr. Alexandre Gori Maia

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Prof.ª Dr.ª Daniela Verzola Vaz

Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

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Dedico esta dissertação às pessoas que não tem acesso a uma água segura.

(6)

Agradecimentos

Primeiramente, agradeço a Deus, Olorum, que criou a tudo e todos. Agradeço a Oxóssi e Obá, que me irradiaram o conhecimento necessário para o desenvolvimento dessa disser-tação. Também agradeço a Nanã, Oxum e Iemanja, Orixás das águas, que me permitiram conhecer mais sobre o elemento de seus domínios.

Agradeço de coração a minha querida família pelo apoio incondicional que me de-ram, especialmente aos meus pais, João e Marcia Faustino. Agradeço a minha irmã Mainara Faustino, e Alexandre Carunchio pelas revisões incansáveis ao longo da elaboração deste trabalho.

Não posso deixar de agradecer minha orientadora, Professora Rosangela Ballini, por toda a paciência, empenho e sentido prático com que sempre me orientou neste trabalho e em todos aqueles que realizei durante os seminários do mestrado.

A presente dissertação de mestrado também não poderia ser concluída sem o preci-oso apoio de diversas outras pessoas. Desejo igualmente agradecer a todos os meus colegas, professores e outros funcionários do Instituto de Economia, cujo apoio e amizade estiveram presentes em todos os momentos.

(7)

“Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (conf. art. 3o da Constituição Federativa do Brasil)

(8)

Resumo

Vulnerabilidade é o grau em que um determinado sistema, ou parte dele, pode reagir nega-tivamente durante a ocorrência de um evento perigoso. Dentre os eventos perigosos, pode-se citar a falta de água, que enquadra-se como vulnerabilidade hídrica, também conhecida como pobreza de água. A pobreza de água é um processo socialmente construído e reproduzido por meio de múltiplos processos sócio-políticos de exclusão e discriminação, abrangendo desde o nível macro até o microcosmos dos domicílios. Na literatura, vulnerabilidade é mensurada como um indicador de risco. No caso da vulnerabilidade hídrica, essa mensuração é feita por índice de pobreza de água (IPA). O IPA tradicional utiliza informações como quanti-dade de água ofertada, acesso ao saneamento básico e tempo dispendido para obtenção de fonte hídrica. Dada a natureza dessas variáveis para aferir a vulnerabilidade hídrica de uma determinada região, incertezas e imprecisão estão presentes. Neste contexto, o presente tra-balho objetivou propor um índice de pobreza de água a partir da lógica fuzzy, abordagem apropriada para modelar incertezas e imprecisões. O índice fuzzy de pobreza de água (IFPA) proposto é contruído a partir de um sistema de inferência fuzzy. Essa abordagem foi aplicada nos 5.565 municípios brasileiros. Analisou-se o acesso a fontes hídricas e o atendimento de saneamento básico (água e esgotamento sanitário), tendo como fonte de dados o Censo 2010 e o Sistema Nacional de Informações de Saneamento. Resultados apontam que os municípios brasileiros conseguiram democratizar o acesso à água. Em contra partida, o esgotamento sa-nitário não acompanhou esse processo. Essa combinação distinta leva à ideia de que o Brasil não apresenta um quadro de vulnerabilidade hídrica; contudo, a falta de esgotamento sa-nitário escancara a vulnerabilidade do país. A falta de infraestrutura não está atrelada ao tamanho populacional, ou renda dos municípios, mas há uma questão de política pública e social.

Palavras-chaves: vulnerabilidade hídrica, lógica fuzzy, índice de pobreza de água, índices

sociais.

(9)

Abstract

Vulnerability is the degree to which a given system, or part of it, can react negatively dur-ing the occurrence of a dangerous event. Among several kinds of dangerous events, we can mention the lack of water, which is classified as water vulnerability, also known as water poverty. Water poverty is a socially constructed and reproduced process through multiple socio-political procedure of exclusion and discrimination, ranging from macro to microcosm of households. In the literature, vulnerability is measured by a risk indicator. In the water vulnerability case, this measurement is made by a water poverty index (WPI). The traditional WPI uses information such as the amount of water offered, access to basic sanitation and time spent to obtain a water source. Due to the nature of these variables to measure water vulnerability of a given region, uncertainties and imprecision are present. In this context, the present work aimed to propose a water poverty index based on fuzzy logic, an appropriate approach to model uncertainties and inaccuracies. The proposed water poverty fuzzy index (WPFI) was built with fuzzy inference systems. This approach was applied to 5,565 Brazilian municipalities. Access to water sources and basic sanitation services (water and sewage) were analyzed, using the 2010 Census and the National Sanitation Information System as data source. Results show Brazilian municipalities have managed to democratize access to water. On the other hand, sanitation did not follow the same path. This distinct combination leads to an idea of Brazil being not a water vulnerabil country; however, the lack of sewerage shows the country’s vulnerability. The lack of infrastructure is not linked to the population size or income of the municipalities, instead it is a question of public and social policy.

Keywords: vulnerability; fuzzy logic; water poverty index; social index.

(10)

Lista de ilustrações

Figura 1 – Disponibilidade mundial de água per capita (1000𝑚3/𝑎𝑛𝑜) e por país, 2002. 20

Figura 2 – Funções de Pertinência para Variável Renda . . . 43

Figura 3 – Processo de Inferência via Regra de Mamdani . . . 46

Figura 4 – Funções de Pertinência associadas às Fontes de Acesso a Água. . . 55

Figura 5 – Representação das Funções de Pertinência - Indicador 𝐴 . . . . 55

Figura 6 – Funções de Pertinência para Formas de Acesso ao Saneamento Básico . . 58

Figura 7 – Representação das Funções de Pertinência para o Indicador 𝑆 . . . . 58

Figura 8 – Fluxograma do Sistema de Inferência Fuzzy para construção do 𝐼𝐹 𝑃 𝐴. . 59

Figura 9 – Representação da Função de Pertencimento - 𝐼𝐹 𝑃 𝐴 . . . 60

Figura 10 – Gráfico de Superfície para os Indicadores A e S . . . . 62

Figura 11 – Box-Plot por Região do Brasil - Indicador A . . . . 63

Figura 12 – Box-plot por Região e Estado do Brasil - Indicador A . . . . 64

Figura 13 – Box-plot por Região do Brasil - Indicador S . . . . 65

Figura 14 – Box-plot por Região e Estado do Brasil - Indicador S . . . . 67

Figura 15 – Mapas dos Municípios Brasileiros por Indicadores A e S . . . 69

Figura 16 – Gráfico de Superfície - IFPA . . . 70

Figura 17 – Mapa dos Municípios Brasileiros por IFPA . . . 71

Figura 18 – Box-plot por Região do Brasil - IFPA . . . 72

Figura 19 – Box-plot por Região e Estado do Brasil - IFPA . . . 75

Figura 20 – Mapa da Região Norte - IFPA . . . . 76

Figura 21 – Mapa da Região Nordeste - IFPA . . . . 77

Figura 22 – Mapa da Região Centro-Oeste - IFPA . . . 78

Figura 23 – Mapa da Região Sul - IFPA . . . . 79

Figura 24 – Mapa da Região Sudeste - IFPA . . . 80

(11)

Lista de tabelas

Tabela 1 – Uso Médio de Água no Brasil em 2017. . . 9

Tabela 2 – Vias de Transmissão de Doenças Relacionadas a Água . . . 22

Tabela 3 – PIB e Uso da Água, em m3/ano, per capita (em US$ (1990)), entre 1970-1987 30 Tabela 4 – Quantidade de Municípios e População . . . 49

Tabela 6 – Lista de variáveis que compõem o indicador 𝐴 . . . . 54

Tabela 7 – Lista de variáveis que compõem o Indicador 𝑆 . . . . 57

Tabela 8 – Estatística Descritiva dos Indicadores Fuzzy . . . . 61

Tabela 9 – Correlação entre Produto Interno Bruto, População e Indicadores A e S 68

(12)

Sumário

1 Introdução . . . . 1

1.1 Objetivos Gerais e Específicos . . . 3

1.2 Estrutura da Dissertação . . . 3

2 Importância Biológica, Social e Econômica da Água . . . . 5

2.1 A importância biológica da água . . . 5

2.2 A importância social da água . . . 6

2.3 Água como um insumo econômico . . . 9

3 Vulnerabilidade Hídrica - Conceito e Mensuração . . . . 15

3.1 Conceito de Vulnerabilidade . . . 15

3.2 A Vulnerabilidade Hídrica . . . 19

3.3 Mensuração da Vulnerabilidade Hídrica . . . 24

3.3.1 Indicador de demanda e oferta hídrica . . . 25

3.3.2 Índices de Pobreza de Água . . . 26

3.3.2.1 Índice de Pobreza de Água Proposto por Caroline Sullivan 29 4 Sistema de Inferência Fuzzy . . . . 36

4.1 Teoria Clássica dos Conjuntos . . . 36

4.2 Teoria dos Conjuntos Fuzzy . . . 37

4.2.1 Propriedades e Operações dos conjuntos Fuzzy . . . 39

4.3 Sistema de Inferência Fuzzy . . . 41

4.3.1 Variáveis Linguísticas . . . 41

4.3.2 Base de Regras Fuzzy . . . . 43

4.3.3 Mecanismo de Inferência . . . 45

5 Índice Fuzzy de Pobreza de Água . . . . 48

5.1 Área de Estudo . . . 48

5.2 Base de Dados . . . 52

5.3 Elaboração do IPA fuzzy . . . . 53

5.3.1 Indicador Fuzzy de Acesso a Água (A) . . . . 53

5.3.2 Indicador Fuzzy de Acesso ao Saneamento Básico (S) . . . . 56

5.3.3 Índice Fuzzy de Pobreza de Água . . . . 59

5.4 Análise dos Resultados . . . 61

5.4.1 Análise dos Indicadores A e S . . . . 61

5.4.2 Análise IFPA . . . . 69

6 Conclusão . . . . 81

(13)

6.1 Perspectivas Futuras . . . 82

Referências . . . . 83

(14)

1

1 Introdução

A água é um elemento indispensável para a vida humana e está intimamente relacio-nada ao desenvolvimento socioeconômico das nações. Sua importância se dá pelo fato de ser um elemento fundamental para a sobrevivência das espécies, sendo utilizada como meio para transformação de nutrientes dentro dos organismos vivos, elemento de hidratação, entre outas funções ecossistêmicas. No que tange à sua aplicação econômica, a água também é utilizada como um insumo básico na produção de alimentos, transformação de matérias primas em produtos industrializados, transporte de carga, entre outros, sendo considerada um recurso indispensável, com ampla demanda dos animais, plantas, indivíduos e setores públicos e pri-vados da sociedade. Devido à sua importância, existe um longo arcabouço teórico sobre o tema, reforçando a necessidade de preservação desses recursos. Essa literatura levou à criação de políticas públicas exclusivas para a água, além de legislações no âmbito internacional e nacional sobre o tema.

Apesar dos diferentes esforços, ainda é possível atestar que os recursos hídricos cor-rem sérios riscos, uma vez que a demanda por água para fins econômicos só aumenta e o processo de contaminação e piora da qualidade também. Esse cenário advém dos problemas de gerenciamento da água, como a dificuldade de expansão do saneamento, falta de investi-mentos públicos nas regiões mais afetadas e, especialmente, falta de esgotamento sanitário

nos aglomerados subnormais 1 e dificuldades de acesso a fontes existentes.

Segundo Silva (2017), essa situação é um evento perigoso, devido a sua potencialidade de causar riscos aos indivíduos. Os eventos perigosos constituem as situações de vulnerabili-dade, que marginalizam indivíduos, de uma forma social, física, ou política. O uso do termo risco é importante pois, segundo Ayres et al. (2009) e Proag (2014), uma vez que a vulnera-bilidade é vista como um risco para a vida dos indivíduos, ela se torna possível de mensurar a partir de indicadores específicos.

A literatura apresenta diversos tipos de indicadores de vulnerabilidade hídrica, de-nominados Índice de Pobreza da Água (IPA) (HADADIN, 1990; SALAMEH, 2000; SULLI-VAN, 2001; SULLISULLI-VAN, 2002; SAVENIJE, 2000; FEITELSON; CHENOWETH, 2002; LA-WRENCE; MEIGH; SULLIVAN, 2002; CHENOWETH, 2008; ALLEN; BELL, 2011; WURTZ 1 Classifica-se aglomerados subnormais como um “conjunto constituído por 51 ou mais unidades

habitacio-nais caracterizadas por ausência de título de propriedade e pelo menos uma das características: irregulari-dade das vias de circulação e do tamanho e forma dos lotes e/ou carência de serviços públicos essenciais (como coleta de lixo, rede de esgoto, rede de água, energia elétrica e iluminação pública)” (IBGE, 2010, p. 3).

(15)

Capítulo 1. Introdução 2

et al., 2018). Esse indicador foi projetado para padronizar o diagnóstico de escassez de água. Contudo, os diversos trabalhos apresentam a construção desse índice de forma distinta, le-vando em consideração diferentes fatores, como por exemplo: oferta de água, qualidade da

água, acesso ao saneamento, faturamento por m2, produto interno bruto (PIB), densidade

demográfica, tempo dispendido para obtenção de uma fonte hídrica segura, entre outros. Nesta dissertação propõe-se um índice de pobreza de água tomando como base o índice proposto por Sullivan (2002), pois este adota uma abordagem interdisciplinar para produzir uma avaliação integrada do estresse e escassez de água, vinculando estimativas físicas da disponibilidade de água a variáveis socioeconômicas que refletem a pobreza, ou seja, um Índice de Pobreza da Água. O índice de Sullivan (2002) utiliza três parâmetros que abordam condições de abastecimento de água, sendo que a condição de pobreza apresenta uma falta de abastecimento eficiente e adequado do recurso, estimativas físicas de disponibilidade de água e variáveis socioeconômicas.

Como forma de traduzir esses parâmetros em valores numéricos, Sullivan (2002) utiliza três variáveis centrais: disponibilidade de água ajustada; acesso da população à água segura e ao saneamento; e tempo dispendido para fornecimento (ou coleta) de água para um domicílio. O tripé explorado pela autora reflete a ideia de que agregados familiares pobres sofrem frequentemente de falta de abastecimento de água, o que resulta numa perda significativa de tempo e esforço. Ao vincular as ciências físicas e sociais para resolver esse problema, Sullivan (2002) encontrou uma solução mais eqüitativa para a alocação de água.

Apesar da objetividade do índice as variáveis utilizadas apresentam um conceito di-fuso, uma vez que a incerteza e imprecisão permeiam o objeto de estudo. As incertezas e imprecisões não são levadas em consideração no IPA, sendo necessário o uso de uma metodo-logia mais adequada. Para isso, o presente trabalho propõe a utilização da lógica fuzzy para realizar a modelagem da incerteza e imprecisão presetne nos dados, que resultará em um ín-dice fuzzy de pobreza de água (IFPA). O IFPA é obtido a partir de uma base de regras fuzzy, ou seja, a partir da contrução e um sistema de inferência fuzzy. Os sistemas de inferência possibilitam o uso de variáveis linguísticas que permitem a nomeação do nível de vulnerabili-dade. A implementação do sistema de inferência foi realizada no software MATLAB, a partir do toolbox Fuzzy Logic disponível neste software. Essa modelagem auxiliará na verificação da real vulnerabilidade de uma determinada localidade. Determinou-se os municípios brasileiros como área de aplicação do método, como forma de validar o conceito estudado e verificar se há compatibilidade com a literatura acerca do tema e da questão vulnerabilidade hídrica no Brasil.

(16)

Capítulo 1. Introdução 3

água para o Brasil, nenhum trabalho foi encontrado. Deste modo, a presente dissertação é uma inovação na análise de vulnerabilidade hídrica no Brasil.

1.1

Objetivos Gerais e Específicos

A presente dissertação tem como objetivo geral propor um índice de pobreza de água, ou de vulnerabilidade hídrica, baseado na teoria de lógica fuzzy, tendo como base o índice de pobreza de água de Sullivan (2002). A construção do índice fuzzy de pobreza de água permite modelar variáveis qualitativas e quantitativas, em um contexto de incerteza.

Para atingir esse objetivo central, é necessário alcançar os seguintes objetivos especí-ficos:

1. Delimitar o conceito de vulnerabilidade hídrica;

2. Identificar as limitações dos mensuradores de vulnerabilidade hídrica (índice de pobreza de água (IPA));

3. Construir um índice fuzzy de pobreza de água (IFPA); 4. Aplicar o IFPA para os municípios brasileiros.

1.2

Estrutura da Dissertação

Após esta introdução, a presente dissertação está dividida outros cinco capítulos. O segundo capítulo discute a importância da água, e sua construção como recurso escasso suscetível a crises, corroborando com a justificativa para a tratativa do tema.

O terceiro capítulo apresenta uma revisão bibliográfica sobre os conceitos de vulne-rabilidade, vulnerabilidade hídrica e pobreza de água. Nesse capítulo serão explorados os conceitos a partir das visões de diferentes autores, além de mostrar os impactos da falta de água na sociedade e analisar as propostas atuais para a mensuração da vulnerabilidade hídrica.

O quarto capítulo se incumbe em apresentar os conceitos básicos acerca de conjuntos fuzzy, lógica fuzzy e sistema de inferência fuzzy. Por fim neste capítulo é apresentado a construção da metodologia para obtenção do índice fuzzy de pobreza de água.

O quinto capítulo apresenta a base de dados utilizada para o desenvolvimento do índice para o Brasil e a sua aplicação para obtenção do índice fuzzy para cada município do país. Por fim, neste capítulo são apresentados e discutidos os resultados.

(17)

Capítulo 1. Introdução 4

No Capítulo 6 é realizada a conclusão do trabalho com o objetivo de consolidar os temas abordados e enfatizar os resultados finais da dissertação.

(18)

5

2 Importância Biológica, Social e Econômica

da Água

A água pode ser aplicada de diferentes formas, sendo demandada por animais, plan-tas, seres humanos, bactérias, fungos, minerais, entre outros. Estima-se que todas as formas de vida da Terra necessitam desse recurso, tendo sido procurado por diversas expedições da NASA (National Aeronautics and Space Administration) em outros planetas do Sistema Solar, contudo, ainda sem sucesso. A importância da água pode ser vista dentro do âmbito biológico, social e econômico (USGS, 2018).O presente capítulo tem como objetivo enfatizar os diferentes usos da água e sua construção como um recurso escasso e suscetível a crises.

2.1

A importância biológica da água

O ramo da biologia vê na água uma representação da perpetuação da fauna e da

flora, sendo responsável pelo equilíbrio da vida no meio ambiente1. A água apresenta

fun-ções ecossistêmicas que são cruciais para a vida humana, carregando papel fundamental em diferentes situações, podendo se destacar a realização da fotossíntese que provém nutrientes para plantas e, em contrapartida, produz oxigênio para o ambiente. Nesse processo, a água é essencial para a produtividade, pois regula a ação do vegetal, uma vez que a hidratação

pode influenciar a abertura de estômatos2. Se a planta perde água a uma taxa superior à

sua capacidade de absorção e transporte, o potencial hídrico da folha diminui, levando ao fechamento dos estômatos e à redução da fotossíntese. Outros exemplos são: o processamento de resíduos por meio das bactérias; a manutenção da biodiversidade no planeta, pois exerce um papel fundamental para alinhamento do clima; e, devido a sua natureza polar, também serve como solvente natural para íons, minerais e outras substâncias e, também, como meio de dispersão para a estrutura do citoplasma. Em resumo, a água é indispensável para as ati-vidades celulares, afetando tecidos, órgãos e sistemas e, consequentemente, a vida dos seres vivos (ROSSETTI, 2014; TELLES; GÓIS, 2013).

Além de ser elemento fundamental em funções metabólicas de todos os seres vivos, a água também constitui seus próprios ecossistemas, sendo denominados de ecossistemas 1 Pode-se entender meio ambiente como um grupo de elementos formado por água, solo, subsolo, ar, fauna,

flora, comunidades humanas e seus inter-relacionamentos (SINAY; FILIPPO; GOUDARD, 2004).

2 Estômatos são estruturas responsáveis pela transpiração e a troca gasosa, sendo onde ocorre a absorção

(19)

Capítulo 2. Importância Biológica, Social e Econômica da Água 6

aquáticos. Os ecossistemas aquáticos constituem a maior parte da superfície terrestre, repre-sentando 75% da Terra.

Diferentemente dos ecossistemas terrestres, que ocupam apenas os continentes, os ecossistemas aquáticos permeiam os ecossistemas terrestres, ocupando espaços dentro dos diferentes biomas (ROSSETTI, 2014; TELLES; GÓIS, 2013). Outras diferenças podem ser destacadas entre os dois tipos de ecossistemas, como:

a) Água ser um fator limitante nos ecossistemas terrestres, enquanto, a luz é o fator limitante nos aquáticos marinhos;

b) Devido as suas propriedades físicas, a água consegue reter calor, fazendo com que as variações de temperatura não sejam tão pronunciadas;

c) Ecossistemas aquáticos têm uma biomassa vegetal menor do que os terrestres, resul-tando em cadeias alimentares menores (TELLES; GÓIS, 2013).

Apesar da sua grande dimensão, apenas uma parcela da água é considerada

potá-vel3. Isso decorre do fato do ecossistema aquático ser divido em dois tipos: o de água doce

(concentração de sais dissolvidos até 0,5g/L) e o de água salgada (concentração média de sais dissolvidos de 35g/L). As águas doces exploráveis são presentes em menor quantidade, representando apenas 0,5% das águas presentes no planeta. Apesar da pouca quantidade disponível, seu volume no planeta é fixo, não podendo variar em quantidade, apenas em qua-lidade (TELLES; GÓIS, 2013). Isso ocorre, pois a água apresenta um ciclo hidrológico, que renova os recursos na Terra.

2.2

A importância social da água

Devido à sua importância biológica, a água apresenta uma relevância social adicio-nal devido às múltiplas aplicações do recurso no cotidiano humano, como na higienização, produção de alimentos e consumo direto, exercendo papel fundamental na perpetuação do homem na Terra. Contudo, a disponibilidade da água não é homogênea ao redor do mundo e apresenta problemas quantitativos, como variações pluviais, aquíferas e de fontes superficiais, além dos problemas qualitativos, como poluição e alta salinização (AMORIM, 2015; USGS, 2018).

(20)

Capítulo 2. Importância Biológica, Social e Econômica da Água 7

Diversas regiões enfrentam problemas relacionados ao saneamento básico4, como falta

de estações de tratamento, esgoto a céu aberto e falta de água canalizada. Essa situação de precariedade é, entre outras, uma das principais causas de morte pelo mundo, tendo como exemplo a diarreia transmitida por fontes hídricas, sendo responsável por dois mi-lhões de mortes por ano, principalmente entre crianças com menos de 5 anos (SALMAN; MCINERNEY-LANKFORD, 2004; WHO, 2018b).

Segundo a ONU (1977, p. 1), “[...] a escassez generalizada, a destruição gradual e

o agravamento da poluição dos recursos hídricos em muitas regiões do mundo, ao lado da implantação progressiva de atividades incompatíveis, exigem o planejamento e manejo in-tegrados desses recursos[...]”, sendo necessário “[...] assegurar que se mantenha uma oferta adequada de água de boa qualidade para toda a população do planeta”..

As políticas públicas5ambientais começaram a ser discutidas, em 1972, em Estocolmo,

na primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente. É nesse momento, que se estabelece a preocupação internacional com os recursos naturais. O Princípio 2 da Declaração do Meio Ambiente Humano de Estocolmo declara que recursos naturais (ar, água, terra, flora e fauna e, especialmente, amostras representativas dos ecossistemas naturais) devem ser salvaguardados para o benefício das gerações presentes e futuras por meio de planejamento ou gerenciamento apropriado; sendo inserido de formal legal, direitos e responsabilidades para

as nações envolvidas (ONU, 1972)6. Somente em 1977 a água passa a ser discutida de forma

isolada, na Conferência das Nações Unidas sobre Água, em Mar del Plata (Rede de Águas, 2013).

Durante a Conferência de Mar del Plata emitiu-se o Plano de Ação de Mar del Plata, como forma de abordar os problemas supracitados, incluindo a avaliação dos recursos hídricos, uso e eficiência da água, meio ambiente, saúde e controle da poluição, política, planejamento e gerenciamento, além de uma cooperação regional e internacional. Essas discussões a respeito do manejo hídrico são vistas como o marco inicial ao debate sobre o direito universal à água. 4 “O saneamento básico se restringe a abastecimento de água às populações, com a qualidade compatível com

a proteção de sua saúde e em quantidade suficiente para a garantia de condições básicas de conforto; coleta, tratamento e disposição ambientalmente adequada e sanitariamente segura de águas residuárias (esgotos sanitários, resíduos líquidos industriais e agrícola; acondicionamento, coleta, transporte e/ou destino final dos resíduos sólidos (incluindo os rejeitos provenientes das atividades doméstica, comercial e de serviços, industrial e pública); e - coleta de águas pluviais e controle de empoçamentos e inundações” (Guimarães; CARVALHO; SILVA, 2017, p. 2).

5 As políticas públicas são ações desenvolvidas pelo Estado, podendo ser diretas ou indiretas, com a

par-ticipação de entidades do setor público e/ou privado, que têm como objetivo assegurar um determinado direito de cidadania. Além disso, as políticas públicas condizem com direitos assegurados constitucional-mente, ou quando a sociedade e /ou os poderes públicos reconhecem esses direitos (Governo do Estado Paraná, 2013).

6 Para mais informações, ver Report of the United Nations Conference on the Human Environment (ONU,

(21)

Capítulo 2. Importância Biológica, Social e Econômica da Água 8

A Resolução 2 do plano de ação informa que: “Todos os povos, qualquer que seja seu estágio

de desenvolvimento e suas condições sociais e econômicas, têm o direito de ter acesso a água potável em quantidades e de qualidade igual às suas necessidades básicas” (ONU, 1977, p.

66)7. Ademais, a resolução reafirmou o reconhecimento da água como elemento fundamental

para o pleno desenvolvimento do homem, como indivíduo e como parte de uma sociedade (SALMAN; MCINERNEY-LANKFORD, 2004).

No Brasil, esse direito é protegido pela Lei Federal 11.445/2007, que define como direito os serviços, infraestrutura e instalações operacionais de abastecimento de água, esgo-tamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais; respeitando de forma legal o direito universal à água (BRASIL, 2017).

Com o passar dos anos, novas resoluções foram inseridas no contexto internacional como forma de guardar o valor social da água. Atualmente, a água apresenta um status de

direito humano, pois a partir do Comentário Geral no15, estabelecido em 2002, são estipulados

direitos e deveres para a proteção da dignidade humana por meio dos recursos hídricos, como valores mínimos de água potável a serem assegurados para os indivíduos, poder de decisão em políticas relacionadas à água em nível nacional e regional, inclusão de mulheres e os grupos marginalizados no que tange à acessibilidade ao recurso. Além da concessão de direitos, há também o estabelecimento de limitações como forma de reforçar a segurança dos mesmos, proibindo a ocorrência de leis arbitrárias e desconexas e a não interferência ao acesso a fontes hídricas, entre outros tipos de liberdades (ONU, 2002).

Essa discussão social da água, contudo, é um campo de amplo debate, ficando ainda

em aberto se a água deveria ser tradada como um direito humano, ou como uma commodity8.

Essa falta de consenso ficou clara durante a Assembleia Geral da ONU, em 2010, onde foi sancionada outra resolução que afirma o direito humano à água e ao saneamento. Durante a reunião, 44 países se abstiveram, incluindo os Estados Unidos da América (EUA) que apontou como ainda incerto e prematuro afirmar que a água deveria ser um direito humano, ao invés de uma commodity, pois haviam direitos e negociações privadas que afirmavam o contrário (BURTKA; MONTGOMERY, 2018).

7 Para mais informações, ver Report of the United Nations Water Conference (ONU, 1977).

8 Um bem padronizado, que é comercializado a granel e cujas unidades são intercambiáveis. Commodities são

principalmente a produção do setor primário, isto é, agricultura e mineração, ou produtos semiprocessados. Como esses bens são padronizados, os mercados de commodities podem negociar mercadorias spot por amostra e podem negociar contratos futuros (BLACK; HASHIMZADE; MYLES, 2009).

(22)

Capítulo 2. Importância Biológica, Social e Econômica da Água 9

2.3

Água como um insumo econômico

É a partir do momento em que se analisa a água como um bem econômico

(commo-dity) utilizável em diversos fins, que o termo água muda para o termo recursos hídricos. Esse

novo status está associado ao fato de que os recursos hídricos estão altamente ligados aos processos produtivos atuais, como a agricultura e a indústria de transformação, além de ser meio de transporte de cargas em alguns processos logísticos (BURTKA; MONTGOMERY, 2018; TELLES; GÓIS, 2013; PICOLI, 2016). Em 2017, no Brasil, o uso da água nos proces-sos produtivos foi superior ao utilizado para o abastecimento humano, conforme Tabela 1. Estima-se também que, apenas no Brasil, a demanda por água tem a projeção de aumento de 24% até 2030, sendo esse crescimento resultado direto do processo de urbanização, expansão da indústria, agronegócio e economia, conforme dados divulgados pela Agência Nacional de Água (ANA, 2018).

Tabela 1 – Uso Médio de Água no Brasil em 2017.

Tipo de Uso Retirada(𝑚2/𝑠) Participação no volume total

Irrigação 1.083,6 52% Abastecimento Humano 496,2 23,8% Indústria 189,2 9,1% Uso animal 166,8 8,0% Termelétrica 79,5 3,8% Abastecimento Rural 34,5 1,7% Mineração 32,9 1,6% Fonte:(ANA, 2018)

Assim como no Brasil, o resto do mundo segue a tendência de utilizar mais recursos hídricos no setor produtivo, do que no abastecimento humano. Dentro da agricultura os recursos hídricos são utilizados para cultivar produtos frescos e sustentar o gado, que são essenciais para a dieta dos seres vivos, sendo alocados em irrigações, pesticidas e na aplicação de fertilizantes, além de aplicações de resfriamento de culturas (por exemplo, irrigação leve) e controle de geada. As fontes dos recursos aplicados na agricultura são diversas, sendo essas: águas superficiais (rios, canais abertos, reservatórios e lagos), águas subterrâneas e água de chuva. Estima-se que 70% da água retirada do mundo é direcionada ao setor agrícola, sendo que 60% é usada para a irrigação (CDC, 2016).

Dentro do setor industrial, a água apresenta também uma aplicação diversa, podendo ser utilizada em processos de fabricação, processamento, lavagem, diluição, resfriamento, transporte de carga, incorporação no produto, ou na parte de saneamento das instalações fabris. Algumas indústrias utilizam esse recurso em larga escala, mesmo sendo apenas 19%

(23)

Capítulo 2. Importância Biológica, Social e Econômica da Água 10

do total de água retirada no mundo (USGS, 2015).

Além do uso produtivo, a água também pode ser utilizada no âmbito de produção de energia elétrica. De modo geral, todas as principais fontes de eletricidade dependem em certa medida da água, pois, grandes usinas geram calor (energia) a partir de uma forma de combustível, como queima de carvão ou gás natural, por exemplo, e usam esse calor para ferver água, produzir vapor e girar turbinas. A água também é usada durante vários estágios de extração, processamento e eliminação de resíduos relacionados à energia (Union of Concerned Scientists, 2018). Como um insumo para outras energias, a água também tem a capacidade de gerar energia por si só, como no caso das hidroelétricas, que geram energia elétrica a partir da vazão dos rios e das marés, que utilizam a energia obtida pela cinética das ondas do mar. No Brasil, as hidroelétricas fornecem a maior parte da energia, tendo 1.335 hidroelétricas em operação, 41 em construção e 126 com construção não iniciada, todos esses empreendimentos juntos tem uma potência acumulada de 108.027.432 kW, correspondendo a 77% da potência acumulada do país (ANEEL, 2019).

Esse debate elucidado está altamente relacionado as questões de gerenciamento dos recursos hídricos.

“Tradicionalmente, a maioria dos corpos de água e sistemas de água do mundo ocidental tem sido de propriedade pública, embora os proprietários privados te-nham direitos limitados de usar fontes de água em suas propriedades. No entanto, à medida que crescem as preocupações com a escassez, as indústrias se expandi-ram em torno da água, indo da dessalinização à construção de barragens e à água engarrafada. Esforços para privatizar e vender recursos hídricos cresceram.”

(BURTKA; MONTGOMERY, 2018, p. 1).

Desde meados de 1990, vê-se uma mudança no pensamento econômico dos recursos públicos, que se cruza com a forma de regulação das águas no âmbito público e privado. Apesar da existência de leis internacionais que tornam a água um recurso universal, outras instituições internacionais, como o Banco Mundial, passam a promover novos modelos de gestão, baseados em um receituário neoliberal, onde se estimula o crescente envolvimento do capital privado, como estratégia para obtenção de ganhos de eficiência, que supostamente levariam a melhor qualidade e expansão do acesso da população a esses serviços (VARGAS; GOUVELLO, 2011). Esses novos modelos de gestão têm desviado a atenção das instituições centrais do Estado da atividade de governar, fazendo com que grande parte dessa atividade envolva agora organizações privadas. Esse receituário, também estabelecido como uma matriz

(24)

Capítulo 2. Importância Biológica, Social e Econômica da Água 11

do neoliberalismo9, fica conhecido na literatura com o termo governança, diferindo de governo

na medida em que se concentra menos no Estado e em suas instituições e mais em práticas e atividades sociais (BEVIR, 2012).

Adotada por países mutuários e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) a gover-nança se torna, antes de tudo, um elemento de condicionalidade para empréstimos e, em última instância, para aceitação de países periféricos como participantes da economia glo-bal, dando a ela, um status de impulsionador do desenvolvimento (DEMMERS; JILBERTO; HOGENBOOM, 2004). A partir desse momento, observa-se a adoção do termo governança em diversos tipos de gestão, demonstrando a conotação de eficiência e eficácia que a palavra carrega (JESSOP, 1998). No que tange aos recursos hídricos, tem-se o surgimento do termo ‘governança das águas’, ‘governança do saneamento básico’, entre outros.

O desenvolvimento do conceito de governança ocorre durante uma reversão dos inte-resses no plano da economia política. Durante a década de 1970 verifica-se o esgotamento do ciclo de crescimento econômico, déficit público elevado, altas taxas de desemprego, redução na confiança nas instituições públicas e a falsa percepção de uma invasão da liberdade individual, fatores determinantes para que liberdade dos mercados se instaurassem e determinassem o rumo do desenvolvimento socioeconômico. Países como Inglaterra, com Margaret Thatcher, e Estados Unidos, com Ronald Reagan, foram os primeiros a colocar em prática esse ideário neoliberal. Essas políticas estimularam a liberalização de mercados, promovendo também o fim das políticas dos Estados Nacionais voltadas à administração das diretrizes econômicas

e sociais, culminando na destruição do estado de bem-estar social10 (COUTINHO, 1992;

POCHMANN, 1996; ANTUNES; POCHMANN, 2007).

Essa nova estruturação do estado é colocada em prática com uma Nova Administração Pública (NAP), se respaldando na administração empresarial que se consolida durante essa época. A NAP se respalda a concepção de que o Estado não apresenta mecanismos de efici-9 Santos (2002), coloca a governança como a matriz do neoliberalismo, devido à sua estrutura basilar e

de um ambiente fomentador de toda uma rede de ideias pragmáticas e de padrões de comportamento cooperativo; que vê a si própria como sendo autogerada de uma forma cooperativa e, por isso, como sendo a mais inclusiva possível.

10 O Estado de Bem-Estar Social forjou o papel de estado interventor, sendo determinante sobretudo

en-quanto ente responsável tanto pela administração como pelo planejamento dos projetos de investimento. Essa busca incansável pelo desenvolvimento, impulsionou a estruturação social, gerando grandes burocra-cias de controle e promoção de uma nova gama de serviços públicos, como educação pública, sistema de saúde universal, distribuição de água, entre outros. Esses serviços públicos foram constituídos, também, em função da luta da própria população europeia e do contexto de Guerra Fria, que tornava o Estado mais sensível a essas demandas para refrear os movimentos de esquerda. O Estado Social redefiniu a relação entre sociedade civil e política, politizando as relações civis por meio da intervenção estatal no mercado e das corporações na política econômica. A sociedade deixa de ser pensada como um somatório de indiví-duos, e se reconhece como um organismo vivo possuidor de diferentes classes socais com necessidades de equiparação (MAZZUCHELLI, 2014; TOLEDO, 2002).

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Capítulo 2. Importância Biológica, Social e Econômica da Água 12

ência, de forma que não deveria ser visto como detentor dos interesses coletivos da sociedade

ou nação. Dentro dessa teoria, é possível admitir a existência de bens púbicos 11não-estatais,

pois compreende que as atividades sociais não são monopolistas (pelo estado) por natureza, podendo ser realizadas por outras fontes de prestação de serviço, deixando o setor privado encarregado de provir tais serviços, como saneamento básico e educação, para o qual recebe recursos estatais (PEREIRA, 1996; PEREIRA; GRAU, 1999).

Para que a NAP possa ser viabilizada é necessário que haja transformações nas or-ganizações públicas, com ações como privatização, introdução de medidas de desempenho, administração gerencial baseada no business style do setor privado, ênfase na qualidade e em serviços públicos orientados para o cidadão, sendo esses alguns exemplos. Contudo, a teoria não avalia que, o setor, assim como outros serviços públicos, é marcado pelo alto investimento (custo fixo) intensivo capital específico, como construção, manutenção de re-servatórios, estações de tratamento de água e esgoto, redes de distribuição e coleta, além de outros equipamentos; sendo que esse investimento implica em um longo período para obter retorno; além de ter altos custos irrecuperáveis, que se tornam barreiras a saída no setor, pois, a decisão de investir no setor dificilmente poderá ser revertida sem grandes perdas de valor, causando possíveis entraves para se obter um bem-público não estatal de saneamento (DUNLEAVY, 1994; VARGAS, 2005; PEREIRA; GRAU, 1999).

A consolidação e expansão do pensamento gerencial, ocorre com os choques econô-micos externos provenientes da década de 1970 e a forma como a economia internacional instituiu mecanismos de ajuste econômico, que pressionaram as balanças de pagamento de países do terceiro mundo, em especial na América Latina. Com isso, países latino-americanos iniciaram a década de 1990 com altas dívidas externas, sendo necessário recorrer a institui-ções internacionais como forma de diminuir o déficit externo promovido pelo aumento dos juros internacionais. Grandes estados do terceiro mundo adquiriram iniciativas de governança neoliberal semelhantes às das cidades ocidentais como forma de atrair capital estrangeiro ne-cessário. Esses programas de ajuste estrutural, perpassa a esfera política, promovendo descen-tralização do poder nacional, colocando pressões políticas e financeiras nas cidades (VÉRON, 2010).

Essa descentralização política forneceu terreno fértil para experimentos de política ne-oliberal com maior papel para o setor privado e sociedade civil também no campo ambiental. Em cidades de países em desenvolvimento, como São Paulo, Mumbai e Joanesburgo, a infra-estrutura urbana e as amenidades ambientais têm sido cada vez mais oferecidas por empresas 11 Denomina-se público, por convenção, pois se trata da provisão de um serviço de grande escala populacional

e, também, por ser provido, supostamente sem fim-lucrativos, pelo setor privado. Também conhecido por “terceiro setor”, “setor não-governamental”, ou “setor sem fins lucrativos” (PEREIRA; GRAU, 1999).

(26)

Capítulo 2. Importância Biológica, Social e Econômica da Água 13

privadas e parcerias público-privadas. O ambiente urbano também se tornou mercantilizado, por exemplo, a partir da implementação de taxas de uso para os serviços municipais, como o fornecimento de água. As instituições do setor público permaneceram dentro da esfera pú-blica, porém há uma pressão para torná-las mais eficientes e competitivas. No que tange aos investimentos em infraestrutura, passa-se a administrar as estruturas desenvolvidas entre as décadas de 1930 e 1960 sem investimentos significativos, resultando em uma estagnação na expansão. Entre os setores estagnados, encontra-se o saneamento básico, que obteve uma de-terioração na distribuição, levando, gradualmente, ao racionamento e má qualidade da água, bem como aos problemas ambientais associados às águas residuais (DUPRÉ-ECHEVERRIA, 2003; VÉRON, 2010).

Em 1992, são implementados os Princípios de Dublin, onde a água é declarada “bem econômico” pela primeira vez, elevando a um status de commodity. O motivo para essa modi-ficação é a afirmação de que o comércio de água como commodity é o meio mais eficiente de administrar recursos hídricos escassos. A partir dessa construção, alinhada com o pensamento gerencial da época, diferentes disputas pela privatização dos sistemas públicos emergem ao re-dor do mundo, como confrontos em Cochabamba e La Paz, na Bolívia. Várias empresas estão no centro desse debate, incluindo a Veolia Water e a Suez Environnement, as maiores empre-sas de serviços de água do mundo. Estas empreempre-sas são responsáveis por muitas privatizações municipais de água - e são objeto de muitas críticas ativistas (BURTKA; MONTGOMERY, 2018).

É por esse, e outros motivos, que a governança neoliberal se tornou alvo de críticas. Coulson (1997) indica que o mercado capitalista tem uma racionalidade limitada e, por na-tureza, prioriza uma busca “economizadora” para maximização do lucro, enquanto o governo tem uma racionalidade substantiva, orientada para objetivos, de priorização e busca “eficaz” de metas políticas sucessivas.

Jessop (1998) completa a análise de Coulson (1997) informando que existe uma falha na governança, ao momento que ela não consegue conciliar sempre os anseios do governo e do mercado, priorizando sempre a lógica de mercado e eficiência, dado que essas seriam as formas de medição e sucesso da governança. Em seguida, Santos e Gavarito (2005) colocam que a governança, assim como qualquer matriz, contém um paradigma político-ideológico, sendo nesse sentido um princípio da seletividade social, onde há um binômio de inclusão e exclusão. Deste modo, a governança ao realizar um movimento de inclusão social, torna certos agentes sociais completamente isolados em um outro extremo. É dentro desse aspecto, que observa-se um crescente aumento da desigualdade social, especialmente em países do terceiro-mundo.

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Capítulo 2. Importância Biológica, Social e Econômica da Água 14

Santos (2002) ao aplicar governança à sociologia das ausências (SANTOS; GAVA-RITO, 2005) detecta dois atores sociais não existentes, sendo esses o Estado e os excluídos. O Estado perde o princípio da soberania e o poder coercivo que lhe andam associados, tornando-se omisso e transformando o capital e o mercado como seu direcionador. Os ex-cluídos são marginalizados de diversas formas, sendo, deste modo, possível averiguar o não acesso ao saneamento básico como uma forma de exclusão.

Outras críticas surgem para além de uma economia pautada em bom desempenho, eficiência e qualidade. A governança também apresenta, como supracitado, uma ideologia de

desgoverno, onde a alteração da matriz sócio-política permitiu o surgimento de políticas

pú-blicas pautadas pelo componente participativo, entidades civis, organizações internacionais, entre outras instituições, apresentam maior poder de desenvolvimento de políticas do que o Estado nacional (SANTOS, 2002). Contudo, apesar do caráter inovador dos novos arranjos

institucionais12, Jacobi (2009) aponta que existe uma indagação relacionada com a

capaci-dade de se traduzir na prática uma efetiva democratização nos procedimentos de gestão dos assuntos públicos.

Assim, a atual situação institucional da água é um consenso. Apesar dos diferentes esforços, ainda é possível atestar que os recursos hídricos estão em perigo, uma vez que a demanda por água para fins econômicos só aumenta, e as instituições reguladoras não encontram um modo eficaz para sua administração. Esse cenário leva a uma situação de vulnerabilidade hídrica que será melhor tratada no capítulo a seguir.

12 “[...]conselhos gestores de políticas públicas - saúde, educação, assistência social, habitação, meio ambiente,

recursos hídricos, que apontam para a existência de um espaço público de composição plural e paritária entre Estado e sociedade civil de natureza deliberativa” (JACOBI, 2009, p. 4).

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15

3 Vulnerabilidade Hídrica - Conceito e

Mensu-ração

Este capítulo tem como objetivo apresentar o conceito de vulnerabilidade hídrica. Inicia-se desenvolvendo a conceituação do que é vulnerabilidade, quais suas relações com a escassez hídrica, finalizando com a apresentação de índices de pobreza de água multidimensi-onal que buscam mensurar a vulnerabilidade de uma certa localidade no que tange a questão hídrica.

3.1

Conceito de Vulnerabilidade

O conceito de vulnerabilidade é comumente designado para grupos, ou indivíduos, marginalizados política ou juridicamente. O termo foi cunhado como uma forma de promover a proteção e garantia de direitos de cidadania. Outra forma de interpretar vulnerabilidade, é a partir do termo como uma medida de risco que busca analisar os impactos resultantes de um evento perigoso. A vulnerabilidade e seus eventos perigos são classificados de forma física, econômica e social (AYRES et al., 2009; PROAG, 2014).

A vulnerabilidade física está relacionada a edifícios, infraestrutura e agricultura. O termo também inclui a potencial perda de colheitas e outras infraestruturas necessárias para a subsistência. Ao analisar esse tipo de vulnerabilidade, deve-se examinar o risco enfrentado por instalações críticas, que são vitais para o funcionamento de sociedades em situações de desastre, como hospitais, serviços de emergência, transportes, sistemas de comunicação, etc (PROAG, 2014).

A vulnerabilidade econômica avalia perdas que causam riscos aos ativos e processos econômicos. Essas perdas podem ocorrer direta ou indiretamente. As perdas diretas são danos ou destruição de infra-estrutura física e social e seu custo de reparo ou substituição, bem como danos de colheita. As indiretas ocorrem quando há perda de produção, emprego, serviços vitais, disparidades de renda, entre outros casos.

A vulnerabilidade social refere-se a danos potenciais às pessoas, envolvendo uma com-binação de fatores que determinam o grau em que a vida e a subsistência de alguém são postas em risco por um evento e identificável na natureza ou na sociedade. Dentro do referencial bibliográfico é possível identificar dois campos teóricos que conceituam vulnerabilidade social de forma distinta. Por um lado, tem-se o campo teórico que faz menção à vulnerabilidade

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Capítulo 3. Vulnerabilidade Hídrica - Conceito e Mensuração 16

social por meio do espectro dos desastres naturais (BIRKMANN, 2007; WISNER, 1998; WARNER, 2007). Silva (2017) observa esse campo teórico como:

“A ótica dos desastres naturais, onde as pessoas estariam mais suscetíveis às consequências provocadas por eles devido à dificuldade de acesso aos recursos pré e pós desastre, que minimizam suas consequências, sendo que fatores econômi-cos, ambientais, sociais, culturais e políticos aumentam a suscetibilidade de uma comunidade aos impactos. Para estes autores a capacidade de recuperação tam-bém depende destes fatores os quais irão repercutir no acesso à informação e aos serviços capazes de minimizar os efeitos destes acidentes.” (SILVA, 2017, p. 26)

Alternativamente, a vulnerabilidade social pode ser expressa espacialmente - a partir do regional ao transnacional - e temporalmente como uma linha de base estrutural de longo prazo (DOWNING, 1991), sendo uma condição conjuntural de curto prazo (OFFE, 1984). Como exemplo de trabalho, cita-se a perspectiva de Watts e Bohle (1993) que observam a vulnerabilidade como um tripé de capacidades (entitlements), empoderamento e política econômica. Silva (2017) atribui a esses autores a seguinte conceituação:

“A vulnerabilidade e suscetibilidade dos indivíduos às enfermidades e desastres naturais se distribui de maneira diferente pelos diversos grupos sociais e estão intimamente relacionadas com a pobreza, com as crises econômicas e com o nível educacional dos indivíduos. Avaliam, ainda, que a vulnerabilidade se relaciona com o clima e o local, trazendo para o conceito a dimensão geográfica.” (SILVA,

2017, p. 26)

Watts e Bohle (1993) utilizam a teoria das capacidades como forma de respaldar as análises de vulnerabilidade social, pois há um laço estreito entre capacidade e falta de recursos. Os autores tecem uma discussão sobre as preocupantes condições de segurança alimentar atuais e os caminhos a serem percorridos para a obtenção de uma condição ótima. Em termos teóricos, os autores exploram as inter-relações entre pobreza, fome e inanição. A configuração da pobreza, da fome e da inanição define o que é denominado de espaço de vulnerabilidade, fornecendo os meios teóricos pelos quais esse espaço pode ser mapeado em relação às suas coordenadas sociais, políticas, econômicas e estrutural-históricas. Essa teoria proposta por Watts e Bohle (1993) advém dos escritos de Dreze e Sen (1989), nos quais aborda-se a equação da pobreza.

Dreze e Sen (1989) constroem a ideia de que a falta de recursos (no caso, alimentos) são definidos pelo colapso dos direitos e pela distribuição socialmente circunscrita dos direitos

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Capítulo 3. Vulnerabilidade Hídrica - Conceito e Mensuração 17

sobre as necessidades básicas. Problemas sociais exigem formas específicas de ação do Estado, para que haja proteção de direitos e garantia de que os grupos vulneráveis não experimentem uma situação de colapso, promovendo direitos como forma de expandir a base social, tendo pleno comando sobre as necessidades como, por exemplo, a segurança social. Dreze e Sen (1989) entitulam essas estruturas de “capacidades” e a “totalidade dos direitos” que protegem as necessidades básicas dos indivíduos. Na visão de Watts e Bohle (1993), os direitos têm que ser radicalmente estendidos não simplesmente em um sentido social ou de classe, mas política e estruturalmente.

Essa teoria das capacidades é reexplorada por Sen, Motta e Mendes (2008) quando observam a pobreza não somente como uma questão de renda, mas também como uma ques-tão de capacidades. Sen, Motta e Mendes (2008) colocam que a superação de problemas de privação, destituição e opressão extraordinárias é uma via sine qua non para a superação da pobreza (e subdesenvolvimento), sendo necessário o reconhecimento de diferentes formas de liberdade para o combate aos males existentes. É a partir do reconhecimento dessa questão que Sen, Motta e Mendes (2008) rompem com o conceito de desenvolvimento como cresci-mento do Produto Nacional Bruto (PNB) e da pobreza como somente uma privação de renda, incluindo outras questões como parte da pobreza do indivíduo.

Essas “outras questões”, são qualificadas por Sen (1993) como capacidades, sendo es-sas: educação, cuidados básicos de saúde, emprego seguro, entre outras formas de liberdade pessoal que permitem que o indivíduo seja o que deseja ser. Dentro dessa colocação, a renda seria um instrumento para o desenvolvimento e obtenção dessas capacidades. Além disso, “a

privação de renda e capacidade, embora diferentes, não são necessariamente independentes uma da outra, pois é bem sabido que embora nem todas as capacidades sejam determinadas pela renda, a renda desempenha um papel significativo na geração de capacidades”

(KU-LINDWA; HAAKON, 2008, p. 1).

Essa teoria, segundo a qual há outras dimensões dentro da pobreza, possibilita o de-senvolvimento de um indicador de pobreza multidimensional. A importância de uma pobreza multidimensional se dá pela possibilidade de detecção de privações em lugares com alta renda, como, por exemplo, nos Estados Unidos e na Europa. Além disso, outra forte contribuição da teoria de Sen, Motta e Mendes (2008)) é o fato de os autores não culpabilizarem o indiví-duo pelo problema, mas sim toda a sociedade (indivíindiví-duos, instituições, entre outros). Deste modo, pode-se interpretar que não seria um mero ajuste individual como, por exemplo, a modificação dos preços, que mudaria o comportamento dos indivíduos e alterariam o pro-blema da pobreza, como colocado pelos teóricos neoclássicos, mas todo um trabalho coletivo, com apoio de instituições públicas e privadas, realizando diversos tipos de ações como, por exemplo, a aplicação de tarifas mais baixas para indivíduos mais pobres.

(31)

Capítulo 3. Vulnerabilidade Hídrica - Conceito e Mensuração 18

Destaca-se que, no artigo de Watts e Bohle (1993) o conceito de vulnerabilidade é discutido a partir de diferentes trabalhos na literatura. Na concepção de Timmerman (1991), em termos sistêmicos gerais, a vulnerabilidade reflete o grau em que um sistema pode reagir negativamente à ocorrência de um evento calamitoso ou perigoso. Este conceito está em sintonia com a concepção de Susman, O’Keefe e Wisner (1983), onde interpreta-se o termo como o grau em que diferentes classes da sociedade estão expostos ao risco, e de Sen (1981) que a concebe como o risco de que grandes setores da população sejam privados de direitos. Esses autores apresentam uma ideia de que a vulnerabilidade seria um conceito de risco. Risco é uma probabilidade ou ameaça de dano, lesão, responsabilidade, perda ou qualquer outra ocorrência negativa causada por vulnerabilidades externas ou internas e que possa ser evitada por meio de ação preventiva.

Watts e Bohle (1993) concluem que a vulnerabilidade é uma abordagem multifacetada e multidimensional do espaço social definido pelas capacidades políticas, econômicas e insti-tucionais de determinadas pessoas em lugares específicos e em momentos específicos. Nesse sentido, uma teoria da vulnerabilidade deve ser capaz de mapear os domínios historicamente e socialmente específicos de escolha e restrição - os graus de liberdade, por assim dizer - que determinam a exposição, a capacidade e a potencialidade. Em um sentido restrito, trata-se de comando individual sobre necessidades; num sentido amplo, deve identificar a totalidade dos direitos individuais e sociais. Ainda, em um sentido mais amplo, a teoria de vulnerabili-dade deve tratar as proprievulnerabili-dades estruturais da própria economia política. Assim, os autores identificam três abordagens amplas para a vulnerabilidade que esclarecem o espaço multidi-mensional da vulnerabilidade. Na visão de Watts e Bohle (1993) o espaço de vulnerabilidade é definido por esses três processos distintos que são teoricamente derivados e que constituem em conjunto uma estrutura causal:

1. Capacidades (Entitlements and capability): Nesta abordagem, a vulnerabilidade pode ser definida como os riscos associados a ameaça de privação de direitos em larga escala;

2. Empoderamento (Empowerment and enfranchisement): A base para essa con-cepção é a relação da vulnerabilidade com as relações de poder. A vulnerabilidade pode ser definida, neste ponto de vista, como um espaço político e como uma falta de direitos amplamente entendida;

3. Política Econômica (Class and crisis): Do ponto de vista particular da economia política é ver a fome e a pobreza como fenômenos de classe e, correspondentemente, produzir explicações de vulnerabilidade como formas de “conhecimento de classe”.

(32)

Capítulo 3. Vulnerabilidade Hídrica - Conceito e Mensuração 19

A vulnerabilidade também pode surgir quando as pessoas estão isoladas, inseguras e indefesas diante do risco, choque ou estresse. Para Proag (2014), indivíduos tornam-se socialmente vulneráveis se o acesso a recursos é o fator mais crítico para alcançar um meio de vida seguro ou recuperar-se efetivamente de um desastre. Assim, as pessoas mais vulneráveis são as mais pobres, que têm pouca escolha a não ser localizar-se em ambientes inseguros. Isso ocorre, pois indivíduos com maior acesso a recursos financeiros, ferramentas, disponibilidade física e equipamentos são os que conseguem recuperar mais rapidamente quando ocorre um perigo (catástrofes, riscos, entre outros).

Essa via teórica cria uma gama de novas interpretações de diferentes problemas soci-ais, como a escassez hídrica. Para Ahmed e Kranthi (2018, p. 3) essa ligação com a teoria das capacidades é direta, pois a pobreza de água é “um processo socialmente construído

produ-zido e reproduprodu-zido através de múltiplos processos sócio-políticos de exclusão e discriminação, abrangendo desde o nível macro até o microcosmos dos domicílios. A pobreza da água seria, deste modo, uma deficiência de capacidades”.

3.2

A Vulnerabilidade Hídrica

Por ser um recurso natural atrelado a relações sociais e econômicas, água apresenta um status de recurso escasso. A falta desse recurso apresenta duas formas de tipificação: a primeira, denominada de escassez hídrica, que é a carência de disponibilidade devido à insufi-ciência física, ou dificuldade de acesso; e, estresse hídrico, que significa a baixa disponibilidade de água potável. Considera-se baixa disponibilidade quando o valor ofertado é próximo ou igual ao valor demandado pelos indivíduos. Em termos gerais, o estresse hídrico pode ser definido como condições relacionadas à água que afetam negativamente a população humana e causa problemas. A saúde humana está ligada ao estresse hídrico em termos de quantidade (condições de escassez e excedente) e qualidade (má qualidade da água) da água disponível (SAKDAPOLRAK, 2007).

Estima-se que cada pessoa precisa de cinquenta a cem litros de água doce limpa por dia para atender às necessidades básicas e manter a saúde básica (ICMBio, 2012). Os fatores para essas duas situações são difusas, podendo-se elencar desastres naturais e a baixa dispo-nibilidade natural do recurso. Normalmente, os problemas hídricos como esses são causados pela ação antrópica, como desigualdade de distribuição dos recursos devido ao insucesso das instituições em assegurar o fornecimento regular ou devido à falta de infraestrutura adequada; além disso, tem-se contaminação de água doce por inundações ou poluentes químicos e uso exacerbado do recurso (CODINGTON-LACERTE, 2018; UN-WATER, 2019). Essa situação de escassez, ou estresse hídrico, comumente classificada como crise hídrica é observada em

(33)

Capítulo 3. Vulnerabilidade Hídrica - Conceito e Mensuração 20

diferentes regiões do planeta, conforme Figura 1.

]

Figura 1 – Disponibilidade mundial de água per capita (1000𝑚3/𝑎𝑛𝑜) e por país, 2002.

Fonte: Adaptado de (PEREIRA; CORDERY; IACOVIDES, 2009).

Os problemas hídricos ocorrem tanto em áreas urbanas, como em áreas rurais, com dinâmicas diferentes. Tem-se, como exemplo, o excesso de água nas áreas urbanas. Essas localidades são as que mais sofrem com o problema das inundações. Essas situações de crise ocorrem quando água flui mais rápido do que pode ser drenada, e devido à impermeabilidade do solo, a água não consegue ser absorvida ou transportada para um lago (ou reservatórios artificiais). Lambley (2017) elenca cinco causas principais para esse problema:

1) Inundação pluvial, dos rios, águas subterrâneas e de costeiras; 2) O acúmulo de escoamento pluviométrico local devido à drenagem;

3) Rios transbordantes devido à capacidade insuficiente dos rios para descarregar a chuva ou ao rápido derretimento da neve em uma bacia hidrográfica, que pode se espalhar por toda a região ou através das fronteiras;

4) Ondas de tempestades induzidas por fortes tempestades, ventos fortes e furacões que provocam o aumento do nível do mar e inundam uma cidade;

5) Água que recolhe ou flui sob a superfície do solo, preenchendo os espaços porosos no solo, sedimentos e rochas - originados da chuva, da neve e do gelo a derreter.

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Capítulo 3. Vulnerabilidade Hídrica - Conceito e Mensuração 21

As áreas urbanas não apresentam apenas problemas de enchentes. Além dos efei-tos adversos da impermeabilidade do solo, essas localidades também apresentam problemas acarretados ao aumento populacional, como uso excessivo dos recursos hídricos e acúmulo de resíduos sólidos nas bocas de lodo.

Entre 1950 e 2018, a proporção de indivíduos nas regiões urbanas mais do que dobrou, mas o crescimento populacional não foi acompanhado por uma melhoria da infraestrutura local. Atualmente, 4,2 bilhões de pessoas vivem em áreas urbanas ao redor do mundo. Estima-se que até 2050, 68% da população mundial estará nas grandes cidades (DESA, 2018). Em alguns casos, o crescimento populacional levou a uma expansão imobiliária exacerbada, oca-sionou a ocupação de áreas irregulares que foram regularizadas para atender as expectativas do mercado, além de áreas irregulares que foram ocupadas devido a assentamentos produzi-dos pelos próprios indivíduos nas periferias das cidades (NISTA, 2011). Em suma, essas áreas urbanas realizam uma pressão sobre as águas locais, acarretando na necessidade de explorar recursos vizinhos (BAKKER, 2001).

Enquanto isso, nas áreas rurais, até 2050, a população urbana deverá ser quase duas vezes maior do que é atualmente. Em contrapartida, a população rural tende a sofrer um declínio. Neste cenário, é esperado que ocorra um processo de transição de algumas áreas rurais, as quais espera-se que se urbanizem e aumentem o território urbano. Este último fenômeno, entretanto, não será na mesma proporção com que a população urbana aumenta. Apesar do fato de as áreas urbanas contarem com melhores condições de acesso e distribuição de água, estas terão o desafio de suprir sua crescente população (UNESCO, 2012).

Ademais, a produção agrícola é responsável por 70% da exploração global de água doce, podendo chegar a 90% em economias sob crescimento econômico). Atualmente, a irri-gação constitui uma pequena fração do consumo agrícola de água (20%), mas é responsável por mais de 40% da produção mundial, o que a torna um fenômeno com projeções de altos impactos nos recursos hídricos.

De modo geral, a crise hídrica apresenta efeitos diversos para toda a sociedade, espe-cialmente grupos de vulnerabilidade como mulheres, crianças e idosos. Atualmente, 24% das doenças globais são causadas por exposições ambientais que poderiam ser evitadas. Estima-se que 23% de todas as mortes (mortalidade prematura) podem Estima-ser atribuídas a fatores ambientais. Estas declarações destacam a importância da saúde ambiental (OMS, 2018).

O cenário de vulnerabilidade hídrica constitui múltiplos fatores de risco à saúde da população da cidade. A falta de sistemas de saneamento seguro contribui para a emergência e disseminação da resistência antimicrobiana aumentando o risco de doenças infecciosas e, assim, uso de antibióticos para infecções evitáveis. Gestão inadequada de resíduos fecais que

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inclui resíduos antimicrobianos de comunidades e locais de saúde também pode contribuir para a emergência de resistência (OMS, 2018). Essas doenças são transmitidas, principal-mente, através de quatro rotas de transmissão, conforme Tabela 2.

Tabela 2 – Vias de Transmissão de Doenças Relacionadas a Água

Transmissão da

Doença

Propagação Exemplo

Água como via de proliferação

Via abastecimento de água contaminada por microrganismos patogênicos

Cólera, Febre Tifóide, etc

Água como base Por meio de parasitas encontrados em

organismos intermediários que vivem em águas contaminadas

Esquistossomose, Dra-cunculíase, etc.

Água como Vetor Por insetos (por exemplo, mosquitos) que

dependem da água

Malária, Dengue, etc

Água de Limpeza Como resultado de higiene pessoal e

con-tato com a pele ou os olhos com água suja

Tracoma, etc.

Fonte: Adaptado de Eyles, Lonergan e Barrazzo (2001)

No Brasil, as doenças associadas à água são denominadas Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado (DRSAI), e abrangem diversas patologias, como as di-arreias, a febre amarela, a leptospirose, as micoses e outras, que têm diferentes modos de transmissão. O termo deve ser entendido no contexto de falta ou insuficiência de saneamento e condições de moradia precárias (LOBATO; JARDIM, 2014).

Em 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou as Diretrizes sobre Sanea-mento e Saúde (Guidelines on Sanitation and Health), um conjunto de medidas para estimular sistemas e práticas de saneamento seguros para promoção da saúde. O saneamento seguro nos centros de saúde é um componente essencial da qualidade dos cuidados e estratégias de prevenção e controle de infecção, especialmente para prevenir a exposição dos usuários de serviços de saúde e equipe para infecções e, particularmente, para proteger mulheres grávidas e recém-nascidos de infecções que podem levar a resultados adversos da gravidez, sépsis e mortalidade. O acesso a sistemas de saneamento seguro em residências, escolas, locais de trabalho, centros de saúde, espaços públicos e outros ambientes institucionais (como prisões e campos de refugiados) é essencial para o bem-estar geral, por exemplo, reduzindo os ris-cos e ansiedade causada por constrangimento e vergonha, associada a defecação aberta ou saneamento compartilhado (OMS, 2018).

Na maioria dos países, as mulheres são responsáveis por encontrar e transportar o recurso para suas famílias (para beber, cozinhar e higiene). Em muitos casos, as fontes hídricas

Referências

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