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O Programa "Educação - Compromisso de São Paulo" e as estratégias de implementação das políticas empresariais na gestão escolar

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

ANDRESSA DE SOUSA RODRIGUES MESKO

O PROGRAMA “EDUCAÇÃO- COMPROMISSO DE SÃO

PAULO” E AS ESTRATÉGIAS DE IMPLEMENTAÇÃO DAS

POLÍTICAS EMPRESARIAIS NA GESTÃO ESCOLAR

CAMPINAS 2018

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O PROGRAMA EDUCAÇÃO-COMPROMISSO DE SÃO PAULO E

AS ESTRATÉGIAS DE IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS

EMPRESARIAIS NA GESTÃO ESCOLAR

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Educação, na área de concentração de Educação.

Orientador: Prof. Dr. Evaldo Piolli

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA ANDRESSA DE SOUSA RODRIGUES MESKO, E ORIENTADA PELO PROF. DR. EVALDO PIOLLI

CAMPINAS 2018

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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

O PROGRAMA EDUCAÇÃO-COMPROMISSO DE SÃO PAULO E AS ESTRATÉGIAS DE IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS

EMPRESARIAIS NA GESTÃO ESCOLAR

Autora: Andressa de Sousa Rodrigues Mesko

COMISSÃO JULGADORA: Prof. Dr. Evaldo Piolli

Prof. Dr. Eduardo Pinto e Silva

Prof. Dr. José Roberto Montes Heloani

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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Ao Igor Stempniak Mesko e

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Ao professor Dr. Evaldo Piolli pelas orientações e dedicação durante o percurso desta pesquisa. Ao professor minha estima, respeito e carinho!

Aos professores doutores Eduardo Pinto e Silva e José Roberto Montes Heloani pelas excelentes contribuições no exame de qualificação e por aceitarem compor a banca de defesa.

Aos colegas do Grupo de Estudos Trabalho, Saúde e Subjetividade (NETSS) pelas leituras e discussões valiosas que contribuíram para este trabalho, obrigada.

Aos amigos e amigas Evandro Santinho, Paula Pessin, Adriana Jorge de Souza, Valéria Cristina de Paula, Ana Paula Rodrigues, Vitor Pelegrin, Iuriatan Felipe Muniz, Diego Machado de Assis, Rosemary Mattos, Fernanda Pinhelli Franzoi e Carolina Florido pelas leituras e palavras de incentivo e carinho durante este trabalho. Em especial, à amiga Tatiana de Oliveira pelas contribuições, parceria e críticas sobre esta pesquisa, meu carinho e amizade sempre!

Aos meus pais Almiro e Aparecida, e minha querida irmã, Andréa pelo carinho, incentivo e apoio.

Ao meu marido Igor e ao meu filho Igorzinho pelo carinho, parceria e compreensão nos momentos em que precisei dedicar-me exclusivamente a este trabalho.

Por último, agradeço a todos os profissionais de educação que fizeram e fazem parte da minha trajetória profissional, pelo apoio e incentivo durante esta pesquisa.

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A presente pesquisa de mestrado apresenta resultados sobre as formas de privatização endógena e exógena aplicadas a partir do programa Educação – Compromisso de São Paulo via Gestão

Escolar. O estudo revela a participação da classe empresarial na elaboração das políticas

públicas educacionais paulistas e o processo de sedimentação de suas ações na gestão escolar. A hipótese é a de que a classe empresarial se tornou interlocutora privilegiada nas formulações das políticas públicas educacionais paulistas (privatização exógena) e vem atuando na implementação de modelos, práticas e métodos (privatização endógena) utilizando-se dos diretores e diretoras de escolas para garantir a efetivação deste projeto no seu interior. Analisa-se, por meio da pesquisa qualitativa, como, amparado no discurso que elegeu a qualidade como indicador central das políticas educacionais recentes, emergiu através da pesquisa documental o conceito de um “novo diretor gerencial” em confluência com os ditames da agenda global dos organismos multilaterais sob o prisma do imaginário neoliberal.

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This MSc research presents results on endogenous and exogenous patters of privatization applied through the project "Education - Compromise of São Paulo" via Schools Management. The study reveals the enterpreneurial class engagement in the elaboration of São Paulo's public policies for education and the proccess of its stabilishment in schools management. The hypothesis states that enterpreneurial class had become privileged interlocutor along the formulations of educational public policies of São Paulo (exogenous privatization) and have acted along the implementation of models, pactices and methods (endogenous privatization) that use the schools principals to grant the efectiveness of the project inside the schools. Through qualitative research, we analyze the fundamental speech that elected quality as a central index of recent educational policies, and the so supported rise of a "new management principal" concept, with the help of documental research. All pointing to the direction dictated by the multilateral organizations to the global agenda under the prism of neoliberalism.

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FIGURA 1: OS CINCO PILARES DO PROGRAMA EDUCAÇÃO – COMPROMISSO DE SÃO PAULO...61 FIGURA 2: A PARCERIA CELEBRADA PELOS PARCEIROS DA EDUCAÇÃO NO BOJO DO PROGRAMA EDUCAÇÃO – COMPROMISSO DE SÃO PAULO...63 FIGURA 3: TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS PARCEIROS DA

EDUCAÇÃO...64 FIGURA 4: MISSÃO, VISÃO E VALORES DOS PARCEIROS DA EDUCAÇÃO...79 FIGURA 5: APRESENTAÇÃO DO CURSO “MBA GESTÃO EMPREENDEDORA – EDUCAÇÃO: CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU NO SITE OFICIAL DA SEE/SP...85 FIGURA 6: EMENTA DAS DISCIPLINAS DO CURSO MBA GESTÃO

EMPREENDEDORA...87 FIGURA 7: REPORTAGEM AULA DE TRANSPARÊNCIA...94

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QUADRO 1: AS AÇÕES DA SEE/SP (DE 1995 A 2006) DISTRIBUÍDAS POR

EIXOS...57 QUADRO 2: PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO BEM-ESTAR SOCIAL WELFARISM E DO NOVO GERENCIALISMO...69 QUADRO 3: CURSOS OFERECIDOS PELA SEE/SP EM PARCERIA COM O

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1. A INFLUÊNCIA DA CLASSE EMPRESARIAL NA GESTÃO

PÚBLICA NO CONTEXTO NEOLIBERAL...20

1.1. Do taylorismo à acumulação flexível: a mutação na concepção de gestão...20

1.2. Neoliberalismo: um breve panorama...36

1.3. As implicações do modelo pós-fordista na esfera do Estado: a Nova Gestão Pública...41

2. A PROPOSTA EMPRESARIAL NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: UMA AGENDA GLOBAL ... 49

2.1. Reformas educacionais, ideário neoliberal e a participação do Brasil em sua agenda global ... 49

2.2. As reformas educacionais no Estado de São Paulo: de 1990 ao programa Educação-Compromisso de São Paulo ... 57

3. A CONCEPÇÃO EMPRESARIAL NA GESTÃO ESCOLAR NO PROGRAMA “EDUCAÇÃO – COMPROMISSO DE SÃO PAULO” ... 68

3.1. Novo gerencialismo, privatização exógena, endógena e o novo diretor gerencial...68

3.2. O Programa Educação – Compromisso de São Paulo: Um novo perfil de diretor em gestação? ...81

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 100

ANEXOS ... 108

ANEXO A: Reportagem sobre o perfil de diretores de escola...108

ANEXO B: Resolução se 56 de 14/10/2018 sobre o perfil dos diretores de escola da rede estadual paulista...111

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa parte de diversas inquietações, vivenciadas no período de 2007 a 2016, no âmbito da docência e da gestão escolar na rede estadual paulista, como professora de Língua Portuguesa e coordenadora pedagógica em escolas de ampla vulnerabilidade social e econômica no município de Campinas.

Escolas com este perfil socioeconômico e com baixos resultados nas avaliações externas de larga escala foram classificadas pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP) como “escolas prioritárias”1 no interior do programa Educação – Compromisso de São Paulo2 (2011). Na ocasião, essas escolas recebiam monitoramento permanente por parte da SEE/SP, especialmente nas práticas docentes e na gestão escolar, por intermédio de diversos programas educacionais, tais como: a) avaliação externa de larga escala, de cunho censitário, intitulada Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo – SARESP (1996); b) Programa Qualidade nas Escolas –PQE (2007-2008), que que definia metas para cada escola de acordo com os resultados de desempenho dos discentes mediados por um indicador de qualidade (o Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo – IDESP); c) currículo oficial do Estado de São Paulo de caráter prescritivo (São Paulo Faz Escola - 2007) e d) Sistema de Bonificação por Resultados (2008).

No bojo deste processo, saltava aos olhos a ação dos gestores – especialmente dos diretores e diretoras de escolas3 – ao enfatizarem nas reuniões pedagógicas como os docentes deveriam ensinar os discentes de acordo com as prescrições formuladas pela Secretaria de Educação, articulando esses métodos com os recentes programas que adentravam o cotidiano

1As escolas prioritárias foram assim anunciadas em publicação no site oficial da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo em 12 de março de 2013: “Para reduzir a desigualdade de aprendizado no Estado, o programa Educação — Compromisso de São Paulo prevê intervenção e monitoramento permanente em 1.206 unidades de ensino consideradas de maior vulnerabilidade tanto no aspecto socioeconômico, como nos de infraestrutura e de aprendizagem. Desse total, 1.082 escolas oferecem Ensino Médio. Para essas unidades, haverá prioridade na formação continuada de professores, investimentos em infraestrutura, atribuição de professores-mediadores, salas de leituras e projetos especiais de recuperação do aprendizado dos alunos. O investimento em obras previsto para o primeiro semestre é de R$ 178 milhões” (http://www.educacao.sp.gov.br/. Acesso em 15 abr 2014).

2 O programa Educação- Compromisso de São Paulo, anunciado no dia 15 de outubro de 2011, pelo Governador

Geraldo Alckmim do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), reúne todas as políticas educacionais a partir de 1990 no Estado de São Paulo, tendo como foco principal a formulação de ações educacionais a partir de parcerias entre o setor público e o setor privado (http://www.educacao.sp.gov.br/compromisso-sp. Acesso em maio de 2015).

3 Assumiremos a opção didática de, ao longo do corpo deste texto, utilizar genericamente o termo “diretor” para

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escolar, desconsiderando-se os aspectos locais e culturais das escolas. Em consonância com essas mudanças, diversos cursos e ações formativas passaram a ser direcionadas para os diretores de escola, coordenadores e os professores, neste último caso tendo como opção preferencial o público de professores das disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática – áreas do conhecimento focalizadas nas avaliações externas de larga escala.

Outro aspecto bastante ilustrativo das mudanças ocorridas no interior dessas transformações refere-se ao exposto no discurso oficial em relação à melhoria da “qualidade” do ensino. À época, a noção de “qualidade de educação” transmutava-se para algo que relacionava a conquista da qualidade educacional com a forma de gerir e administrar as escolas. Neste processo passou-se a focalizar, com forte ênfase, as ações conduzidas pelos gestores nas escolas.

Presenciar e analisar a forma como os programas alteraram a dinâmica educativa e consequentemente a gestão escolar e o trabalho docente permitiram reunir os elementos de investigação que conformam esta pesquisa e que fornecem a base material para as investidas teóricas aqui empreendidas.

O contexto teórico da pesquisa

Essas mudanças no campo da educação pública assentaram-se em conformidade com o novo modelo de organização do trabalho oriunda da acumulação flexível (pós-fordismo) no Brasil, a partir de 1990, por meio da edificação da Reforma do Estado Brasileiro, denominada

“Nova Gestão Pública”. Para o precursor da Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira

(1995-1999), a solução dos problemas da ineficiência do Estado-Social-Burocrático era a rigidez nas normas e procedimentos, o controle dos processos e a racionalidade formal nos serviços públicos (BRESSER, 1997).

A Reforma do Estado se estabelece como uma nova forma de participação do cidadão no âmbito da realização do seu exercício democrático. Neste contexto, a criação de novas instituições, como as agências reguladoras e as organizações sociais, passam a atuar no controle social e econômico sob a égide da competitividade de mercado. Nessa acepção, Ball (2011) ao analisar os desdobramentos que alavancaram um novo modelo de gestão na esfera pública,

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através das mudanças empreendidas à luz do ideário neoliberal e consubstanciadas na Reforma do Estado, demonstra como as ações e ditames próprios do mundo empresarial confluíram para a formatação de um novo modelo de gerenciamento denominado pelo autor como “novo

gerencialismo”.

Na área educacional, aspectos relacionados a essas mudanças foram analisados por diversos estudos brasileiros. Em pesquisa de doutorado de 2010, Piolli analisa como o gerencialismo utiliza como argumento central a necessidade de combater a ineficiência e morosidade dos serviços públicos no Brasil, oferecendo, como solução preferencial, as características da empresa privada na organização e no processo de trabalho provindas das orientações do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), construindo, assim, as bases do Estado Social-Liberal que atingiu, posteriormente, as políticas públicas educacionais.

Já a pesquisadora Souza (2002), em sua investigação, analisou as formulações descritas nos documentos produzidos pelo Banco Mundial, que revelaram uma confluência e ampla reestruturação em nome da “melhoria da qualidade de ensino” sob o prisma da racionalidade econômica e instrumental nas políticas públicas educacionais no Estado de São Paulo no período de 1995 a 1998.

Em pesquisa recente, Oliveira (2017) detectou que a concepção de qualidade nas políticas públicas educacionais paulistas tem como objetivo ajustar o modelo de gestão escolar e o próprio trabalho docente aos novos padrões de acumulação do capital advindos do mundo empresarial. Neste sentido, a concepção de gestão do trabalho que embasa as recentes políticas empresariais neoliberais estabelecera métodos e práticas para atender as demandas do setor produtivo na formação de capital humano e novos dispositivos de controle no interior das escolas públicas.

No âmbito da gestão, Lyra (2003), ao analisar as reformas educacionais no Estado de São Paulo, demonstrou como a SEE/SP utilizou da formação continuada, por meio do curso

Circuito Gestão, lançado em 2000, para controlar a formação dos dirigentes regionais das

Diretorias de Ensino paulistas. Em sua pesquisa a autora constata as peculiaridades da gestão empresarial, oriundas do modelo de organização do trabalho pós-fordista, configuradas na formação desses sujeitos e, consequentemente, constata como este ideário transformou-se no grande desafio dos dirigentes de fazer com que esse modelo faça parte da formação dos

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educandos, estabelecendo no futuro um novo perfil de escola, próprio do parâmetro neoliberal sob o prisma do capital.

Por sua vez, Piolli (2010) analisou como as reformas educacionais, empreendidas pelo Governo do Estado de São Paulo na década de 1990, colocaram os diretores de escola como atores principais na implementação da matriz discursiva do campo empresarial, apresentando uma reconfiguração de sua identidade como líder inovador nas escolas públicas paulistas. Essas mudanças não ocorreram sem contradições. Como aponta o autor, os mecanismos de controle e cobrança sobre os diretores resultavam em sentimentos de insegurança e instabilidade emocional no trabalho, como o sentimento de culpa e da responsabilização provindos da interação dos sujeitos com as exigências e imposições do novo modelo de gestão.

A problematização e os objetivos da pesquisa

A partir deste quadro geral em que se insere a temática desta pesquisa, é parte fundamental do nosso empreendimento teórico compreender e incorporar a conceituação proposta por Ball e Youdell (2008) para a análise das formas atuais de privatização da educação. Na perspectiva de ambos os autores, os processos atuais que aproximam a esfera educativa da lógica empresarial ocorrem sob constante movimento de ocultação das práticas privatizantes. Neste sentido, os autores denominam privatização endógena os processos que configuram, no ambiente educativo, em diferentes níveis, práticas, métodos e modelos que sujeitam a todos que condicionam o cotidiano escolar ao funcionamento próprio de uma empresa privada, sob os ditames do alcance da qualidade, da eficiência e da eficácia. Em suma, essa forma de privatização oculta sua “face”, já que é implementada por dentro via práticas e modelos de gestão, de forma complentar às tradicionais ações de privatização dos aparelhos públicos dos Estados nacionais.

Conforme esta acepção, uma das principais estratégias utilizadas pelos organismos multilaterais, em confluência com a classe empresarial para implementar a privatização endógena centra-se no aperfeiçoamento da ação educacional do diretor de escola. Assim, os autores classificam novo diretor gerencial este sujeito, pensado para ser, nestas políticas, o indutor de métodos e práticas gerenciais que, cada vez mais, se materializam por meio dos resultados de desempenho dos educandos nas avaliações externas.

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Com efeito, a presente pesquisa emerge com a seguinte indagação: “Quais são as ações da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo efetuadas com a participação do setor empresarial voltadas para gestão escolar e suas implicações no sistema público de ensino? ”.

Desta forma, diante do conjunto dessas políticas públicas educacionais no Estado de São Paulo, interessa-nos apreender e destacar como o discurso da qualidade apresentou um novo padrão de gestão das escolas públicas, utilizando-se de mecanismos como: o discurso da qualidade, as avaliações externas e os indicadores de qualidade, para consolidar, através do programa “Educação- Compromisso de São Paulo”, uma gestão de resultados importada da classe empresarial.

A hipótese da presente pesquisa é a de que a participação da classe empresarial adentrou as formulações das políticas públicas paulistas por intermédio do discurso da qualidade associado a um conjunto de procedimentos de cunho gerencialista, e que atualmente o êxito deste empreendimento político – implementar as reformas educacionais – focaliza-se na atuação dos diretores nas escolas para consolidar o processo de privatização silencioso, também denominado endógeno. Nesse sentido, constituiu-se como objetivo geral da pesquisa, analisar a participação do setor empresarial na formulação das políticas públicas educacionais paulistas e a consolidação de suas ações na gestão escolar, tendo como objeto de estudo a proposta de gestão presente no interior do Programa Educação- Compromisso São Paulo.

Para alcançar o presente objetivo, se reconhece como fundamentais o delineamento dos seguintes objetivos específicos:

 Analisar os modelos de organização do trabalho, do taylorismo à acumulação flexível, estabelecendo as conexões históricas entre a esfera do trabalho e as mudanças ocorridas na dimensão da gestão;

 Compreender o ideário neoliberal e sua relação no contexto da Nova Gestão Pública, arcabouço central para as transformações operadas no campo educacional;

 Examinar a configuração do discurso da qualidade empresarial presentes nas reformas educacionais paulistas provindas dos organismos multilaterais, identificando a participação desse segmento nas tomadas de decisões e na elaboração das políticas públicas no ambiente escolar;

 Aferir as mudanças empreendidas pela classe empresarial com foco na gestão escolar e o perfil de diretor de escola proposto nas políticas educacionais atuais, buscando

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estabelecer a relação entre privatização exógena e endógena e as formas de atuação via gestão escolar no interior das escolas.

Procedimentos Metodológicos

O presente estudo, de abordagem qualitativa, optou pela pesquisa documental de fonte primária e secundária, pela análise dos discursos oficiais e pela consulta bibliográfica relacionada às reformas de políticas públicas educacionais, formas de privatização e seus efeitos na gestão escolar desenvolvidos a partir do “Programa Educação – Compromisso São Paulo”.

Conforme Godoy (1995), os documentos caracterizam-se como de fonte primária quando os sujeitos vivenciaram o fato estudado e, secundária, quando os sujeitos coletaram e não participaram dos eventos.

A palavra “documentos”, neste caso, deve ser entendida de uma forma ampla, incluindo materiais escritos (como, por exemplo, jornais, revistas, diários, obras literárias, cientificas e técnicas, cartas, memorando, relatórios), as estatísticas (que produzem um registro ordenado e regulas de vários aspectos da vida de determinada sociedade e os elementos iconográficos (como, por exemplo, sinais, grafismos, imagens, fotografias, filmes) (GODOY, 1995b, p. 22).

Os documentos constituem-se por informações que permanecem por um longo período de tempo e de fonte natural atrelados a determinado contexto histórico, econômico, social e “retratam e fornecem dados sobre esse mesmo contexto” (GODOY, 1995, p. 22). Nessa perspectiva, a pesquisa documental buscará se apoiar em uma fonte rica de dados, com materiais de natureza diversa que desafiam o pesquisador a reexaminá-los para além do discurso oficial que comportam, buscando novas interpretações complementares para um “tratamento analítico aprofundado” (GODOY, 1995).

Para alcançar os objetivos da nossa investigação, soma-se a essa análise documental, a análise dos discursos oficiais dos intelectuais formuladores das políticas educacionais neoliberais e a consulta bibliográfica de diversas produções acadêmicas acerca do nosso objeto de pesquisa.

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Conforme o acesso aos documentos oficiais, legislação educacional, discursos oficiais e fontes bibliográficas diversas, o instrumento metodológico utilizado será o de “análise de conteúdo”, que não exclui outros meios de comunicação para além da oralidade e escrita. Essa análise entende que por trás do discurso “aparente, simbólico e polissêmico, esconde-se um sentido que convém desvendar” (GODOY, 1995, p. 23).

De acordo com Bardin (2016, p. 52), a “análise de conteúdo na pesquisa documental” permite ao pesquisador inferir indicadores para uma manipulação das mensagens sobre “uma outra realidade que não o da mensagem”. Essa abordagem permite desdobrar o texto escrito ou o discurso falado em unidades categóricas conforme frequência, critérios de análise e categorias que perpassam o presente estudo. O desafio encontra-se em promover uma investigação que seja capaz de romper com aspectos fragmentadores da realidade, interligando texto, contexto e reflexão teórica crítica.

A estrutura da dissertação

Nessa perspectiva, o presente estudo estrutura-se em três partes. No primeiro capítulo, faremos um esforço de compreensão dos modelos de organização do trabalho desde o taylorismo à acumulação flexível, buscando apreender as mudanças sociais, econômicas e políticas que perpassaram essas transformações. Neste capítulo, nosso esforço é o tentar demonstrar como as alterações no âmbito do trabalho vieram acompanhadas de mutações nas “formas de gerir o trabalho” promovendo sofisticações explícitas e sutis no campo da gestão. Soma-se a este primeiro exercício teórico a compreensão do ideário neoliberal, em consonância com o receituário das agências multilaterais, e sua atuação no processo da Reforma do Estado no Brasil (Nova Gestão Pública) a partir de 1990.

Sintonizado com isso, o processo de Reforma do Estado Brasileiro é analisado no segundo momento deste trabalho, examinando-se como, através dessas reformas, o Brasil e o Estado de São Paulo convergiram para uma agenda global dos organismos multilaterais, em especial o Banco Mundial. Tal processo vem servindo para consolidar o prisma da gestão privatizante do Estado em torno do consenso da atuação do privado sobre o público, utilizando

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para isto o discurso da qualidade, da eficácia e da eficiência como polos justificadores das mudanças em curso.

Na terceira parte, adentramos a sustentação conceitual que abarca esta pesquisa. Neste campo, apoiados em Stephen J. Ball e outros autores, o conceito de privatização exógena e endógena são chaves para a compreensão da tendência da participação da classe empresarial nas formulações das políticas públicas educacionais de forma híbrida. A partir dessas análises buscamos dimensionar como essas mutações implicam num novo perfil de escola e num novo perfil de liderança proposto pelo setor empresarial. Nesta perspectiva avançamos na análise documental que, ao nosso ver, são reveladores dessa trama na realidade educacional paulista, materializada em ações recentes do programa “Educação – Compromisso de São Paulo” (2011). E, por fim, com as considerações finais, esperamos com esta pesquisa contribuir para proposições de consolidação da lógica privatista sobre o público nas quais nos debruçamos até o presente momento.

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1. A INFLUÊNCIA DA CLASSE EMPRESARIAL NA GESTÃO PÚBLICA NO CONTEXTO NEOLIBERAL

A gestão como ideologia que legitima uma abordagem instrumental, utilitarista e contábil das relações entre o homem e a sociedade. Sob uma aparência pragmática e racional, a gestão subentende uma representação do mundo que justifica a guerra econômica.

Vicente de Gaulejac, Gestão como Doença Social.

Neste capítulo, analisamos as formas de organização do trabalho, do taylorismo ao pós-fordismo, e o processo de configuração do neoliberalismo a partir da década de 1970, assim como seus efeitos na constituição do processo da Nova Gestão Pública a partir de 1990 no Brasil. Isso nos permitirá compreender como o modelo de acumulação flexível foi desenvolvendo novos parâmetros nas formas de “gestão do trabalho” e como este foi sendo incorporado por meio da Reforma do Estado, que posteriormente estabeleceu, no campo da educação pública, uma nova roupagem com características do modelo empresarial.

1.1 Do taylorismo à acumulação flexível: a mutação na concepção de gestão

Na expansão do capitalismo monopolista, as formas de organização do trabalho, a partir da escola clássica, tiveram como precursor Frederick Winslow Taylor.4 Com o objetivo de alcançar a racionalização dos tempos e dos movimentos, na chamada “Administração Científica” do processo de trabalho, sua teoria promoveu mudanças no modo de produção e na organização do trabalho da época, perpassando, de maneira híbrida, várias organizações atualmente.

Taylor (1990), com seu método científico, elaborou a noção de “tempo útil” com o intuito de intensificar a produção utilizando-se do menor tempo possível para a confecção da mercadoria. Expôs que seu principal objetivo “deve ser o de assegurar o máximo de

4 “Taylor foi trabalhar como operário para aprender a entender a objetividade do processo de produção e a

subjetividade do trabalhador. Criado em uma família de princípios rígidos, Taylor foi habituado desde cedo à disciplina, à devoção ao trabalho e à poupança” (HELOANI, 2011, p. 25). Taylor publicou sua principal obra em 1911, o livro The Principle Of scientific Management.

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prosperidade ao patrão e, ao mesmo tempo, o máximo de prosperidade ao empregado” (TAYLOR, 1990, p. 24).

Para Taylor (1990), a cooperação entre patrão e operário (capital e trabalho) não é contraditória, pois cristaliza-se na sedução do trabalhador pelo salário, pela premiação. Já a empresa busca a eficiência no “mais alto grau”, objetivando aumentar sua produção (lucro) com baixo custo no menor tempo possível. No que concerne ao trabalhador, Taylor (1990) demonstra que, apesar da cooperação no trabalho conjunto, é na especialização individual de cada parcela do trabalho que o sujeito atinge seu maior rendimento na produção, catalisado pela competição entre seus pares.

Um aspecto revelado em seu livro “Princípios de Administração Científica” é fundamental para a compreensão do taylorismo. Trata-se da noção de “vadiagem no trabalho”. Ele ressalta a importância de combater “o hábito de fazer cera” no ambiente laboral, analisando essa questão de diferentes perspectivas. Dentre elas, Taylor analisa que os métodos utilizados pelos operários para burlar as formas de maior produção no espaço laboral, denominadas “indolência natural e sistemática”,5 visavam deixar o patrão na “ignorância”. Esta análise serviu de justificativa para o estudo do tempo e do movimento, desembocando em métodos para a eliminação dos tempos ociosos produzidos pelos próprios trabalhadores.

Taylor (1990) explica que o método da “administração científica” está agrupado sobre quatro pilares, a saber: 1) substituir o método empírico pelo científico, pela observação do tempo e do movimento, com o uso do cronômetro; 2) Selecionar cientificamente, depois treinar, ensinar e aperfeiçoar o trabalhador, consolidando todo o conhecimento do trabalhador sobre seu ofício na fábrica de forma centralizada no setor de planejamento, este conhecimento sobre o processo de trabalho fica sob a responsabilidade deste departamento e não mais só sob controle do operário, reduzindo seu papel de forma simples, como por exemplo, o conhecimento sobre o ritmo da produção e o trabalho artesanal; 3) cooperar cordialmente com os trabalhadores com objetivo de controlar todos os detalhes de sua execução na produção e desenvolver uma relação amigável com a hierarquia da fábrica, nesse princípio fica claro a separação entre quem executa (trabalhador) e quem planeja (direção) e, 4) manter a divisão equitativa de trabalho e

5 Em Taylor (1990) a “indolência natural e sistemática” poderia se apresentar de duas formas: uma primeira

manifestada através de uma “tendência instintiva nativa de fazer o menor esforço” e a uma segunda que seria “planejada” (premeditada e consciente).

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de responsabilidade entre direção e operário, incumbindo a direção de controlar e vigiar os tempos ociosos dos operários na fábrica na figura do contramestre.

Para consolidar os chamados “Princípios de Administração Científica”, Taylor utiliza-se, como exemplo, o carregamento de barras de ferro, na fábrica Bethlehem Steel Company, por um grupo de aproximadamente 45 homens carregadores. Ele observou que o carregamento médio era de 12,5 toneladas por dia e, pós-estudos, os carregadores poderiam alcançar 47,5 toneladas de barras de ferro por dia, com movimentos únicos numa determinada função específica (trabalho parcelado) e intervalos regulares. Isso explica o método da seleção científica do trabalhador por suas habilidades específicas para determinada função individual e fornece, como exemplo, o homem bovino,6 o operário Schmidt, para demonstrar a nova forma no processo de trabalho com o carregamento de barras de ferro com intervalos regulares atrelado à questão da “melhoria salarial” e ao respeito à fisiologia (corpo), sob a vigilância do contramestre.

Esse método científico dos tempos e movimentos foi expandindo-se pelo mundo do trabalho, a partir de 1920, com o auxílio da Organização Científica do Trabalho (OCT) e tinha como propósito, sob a perspectiva do capital, “o progresso social pela introdução de novas técnicas” (HELOANI, 2011), ampliando e modificando, nos Estados Unidos e na Europa, a organização do trabalho. A ausência de “harmonia” entre operário e patrão era latente, mas foi consolidada pelo desejo de acumular lucros. A habituação do sujeito para o trabalho especializado, no qual as “orientações” da direção (os que pensam a melhor maneira de executar com o menor tempo) foram fundamentais, levou à consolidação dessa ciência em nome da prosperidade entre capital e trabalho.

Para Heloani (2011), o taylorismo age de forma desigual no âmbito da subjetividade sobre os dois sujeitos – trabalhador e patrão – definidos historica e politicamente . Para este autor, “ruptura” e “ambiguidade” instituem-se como prosperidade e cooperação por meio da “aceitação das regras” que se traduz num jogo de dominação com o processo de “modelização dos corpos”, forjando uma imagem harmoniosa sobre o trabalho. Nas palavras do autor:

Ruptura, na medida em que se separa a acumulação de capital da exploração do trabalho. Ambiguidade, pois isenta o capital de sua exigência de dominação política sobre o corpo, no espaço de produção. Desse modo, edifica uma

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arquitetura que limita a visão do espaço da dominação política (HELOANI, 2011, p. 30).

Vale ressaltara repulsa de Taylor em relação à coletividade na fábrica e sua ênfase em despertar nos trabalhadores o individualismo, cooperação e a ambição, que resultariam em um maior controle sobre suas habilidades e na maior manipulação da sua subjetividade em convergência com os “valores econômicos”. Marcado por nuances do racionalismo econômico, este processo leva à transformação dos sujeitos em “homo economicus”, pois, segundo Heloani (2011):

O discurso da cooperação precisa ser introjetado e posteriormente consolidado pela subjetividade do trabalhador, para que se possa colocar o discurso da ambição como uma necessidade inerente à personalidade do trabalhador. Dentro desse contexto, os mais ambiciosos são premiados com maiores incentivos para o desempenho de suas funções, sempre numa posição taylorista em que se privilegia o desempenho individual e se combate o trabalho em grupo (HELOANI, 2011, p. 34).

Motta (2006) confirma essa visão ao afirmar quequando o homem é levado a construir suas atitudes em convergência com estes valores econômicos,

(...) o homem é encarado como um agente capaz de maximizar suas decisões. Como seus valores são tidos previamente como econômicos, entende-se que o fará em termos de maiores ganhos pecuniários. O homem é ainda visto como um ser que procura um máximo de ganhos com um mínimo de esforços. Diante desse dado cabe ao administrador garantir que o trabalhador dispense o esforço de que é capaz. Para Taylor isso é possível porque existe uma única maneira certa de se realizar um trabalho. Uma vez descoberta, ela maximizará a eficiência (MOTTA, 2006, p. 07).

De acordo com Piolli (2010), o taylorismo proporcionou na fábrica, de forma clara e intensificadora, a separação entre “execução e concepção”, consolidando a divisão do trabalho por meio da cooperação, burocracia e a hierarquia no interior do espaço laboral.

Outro pioneiro desta corrente, Henry Fayol, contribui, em 1916, para a racionalização da estrutura administrativa, através de sua obra “Administração Geral e Industrial” em convergência com o autor dos “Princípios da Administração Científica”. Revela-se que ambos

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(taylorismo e fayolismo) se complementam, tendo como base as ideias positivistas7. Segundo Heloani (2011), no fayolismo, uma boa administração deve ser regida com as características dos princípios da hierarquia militar, sendo necessário “planejar, organizar, coordenar, comandar e controlar”, referindo-se à organização do trabalho no campo administrativo, que não só influenciou a administração das empresas, como a administração pública,8 com aprofundamento da estrutura hierárquica.

Cabe ressaltar, como explica Piolli (2010), a relevância no fayolismo em modelar o homem sob diretrizes e estruturas hierárquica verticais, uma vez que “A organização da empresa, em sua concepção, deve ser material e social, com todas as ações em seu âmbito previstas e traçadas, em um programa que será amplamente controlado” (PIOLLI, 2010, pp. 47-48).

Posteriormente, em 1913, Henry Ford iniciou seus estudos no interior de sua fábrica. Buscando uma maneira de produzir um automóvel com baixo custo e menor tempo, introduziu na organização da produção inovações que alteraram profundamente a organização do trabalho. Entre estas mudanças, estava a introdução da esteira mecânica para produção do automóvel (o inovador modelo T) e a produção em tempo médio de noventa e oito minutos para concluir o produto, com salários de cinco dólares e jornada de trabalho de 8 horas por dia.

A partir da efervescência do taylorismo-fayolismo e sua materialização na divisão do trabalho, o fordismo, com seu processo de linha de montagem no interior da fábrica, produziu uma revolução na produção automobilística. Tal processo, segundo Gounet (1999), levou países desenvolvidos à guerra econômica, pois este promissor setor era considerado de grande importância para o desenvolvimento.

Para compreendermos como essa corrente transformou não só a organização e a gestão do trabalho, mas também como se configurou como um projeto de regulação econômica e social que influenciou o desenvolvimento econômico dos países desenvolvidos e as condições de vida do trabalhador, faz-se necessário compreender as cincos transformações promovidas pelo fordismo. Segundo Heloani, sãoelas:

7 Um grupo de intelectuais, influenciados pelas idéias de Frege na lógica e Wittgenstein na filosofia, empreenderam

uma crítica às concepções da ciência e da filosofia clássicas: o conhecimento só pode ser adquirido quando submetido a critérios experimentais de ordem quantificada, não basta refletir sobre determinado problema, o que interessa é saber se esse problema pode ser reduzido a uma questão de lógica (formal) técnica ou matemática. Dessa postura nasce o positivismo.

8 Motta (2001), Heloani (2003) e Piolli (2010) destacam que o fayolismo inspirou a teoria da administração das

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a) a produção em massa, isto é, a intensificação do combate aos tempos ociosos, tendo o tempo para produção como aliado primordial para atender os futuros consumidores em massa (os trabalhadores);

b) o parcelamento das tarefas no processo de produção do automóvel, sendo que um operário era colocado na execução de uma determinada função repetidas vezes durante sua jornada de trabalho – diferentemente do trabalhador-artesão, que precisava saber da confecção do produto como um todo –, aprofundando um processo de desqualificação desse sujeito;

c) a introdução da linha de montagem que reúne diversos trabalhos parcializados e individuais sobre a esteira, elevando o controle e o ritmo da produção;

d) a padronização das peças e a centralização de sua confecção na fábrica, para evitar o desperdício do tempo no processo de produção em larga escala;

e) melhores salários para atrair os trabalhadores neste “aprimoramento” da concepção taylorista (HELOANI, 2011).

Gounet (1999) e Heloani (2011) afirmam que o fordismo, ao dobrar o salário de cinco dólares por dia dos trabalhadores, impôs uma série de padrões de condutas e normas, visando estabelecer um sistema de premiação. Além disso, implementou-se o setor de serviço social, disciplinando e controlando a vida dos operários dentro e fora do espaço da fábrica.

O fordismo, assim, conduz o taylorismo às suas máximas consequências, intensificando a produção, gerando maior eficácia com ritmos de trabalho mais velozes. Esse processo amortece a luta classes na produção, já que a “separação e a especialização do trabalho das funções têm como objetivo combater o controle sobre as condições do trabalho que a autonomia dos postos de trabalho pode permitir aos trabalhadores” (AGLIETTA apud TEIXEIRA, 1996, p. 55). O sistema ainda articula a produção em massa como o consumo em massa, universalizando, assim, o trabalho assalariado que, por sua vez, sustenta o processo de acumulação, num círculo vicioso de demanda, consumo e crescimento. Tornou-se o modo de regulação das economias de vários países, favorecendo o desenvolvimento no Estado de Bem-Estar, no pós-guerra (1950-1970), “fase áurea do capitalismo”.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos emerge como uma poderosa potência hegemônica, pois financiara materiais bélicos aos países aliados durante os conflitos de guerra, tornara-se um grande credor do sistema internacional e possuía um mercado de consumidores em massa como um grande potencial para a sua economia. Em 1944, na

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Conferência de Bretton Woods, nos Estados Unidos, discutiu-se a reestruturação econômica e reconstrução dos países do pós-guerra com definição de regras para fins de estabilidade macroeconômica, o dólar como referência monetária internacional e sua integração como padrão ouro. Surge nessa conferência, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). O primeiro tem a função de ajudar a economia e o desenvolvimento dos países afetados pela guerra com a exigência de integrar-se ao FMI, o segundo surge para garantir a estabilidade monetária internacional para eventuais desequilíbrios na taxa de câmbio (SIMON, 2011).

Impulsionados por essas formas de gestão “científicas” do trabalho e pela liberdade de competição no mercado mundial, as metrópoles europeias obtiveram enorme riqueza. Mas a competição entre nações, produzida por esse mesmo impulso, deflagrou duas grandes guerras, colocando em dúvida se não haveria a necessidade de intervenção estatal na economia. Esse questionamento torna-se essencial com a crise da bolsa, em 1929, nos EUA, que se propaga pelo mundo, produzindo caos na produção mundial. São postas em xeque a política e filosofia do liberalismo e o padrão-ouro9, culminando na desestruturação, falências e níveis altos de desempregos na Europa (SIMON, 2011).

Nos Estados Unidos, a crise de superprodução – promovida pelo padrão de produção fordista e pelas inovações tecnológicas – e os altos níveis de desemprego e concentração de renda resultaram num amplo debate sobre a intervenção do Estado na regulação da economia, gerando ambiente para políticas de intervenção estatal como o keynesianismo,10 em que o Estado deveria gerir o desenvolvimento econômico para atingir o pleno emprego.

Gounet (1999) demonstra como a “competição encarniçada” da indústria automobilística apresentou-se com o Plano Marshal11 para reconstruir economicamente os países capitalistas da Europa Ocidental, por meio de um conjunto de políticas adotadas pelo

9 A admissão do padrão-ouro como política monetária internacional era o regime de câmbio fixo que para cada

moeda emitida pelo Banco Central emitia-se ouro que visava um equilíbrio na competividade dos produtos nos mercados internacionais. O Reino Unido, como potência hegemônica, impôs esse sistema conhecido como padrão libra-ouro.

10O economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946) é o principal representante da macroeconomia moderna. A teoria keynesiana propugnou a intervenção estatal na vida econômica em função do grande número de desempregados no pós-guerra, situação que, segundo ele, seria temporária e que desapareceria graças às forças do mercado.

11 Inaugurado em um encontro dos Estados europeus (com exceção dos países da Europa Oriental e da própria

URSS), em julho de 1947, o Plano Marshall instaurou-se como o programa de recuperação econômica europeia conduzida pelos EUA.

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governo norte-americano para enfrentar a Crise da Bolsa de Nova Iorque e instaurar o New

Deal,12 referenciado no setor automobilístico e no fordismo.

Por outro lado, este processo, segundo Gounet (1999), concorreu para o desenvolvimento de uma espécie de “guerra econômica”, caracterizada da seguinte forma:

(...) os concorrentes não têm escolha: ou se adaptam às soluções fordistas, inclusive o salário de cinco dólares, ou se refugiam em um nicho, uma trincheira onde a produção artesanal ainda seja rentável, como os setores de carros de luxo ou esporte, ou então desaparecem. Efetivamente, a mortalidade de empresas automobilísticas é altíssima. Nos Estados Unidos, o número de fabricantes cai de 108 em 1923 para 12 em 1941. Os sobreviventes introduzem os novos métodos de produção e pagam 5 dólares a seus operários (GOUNET, 1999, p. 21).

Todo este conjunto de transformações na esfera política e econômica, tendo como enfoque a consolidação do fordismo, promoveu transformações profundas no âmbito do trabalho, promovendo efeitos também na esfera da subjetividade humana. Segundo Heloani (2003), as transformações na subjetividade do trabalhador decorrem dos seguintes fatores: “valorização” do operário, felicidade baseada no consumo, repasse da produtividade aos salários e a consequente expansão da classe média e novas formas de controle na vida do trabalhador dentro e fora da fábrica. Este último foi corroborado pela atuação de um exército de assistentes sociais, visando um maior controle das questões econômicas em nome do “consumo” para a felicidade, pela promoção de um padrão de conduta dos trabalhadores e da possibilidade de tornar as reivindicações dos sindicatos coerentes com a lógica do sistema. Heloani (2011) assinala que o fordismo conseguiu unir “coerção às formas de persuasão, como características da escola de Relações Humanas”.13 Ainda, segundo o autor, tal processo apresentou uma forma de enfrentar a solidariedade própria da coletividade no trabalho.

Com o keynesianismo em desenvolvimento, através do Welfare State (Estado-Previdência ou Bem-Estar Social), implantaram-se novas políticas sociais e econômicas, que contribuiram para assegurar as condições para o desenvolvimento do consumo e da expansão

12 O New Deal (“Novo acordo”) significou uma série de programas implementados nos Estados Unidos entre os

anos de 1933 e 1937, sob o governo do Presidente Franklin Delano Roosevelt, com o objetivo de recuperar e reformar a economia norte-americana e, ao mesmo tempo, promover, sob uma política de intervenção estatal, uma espécie de “auxílio” aos países devastados pela guerra.

13 O fundador dessa escola é o psicólogo George Elton Mayo, sua preocupação baseia-se em construir na

organização do trabalho o “homo social” e que sua relação com o trabalho necessita de “moral, satisfação e produtividade”. Motta (2001, p. 09) aponta que, nesse modelo, a ênfase está na noção de que “o homem é visto como amplamente movido por necessidades de segurança, aprovação social, afeto, prestígio e auto-realização”.

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dos investimentos capitalistas na Europa e nos Estados Unidos. Heloani (2011) afirma que foi sob o domínio do keynesianismo que ocorreu a consolidação do modelo fordista, instaurando-se o que ficou conhecido como “Anos Dourados” do pós-guerra. Nas palavras do autor:

Assim, o Estado-Previdência, o Estado do Bem-Estar Social ou ainda, Welfare State, como ficou mais conhecido, complementou o projeto fordista, uma vez que ambos se propunham a manter e assegurar o crescimento do consumo, isto é, a expansão da demanda agregada, ajustando-a à absorção da produção em massa. Propondo que a elevação da produtividade fosse repassada aos salários, o fordismo apresenta um projeto de gestão de economia (HELOANI, 2011, p. 67).

Porém, posteriormente ocorre a saturação do modelo fordista. Este passa a ser contestado pelos trabalhadores da década de 1960, que o consideravam estafante. Entre os fatores contribuintes para esta situação, podemos ainda citar a oposição que o presidente norte-americano Nixon sofria em relação a sua malfadada empreitada na guerra do Vietnã, fomentada pela obsessão dos Estados Unidos em combater o regime socialista. Tal episódio gerou forte contestação do movimento hippie, que pregava liberdade e se opunha ao governo e, na Europa, o movimento estudantil de maio de 1968 passou a questionar o modelo de regulação social da moderna sociedade capitalista, gerando intensas manifestações públicas. Além disso, vale ressaltar que o abalo do modelo fordista também foi agravado por outros fatores, como: a competição internacional, principalmente, entre o Japão, Europa Ocidental e os países recém-industrializados; a crise do petróleo (1970) e a pressão pela substituição do câmbio fixo norte-americano por um flutuante.14

Neste contexto, o modelo do Welfare State entra em crise, marcado pelo esgotamento do modelo intervencionista keynesiano e pelo levante da luta de classe em diferentes países do mundo (ANTUNES, 1999, p. 40). Assim, as décadas de 1970 e 1980 conformaram um período de reorganização econômica e reajustamento social e político. Segundo Harvey (2014, p. 140), nesse período, uma série de novas experiências de organização na indústria promoveram mudanças na vida social e política que constituíram e representaram “os primeiros ímpetos da passagem para um regime de acumulação inteiramente novo, associado com um sistema de regulamentação política e social bem distinta”. A esse novo regime de acumulação Harvey denominou acumulação flexível, marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo,

14 “Flutuante” significa a autorregulação dos preços determinados pelo mercado mundial, sem a intervenção do

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esta se apoiava na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. O modelo, também chamado de toyotismo, iniciou-se na indústria automobilística da Toyota, tendo como fundador Taiichi Ohno (1912-1990). Tal modelo define-se pelo sistema de produção enxuto:

(...) caracterizado pelos cinco zeros: zero estoques (estoque mínimo), zero atrasos (a demanda puxa a produção), zero defeitos (cada trabalhador controla a qualidade do trabalho de seu colega precedente), zero papéis (o Kanban, que em verdade é uma senha, diminuiu as ordens administrativas) e o zero panes (nunca se forçam as máquinas, e a simplicidade tecnológica é valorizada) (HELOANI, 2011, p. 120).

Essa escola mudou essencialmente a organização do trabalho vigente (taylorista-fayolista-fordista) marcada pela rigidez, desenvolvendo em seu lugar uma organização flexível no trabalho, através sobretudo dos mecanismos just-in-time15 (tempo justo) e o método Kanban.16

A indústria japonesa vivia um impasse diante do fordismo, devido às dificuldades de adaptação ao modelo fordista e os riscos de falência impostos pela concorrência intercapitalista imposta pela produção norte-americana de automóveis. Segundo Gounet (1999. p. 25), essa é a dupla origem do toyotismo: a falta de demanda dos modelos de carros e a condição de vida restrita dos trabalhadores japoneses, contrárias às dos norte-americanos (baseada no poder do consumo), foram de grande importância para construir a nova organização do trabalho com “métodos flexíveis”. Este processo forneceu contexto para a participação do Estado Nipônico no incentivo à economia nacional e mais especificamente à indústria automobilística japonesa, visando tornar o Japão um país concorrente no mercado internacional.

Ainda de acordo com Gounet (1999), as fortes características do toyotismo são a flexibilidade e o controle dos trabalhadores, percebida pela intensificação do trabalho através do gerenciamento por tensão implementado pelo método Kanban e pelo aprimoramento da noção de “qualidade” durante o processo de produção. Gounet, assim, descreve o método

Kanban:

15 É o sistema de produção enxuta e/ou demanda que visa confeccionar o produto na hora certa. Nesse sentido, o

produto só será confeccionado depois de vendê-lo com vistas a reduzir o estoque e custos na organização do trabalho.

16 Esse método utiliza-se por meio de cartões que funcionam como sinalizadores durante o processo de produção.

Revelou-se no Kaban um controle maior de informações de quando, quanto e o que produzir em convergência com o Just in time.

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Em toda cadeia de produção há sinais luminosos com três luzes: verde, tudo em ordem; laranja, há super-aquecimento, a cadeia avança em velocidade excessiva; vermelha, há um problema, é preciso parar a produção e resolver a dificuldade. Alguém poderia acreditar que o objetivo é acender em todos os setores um verde tranquilizador. Nada disso! Se a luz está verde é sinal de que existem problemas latentes, que não aparecem. É preciso acelerar o fluxo. Assim, a cadeia estará no limite da ruptura do problema. Os problemas aparecerão. A empresa poderá remediá-los e elevar a produtividade, o desempenho, a capacidade de fabricar carros de qualidade. É preciso, portanto que os sinais oscilam permanentemente entre o verde e o laranja, o que significa uma elevação constante do ritmo de produção (GOUNET, 1999, p. 29-30).

Ainda sobre a flexibilidade dos trabalhadores, destacamos o trabalhador como polivalente, isto é, o sujeito que realiza diversos trabalhos parcelados, operando não mais “um homem/uma máquina” e sim “um homem/cinco máquinas”, dentro de um pressuposto de “trabalho coletivo” que levará o trabalhador a atuar simultaneamente em cooperação com outras tarefas (GOUNET, 1999). Isso muda radicalmente o processo produtivo, tornando o trabalhador polivalente para operar diversas máquinas e tarefas distintas em um sistema altamente automatizado e de exigência de consolidação do trabalho em equipe.

Vale ressaltar o sucesso desse modelo à luz da tecnologia, tanto do ponto de vista da intensificação, como da flexibilidade no trabalho. De acordo com Heloani (2011):

(...) deve-se, principalmente, ao fato de ter adotado a base tecnológica em combinação com a organização do trabalho em equipe, com a produção integrada (identidade de interesses entre as montadoras e os fornecedores de peças e componentes) e com o aprendizado. Trata-se aqui do aprendizado obtido pela generalização das experiências acumuladas na produção (saber tácito), pela rotação dos postos, pelo alargamento das tarefas, pela constituição de equipes semi-autônomas, pela redução dos níveis hierárquicos. É um modelo adequado ao atual estágio de desenvolvimento do capitalismo (HELOANI, 2011, p. 120).

Para uma síntese dessas transformações, Antunes (1999) diferencia o toyotismo do taylorimo/fordismo da seguinte maneira: 1) visa atender às exigências mais individualizadas do mercado consumidor, diferenciando-se da produção em série e de massa do taylorismo/fordismo; 2) baseia-se no trabalho em equipe, com multiplicidade de funções, rompendo com o trabalho isolado do fordismo; 3) a produção se dá de forma flexível, que possibilita ao operário operar simultaneamente várias máquinas alterando-se assim a relação homem/máquina; 4) tem como princípio o just in time, aproveitando melhor o tempo de produção; 5) funciona segundo o sistema de Kanban, placas ou senhas de comando para

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reposição de peças e de estoque; 6) as empresas do complexo produtivo toyotista, inclusive as terceirizadas, têm uma estrutura horizontalizada, ao contrário da verticalidade fordista; 7) organiza os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), voltados para melhorar a produtividade das empresas, convertendo-se num importante instrumento para o capital apropriar-se do saber do trabalhador, desprezado pelo fordismo.

Neste sentido, convém salientar a importância do desenvolvimento da noção de qualidade neste contexto de mudanças nas organizações empresariais. Primeiramente, é relevante destacar que nas preocupações do taylorismo, em seu método de Administração Científica, já se encontram as bases para a questão da qualidade do produto alinhado com a busca por maior rendimento do operário industrial e pela redução de custos para o setor empresarial:

A concepção de qualidade para o taylorismo veio a integrar, portanto, noções que se impregnaram no mundo empresarial, como otimização dos processos, excelência, produtividade, controle do processo de trabalho, diminuição dos custos e “harmonização” dos conflitos (OLIVEIRA, 2017, p. 39).

Mas Oliveira (2017) reforça que o modelo da “Gestão da Qualidade Total”, ao emergir da crise de produção capitalista em meados de 1940 e da superação do modelo taylorista-fordista, avança no sentido da elaboração de novas práticas para impulsionar a rentabilidade por meio de “renovadas estratégias de gestão e controle da força de trabalho” (OLIVEIRA, 2017, p. 37).

A concepção da qualidade total oriunda da experiência da indústria japonesa pós-II Guerra Mundial se difunde a partir de 1980, estabelecendo a gestão estratégica por meio do comprometimento dos trabalhadores com a qualidade do produto “e tornando a força de trabalho uma aliada da gerência, das chefias e das lideranças” (OLIVEIRA, 2017, p. 43). Nesse sentido, a “Gestão da Qualidade” elevou a responsabilização de todos os trabalhadores envolvidos na produção em nome da qualidade do produto.

De acordo com Oliveira (2017), o aperfeiçoamento da qualidade total envolve quatro aspectos para além do arcabouço teórico sobre Gerência da Qualidade total, sendo: a) o discurso da qualidade; b) espírito de equipe; c) liderança e d) definição de qualidade. O primeiro busca, para além do atendimento ao cliente-consumidor, a sua adequação à necessidade e desejo do cliente, “adiantando-se aos concorrentes por meio de análises do comportamento humano e de

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indicadores estatísticos que permitem traçar uma estratégia ousada de marketing e efetivação do consumo” (OLIVEIRA, 2017, p. 44). O segundo demonstra como o espírito de equipe conduz à formação de seus sujeitos eficazes (trabalhadores) em nome do contínuo aperfeiçoamento dentro da empresa e da educação formal,

(...)conjuga-se com as necessidades da empresa capitalista, instrumentalizando o conhecimento na direção da formação do perfil de empregado exigido pelas organizações empresariais. Entre as habilidades requeridas encontram-se as capacidades de inovação, trabalho colaborativo, geração de negócios e tomada de decisões. Aqui se confirmam os princípios 06 e 13 de Deming ao orientar a implementação do “treinamento em serviço” e a instituição de “programas de educação e de auto aprimoramento (OLIVEIRA, 2017, p. 44).

O terceiro aponta a liderança na concepção da qualidade total que engloba um novo perfil de gestor que pode ser qualquer trabalhador da empresa, desde que seja oferecido todo o treinamento e educação necessários para substituição de práticas autoritárias. Esse novo perfil de gestor neotaylorista resolve conflitos e constitui equipes harmoniosas e produtivas na efetivação das metas e resultados.

A liderança assume a capacidade de gestão dos conflitos com a terapia da mediação, cujo foco encontra-se na “resolução de problemas” e no alcance dos objetivos de maneira “alegre e solidária”. A função terapêutica da liderança assume um estilo de autoajuda, no qual o feedback e a autocrítica são processos que contribuem para o crescimento dos indivíduos enquanto membros da organização, não enquanto pessoas em busca de autonomia pessoal (OLIVEIRA, 2017, pp. 44-45).

E, por último, a definição de qualidade busca a harmonia entre capital e trabalho de forma comum através do “caminho natural em busca de aperfeiçoamento”, “tomada como um benefício indiscutível para a humanidade” e, por sua vez, “ocultando a violência e a irracionalidade subjacentes aos processos históricos que produzem o progresso” (OLIVEIRA, 2017, p. 45).

Ainda segundo a autora, outro ponto a destacar no gerenciamento das empresas envolve o aspecto da subjetividade humana em nome do culto da excelência e do desempenho por intermédio do discurso da qualidade, que busca consolidar uma cultura da avaliação centrada nos recursos humanos como um “recurso a mais da empresa” como por exemplo, as tecnologias e instrumentos de produção. Esse recurso representa no espaço laboral uma “quebra da

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dimensão coletiva” frente aos novos e diferentes mecanismos do comprometimento individual do trabalhador por meio de “um sistema flexível que envolve a participação deste na resolução dos problemas dentro da gestão”.

Heloani (2011) ressalta que, no toyotismo, o papel dos Programas de Qualidade Total17, em seu discurso sobre a “busca da perfeição”, o “espírito em equipe” e da “cooperação” na estrutura hierárquica das relações no interior do espaço laboral (“Gestão Participativa”), foi de grande importância para reordenar essa dimensão da subjetividade dos trabalhadores. O discurso da qualidade, combinado com as técnicas de gestão de produção para resultados quantitativos, baseia-se na gestão pelo inconsciente (HELOANI, 2011). Assim, os trabalhadores vão sendo transformados mediante uma pseudoparticipação sobre a organização (MOTTA, 2006). Todos os trabalhadores são “clientes” e seu “saber tácito” é capturado e apropriado pela gestão empresaria, favorecendo a acumulação do capital.

Outro elemento que contribuiu para o desenvolvimento deste processo de subjetivação das ações no espaço laboral, segundo Piolli (2010), foi a influência da psicologia da “Escola de Relações Humanas”:

A psicologia, a entrevista, a dinâmica de grupo, juntamente com a maior eficiência dos aparelhos de comunicação e de informação, seriam expressões de uma nova pedagogia fabril focada na harmonização dos sujeitos com a organização (PIOLLI, 2010, p. 51).

Além disso, Gaulejac (2007) demonstra como o culto da excelência e do alto desempenho nas organizações de cunho flexível fomentou, em nome da qualidade, a ruptura com os modelos anteriores, que eram marcados pela rigidez do taylorismo-fayolismo-fordismo. Observamos, também, que este processo influenciou a “aceitação voluntária” das normas por parte da classe trabalhadora:

Trata-se, portanto, de uma ruptura em relação aos modelos autoritários e normalizadores, uma vez que o programa de qualidade supõe uma aceitação voluntária e a contribuição daquelas que aplicam. Como se uma norma aceita voluntariamente não produzisse efeitos de poder. Sabemos, todavia, desde La Boétie (1576), que o poder é muito mais intenso quanto mais assumido por aqueles que suportam (GAULEJAC, 2007, p. 93).

17 O pioneiro do “Programa Qualidade Total” é William Edwards Deming (1900-1993). Seu reconhecimento na

melhoria do processo de produção através da qualidade se deu no Toyotismo, que mais tarde influenciaria o sistema produtivo na acumulação flexível (pós-fordismo) no mundo todo.

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Segundo Gaulejac (2007), esse processo é reforçado pelo poder ideológico do

gerencialismo. Este se constitui como ciência voltada para os resultados, ou seja, números que

visam, dentro da organização, um novo trabalhador de cunho utilitário sob a ótica dos indicadores ou avaliações de desempenho, buscando-se, por meio da participação e iniciativa, uma coesão entre capital e trabalho. Além do que, o autor assinala que entre as implicações da manipulação das subjetividades desses trabalhadores estariam as consequências da “quantofrenia”, isto é, o sujeito passa a permanecer sob a lógica da rentabilidade (resultados) e competitividade entre seus pares. Com efeito, a partir da transição da Teoria da Administração para Teoria das Organizações e Teoria das Relações Humanas, tem-se a preocupação com a eficiência do sistema produtivo por meio do comportamento dos trabalhadores, ou dito de outra forma, pela aceitação destes por meio da participação.

Para Harvey (2014), acumulação flexível (ou pós-fordismo) engloba o aparato tecnológico, de comunicação e financeiro com novas roupagens para acumulação do capital, intensificando a nova fase chamada de “Globalização”, que envolve também novos setores e novas regiões geográficas subdesenvolvidas, como a América Latina. Nas palavras do autor,

A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, tanto entre os setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, o “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas (...) (HARVEY, 2014, p. 140).

O autor assinala que a estrutura do novo mercado do trabalho dá-se pelo “enfraquecimento do poder sindical” e pela “mão de obra excedente”, que se constituiu em meio à exclusão e marginalização dos trabalhadores. Esse contexto caracterizou-se pela subcontratação de pequenos negócios18 em torno da grande indústria e pela redução de salários e contratos de trabalho flexibilizados, que se consolidaram como “peças centrais e não apêndices do sistema produtivo” (HARVEY, 2014, p. 145). Com isso, apresenta-se assim uma nova divisão internacional do trabalho para alcançar progressivamente a acumulação do capital, chamada de “neoliberalismo”, que será melhor desenvolvida mais adiante.

18 A subcontratação (ou terceirização) como pequenos negócios, instaurou um novo mecanismo de fornecimento

de peças para a indústria. Estando num raio muito próximo à empresa ou dentro dela, essas terceirizadas passaram a produzir conforme demanda, ou seja, de acordo com o ritmo satisfatório do sistema produtivo.

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Harvey (2014) enfatiza o quão nocivo é esse novo modelo de subcontratação nas empresas pós-fordistas, pois ajudam no “solapamento da organização da classe trabalhadora”, tornando mais difícil os processos de organização e luta, confundindo – ou despolitizando – os conflitos inerentes entre capital e trabalho. E mais, a competição entre os fornecedores implicou, por meio de contratos de trabalhos flexibilizados e precários de tempo parcial, a redução salarial dos trabalhadores empregados na cadeia de força produtiva.

Na mesma direção, indica Piolli (2010) no que concerne à subjetividade do trabalhador e aos objetivos da empresa com base na Gestão Participativa no pós-fordismo:

Diferentemente da relação prevista no esquema taylorista, a empresa inserida num ambiente concorrencial em escala global necessita da receptividade e do envolvimento do indivíduo. Os novos arranjos em termos de organização do trabalho, criados para o funcionamento das empresas, demandam trabalhadores aptos a participar, a mobilizar saberes, técnicas e competências, capacidade de iniciativa e de adaptação às mudanças permanentes. Trata-se de uma nova relação que exige o envolvimento subjetivo do trabalhador. A pressão no trabalho não fica mais vinculada à execução de tarefas parcializadas, mas aos objetivos e finalidades das empresas. Nesse processo o indivíduo ganha mais visibilidade (PIOLLI, 2010, p. 55).

Segundo Harvey (2014), a estrutura desse formato exploratório da classe trabalhadora aumenta, criando a “periferia” pós-reforma dos países hegemônicos:

O centro – grupo que diminuiu cada vez mais, segundo notícias de ambos os lados de Atlântico – se compõe de empregados em tempo integral, condição permanente e posição essencial para o futuro de longo prazo na organização. Gozando de maior segurança no emprego, boas perspectivas de promoção e de reciclagem, e de uma pensão, um seguro e outras vantagens indiretas relativamente generosas, esse grupo deve atender à expectativa de ser adaptável, flexível e, se necessário, geograficamente móvel. Os custos potenciais da dispensa temporária de empregados do grupo central em época de dificuldade podem, no entanto, levar a empresa a subcontratar mesmo para funções de altos níveis (que vão dos projetos à propaganda e à administração), mantendo o grupo central de gerentes relativamente pequenos. A periferia abrange dois subgrupos bem distintos. O primeiro consiste em empregados em tempo integral com habilidades facilmente disponíveis no mercado de trabalho, como pessoal do setor financeiro, secretárias, pessoal das áreas de trabalho rotineiro e de trabalho manual menos especializado. Com menos acesso a oportunidades de carreira, esse grupo tende a se caracterizar por uma alta taxa de rotatividade, o que torna as reduções da força de trabalho relativamente fáceis por desgaste natural. O segundo grupo periférico oferece uma flexibilidade numérica ainda maior e inclui empregados em tempo parcial, empregados casuais, pessoal com contrato por tempo determinado,

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