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Tradução comentada de Belén, de Francisco Izquierdo Ríos, para o português brasileiro

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA TRADUÇÃO

LILIAN CRISTINA BARATA PEREIRA NASCIMENTO

TRADUÇÃO COMENTADA DE BELÉN, DE FRANCISCO IZQUIERDO RÍOS, PARA O PORTUGUÊS BRASILEIRO

FLORIANÓPOLIS 2020

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Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento

TRADUÇÃO COMENTADA DE BELÉN, DE FRANCISCO IZQUIERDO RÍOS, PARA O PORTUGUÊS BRASILEIRO

Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução, da Universidade Federal de Santa Catarina, para a obtenção do título de Doutora em Estudos da Tradução.

Orientadora: Profa. Dra. Marie-Hélène Catherine

Torres

Coorientador: Prof. Dr. Pablo Cardellino Soto

Florianópolis 2020

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Ficha de identificação da obra elaborada pela autora,

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Lilian Cristina Barata Pereira Nascimento

TRADUÇÃO COMENTADA DE BELÉN, DE FRANCISCO IZQUIERDO RÍOS, PARA O PORTUGUÊS BRASILEIRO

O presente trabalho em nível de doutorado foi avaliado aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof.ª Evelyn Martina Schuler Zea, Drª Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Walter Carlos Costa, Dr. Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Julio César Neves Monteiro, Dr. Universidade de Brasília

Certificamos que esta é versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de doutora em Estudos da Tradução.

______________________________________ Profª Dra. Andréia Guerini

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução

______________________________________ Profa. Dra. Marie-Hélène Catherine Torres

Orientadora

Florianópolis, 12 de março de 2020.

Andreia Guerini:63897946904 Assinado de forma digital por Andreia Guerini:63897946904 Dados: 2020.03.12 07:09:30 -03'00'

Marie Helene Catherine

Torres:78502519972

Assinado de forma digital por Marie Helene Catherine Torres:78502519972

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Dedico esta pesquisa às plurivozes literárias orais e escritas (tantas vezes silenciadas) da Pan-Amazônia.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha adorável orientadora Profa. Dra. Marie-Hélène Catherine Torres pelo seu grande empenho na criação e coordenação do Doutorado Interinstitucional – DINTER - UFSC / UFPA, por ter me aceito como orientanda e ter me acolhido na pesquisa. GRATIDÃO, sempre, Professora!!!

Agradeço à minha mãe Lúcia que me abrigou em seu ventre e em seu coração, e nunca desistiu de mim como estudante – cresci na periferia. Se ocupo hoje um lugar no serviço público universitário brasileiro, é por ajuda direta de minha mãe. Mami, você é linda e corajosa!

Agradeço à minha família pelo apoio incondicional: meu esposo Carlos, minhas meninas Julia e Lísis, por não me deixarem sozinha em Florianópolis, no Estágio doutoral. Tiveram paciência comigo, quando a tese exigia a minha plena atenção.

Agradeço ao meu pai Antônio, meu irmão Welber, minha avó Alice e minha tia Fátima pela força.

Agradeço aos meus tios Lourdes e Jorge pelo constante acolhimento.

Agradeço ao grande amigo Prof. Dr. Wenceslau Otero Alonso Jr. pelos anos de formação em literatura e estímulo para a seguir a vida acadêmica. Eterna GRATIDÃO!

Agradeço ao admirável Prof. Dr. Walter Carlos Costa pelas orientações profissionais e pela atenção com que sempre me tratou. Valeu mesmo, Professor!!!

Agradeço ao meu admirável coorientador Prof. Dr. Pablo Cardellino Soto pelos apontamentos sobre a minha tradução e ajuda constante.

Agradeço à Profa. Dra. Evelyn Martina Schuler Zea por me ensinar a apreciar a minha pesquisa com olhar antropológico.

Agradeço ao Prof. Dr. Julio César Neves Monteiro que esteve no Campus de Abaetetuba (PA), da UFPA, mesmo em período de greve dos estudantes universitários, participou como palestrante no I Colóquio do DINTER UFSC / UFPA, juntamente com as Profa. Dra. Marie-Hélène Catherine Torres e Profa. Dra. Luana Ferreira de Freitas.

Agradeço a todos os professores pelos ensinamentos, principalmente os que saíram de seus locais de trabalho, em Florianópolis (SC), para nos ensinar em Bragança (PA): Prof. Dr. Walter Costa, Profa. Dra. Marie-Hélène Torres, Profa. Dra. Luana Freitas, Profa. Dra. Viviane Heberle, Prof. Dr. Lincoln Fernandes, Profa. Dra.

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Evelyn Zea e Profa Dra. Adja Durão; e também à Profa. Dra. Andréia Guerini que me deu a oportunidade de ser sua aluna na UFSC.

Agradeço a todos os meus colegas do DINTER UFPA/UFSC pelo companheirismo nesta jornada: Rosa, Alê, Cila, Ewerton, Joaquim, Ivan, Sérgio, Francisco, Michael, Rosanne, Goretti, Giselle, Márcia, Cássia e Johwyson.

Agradeço ao Prof. Dr. José Guilherme Fernandes pelo empenho na coordenação do DINTER UFPA/UFSC no Pará.

Agradeço à Universidade Federal do Pará por todas as oportunidades que me deu.

Agradeço à Universidade Federal de Santa Catarina pelo acolhimento no período do Estágio doutoral.

Agradeço aos amigos e às amigas que fiz na UFSC: Ana Carolina, Elisângela, Fernanda, Karine Simoni, Andrea Cesco, Yéo, Jeferson e André.

Agradeço à CAPES, ao povo brasileiro e ao Governo Federal, pelo incentivo à pesquisa no Brasil e pela estadia de nove meses em Florianópolis - SC, com bolsa de pesquisa.

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“Épocas de crise, ou de perda de autoconfiança, tendem a registrar um aumento das traduções.” (Walter Costa, 2005)

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RESUMO

Esta tese está inserida na linha de pesquisa Teoria, crítica e história da tradução, e tem como objetivo principal a tradução da obra peruana amazônica Belén (1971), de Francisco Izquierdo Ríos (1910-1981), para o português brasileiro, e os comentários do processo tradutório, seguindo categorias de análise, como a influência das línguas indígenas (principalmente quéchua e tupi), da lenda andina O urso raptor, e os gêneros do discurso nos contos orais, poemas e letras de canções populares (BAKHTIN, 2019), além do glossário e notas (GENETTE, 2009). Belén é um romance social heterodiscursivo, e as falas das personagens unidades socioideológicas do discurso (BAKHTIN, 2017). O projeto tradutório está fundamentado na tradução da

letra, que se propõe ser ético, aberto e dialógico (BERMAN, 2002 e 2013). Este projeto

é um desafio e uma oportunidade, por trazer um romance de temática amazônica peruana para o sistema literário brasileiro com a marca do estrangeiro.

Palavras-chave: Belén. Literatura da Amazônia. Romance peruano. Tradução comentada. Estudos da Tradução.

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ABSTRACT

This thesis is inserted in the research line Critical, theory and history of translation and has as main objective the translation of the Peruvian work Belén (1971) by Francisco Izquierdo Ríos into Brazilian Portuguese and the comments of the translation process according to the categories of analysis as the influence of indigenous languages (mainly Quichuan and Tupi) of the indigenous legend the bear raptor and the genres of speech in oral tales and lyrics of popular songs (BAKHTIN, 2019) in addition to the glossary and notes (GENETTE, 2009). Belén in a heterodiscursive social novel and the speeches of the characters are socioideological units of discourse (BAKHTIN, 2017). The introductory project is based on the letter that aims to be open and dialogical ethical (BERMAN, 2002 e 2013). This project is a challenge and opportunity to bring a Peruvian Amazonian theme novel to the Brazilian literary system with the mark of the other the foreigner.

Key words: Belén. Amazonian Literature. Peruvian romance. Commented translation. Translation Studies.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1. Capa da obra Días Oscuros (1950) ... 43

Imagem 2. Capa da obra Chove em Iquitos (1975) ... 44

Imagem 3. Capa da obra Belén (1971) ... 56

Imagem 4. Página da epígrafe (Belén) ... 57

Imagem 5. Famílias Linguísticas e Línguas Amazônicas em Peru ...201

Imagem 6. Tipoia ... 232

Imagem 7. Capa do manuscrito de Manuel Pasión Zegarra ... 259

Imagem 8. Contracapa do manuscrito de Manuel Pasión Zegarra ... 260

Imagem 9. LP (vinil) Sabor a selva (1967), Dúo Loreto ... 265

Imagem 10. Capa do LP (vinil) Sabor a selva (1967), Dúo Loreto ... 265

Imagem 11. Glossário e Notas de Rodapé (N.A.T. e N.T.) ... 274

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Contos Peruanos (1971) ... 43

Quadro 2. As personagens esféricas ... 60

Quadro 3. As personagens planas ... 61

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LISTA DE ABREVIATURAS

ET ... Estudos da Tradução N.A.T. ... Nota(s) do Autor Traduzida(s) N.T. ... Nota(s) da Tradutora AFI ... Alfabeto Fonético Internacional RAE ... Real Academia Española LGA ... Língua Geral Amazônica (Nheengatu) UNMSM ... Universidad Nacional Mayor de San Marcos

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 15

2 FRANCISCO IZQUIERO RÍOS: UM (A)FLUENTE AUTOR AMAZÔNICO DO PERU ... 24

2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO ... 35

2.2 “PANCHO” IZQUIERDO: TROCHA LITERÁRIA ... 38

2.3 IZQUIERDO RÍOS E SUA BREVE FORTUNA CRÍTICA ... 45

2.4 CHOVE EM IQUITOS NO BRASIL ... 49

3 ROMANCE BELÉN, DE IZQUIERDO RÍOS ... 50

3.1 ÍNDICES MORFOLÓFICOS DA OBRA BELÉN (PARATEXTOS) ... 52

3.2 ASPECTOS DA TIPOLOGIA E DAS PERSONAGENS ...57

3.3 ASPECTOS DO TEMPO ... 63

3.4 ASPECTOS DO ENREDO ... 64

3.5 ROMANCE BELÉN: HETERODISCURSO SOCIAL (ANÁLISE BAKHTINIANA) ... 68

4 BELÉN TRADUZIDO PARA O PORTUGUÊS BRASILEIRO ... 85

5 COMENTÁRIOS DA TRADUÇÃO DE BELÉN ... 209

5.1 FUNDAMENTAÇÃO, LIMITES, ALCANCE E OBJETIVOS DA TRADUÇÃO ... 209

5.2 AS LÍNGUAS INDÍGENAS SE FAZEM PRESENTE NO ROMANCE BELÉN ... 218

5.3 PORTUGUÊS BRASILEIRO E TUPI-GUARANI ... 236

5.4 MITOLOGIA ANDINA O URSO RAPTOR DIALOGANDO COM BELÉN ... 239

5.5 OUTROS GÊNEROS DO DISCURSO EM BELÉN ... 248

5.5.1 Contos orais ...251

5.5.2 Poemas de Pasión Zegarra ... 257

(15)

5.6 GLOSSÁRIO E NOTAS DE RODAPÉ DO ROMANCE BELÉN TRADUZIDO

... 270

5.6.1 Glossário ... 274

5.6.2 Notas de Rodapé do romance Belén (N.A.T e N.T) ... 275

5.6.2.1 Notas do Autor Traduzidas (N.A.T.) ... 276

5.6.2.1 Notas da Tradutora (N.T.) ... 282

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 286

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1 INTRODUÇÃO

“(...)a Amazônia não foi descoberta, sequer foi construída; na realidade, a invenção da Amazônia se dá a partir da construção da Índia, fabricada pela historiografia greco-romana, pelo relato dos peregrinos, missionários, viajantes e comerciantes.” (Neide Gondim, 1994, p. 9)

Pesquisando sobre a Amazônia literária escrita em língua espanhola encontrei várias vozes da região, em particular do Peru amazônico. Das incessantes buscas na internet, encontrei muitas obras que traziam como tema os seus conflitos sociais, principalmente aqueles relacionados aos indígenas e ribeirinhos, tema existente tanto nas cartas e crônicas do período colonial na Amazônia, quanto em muitas outras obras dos séculos seguintes, narradas por escritores forasteiros, configurando uma Amazônia literária fortemente marcada por desigualdades e exploração.

A questão do conflito entre o europeu e os povos da Amazônia, que historicamente se instala desde os primeiros momentos da chegada do colonizador, continua a ser um tema recorrente nas obras que falam da região.

Um desses conflitos, localizado entre o final do século XIX e início do XX, é aquele marcado pelas atrocidades geradas durante o “ciclo da borracha”. A essência deste conflito persiste, embora modificado e ampliado, na medida em que as populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas, os chamados povos da floresta, são violentados cruelmente, principalmente por exploradores sanguinários, que é o caso, atualmente, dos madeireiros e dos agropecuaristas, ou pelos devastadores efeitos dos megaprojetos hidrelétricos que causam grandes impactos ambientais e sociais.

A obra escolhida como objeto desta tese é um romance publicado na segunda metade do século XX. Por contar um pouco “o que é a Amazônia em mim e o que não é”, fez surgir um dilema pessoal que motivou a decisão de traduzir e comentar a tradução do romance Belén1, obra literária da Amazônia escrita em espanhol por um escritor autóctone, Francisco Izquierdo Ríos, que narrou e descreveu não só os

1 Quando eu me referir ao romance (Belén), utilizarei a palavra em itálico, e quando eu me referir ao bairro de Iquitos, chamado (Belén), manterei a forma normal de registro.

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conflitos que marcam a região, mas também, e principalmente, registrou aspectos importantes da poética amazônica.

O escritor é bastante conhecido nos círculos literários, mas suas obras, infelizmente, são pouco estudadas na academia e pouco referidas em críticas literárias. Posso afirmar que Belén é desconhecida do público em geral, quer do Peru, quer do restante da América Latina, o que se agrava pelo fato de estar esgotada e nunca ter tido, até este momento, uma segunda edição, desde que foi publicada em 29 de dezembro de 1971.

As pesquisas sobre a literatura da Amazônia, considerando os autores, as produções e as traduções, ainda são escassas, principalmente se considerarmos a Pan-Amazônia: reunião de oito países da América do Sul, constituindo uma imensa região internacional, em que existem várias línguas, culturas e identidades diversas.

O título do romance e a minha identidade regional, por que tendo nascido na cidade do norte do Brasil, chamada Belém, possuo raízes amazônicas, orientaram em parte a escolha que me fez pesquisar as vozes do romance Belén, narrado em espanhol amazônico e seus vários “afluentes linguísticos” de línguas indígenas (quéchua e tupi) com alguma tímida influência do português brasileiro.

A minha pesquisa não tem a intenção de definir o romance Belén, de Francisco Izquierdo Ríos, sob a ótica folclórica, criolla ou regionalista, como fizeram alguns críticos de seu país em relação a outras obras do autor, de vez que o considero na perspectiva de um autor tanto autóctone quanto universal.

O romance me interessa em sua condição universalizante de prosa que narra as malezas das pessoas humildes, as dificuldades de grupos humanos em manter-se sobreviventes num lugar tão miserável e hostil, como é o caso do bairro Belén, que dá nome a própia obra, e é o espaço onde basicamente se passa a narrativa.

Izquierdo Ríos descreve em Belén as mazelas de homens, mulheres e crianças, todos abandonados e humilhados pelo governo local e esquecidos pelos governantes nacionais. Há nas obras deste autor peruano um forte chamado para uma autêntica peruanidad2, chamado esse que sempre ressoa em outras vozes

2 Peruanidad: termo cunhado por Víctor Andrés Belaunde (1883-1966) e usado por outros escritores, difundido principalmente por José Carlos Mariátegui (1894-1930) no início do século 20. Segundo Belaunde “La peruanidad supera al hispanismo puro y al indigenismo puro. El primero prescinde del factor espacio, el segundo del factor tiempo. El hispanismo puro es anatópico, el puro indigenismo es anacrónico. Hispanismo e indigenismo se integran en la peruanidad.” (1965. p. 476).

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comprometidas, de poetas, escritores e políticos, mas principalmente em um dos maiores expoentes peruanos que influenciou Izquierdo Ríos e sua geração, uma das principais lideranças revolucionárias do início do século XX na América Latina: José Carlos Mariátegui, El Amauta.

Observando mais de perto a obra Belén, vê-se, entretanto, que Izquierdo Ríos oferece ao leitor um texto interessado não somente em fazer a crítica social de um determinado espaço amazônico, mas também uma forma estética composicional esteticamente válida.

O valor do romance não se esgota no regionalismo, pois ultrapassa-o quando atinge as dimensões estética e sociológica próprias da experiência literária, respeitando aquele grau mais ético, concomitante ao poético, possível de estar contido em uma obra de literatura quer seja escrita e lida na Amazônia, ou em outro qualquer lugar.

Belén entoa uma música da realidade amazônica peruana ainda hoje pouco

pesquisada (se comparada com a pesquisa de romances da Amazônia brasileira), mas, para mim, essa música nova me é familiar porque deriva do ritmo de expressões de um imaginário amazônico similar ao meu, mesmo que minha experiência com a literatura da Amazônia sempre tenha ocorrido no lado brasileiro da região, disso decorrendo que ler e traduzir os textos literários da Amazônia peruana é para mim uma oportunidade nova, instigante, que exige reunir tudo que estudei e vivenciei até este momento, neste desafio de aprender mais sobre o ato de traduzir e de comentar as escolhas tradutórias.

A obra literária Belén oferece ao leitor a imagem de um lugar urbano (suburbano), retratando o bairro pobre da cidade de Iquitos – atualmente é o Distrito

Belén (um dos quatro distritos de Iquitos), localizado às margens do rio Itaya e do

grande rio Amazonas, totalmente afastado dos grandes centros sócio-político-econômico e artístico da capital Lima.

Merecem destaque nele, as posturas das personagens quanto à hostilidade da cidade, pois o centro de Iquitos não as acolhe, essas personagens sempre expressam desencanto por sobreviverem na miséria da vida. Muito se fala no romance sobre o local onde se passa a narrativa, sempre denunciando o local marginalizado e esquecido pelo centro de Iquitos, e pelo restante do país.

(19)

O lugar é formado por pessoas pobres vindas de outras regiões do Peru (da serra andina e da costa limenha). Trata-se de pessoas que estavam à procura de melhores oportunidades de trabalho durante o auge do ciclo da borracha, na floresta amazônica; muitos foram se aventurar na tentativa de enriquecimento rápido, desconsiderando as dificuldades que enfrentariam. O mesmo se passou na Amazônia brasileira, com a vinda de muitos nordestinos e sulistas em busca de melhores oportunidade e condições de vida, através do enriquecimento fácil nas florestas da região norte do Brasil, que a extração do látex poderia lhes proporcionar.

Na narrativa Belén, as personagens avaliam a vida pela grande dificuldade que enfrentam, mas acabam considerando válidas as experiências de viver no miserável bairro. É o caso da personagem Noé Tafur Bocanegra, um cego que toca e canta suas músicas tristes lembrando um tempo de juventude na serra, e compartilha a nostalgia com outros companheiros nos bares, à margem do rio Itaya (afluente do grande rio Amazonas), sobrevivendo das gorjetas que recebe.

Também seu Shato, um idoso que veio dos Andes, para tentar a “sorte grande” na grande floresta, mas passou a vida toda como estivador no bairro Belén. Este senhor chegou jovem, construiu família, fez novos amigos e não acredita na existência da tristeza, quando exclama: “–¡No deve haber tristeza!” (RÍOS, 1971, p. 20). E dona Grishi, companheira de seu Shato, senhora que viveu o auge da borracha como prostituta. Esses dois velhos são personagens que atravessam toda a obra, conduzindo o leitor a apreciar as pequenas e variadas tramas do enredo.

Merece referência destacada o poeta Pasión Zegarra. Ele escreve, durante a narrativa principal, uma obra dentro da obra, isto é, o poema Canto del hombre de la

Selva, poesia que desperta um raio de esperança em seu espírito tão atormentado,

como comenta o narrador. E apesar da hostilidade que o cerca, ele é o registro de uma forte humanidade latente, que também se verifica em outras personagens.

Belén é um romance, - como se diz no Brasil, ou novela, como se diz nas diversas variantes do espanhol – que contém um total de 181 páginas, incluindo narrativa e glossário. Meus objetivos principais são traduzi-lo para o português brasileiro e comentar sua tradução, seguindo os seguintes passos:

(1) apresentar uma breve fortuna crítica de Francisco Izquierdo Ríos;

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(3) traduzir o romance partindo da perspectiva bermaniana (2002 e 2013); (4) comentar a tradução considerando os recursos estilísticos escolhidos (línguas indígenas, lenda andina do Urso raptor, gêneros do discurso – letras de música, e glossário e notas).

Francisco Izquierdo Ríos compôs seu caminho vivenciando muitos papéis sociais, como esposo, pai, professor e pesquisador, concomitantemente à tarefa literária, resgatando tanto memórias de sua infância de um passado humilde, como projetando um caminho futuro para a literatura de expressão amazônica pouco lembrada pelas academias e pelas editoras centristas.

Os acontecimentos que vivenciou ao percorrer o seu país como docente o ajudaram a entrelaçar memórias de experiências, lugares, pessoas, ritos, tradições, seres que se expressam de todas as formas, todos recriados em sua obra literária, e assim como experienciou a vida, assim a recriou na ficção, oferecendo outro sopro de vida em outro plano, o literário.

Meu projeto de tradução pretende atender a concepção ética do traduzir, fundamenta-se em autores como BERMAN (2002, p. 263-264) quando afirma que “o tradutor obriga o leitor a sair de si mesmo, a fazer um esforço de descentramento para perceber o autor estrangeiro em seu ser de estrangeiro”. Esta mesma concepção já havia sido pensada por Schleiermacher (2010, p. 57) em 1813, quando afirmou que “o tradutor deixa o escritor o mais tranquilo possível e faz com que o leitor vá a seu encontro”.

A tradução das poéticas e saberes amazônicos peruanos nem sempre são simples, pois a identidade cultural da Amazônia brasileira não é a mesma da Amazônia peruana. No processo tradutório, para ajudar a equacionar as situações de tradução decorrentes deste fato, Antoine Berman é o suporte teórico e crítico do meu projeto de tradução, pois ampliando o horizonte a nível cultural, insistindo no respeito ao caráter estrangeiro das obras traduzidas, ele oferece soluções para os problemas tradutórios que sempre aparecem, e que, no caso específico desta tradução, envolvem o par linguístico “Espanhol-Peruano” / “Português-Brasileiro” (ES-PE / PO-BR).

O que justifica também essa pesquisa, considerando essa riqueza de diversidade das identidades amazônicas, é o meu interesse em dar visibilidade à obra

(21)

Belén, de Francisco Izquierdo Ríos (uma voz amazônica em língua espanhola) para

fazê-la circular no Brasil, porque ela nos ajudará a compreender um pouco mais a cultura amazônica, na medida em que amplia o horizonte de perspectiva sobre a região para além dos limites nacionais, no lado estrangeiro.

Obras dessa natureza são verdadeiros patrimônios da linguagem falada e escrita na Amazônia, e consequentemente, da sua cultura em sentido mais amplo, porque nos apresentam de forma vívida a peculiaridade do espanhol amazônico, resultante da confluência de várias vozes autóctones: quechua, tupi-guarani, aruak, taíno, pano, entre outras. A importância de traduzi-lo reside também nisso, como também, insista-se neste aspecto, reside em que, até o presente momento, não há outra tradução do romance Belén para o português brasileiro, nem para outra língua, afora existir uma única edição da obra.

Días Oscuros, de 1950, é o único romance de Francisco Izquierdo Ríos

traduzido para o português com o título Chove em Iquitos, por Armando Pacheco, em 1975, e publicado pela editora Clube do Livro.

Dessa maneira, apresento aqui a primeira tradução do romance Belén para o português brasileiro, a qual agrego o trabalho acadêmico de exegese direcionado à tradução e aos comentários da tradução, contribuindo, deste modo, não somente para ampliar a fortuna crítica do autor em nosso sistema literário, como também no âmbito latino-americano, pois as pesquisas acadêmicas sobre as obras de Izquierdo Ríos, até o presente momento, não são consistentes, nem suficientes. As traduções são sempre importantes porque elas permitem visibilizar as obras e assim gerar interesse por elas no âmbito da pesquisa acadêmica e no campo editorial.

Traduzir e comentar a escolha tradutória de Belén para o português brasileiro, repita-se, é a tarefa principal desta pesquisa, mas também há nela um momento dedicado à análise do romance fundada na exposição de seu caráter heterodiscursivo que auxilia na compreensão do que texto que se traduz e, assim, por este enfoque complementar ao caráter linguístico específico do romance, penetra em sua dimensão discursiva, como propõe Bakhtin (2015), em seu estudo sobre a estilística do romance. Há dois grandes movimentos no processo da minha produção tradutória: uma é o de produzir massa crítica e informativa sobre aspectos novos da Amazônia,

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oferecido por um escritor desconhecido no Brasil, o outro é o de participar de um movimento mais geral de tradução unida à tradução ética.

É obvio que os dois movimentos se complementam na prática da tradução, pois a tradução e os comentários da tradução são em si teoria e crítica, competentes para os desafios que esse tipo de tradução de caráter ética oferece e estimula, somando-se a ela o mundo ficcional humanizador, criado pelo autor.

A estrutura da tese está articulada em quatro capítulos, uma vez que a Introdução e a Conclusão apresentam os aspectos inicial e final do trabalho, naquele sentido tradicional de oferecer os elementos instrumentais da execução do projeto e o balaço de seus resultados, respectivamente.

No que diz respeito a introdução, apresento o objeto, objetivo(s) e a justificativa da pesquisa, a saber, o romance Belén, escrito por Francisco Izquierdo Ríos, referindo as possibilidades tradutórias do romance para o português brasileiro e os comentários da tradução referentes às línguas que se congregam nele, pois a a narrativa é heterodiscursiva, segundo a concepção bakhtiniana (2017), não obviamente em sua estruturação interna, mas na articulação que minha análise possa oferecer sobre as vozes das personagens do romance com as outras vozes de outros romances da Amazônia, que os leitores de alguma forma conheçam. Acrescente-se a isso, além de outros comentários, a tradução do glossário e notas, um eritexto de grande importância para a obra, e da poética narrativa amazônica que a obra oferece e está relacionada à magnitude da natureza e também presente nas letras de canções que compõem o romance3, que constituem um tipo de gênero que exige uma tradução

mais atenciosa.

O segundo capítulo intitulado “Francisco Izquierdo Ríos: um (a)fluente autor amazônico do Peru” está dividido em: 2.1 Contextualização, 2.2 “Pancho” Izquierdo:

Trocha literária; 2.3 Izquierdo Ríos e sua breve fortuna crítica; 2.4 Chove em Iquitos

no Brasil. Na contextualização, se faz um levantamento de algumas vozes literárias sobre a grande região, iniciando com a expedição de Orellana registrada por Carvajal no Descobrimento do rio das amazonas (1592)4 passando por alguns autores

3 Serão explanados com maiores detalhes no capítulo 5 - Comentários da tradução. 4 CARVAJAL, Frei Gaspar de. Relatório do novo descobrimento do famoso rio grande

descoberto pelo capitão Francisco de Orellana. Ed. Bilíngüe. Tradução de Adja Durão. São

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autóctones e forasteiros. Os outros subcapítulos tratam especificamente de Francisco Izquierdo Ríos e sua Trocha literária, contendo uma breve fortuna crítica, e o registro de uma obra traduzida do autor no Brasil, em1975, pela editora Clube do Livro.

O terceiro capítulo, intitulado “O romance Belén, de Izquierdo Ríos”, está dividido em: 3.1 Índices morfológicos da obra Belén (Paratextos); 3.2 Aspectos da tipologia e das personagens; 3.3 Aspectos do tempo; 3.4 Aspectos do enredo; 3.5 Romance Belén: heterodiscurso social (análise bakhtiniana). Este capítulo trata especificamente do romance Belén, seus aspectos paratextuais nas concepções de GENETTE (2010) e TORRES (2011), no que concerne à análise de elementos paratextuais ou índices morfológicos presentes na única edição do romance de 1971: capa, página de rosto, epígrafe, glossário e contracapa. Além da tipologia narrativa, análise dos elementos romanescos: personagens, tempo, espaço, enredo, apoiada em SILVA (1976), CANDIDO (2007) e mais solidamente em BAKHTIN (2015), ao explicar o caráter heterodiscursivo do romance.

O quarto capítulo, intitulado “Tradução de Belén para o português brasileiro”, é o próprio romance traduzido, em colunas com o texto de partida e o de chegada, no par linguístico espanhol peruano – português brasileiro.

O quinto, “Os comentários da tradução”, está dividido em: 5.1 Fundamentação, limites, alcance e objetivos da tradução; 5.2 As línguas indígenas se fazem presente no romance Belén; 5.3 Português brasileiro e Tupi-Guarani; 5.4 Mitologia andina O urso raptor dialogando com Belén; 5.5 Outros gêneros do discurso em Belén; 5.5.1 Contos orais; 5.5.2 Poemas de Pasión Zegarra; 5.5.3 Letras de canção; e 5.6 Glossário, Nota de rodapé e Nota da Tradutora no romance Belén. Este capítulo é o que fundamenta o projeto de tradução que escolhi, uma tradução ética, seguindo a concepção bermaniana (2002), reconhecer na Letra do outro estrangeiro, o novo que é desconhecido da cultura de chegada. Os gêneros do discurso que mais se destacam na narrativa são os contos orais e as letras de canções, compreendem umas das unidades sociodiscursivas que compõem o romance, como a força cultural de um povo nas histórias orais e nas letras das canções (BAKHTIN, 2019). A lenda andina urso raptor é a força do imaginário ancestral unindo as várias culturas do mesmo país. E o glossário e as notas construindo, para além do texto literário, informações para o leitor brasileiro.

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Nas considerações finais, capítulo seis, que constituem a última parte desta pesquisa, efetivamente não se finaliza o projeto tão idealizado, já que surgiu de minha identidade amazônica, como um filho, defendido com garra e ternura.

O que ofereço aqui é uma proposta de tradução aberta e dialógica, até porque neste espaço de tese ficarão abertas muitas possibilidades futuras, que não se esgotam, sejam elas classificatórias e/ou tradutórias do romance Belén, ou das narrativas da Amazônia.

Izquierdo Ríos ainda não possui uma fortuna consistente em seu próprio país, como já afirmei, por isso espero que essa tese contribua para ajudar a criá-la, como também espero que ela contribua para auxiliar no processo de aproximação da Amazônia de pelo menos dois de seus países formadores: Brasil e Peru.

Faltam mais pesquisas na área da tradução literária da Pan-Amazônia a fim de congregar os países que a formam, como Venezuela, Equador, Colômbia, Bolívia, Guiana, Suriname. Suas línguas e suas culturas são diferentes e variadas, é certo, mas ecoam uma voz que canta o mesmo espaço.

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2 FRANCISCO IZQUIERO RÍOS: UM (A)FLUENTE AUTOR AMAZÔNICO DO PERU

A LA ETERNIDAD DE FRANCISCO IZQUIERDO RÍOS Mario Florián

Después de tu silencio concluyente, El mítico jaguar de la espesura, Ha empezado con épica bravura, a repetir tu voz de combatiente. En el pasar del tiempo, como un ente Razonable, con música de dura Piedra, los Andes –vértigo de altura– tu mensaje social harán presente. En la costa, en la selva, en la montaña, En la pluma, en el nido, en la cabaña, En la figuración del educando, Y en la masa peruana del presente Y del alba, tu espíritu potente

Estará, Pancho Izquierdo, retumbando.

2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO

Descrita em vários tempos e espaços, a gigantesca Hiléia5, a imensa floresta

equatorial úmida, sempre foi tema de muitas obras literárias (escrita por estrangeiros e nativos), difundidas em vários gêneros da poética.

Márcio Souza ao traçar o perfil geográfico da Amazônia na América do Sul, assim a apresenta:

Localizada ao norte da América do Sul, a Amazônia compreende toda a Bacia Amazônica, formada pelos seguintes países: Brasil, Bolívia, Colômbia, Peru, Guiana, Venezuela, Suriname, Equador e França. A porcentagem de Amazônia em cada país está distribuída da seguinte forma: o Brasil tem 68%; Peru tem 10%; a Bolívia tem 10%, a Colômbia 8%; o Equador 2%; a Venezuela 1% e as Guianas 1%. A proporção de ecossistema amazônico em relação à totalidade do território de cada país é a seguinte: 70% do território da Bolívia; 65% do território do Peru; 55% do território do Brasil; 50% do território do Equador; 35% do território da Colômbia; 8% do território da Venezuela e 3% do território das Guianas. (SOUZA, 2009, p. 21)

Desde as mais remotas crônicas dos viajantes europeus do século XVI, às atuais produções literárias, a Amazônia é, na maioria das vezes, a descrição do

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fascínio pela magnitude da fauna e da flora, da forte irradiação solar, das chuvas torrenciais e dos colossais rios que, no geral, marcam a presença do espaço da Amazônia.

Esses discursos, todavia, por muito tempo foram construídos no âmbito da língua escrita sem o registro da voz de seus principais habitantes, que apenas se fará presente a partir do século XIX, de acordo com Ana Pizarro:

A Amazônia é uma região cujo traço mais geral é o de ter sido construída por um pensamento externo a ela. Ela tem sido pensada, em nível internacional, através de imagens transmitidas pelo ideário ocidental, europeu, sobre o que eles entendem ser sua natureza, ou, em outras palavras, sobre o lugar que a Amazônia ocupou na sua experiência, imagem que foi ratificada em diversos textos: crônicas, relatos de viajantes, relatórios de cientistas, informes de missionários. Somente no final do século 19, foram recuperadas as linguagens que deram pluralidade ao discurso amazônico, de forma que hoje já podemos escutar vozes distintas. (2012, p. 31)

Para Pizarro, a Amazônia é uma construção discursiva, e só é possível compreender a sua imagem através dessa construção, ou seja, da história dos discursos que oferecem, nos vários momentos da história da Amazônia, o imaginário parcial da visão do colonizador. Esse discurso do colonizador interagia com o meio social amazônico, mas não era nada inocente, garantia seu ponto de vista, sua história e a satisfação de suas próprias necessidades. (PIZARRO, 2012, p. 33).

Os discursos dessas obras (históricas ou literárias) sobre a Amazônia, principalmente as do período da colonização, praticamente nunca se manifestaram a favor dos povos locais: indígenas, quilombolas ou ribeirinhos (os chamados povos tradicionais), ou dos moradores das periferias que habitam os espaços citadinos, em que a grande maioria não tem qualquer infraestrutura sanitária básica, vivendo a triste realidade da miséria humana.

No artigo intitulado “Amazônia, das travessias lusitanas à literatura de até agora” (2005), Amarilis Tupiassú consegue resumir objetivamente a questão como uma sentença: “Essa Amazônia tomada em magnitude de beleza, predação e falta é nutriente substancial da literatura.” (p. 305), exemplo disso é o romance Belén, objeto da presente pesquisa, em que se expõe a experiência miserável típica do modo de

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viver de um bairro semiflutuante que reúne seres humanos abandonados e explorados na periferia de uma cidade amazônica.

As várias obras literárias referentes à grande região amazônica, espaço da Pan-Amazônia, produzidas por quem vive o cotidiano de sua realidade, no geral, são desconhecidas do grande público.

Algumas dessas obras, que alcançaram o grande público, citadas nos compêndios de História da Literatura dos oito países que têm a Amazônia em seu território, são: La Vorágine (1924), do colombiano José Eustásio Rivera; Macunaíma (1928), do brasileiro Mário de Andrade; o poema Cobra Norato (1931), do brasileiro Raul Bopp; La casa verde (1966), do peruano Mario Vargas Llosa, etc. Essas obras, que fazem referência total ou parcial à Amazônia, em que pese narrar as vicissitudes regionais, não foram, entretanto, escritas por autores nativos da região, configurando-se, em certo sentido, como produção de autores forasteiros.

Francisco Foot Hardman, em seu livro A vingança da Hileia (2009), destaca o predomínio de certo pragmatismo nas representações literárias sobre a Amazônia, que no geral tem pouca variação, apresentando-a quase sempre como “um dos últimos e grandiosos refúgios do exotismo aquático-vegetal e do mistério de culturas humanas pré-históricas de vestígios não monumentais no Brasil e no mundo” (p. 26), além de comentar a internacionalização desse espaço, quando comenta: “quantas vezes esquecemos que a Amazônia é, por natureza e cultura, geografia e história, internacional!” (p. 26).

Renan Freitas Pinto, em seu livro Viagem das Ideias (2008), afirma que “(...) a Amazônia se tornou um tema universal desde muito cedo e povoa o imaginário do mundo inteiro graças, sobretudo, à revelação que dela fizeram seus exploradores, seus viajantes, cronistas e cientistas de diferentes épocas. (PINTO, 2008, p. 181). Suas palavras sugerem que para compreender o momento presente da região amazônica, inclusive em sua dimensão literária, é necessário antes conhecer os registros do passado, dialogando com o caminho percorrido pelas muitas ideias europeias que foram aplicadas à essa imensa região, por constituírem, ainda, a base de muitos preconceitos atuais.

Infelizmente, a maioria dos registros históricos que hoje dispomos oferece, no geral, o discurso dos “vitoriosos”, dos muitos estrangeiros que produziram, no período

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colonial e parte do século XIX, as chamadas crônicas e relatos de viajantes. Trata-se de impressões de espanhóis, portugueses, franceses, italianos, alemães, ingleses, ou seja, de europeus interessados em anexar a grande região às suas nações, ou a se apropriar de conhecimentos que seriam úteis em seus países de origem.

O maior propósito de um pesquisador que trate seus dados com criticidade, é sempre desconfiar do discurso que circula sem resistência, e resgatar o discurso das vozes silenciadas, para aclarar seu objeto que, no presente momento, é o passado da Amazônia, seja aquele lapso histórico em que ela esteve sob o domínio da coroa portuguesa ou espanhola, no período colonial, seja o passado de sua derrota, quando esteve em parte submissa ao Império do Brasil no decorrer do século XIX, como argumenta Márcio Souza (2009).

Será que o texto de Carvajal (1542) é leitura obrigatória para quem quer conhecer a Amazônia a partir do olhar de quem a vivencia? Acredito que não, pois o que Carvajal relatou foi o seu imaginário, como europeu, de um lugar exótico e selvagem, ao ponto de não aceitar o que estava fora de suas categorias culturalmente assimiladas. Seja exemplo disso, o momento em que se refere ao papel da mulher indígena.

Ribamar Freire no documentário “Viagem das ideias” (2014), diz a esse respeito que a solução de Carvajal foi “...colar o mito das amazonas nos índios do que admitir que existissem sociedades onde o papel da mulher era diferente do que na Espanha naquele momento...”, ou seja, o mito grego das amazonas foi a fórmula que este viajante europeu encontrou para categorizar a barbárie, a selvageria, o exotismo que lhe pareceu caracterizar o papel social feminino em algumas comunidades humanas da região.

Infelizmente, os meios de comunicação ainda hoje divulgam os principais clichês criados para a Amazônia ao longo do tempo. Márcio Souza, em sua fala, que também faz parte do documentário “Viagem das Ideias” (2014), diz que ela é vista pelos europeus como uma região: “(...) despovoada, celeiro do mundo, local de índio e de animais ferozes (...)”. Como se vê, uma concepção construída por um exibicionismo de imagens exóticas, destacando mais o cenário natural do que o homem que a habita.

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Apoiar-se em vários pesquisadores que se dedicaram a reler a Amazônia, desconstruindo os escritos que a falsearam em seus aspectos históricos, geográficos, geopolíticos, literários, ideológicos e discursivos, entre outros, é vital para traduzir um romance com a forte presença do espanhol peruano amazônico com a influência das línguas indígenas, escrita por um escritor nativo da região, porque ele é, fundamentalmente, um projeto literário e político, firmemente cunhado nos heterodiscursos socioideológicos (BAKHTIN, 2015).

É fundamentada nestes princípios que pretendo realizar meu projeto de caráter ético de tradução, mas antes de apresentá-la, convém refletir mais detalhadamente sobre a obra de Francisco Izquierdo Ríos.

2.2 “PANCHO” IZQUIERDO: TROCHA LITERÁRIA

Este subcapítulo se justifica com tentativa de lançar alguma luz sobre os motivos da pouca visibilidade das obras do romancista peruano nas pesquisas acadêmicas da literatura peruana, pois ao traçar os caminhos percorridos pelo autor de Belén, é possível identificar na raiz desta penumbra em que se encontram suas ficções, aquele tipo de boicote cultural que costuma silenciar as vozes que se erguem a favor dos direitos humanos (Ríos, 1968), como é a voz da literatura de Izquierdo Ríos , ou, dito de outro modo, como é sua ferramenta principal, sua arma mágica, que usa tanto para exaltar a cultura popular de várias regiões desconhecida pelos próprios peruanos, quanto para denunciar injustiças sociais, pois, como muito bem lembra Antônio Candido “A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas.” (1988, p. 75).

Refletir sobre a vida e a obra de Francisco Izquierdo Ríos, principalmente focando sua trajetória literária (social e estético), exige compreender as marcas poéticas deixadas pelo autor em seus escritos literários, marcas essas que fazem referência não só à poética amazônica, mas também à visão geral da cultura dos povos que convivem nas três macrorregiões de seu país (costa, serra e floresta).

Muitos dos escritos de Izquierdo Ríos fazem parte de sua própria experiência de vida, como afirma Salmón: “Izquierdo declara que hay correspondencia entre su

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vida y su obra de modo que la realidad es la fuente de su creación. En efecto, esta es su propuesta dado que el escritor –dice Izquierdo– es el producto del medio en que ha nacido y vivido.” (2008, p. 94). O próprio escritor confirmou essa relação, quando entrevistado por Roger Rumrrill, um ano antes de sua morte, em agosto de 1980:

Mi obra tiene una profunda raíz biográfica por la sencilla razón de que yo procedo de un ambiente maravilloso como es el Huallaga Central, Saposoa. El nombre deriva del quechua y castellano y quiere decir Sapos ladrones, Sapo-súa. Su origen está vinculado a la historia y la leyenda. Cuando pasó por allí la famosa expedición de Los Marañones, buscadores de oro, estaba allí de gobernador Pedro Ramírez, quién bautizó a Saposoa con el nombre de Santa Cruz de Saposobar, eso históricamente; sin embargo, el pueblo guarda el nombre de Saposoa. Dicen que un científico llegó por allá y entró a una laguna llena de sapos. Para bañarse o lavarse se sacó las botas y después no las encontró. Como tenía como guías a los indios lamistas, descendientes de los Chancas que hablan quechua, estos le dijeron Sapos Súa. (2010, p. 5)

Para o autor, essas experiências de vida influenciaram não só na criação de enredos e personagens, como também para definir sua postura política diante das adversidades que enfrentava com as autoridades locais.

Izquierdo Ríos nasceu na cidade de Saposoa, província de Huallaga, departamento de San Martin, em plena região amazônica peruana, em 1910. Passou toda sua formação escolar nesta região, até conseguir uma bolsa para continuar os estudos em Lima, em 1926, por destaque como aluno exemplar no Colégio Nacional San José de Moyobamba, hoje Colégio Serafín Filomeno Peña. Esta bolsa foi oferecida pelo Ministério da Educação para que continuasse os estudos em Lima. Formou-se no Instituto Pedagógico Nacional de Varones de Lima, em 1930, como professor normalista, descobrindo aos poucos, a partir de então, o caminho que o conduziria a exercer a escrita literária. Comenta Salmón (2008) a respeito do interesse de Izquierdo Ríos por uma vida letrada:

(...) cuando tenía siete años, se trasladó con su familia a Moyobamba donde concluyó sus estúdios primarios y secundarios. Es muy interesante el relato que hace de su primer viaje a la remota Lima cuando tenía dieciséis años. Este viaje duraba más de un mes. Su ansia de lectura era ya incontenible. Comenzó a escribir muy temprano. Esta ruta representa muy bien el trânsito de los escritores provincianos que, partiendo de comarcas orales com carencias bibliográficas, van en búsqueda de una locación en la ciudad letrada. Es la ruta de la búsqueda del libro y del sistema letrado. En efecto,

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Izquierdo con sus artículos paisajísticos, los mitos, las leyendas y los cuentos populares de nuestra amazonia que publicó en La Crónica y El Comercio logra integrarse a la ciudad letrada. (2008, p. 96)

Em 1932, com apenas 22 anos de idade, ele assume a carreira de docente na Escola Primaria nº 175, de Soritor; em seguida é nomeado diretor escolar, em Moyobamba. Neste mesmo ano, é perseguido e enviado para a colônia penal “El Sepa” por apresentar desde cedo grande sensibilidade humana e convicção da necessidade de engajar-se na luta social.

Suas ideias revolucionárias incomodaram fortemente as lideranças locais. Izquierdo Ríos se aproximou, nesta época, do pensamento político-social de Mariátegui6. Assim descreve Olazával (2012, p. 200) este momento de sua vida: “(...)

por su sensibilidad social se identificó con el pensamiento de José Carlos Mariátegui, con la necesidad de descolonizar el poder y desestructurar el pensamiento servil dominante”. Izquierdo Ríos não chegou a ser preso na colônia penal, por encontrar no percurso, na cidade de Chachapoya, um antigo professor que no momento assumia o cargo de prefeito da cidade. Esse professor o reconheceu, e, assim, o liberou.

Nesta mesma cidade, em 1934, conhece sua esposa e, por conta de suas ideias políticas, fica desempregado até a mudança de governo. No final do ano, consegue novamente o emprego de professor, mas é transferido para o departamento do Amazonas, trabalhando como professor peregrino em várias partes distantes da Amazônia peruana, como “castigo” por sua simpatia pelo socialismo. Este aspecto é assim esclarecido por Dorian Espezúa Salmón:

Toda la vida –dice Izquierdo– soportó abusos, relegamientos e incomprensiones. Como prueba, Izquierdo cuenta cómo después de obtener en concurso público la plaza de Inspector de Educación em una provincia serrana, fue trasladado violentamente a una provincia de la selva que quedaba a un abismo de distancia. En ese entonces su mujer se encontraba embarazada y no tuvieron otra salida que viajar por tierra a la selva para no perder el trabajo. Izquierdo tenía la intención de dejar a su familia en Chachapoyas, pero en el camino nacieron sus mellizos que poco después murieron y a los que tuvo que enterrar bajo unos nopales “en medio de la noche sin estrellas”. Izquierdo anuncia que este relato y otros aparecerán en su novela inédita Mateo Paiva, el maestro, que debía publicar después. El hecho de que Izquierdo narrara este acontecimiento en el encuentro de

6 José Carlos Mariátegui (1894-1930), escritor, jornalista e pensador peruano, grande estudioso do pensamento marxista na América Latina e fundador do Partido Socialista Peruano, em 1928.

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narradores de Arequipa, en la Universidad Nacional Federico Villarreal y que decidiera escribir uma novela evidencia la presencia de un trauma permanente. (2008, p. 96).

Suas atividades literárias começam a partir de 1936, quando publica o livro de poemas Sachapuyas. Em seguida assume o cargo de inspetor educacional em Mendonza, e na cidade de Luya como servidor efetivo do Ministério da Educação, no mesmo cargo. Em 1939, Francisco Izquierdo Ríos é transferido para Iquitos, como Inspetor Educacional. A sua permanência nesta cidade, apesar de curta, foi suficiente para registrar a memória social do lugar: as histórias orais, paisagens naturais, situações vivenciadas, e muitas outras riquezas deste espaço amazônico de grande beleza e também de imensa miséria e injustiça.

Em Iquitos, Izquierdo Ríos lança a revista literária Trocha, cujo primeiro número saiu no dia 30 de setembro de 1941 e o último, no dia 27 de julho de 1942. Ela vinha acompanhada de um suplemento dedicado à literatura infantil, com o nome

Trocha Infantil. Segundo Ricardo Vírhuez Villafane, Trocha é a primeira revista infantil

fundada no Peru e “(...) que acogiera a profesores y poetas que querían expresar sus anhelos pedagógicos mediante la literatura.” (2014, p. 210). A revista teve somente nove números publicados, que, no entanto, são suficientes para demonstrar seu compromisso com a Educação e a Literatura.

A palavra trocha, segundo o Diccionario de la Real Academia Española (RAE) significa “vereda ou caminho estreito e reservado que serve de atalho para ir a uma parte” (N.T.)7. No Diccionario Amazónico, de Alberto Chirif, o termo trocha significa

“Senda na montanha. Na selva montanhosa, as trochas construíram as verdadeiras vías de comunicação até a construção de estradas. (N.T.)”8.

A palavra trocha é também registrada no dicionário de língua portuguesa Caldas Aulete, com o significado de “atalho, caminho sinuoso, desvio”9.

7 “Vereda o camino angosto y escusado, o que sirve de atajo para ir a uma parte.” Disponível em: <http://dle.rae.es/?id=akIkdKB>. Acesso em: 20/05/2018.

8 “(...) Sendero en el monte. En la selva montañosa, las trochas han construido las verdaderas vías de comunicación hasta la construcción de carreteras.” (2016, p. 286)

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Como se vê, o nome da revista sugere o caminho para se chegar à alma de uma região pouco conhecida pelos limenhos através das próprias vozes amazônicas que nela ressoam.

Essa mesma revista chegava em Lima através do Ministério de Educação e sempre esteve aberta a receber ensaios, artigos e ficção não somente dos docentes de Iquitos, mas de todos os intelectuais da região, como médicos, engenheiros, advogados, e outros interessados, em escrever sobre temas relacionados à Amazônia.

Em 1939, Izquierdo Ríos publica Ande y Selva, pela Taller Gráfico de P. Barrantes C., na cidade de Chachapoya, livro de contos com identidade local referente a dois espaços geográficos (macrorregiões serra e floresta) pouco conhecidos.

Ele tinha total convicção de seu missão como escritor: “Ya es tiempo de que en el Perú se haga una intensa labor regional, folclórica, en todos los aspectos de su vida; labor, que, como comprendemos, en pro del conocimiento de nuestra propia realidad nacional. Ya es tiempo de que el Perú se conozca a sí mismo…” (Ríos, 2010, p. 33). Em seu entendimento, portanto, os peruanos viviam em grupos isolados, não se conheciam efetivamente, ignoravam uns a cultura de outros.

Ao publicar esse livro, Izquierdo Ríos já projetava o segundo volume, pois tinha muito material coletado, e um livro de contos era pouco para realizar o projeto de sua vida literária dedicada à publicação de obras sobre pessoas, culturas e lugares de pouca visibilidade em Lima.

Reúno bajo el título de Ande y Selva algunos escritos vernáculos; este libro constituye el primer tomo de ellos, pues pienso publicar un segundo. En este libro y en el próximo a editarse trato y trataré de reflejar el ambiente de nuestra Selva y de esta parte oriental del Ande; ese es mi más caro anhelo, desde luego, dentro de las posibilidades que la realidad de la vida puede ofrecerme. (RÍOS, 2010, p. 33)

Esse seu objetivo, que vem registrado no prólogo do livro Ande y Selva, e corresponde a um projeto que abarcava a apresentação literária das três macrorregiões peruanas (serra, costa e floresta) para integrar o Peru em um universo literário nacional, também vibrava fortemente na alma de outros escritores da época, principalmente Ciro Alegría e José María Arguedas, como afirma Olazával (2012,

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p.197) ao tratar do Primer Encuentro de Narradores Peruanos (1966), que aconteceu na cidade de Arequipa.

Em 1942, Izquierdo Ríos é transferido para Lima como chefe de Departamento de Informações do Ministério da Educação, assumindo o cargo de diretor do Colégio Noturno para Adultos “Patricio Sabogal”. No ano de 1944, publica

Tierras Peruanas libro de lectura para niños del Perú, pela Librería e Imprenta D.

Miranda, seu primeiro livro de leitura infantil e juvenil.

São pequenos contos e poesias de teor escolar com a clara intenção de

peruanizar a criança escolarizada. Assim o livro será apresentado pelos editores do Ministerio de Educación no prólogo do livro Tierras de Alba (1946):

(…) en 1944, aparece Tierra Peruana, colección de poemas, estampas y pequeños cuentos destinados a los niños, en cuyas páginas alienta una fresca visión de la naturaleza y se confirma la tendencia terrígena del escritor, para quien, ahora, en su afinada sensibilidad, las pequeñas grandes cosas de la vida escolar y el mundo maravilloso que lo rodea se conjugan en expresión de delicados contornos. (RÍOS, 2010, p. 211)

Em 1946, escreve Tierras de Alba, livro que compartilha com mais dois autores, lançado pelo Ministério da Educação do Peru. O livro de Izquierdo Ríos é um conjunto de relatos baseados em recordações de momentos vividos nos Andes e na Amazônia quando lá foi professor, marcado pelo registro da paisagem, do drama humano, e do espanhol falado nessas regiões, como afirmam os editores:

Redactados, en su mayor parte, entre los años 1933 a 1935, cuando el autor oficiaba como maestro de escuela en los pueblos de la Selva y la vertiente oriental andina, los relatos incluidos en Tierras del alba —que se integra con los libros Recod andino y Tayta Cashi— reflejan, con notable fidelidad al color y pródiga exquisitez de imágenes, esa dualidad de paisaje y de motivos selváticos y serranos, a la vez que, enmarcado en un crudo realismo, se consigna la anécdota del drama humano y se interpreta el anhelo ensangrentado de una pronta justicia social. El valor de estos relatos radica en que su material ha sido recogido directamente del pueblo, lo que es ya un esfuerzo meritorio de parte del cuentista por captar la realidad peruana, en sus más secretas raíces. Plenos de un sentido elemental, primitivo, pertenecen a la primera época de la evolución del escritor, cuando Francisco Izquierdo Ríos producía espontáneamente, urgido solo por el deseo de crear. De ahí que en ellos haya vocablos y expresiones de neta significación popular, usados sin comillas, y se note ciertas desigualdades, propias de un estilo todavía no cuajado. (Ríos, 2010, p. 211)

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Izquierdo Ríos sempre esteve disposto a trabalhar pela cultura de seu país, com grande sensibilidade humana. Nessa perspectiva, assumiu a direção da revista

Álbum del Perú, publicação oficial do Ministério de Educação, no departamento do

Patrimônio Escolar e também foi responsável pela coordenação da Seção do Folclore. Fez um trabalho pioneiro nos anos 40, publicado pelo Ministério da Educação do Peru, que consistiu em uma recopilação de literatura popular (oral) de todas as regiões do país, juntamente com José María Arguedas (1911 - 1969). Deste trabalho de etnólogo, escritor e artista, surgiu o livro Mitos, leyendas y cuentos peruanos, publicado em 1947.

Esse autor - profundamente comprometido com o resgate e valorização da literatura oral, percorreu a serra, a costa e a floresta do Peru, observando o estilo de vida de seus compatriotas para, dessa vivência construir seus contos, romances e poesias, - assim define seu “credo: escribir de modo natural y sensillo, como crece la hierba. Y que por entre lo escrito se vea la luz de la vida” (RÍOS, 2010, p. 315).

Esse “credo”, como se vê, é uma espécie de “profissão de fé” fundada no interesse estético e social de registrar a simplicidade das pessoas que vivem longe dos centros urbanos, fará dele um significativo representante do espaço amazônico no conjunto das letras peruanas.

O ano de 1949 será marcado por intensa atividade artística, nele, o autor publica: Selva y otros cuentos (livro de contos de temática amazônica), Aspectos del

folclore de Santiago de Chuco (estudo sobre o folclore); colabora com os jornais El Comercio, La Prensa, La Crónica; com as revistas Folclore, dirigida por Florentino

Gálvez Saavedra, Cultura peruana, dirigida por José Flores Arao, e outras revistas como Nueva Educación, Turismo, etc.

Na década de 1950, mantendo sua intensa atividade laboral, publica Cuentos

del Tío Doroteo (1950) obra de literatura infanto-juvenil; o conhecido romance

traduzido para o português brasileiro Días Oscuros (1950); Noche y alba (1950); as obras infanto-juvenis Papagayo, el amigo de los niños (1952), En la tierra de los

árboles (1952), Mi aldea (1953) e El árbol blanco (1953). Recebe o Prêmio Nacional

de Fomento à Cultura Ricardo Palma, no ano de 1953. Também publica Gregorillo (1955), com o qual ganha o segundo lugar no Concurso Nacional de Novelas. E em 1959, publica duas obras de literatura infanto-juvenil: Maestros y ninõs e Adán Torres.

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Nos anos 60, Izquierdo Ríos assume a chefia do departamento de publicações da Casa da Cultura, e publica, pela editora espanhola Doncel, os contos Adán Torres e Gavicho, premiados na Espanha (1965). No ano de 1967 produz o livro de contos

Sinti, el viborero, e no ano seguinte publica Mateo Paiva, el maestro, um romance

autobiográfico.

A intensa amizade e muitas conversas com José María Arguedas, Ciro Alegría e Daniel Hernández fez com que escrevesse, em 1969, Cinco poetas y un novelista, obra de crítica literária sobre os poetas César Vallejo, Ricardo Peña Barrenechea, Anaximandro Vega, Luis Valle Goicochea, Alejandro Peralta e o romancista Ciro Alegría; publicando ainda, no mesmo ano, o ensaio La literatura infantil en el Perú.

A década de 70 foi um período de produção mais madura, embora publicando o pequeno romance como Muyuna (1970) e o romance Belén (1971), objeto desta tese, se dedicou a registrar o folclore de San Martin e Loreto no livro Pueblo y bosque (1973). Em 1975, teve uma obra traduzida para o português brasileiro, Chove em

Iquitos (1975), pela editora Clube do Livro (analisado no subcapítulo 2.4). Em 1977,

participou como jurado no Concurso Literário da Casa das Américas, em Cuba, e no ano seguinte publicou sua última obra, Voyá, livro de contos que retrata personagens e lugares das mais variadas regiões do Peru; o título é uma expressão popular de despedida, quer dizer “ya me voy” ou “hasta luego”. Foi a forma que Izquierdo Ríos escolheu para se despedir de seus leitores.

Nos anos 80, Izquierdo Ríos assume o cargo de Presidente da Associação Nacional de Escritores e Artista (ANEA). Faleceu aos 71 anos de idade, em junho do ano seguinte.

Este homem que foi, por conseguinte, um incansável escritor e compilador do folclore peruano, um humanista que valorizava a educação10, merece ter sua memória

resguardada e sua produção estudada pela academia, não apenas por que compreendeu o alcance do ato de educar e zelou pela conservação da memória popular de seu país, atendendo culturas populares que ultrapassam os limites

10 Izquierdo Ríos foi um autêntico companheiro das pessoas mais humildes de seu povo, dos amigos

escritores e intelectuais, e da Cultura e Educação. Sabia de sua missão e a executou plenamente, principalmente no contexto mundial de guerra, nos anos 40, momento mais difícil de luta pela preservação da Cultura e Educação Popular de uma nação. Izquierdo Ríos, como afirma Rumrrill (2010, p. 4), tinha “el ideal de una educación transformadora para construir un país con justicia.”.

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nacionais, como a cultura andina e a cultura amazônica, mas, também, pela qualidade artística intrínseca de suas produções.

2.3 FRANCISCO IZQUIERDO RÍOS E SUA BREVE FORTUNA CRÍTICA

“CREDO Escribir de modo natural y sencillo, como crece la hierba; Y, que por entre lo escrito, se vea siempre la luz de la vida.” (Francisco Izquierdo Ríos, 2010, p. 315)

O escritor Francisco Izquierdo Ríos ainda não possui uma fortuna crítica significativa, o que sobre ele se escreveu, está publicado de modo disperso e não abarca a diversidade de sua produção literária. No Peru, ele é conhecido como: professor ou servidor do Ministério da Educação; um dos pioneiros na publicação de romances urbanos em seu país, Días Oscuros (1950); e também pioneiro na publicação de revistas literárias infantis, com o lançamento de Trocha (1942); e compilador da produção oral peruana, por ter publicado, juntamente com seu colega de trabalho e escritor José Maria Arguedas, o livro Mitos, leyendas y cuentos

peruanos, em 1947.

Um dos nomes mais importantes por divulgar a literatura serrana no século XX, e, por conseguinte, a referir a participação de Francisco Izquierdo Ríos em sua construção, foi José Maria Arguedas, escritor e antropólogo, autor de importantes os romances como: Los ríos profundos (1956), Todas las sangres (1964) e El zorro de

arriba y el zorro de abajo (1971), entre outros.

Izquierdo Ríos e Arguedas participaram do Primer Encuentro de Narradores

Peruanos, na cidade de Arequipa, em 1965, juntamente com outros escritores: Ciro

Alegría, Arturo D. Hernández, Porfírio Meneses, Oswaldo Reynoso, Sebastián Salazar Bondy, Eleodoro Vargas Vicuña, entre outros; e os críticos Anibal Portocarrero, Jorge Cornejo Polar, Pedro Luis Gonzales.

Nesse encontro, os críticos fizeram a mediação e os escritores comentaram suas próprias obras, suas técnicas narrativas e a função da literatura no Peru. Para Salmón “La técnica para Arguedas, Churata, Alegría e Izquierdo tienen que ver con la búsqueda de un idioma que exprese el ‘alma’ indígena del Perú. Para los cuatro el

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asunto de la técnica pasa por tener un proyecto ético y estético que trascienda el mero aprendizaje de estrategias narrativas.” (2008, p. 94).

Assim como Arguedas, Izquierdo Ríos sempre defendeu um registro literário de feição serrana ou andina. Ambos caminharam juntos na construção de uma literatura nacional, descentralizada da capital, oferecendo aos leitores outras perspectivas peruanas, que naquele momento eram desconhecidas do grande público.

Hoje, esses dois autores já ultrapassaram as fronteiras de seu país, mas Arguedas alcançou muito mais espaço que Izquierdo Ríos, tanto no âmbito do público leitor comum, como no âmbito da academia. As pesquisas acadêmicas sobre as obras de Arguedas cresceram bastante, sobretudo depois de seu falecimento, em 1969.

Foi somente a partir de 2010 que a iniciativa de divulgação da literatura amazônica do Peru, em seu conjunto, ganhou efetivamente fôlego. Escritores, editoras e universidades locais começaram a trabalhar juntos para conquistar efetivo espaço nos circuitos literários, com feiras de livro, congressos, jornadas, encontros e colóquios. Entre os vários especialistas da área, atualmente se encontram à frente desse projeto, os escritores e pesquisadores da literatura amazônica peruana, Roger Rumrrill e Ricardo Vírhuez Villafane.

Além disso, a Universidad Nacional Mayor de San Marcos iniciou seu próprio projeto lançando o livro de Cuentos (Tomo I), de Francisco Izquierdo Ríos, em 2010. O projeto editorial da UNMSM prevê a publicação de cinco tomos: Tomo I - Cuentos;

Tomo II - Novelas; Tomo III - Poesía; Tomo IV - Ensayos y crónicas; Tomo V - Compilaciones. Infelizmente, até o presente momento, só foi publicado o Tomo I – Cuentos, e não se tem informação da publicação dos outros volumes.

Por isso a iniciativa, nesta tese, de associar a caminhada artística de Izquierdo Ríos e de Arguedas, neste momento de abordagem da fortuna crítica do primeiro, pois ambos trabalharam para a divulgação da literatura amazônica e andina, compartilhado muitos projetos, dando o exemplo, seguido por outros escritores e pesquisadores, de divulgar a oralidade peruana e criar obras literárias esteticamente válidas a partir de suas raízes culturais.

Meu intento, com isso, é ajudar a impedir a injustiça de que a obra de um deles apenas se sobressaia, deixando a outra à margem do discurso literário

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denominado canônico, o que já se verifica, e faz com que Gladys Flores Heredia, no prólogo do livro Cuentos, lamente muito o descaso com as obras e a memória de Izquierdo Ríos, que tanto zelou pela cultura e literatura de seu país.

Hubieron de transcurrir 100 años para que la necesidad por la memoria de Francisco Izquierdo Ríos conduzca a centrar la atención en la urgencia de romper ese prolongado e injusto silencio respecto a su obra. La carencia de difusión y sistematización de su producción literaria, hace que reunamos los cuentos completos para que las nuevas generaciones calibren los aportes de este escritor que consagró su vida a la literatura y cultura. (Ríos, 2010, p. 25)

Para justificar a falta de espaço de Izquierdo Ríos no círculo literário peruano ou latino-americano, Heredia também comenta:

A su vasta y fecunda obra literaria le ocurre algo curioso: carece de estudios sistemáticos que comprendan e interpreten sus múltiples códigos literarios, culturales e históricos. A esta dificultad se suma el hecho de que vários de los títulos de su producción literaria se encuentran agotados y no están al alcance del gran público lector. (Ríos, 2010, p. 30)

Essas análises de Heredia justificam a grande importância da publicação do primeiro volume Cuentos - Tomo I. É fato que, em 2010, foi comemorado o centenário de Francisco Izquierdo Ríos em várias cidades peruanas, inclusive na capital Lima, na UNMSM, entretanto, ainda hoje, este autor permanece pouco pesquisado pela academia. Encontram-se facilmente citações de seu nome a respeito da literatura iquitenha ou amazônica, mas não análises crítica de suas obras literárias. Sobre essa questão, Heredia anseia para que se dê a devida atenção às obras de Izquierdo Ríos:

Esperamos que con la publicación de este primer volumen de cuentos se propicie el estúdio, la sistematización y el balance de la obra de Francisco Izquierdo Ríos y a la vez se cree un espacio de diálogo donde se valore la capacidad creadora, estética y pedagógica de su trabajo intelectual.

Em outro texto, no prólogo do mesmo livro, Heredia (2010, p. 22 - 23) observa que a incessante fé de Izquierdo Ríos na literatura e na cultura, seja como professor, escritor ou intelectual, o conduziu à reflexão, questionando a formação e a afirmação

Referências

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