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Inquietações sobre o comportamento humano na cidade

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Academic year: 2021

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Inquietações sobre o

comportamento humano

na cidade

Luiz Gonzaga Philippi Filho Alcimir De Paris

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1. O brotar de um trabalho

Ao voltar-me para mim mesmo, abrir esses armári-os empoeiradarmári-os, revirar e redescobrir meus trabalharmári-os; ao colocá-los sobre uma mesa ou dispô-los no papel kraft, no-vos significados surgem e outros — que talvez estampassem como rótulos aquilo que se queria que as coisas fossem — ganham novas importâncias, agora confrontados com outras perspectivas.

No decorrer do curso de Arquitetura, então, encon-tro não apenas em meus trabalhos acadêmicos, mas também nessas “coisas legais” que fiz, esses trabalhos sinceros ou es-pontâneos, inquietações que permeiam meu fazer. São ques-tionamentos que, ao passar por meus trabalhos, são feitos com propostas e ações que nos faz perguntar: “Por que as coisas são assim?”. E esta dúvida só pode existir pelo vislumbre, mesmo que na margem de um horizonte, de algo diferente. Essa miragem não me parece surgir do nada, tão pouco uma ilusão. Me remete mais à uma memória, um reflexo muscular, de algo que já existiu, que já vivi. Enquanto minhas dúvidas e questionamentos sobre algo são minhas inquietações, estas são apenas pontapés, fagulhas para despertar uma reação a algo que não concorde.

Acredito que seria mostrando esses meus vislumbres de algo diferente, que faria com que cada um pudesse também se perguntar. Minha fagulha, assim, não incendiaria os outros em uma chama homogênea, uma manifestação uníssona. Aju-daria, sim, a despertar em cada um suas próprias fagulhas.

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Em um contexto de sociedade, cidade, corpo; encon-trar essas memórias de algo diferente é o próprio processo de olhar para si mesmo. Como arquitetos, estamos fadados a sermos o próprio corpo de estudo, mesmo que para reco-nhecermos o corpo do outro.

Assim, volto aos meus trabalhos [acadêmicos ou não] e me deparo com minhas inquietações acerca do encercamen-to, dos muros e da segregação. Chego às relações da imagem do desejo (e o desejo da imagem) serem tanto a razão desses embarreiramentos, como o produto. Até que, nesse provoca-tivo caminho que tem sido meu trabalho de conclusão, con-fronto-me com o “porquê” destes questionamentos. Por que me inquietam, ou por que os questiono?

Passo, então, a tentar entender essas ações para que minhas dúvidas não se suportem apenas em meus precon-ceitos, nem em meus estudos predispostos a condenar. Pois chego ao momento em que a questão não é meu questiona-mento somente. Pois, como disse, não é a minha inquietação que vai convidar o outro a se inquietar. Mas convidar com es-sas minhas inquietações cada um a olhar ou ampliar seus ho-rizontes e, assim, nutrido de seus valores, mais preparados para se perguntar: “Por que as coisas são assim?”.

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1.1 O ímã anti-violência

Quando bem criança, preocupado e com medo de toda violência no mundo, projetei construir um gigantesco ímã que conseguisse atrair todas as armas do mundo.

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1.2 Caminhar até virar do avesso

Sair para caminhar sem ter um destino definido re-quer envolvimento com o caminho. Enquanto ao traçar um ponto de chegada, pode-se entrar em um automático e deixar que sinais predeterminados guiem o caminho; ao se envolver com o próprio caminhar, daria-se importância aos estímulos que surgem, levando a tomar outros sentidos, novas direções. Deixar-se perder para encontrar algo diferente. Estar sensível.

No processo de criação, uma rígida definição exata ou a idealização de um objetivo final poderia produzir no melhor uso de todas suas habilidades a mais perfeita representação daquilo que foi pensado. Perderia-se a oportunidade de criar algo novo, não antes imaginável, idéias que surgem da própria manipulação e ofício, novos caminhos que se abrem ou novas maneiras de caminhar. Perderia a chance de se surpreender.

Caminhar para dentro de mim, então, foi a maneira que encontrei de caminhar pelas mesmas ruas que cresci e vivi sem cair em meu automático, minhas predeterminações, meus rótulos, estímulos que ignoro para chegar em meu desti-no. Dá-me a possibilidade de me re[en]volver com o caminho. Como um broto que é convexo até virar côncavo, que se comprime até desabrochar; o processo criativo pode ser esse vai e vem que circundando pela mesa de trabalho, vai cri-ando enquanto experiencia, refletindo enquanto faz, experi-mentando e questionando; surpreendendo.

Um voltar para dentro de mim até dar a volta e, vi-rando-me do avesso, me coloco com todas essas memórias,

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vivências, projetos e tentativas que revisitei, para continuar caminhando, agora, com toda minha mesa de trabalho pela cidade.

Esse caminho que escolhi percorrer buscando no próprio caminhar [e não o destino] encontrar as coisas legais que me inquietavam e inquietam, e que me animam e cativo; esse caminho todo tem sido meu trabalho.

O sentido, aquilo que amarra meus impulsos, meus desejos, minhas reflexões, trabalhos, projetos, interferên-cias; é a última frase que descreve ao curso de Arquitetura o que é meu trabalho de conclusão: “(...) desejando melhorar as condições de viver”. Quando escrevia o “comportamen-to humano nas cidades”, estava colocando nestas palavras meu corpo em meio aos outros. A “cidade”, pois é onde vivo, habito, trabalho e projeto; e onde encontro nestes os demais habitantes e suas vivências, portanto, “humano”. E o “com-portamento” por não estar me inquietando com a cidade ou o humano em si, pois não é a materialidade somente, mas os va-lores e desvava-lores, portanto, comportamentos que esta cidade e corpos suportam. Vou chegando, assim, à ideia de que essas minhas flexões e reflexões sobre este comportamento humano na cidade é a minha colocação junto e como estes, e o sentido em meu desejo de melhorar as condições de viver passa a ser não somente minhas inquietações nesta cidade, mas também, meu convite a se inquietar.

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As pessoas que habitam estas imagens podem ser eu, como também ser você, pois são fotos e desenhos da cidade, e são de comportamentos humanos que esta é feita.

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2. Inquietações

Cresci numa casa que tinha tudo em meu quintal. Pis-cina, quadra, parquinho, jardim, árvore, cachorro, casa de bonecas; só não era o que entendia por quintal, o que sentia ao passar as tardes no quintal de meus avós. Pois descer mais de dois pavimentos para brincar com meu cachorro, subir na árvore, jogar uma bola, não era ir “ali”. Era ir até “lá”. Era um evento, um compromisso agendado em meu cronograma. Nem tanto varrer as folhas, limpar as calçadas, cortar a grama, recolher as roupas do varal era prazeroso, ou ao menos era sentir estar em casa, fazendo coisas de casa. Era um serviço ou tarefa. Ficava desligado do resto da casa, quem estava lá, se algum barulho ou cheiro vinham de lá. Quando descia, me sentia na rua de casa. Os muros para os quintais também ocio-sos dos vizinhos pareciam apenas reproduzir espaços com a inexistência de lugar. Quando criança, sentia medo em ficar lá embaixo sozinho, como sentia medo de ir para a rua jogar o lixo. Lembro de aos poucos ir saindo de dentro de casa à pé, de olhar para os dois lados da rua ao colocar a cabeça para fora do portão dos carros — que era o único jeito que entrávamos em casa, pela garagem. Olhava para ver se tinha alguém, pois como quase nunca tinha, era iminente a ideia de alguém aparecer. Lembro de descer e subir o morro do bairro com medo, várias vezes ter visto grupos de crianças que em meu preconceito sabia que não moravam por ali, seja pelas vestimentas ou pelas fisionomias. Sempre fiquei receoso, com medo. Algumas vezes fui abordado, me perguntando se sabia

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que horas eram ou quanto havia custado minha munhequeira, que número era meu tênis. Desconversava. Nunca tentei fazer nada que não tentar não estar lá. Não existir ali. Queria sem-pre sair correndo por aquelas ruas. Ruas muradas em que os muros e portões e grades dos vizinhos não me traziam afago, só me diziam que eu estava sozinho, que não tinha para onde correr, para quem gritar.

Desta casa, olhando para estas ruas, esperava meus pais chegarem do trabalho. E nos percalços que os atrasavam sem poder me avisar, sentia o medo de sair na rua para pro-curá-los. Sentia-me preso dentro de casa.

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2.1 Valores

Voltando para dentro de mim, meus trabalhos e, espe-cialmente, os momentos sinceros e espontâneos destes; vou encontrando essas memórias. Elas estão em desejos bobos, uma janela para um jardim, um talude ou uma árvore, um quintal de avó. Mesmo que por vezes soterrados por cortes, plantas, estrutura. E “desejos bobos”, pois, ao confrontar tudo que já é convenção, como o próprio projeto arquitetônico, es-ses desejos podem ser descartados por não serem facilmente enquadrados nos projetos convencionais, gerando os questio-namentos de “Para quê fazer tudo isso para um banheiro?” e as respostas mentais sem confiança de “Porque eu queria...”.

Não é o muro do condomínio fechado ou da residên-cia que me faz questionar. É a inexistênresidên-cia das relações que em uma vizinhança de cercas e muretas existem. Não é der-rubando muros de uma casa que se protege de uma via rápida e barulhenta que vamos ter a condição harmoniosa dessa casa convivendo com esta rua. Nem tanto, condicionar esta rua à uma via lenta, se for empurrar o transtorno para suas perife-rias e, consequentemente, para as outras casas.

Agora, em minhas memórias, o que me incomoda ou inquieta no caminhar pelas ruas muradas do bairro que morei quando criança, não são as ruas em si, nem os muros em si; são as ruas do bairro em que passava a maior parte dos meus dias, onde estudava e tinha amigos, caminhava pelas ruas só por caminhar, ou para ver se encontrava alguém conhecido. Não são os condomínios fechados que me incomodam, nem

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seus muros, guaritas e câmeras; são os quintas de avó que gosto tanto de passar a tarde, brincar, pular o murinho da vi-zinha para buscar a bola. E que perco ao não encontrar mais.

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2.2 O muro, a arquitetura exclusiva ou a solidão Ao me perder, então, pela cidade, pelas caminhadas que faço desde que existo, vou me encontrando com essas barreiras recorrentes, esses vários muros que me inquietam. São muros físicos, altos, sólidos, ásperos, espetados, eletrifi-cados; ou muros invisíveis, secretos, psicológicos, individu-ais, ambulantes. Mas parece que sempre, o muro é aquilo que lhe é intransponível. Do contrário, se você tiver as chaves que abrem este muro, seria uma parede. Minha inquietação, as-sim, não seria com os muros, o objeto arquitetônico ou cons-trução social em si, mas com seu uso e suas consequências. Ao me debruçar sobre estudos urbanísticos, psicológicos e antro-pológicos, percebi na vasta bibliografia o quanto suas causas e problemas já foram aprofundados como fenômeno. Como sur-gem, como são vendidos e como são desejados. São inúme-ros argumentos e justificativas que, ao final de minha breve pesquisa, me deixaram claro que o muro, a arquitetura ex-clusiva e a segurança são também produtos de mercado, ven-didos e propagandeados. Também, encontrei nesses estudos muitos indícios de uma retroalimentação destas relações de segurança com a violência. Pesquisei, independentemente, em websites publicitários, agências de eventos, blogs de turis-mo e incorporadoras do mercado ituris-mobiliário, uma constante tentativa de vender seus produtos de segurança como a única solução.

No entanto, ao continuar caminhando por esses muros, todas essas minhas pesquisas apenas me levavam a

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querer derrubar os muros, protestar contra, pichá-los. E por continuar caminhando, essas minhas revoltas e frustrações não me impediram de continuar tendo medo, de continuar querendo ter para onde correr, onde me abrigar, proteger-me, murar-se.

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Intenção

O anúncio da residência à venda “em EXCLUSIVO CONDOMÍNIO FECHADO COM ACESSO PRIVATIVO À PRAIA” lista como um de seus vários atributos o “Condomí-nio com segurança 24 horas e acesso privativo à praia. Melhor casa em todos os aspectos do condomínio que, por si só, já é uma exclusividade!”[1].

Fora destes mesmos muros, a Associação Comunitária de moradores da região se mobiliza para garantir o acesso pú-blico à praia, precarizado por décadas de cercamentos dos con-domínios e hotéis privados, descaso da população e negligên-cia dos órgãos responsáveis da Prefeitura Municipal. Um dos três acessos cuja reabertura ao público foi determinada pela Justiça Federal para que “a PMF - Prefeitura Municipal de Flo-rianópolis proceda a demolição (se necessário), a desobstrução, demarcação, sinalização e identificação dos acessos, (...) no prazo de 30 dias sob pena de R$ 10.000,00/dia de multa e res-ponsabilização pessoal do Prefeito Municipal”[2]. Com o apoio material e financeiro da Prefeitura, os moradores da região que organizaram encontros para projetar seu novo espaço de lazer, conseguiram consultoria de biólogo e escritório de arquitetura, participaram da limpeza da área com a COMCAP[3], plantio de mudas com alunos da escola municipal e a FLORAM[4], re-alizaram eventos culturais e apresentações artísticas, venderam camisetas e comida para angariar recursos[5]; construíram em mutirão, inclusive com alguns moradores dos condomínios, a praça, sua pavimentação, arborização e mobiliário. Celebram “as conquistas dos moradores com a criação de mais espaços urbanos seguros, a ampliação da segurança comunitária na co-munidade, além dos investimentos que o poder público munici-pal tem feito no território”.

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Inserido em um contexto de cidade claramente dividi-da por aquilo que é de todos e aquilo que é de poucos, separa-da por barreiras físicas — rodovias e viadutos, muros opacos, muros de vidro, portões e cancelas, cercas elétricas, arames farpados, balizadores e cintas — ou barreiras invisíveis — portais, câmeras, guaritas, guardas-seguranças, revestimen-tos e decorações, pulseiras; esta pesquisa começou, então, ao questionar a cultura da exclusividade, o desejo de ser exclu-sivo, não só como maneira de conseguir melhores qualidades e benefícios, mas quando as desqualidades ao redor dessas barreiras são também resultado desta exclusão.

Ao contrário de querer vilanizar ou condenar a exclu-sividade, a crítica inicialmente se referia ao emprego e desejo de palavras que carregam em seus significados a exclusão, segregação, discriminação, competição, conquista. Orna-mentam os textos publicitários que nos empurram, cheios de “benefícios”, “privilégios”, “vantagens”, “limitadas”, “priva-tivo”, “privado”, “select”, “club”, “vip”, “top”, “premium”, “gourmet”. Como poderíamos estar usando em nosso cotidi-ano, e de maneira tão normalizada e banalizada, palavras que trazem em sua superioridade, a inferioridade? Vencer na vida significa derrotar quem? E quem perde com isso?

Existe uma questão da mídia, em que as mensagens escalaram ao superlativo e não se consegue anunciar algo que não seja o melhor. Mas conquanto essas mensagens deixam de descrever qualitativamente para apenas com-parativamente, as qualidades parecem ser esquecidas e as comparações, tal qual as mensagens, ficam vazias.

Por trás dos muros e cerca elétrica, casa em condomínio fechado. Fora dos muros, crianças caminhando na porção de grama entre os muros e a calçada. Ao lado destes muros, acesso público à praia com praça pro-jetada e executada em mutirão pela Associação Comunitária e apoio da Prefeitura Municipal. (Capturas de tela do Google Street View)

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Mensagem “O MAIS EXCLUSIVO LANÇAMENTO DE FLORIANÓPOLIS”, impresso no tapume de obra de novo condomínio fechado no Campeche. O que sua mensagem quer passar, “O MAIS ESPECIAL” ou “O QUE MAIS EXCLUI”? (Captura de tela do Google Street View)

Quando apenas se vende e compra algo pelas com-parações, as qualidades não são somente esquecidas, mas as desqualidades são ampliadas.

Lê-se no relato de evento num “camarote em espaço privado”:

“(...) Foi uma noite especial. O show começou pon-tualmente e estávamos todas animadas com o vinho e o local tão agradável que oferece bom banheiro, serviço de bebidas e até um recanto com cobertura

em caso de chuva.”[6]

A partir, então, da oferta dessa exclusividade, da opção de ser exclusivo; serviços, atributos ou até direitos básicos parecem privilégios, vantagens, algo a mais (plus). No entanto, por vezes, são questões simples de melhoria do evento como todo. Quando um “local tão agradável que oferece bom banheiro, serviço de bebidas e até um recanto com cobertura em caso de chuva” é a exclusividade, que qualidades restam para quem não é exclusivo? Passa-se a aceitar, normalizar, que alguém pague para estar em um evento “com banheiro ruim, sem serviços e debaixo da chuva”, já que não pagou tanto quanto quem é exclusivo.

Como o exemplo dos consumidores das companhias de aviação que, ao invés de reivindicarem melhores

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con-dições dos passageiros, submetem-se à conquistar com créditos provenientes de seus próprios gastos, um lugar privilegiado.[7]

Esse comportamento massificado de se promover não por uma qualidade única passivamente proveniente da própria identidade, contexto histórico ou geográfico cultural, ser do seu jeito, especial; mas pela qualidade de excluir todos os demais para permitir que apenas selecionados usufruam desta, de uma maneira ativa, gastando recursos dos próprios excluídos para fabricar a exclusividade.

Esse movimento não é de evolução, desenvolvimento ou progresso, como é justificado em muitos dos textos estuda-dos; pois, seria então a melhoria das qualidades já existentes e como todo. Melhoria e diversificação dos serviços e estruturas como todo. Pelo contrário, observa-se na própria venda dessas novas melhorias e diversificações exclusivas (sempre chaman-do-se de inovações) o uso da precarização e desqualidades dos serviços e estruturas já existentes para promover seu produto. Dessa forma, a promoção da exclusividade não apenas propa-gandeia suas próprias vantagens e benefícios, mas também, a precarização e desqualidade daquilo que não está vendendo.

Lê-se no artigo sobre “bairros planejados”:

“O resultado conta com inúmeras vantagens como mais privacidade, tranquilidade, espaço amplo, maior contato com a natureza, a possibilidade de construir a casa dos sonhos, além do estímulo de ter convívio so-cial, como acontecia antigamente.

Vale destacar que esse novo modelo possibilita ao morador retomar costumes saudáveis esquecidos há tempos. É como se ele estivesse em uma cidade onde não é preciso usar o carro, as crianças podem brincar

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na rua e todos tem a liberdade de fazer atividade ao ar livre.”[8]

O texto da própria empresa que executa o bairro plane-jado trata a cidade como lugar impossível de se ter as quali-dades que o seu lugar criado terá. Seguindo a lógica desta úl-tima frase, sem esta solução ativa do bairro planejado, restaria apenas uma “cidade que é preciso usar o carro, as crianças não podem brincar na rua e nem todos tem a liberdade de fazer atividade ao ar livre”. Mais que uma necessidade criada, as intenções e conceitos aqui utilizados para promover este pro-duto revelam uma forte crítica, ou talvez descrença, no sistema público ou nas cidades para fora dos muros.

Vista aérea do Bairro Planejado Real Parque, estrutura (e infra-estrutura) criada no meio de uma cidade e natureza já existente. (Extraído de: “https:// www.realurbanismo.com.br/loteamento/quadra-1/quadra-1-lote-1/”)

Esse discurso que promove a compra de um pro-duto acaba, então, por utilizar dessa crítica às deficiências e precariedades daquilo que não é exclusivo (no caso, público) para vender sua exclusividade, não mais como opção, mas a solução.

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dos cinturões de muros, tudo aquilo que está fora se torna, por contraste, o insolúvel, desorganizado, errado, marginal. Se dentro têm-se a segurança, fora será inseguro; se dentro for limpo, fora será lugar para a sujeira. E o que permite esse con-traste, essa segregação, são ações ativas, que gastam recursos, para manter e sustentar essa exclusividade.

Portão de entrada do condomínio fechado Garapuvu nos limites do Campeche, com guarita de segurança, muros com arame farpado e cerca elétrica, iluminação para a faixa de acesso onde ficam as lixeiras para a coleta municipal recolher. Fora do condomínio, circundado por rodovia e lotes vagos, sem iluminação nem calçada. (Capturas de tela do Google Street View)

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Ao invés de investir em mais ações de segurança para a cidade, mas concentrando estas nas áreas privilegiadas, cria-se a disparidade do que está cria-seguro e o que não está cria-seguro, o que só cria mais insegurança: Se “aqui dentro estou prote-gido”, então “lá fora será perigoso”. Ao invés de investir em melhor infraestrutura para a cidade, mas concentrando esta, cria-se uma demanda localizada muito maior que o restante da infraestrutura poderá suportar, precarizando todo o sistema.

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Post na página de Facebook da Associação de Moradores do Campeche mostrando vídeo de condomínio lançando esgoto na Rua do Gravatá, “um dos acessos mais utilizados para chegar à praia”. Segundo testemu-nhas, a síndica do condomínio “confirmou tratar-se de esgoto” justifi-cando o despejo na rua “por conta de atraso do caminhão limpa-fossas”. Ainda, segundo o post, “moradores da Rua do Gravatá afirmam que o despejo de esgoto é recorrente e sempre acontece no período noturno, para escapar da fiscalização”. (Disponível em “https://www.facebook. com/amocam.oficial/”)

Essa segregação que Flávio Villaça descreve como “amálgama” no livro de Maria Inês Sugai, “uma grande con-centração espacial de poder econômico e político, que ul-trapassa a segregação residencial” (VILLAÇA, 2015 apud SUGAI, 2015, p.15), são exatamente os benefícios e vantagens que são vendidos para uma população que simplesmente quer o melhor. No entanto, como na pesquisa de Maria Inês e tantas outras que abordam a segregação socioespacial, é evidente os problemas que essas ações causam e agravam.

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Para quê serviriam essas minhas pesquisas, justifica-tivas, conclusões, para quem está atrás dos muros?

Vou me colocando para dentro do muro, para também de dentro dele me inquietar, tentar enxergar algo diferente, aonde queremos chegar.

Vou levando esses meus estudos, textos, músicas, poe-sias, desenhos e colagens para as ruas, para com ela continuar trabalhando, criando e caminhando e, para com ela, convidar a se inquietar.

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Na minha imaginação quando criança, não havia pen-sado que mesmo que conseguisse construir um ímã que pu-desse tirar todas as armas das pessoas, ainda assim, não lhes tiraria a violência.

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Referências

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