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O PAPEL DOS ATORES DOMÉSTICOS NO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO

EM POLÍTICA EXTERNA: UMA ANÁLISE DA MÍDIA1

Julia Faria Camargo2 Resumo: O artigo analisou o papel da mídia como um ator doméstico relevante no processo de

tomada de decisão em política externa. Objetivou-se associar os pensamentos de alguns autores das Relações Internacionais que versam acerca da tomada de decisão em política externa com alguns pesquisadores da Comunicação Internacional que abordam o papel da mídia. Também foi feito um pequeno estudo de caso no qual foi refletida a classificação da mídia face à deflagração do conflito no Iraque , em 2003. Concluiu-se que é necessário um maior diálogo entre os acadêmicos acerca do tema “mídia e processo de decisão” e que tal issue área pode representar novas perspectivas para as Relações Internacionais.

Palavras-chave: mídia – processo decisório – política externa – Guerra no Iraque –

Comunicação Internacional

Abstract: This article has analyzed the role played by the media as an important domestic actor

at the decision making process. To do it, we have considered some authors from international relations that draw on the decision making process and another authors from international communication that research about media. In addition a little case study about the role played by the media at the War in Iraq was made. The conclusion suggests that a dialogue between academics considering the theme: “media and decision making process” is necessary, and that this issue area could build up new perspectives to International Relations research.

1 Este artigo é baseado no trabalho desenvolvido para a disciplina “Modelos de análise de processo decisório em Relações Internacionais”, coordenada pela Professora Maria Izabel Valladão de Carvalho. Instituto de pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade de Brasília (IREL-UnB), 2007.

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Key words: media – decision making process – foreign policy – War in Iraq – International

communication

Introdução

Este artigo analisou o papel dos atores domésticos no processo de tomada de decisão em política externa. Especificamente, relevou-se nesta análise um ator doméstico cuja influência ainda é pouco estudada nas Relações Internacionais, independentemente da issue area: a mídia. Com essa finalidade, o estudo foi dividido em três partes.

Na primeira, realizou-se a revisão bibliográfica de textos que versam sobre os diferentes atores domésticos que influenciam no processo decisório. Os autores são os seguintes: Kubálková (2001), Milner (1997), Risse-Kapen (1995), Putnan (1993) e Hudson (2005; 2007). Nesta análise foram desconsiderados, propositalmente, os diferentes enquadramentos teóricos aos quais estes autores pertencem. Investigou-se, assim, sem obstáculos e de uma maneira heurística quais são as reflexões acerca dos atores domésticos e sua relação com a tomada de decisão em política externa. Desse modo, por exemplo, Kubálková (2001) e Milner (1997) foram refletidas em um mesmo plano, não obstante aquela seja considerada construtivista, e esta institucionalista.

Na segunda parte, utilizou-se, para uma breve análise, três estudos relevantes da área da Comunicação Internacional acerca do papel da mídia e a sua relação com a tomada de decisão em política externa. Os autores considerados foram: Cohen (1969), Gilboa (2002) e Robinson (2000). Justifica-se a inclusão desses estudos devido à possibilidade de se estabelecer um diálogo frutífero com os pesquisadores considerados na primeira parte do trabalho.

Na última seção, realizou-se um pequeno estudo de caso que versou sobre o papel da mídia como um ator doméstico relevante no processo de tomada de decisão do establishment norte-americano em invadir o Iraque, em 2003. Utilizando as abordagens apresentadas pelos autores da primeira e segunda partes, refletiu-se de uma maneira prática o local, a classificação e a dimensão da mídia e a sua relação com a política externa.

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Espera-se que a inclusão do papel da mídia como um ator doméstico relevante para o processo de decisão em política externa gere mais perspectivas para essa área de estudo, a qual, a nosso ver, representa uma das disciplinas mais dinâmicas e complexas das Relações Internacionais. Ao incorporar as múltiplas influências domésticas e internacionais, estruturas e/ou agentes, psicologia, percepções, opinião pública, instituições, linguagem, grupos sociais e políticos, assim como indivíduos, a reflexão acerca da tomada de decisão em política externa torna-se um estudo desafiador e energizante, cuja flexibilidade e procura por respostas incitará sempre novas perspectivas.

O papel dos atores domésticos na tomada de decisão em política externa

Não é por via direta que as preferências e interesses dos diferentes grupos do nível doméstico chegam à arena internacional. Muitas dessas demandas podem às vezes não cruzar a fronteira - muitos diriam imaginária - entre o interno e o externo. Para os grupos políticos e sociais domésticos cujos objetivos lograram transpassar o nível interno, é certo que foi preciso exercer o poder de barganhar, pressionar, sobressair, fazer alianças e, de alguma forma, estender a sua influência sobre o tomador de decisão ou grupo burocrático. Tem-se então que políticas domésticas e relações internacionais são intrinsecamente inter-relacionadas. A posição internacional de um país exerce impacto em suas questões domésticas e esta, por sua vez, depende do comportamento desse país no nível internacional.

De acordo com Putnan (1993: 436), no nível nacional os grupos domésticos perseguem seus interesses pressionando o governo a adotar determinadas políticas. Por sua vez, os políticos anseiam por poder e constroem coalizões entre esses grupos. No nível internacional, os governos nacionais procuram maximizar suas habilidades para satisfazerem as pressões domésticas, enquanto minimizam conseqüências adversas vindas das políticas externas. Nenhum desses dois jogos pode ser ignorado pelo tomador de decisão. No jogo de dois níveis, o movimento dos atores é simultâneo. E a definição do interesse nacional apresenta-se como uma variável fundamental nessa dinâmica.

No bojo desse raciocínio é fundamental considerar uma premissa-chave: o Estado não é um ator unitário. Por isso, os argumentos baseados na perspectiva Realista, cuja metáfora do

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Estado como bola de bilhar (WALTZ, 2004), representando um único interesse no cenário internacional, não sobrevivem à essa dinâmica. A metáfora congruente, aqui, é a da abertura da caixa preta do Estado (KUBÁLKOVÁ, 2001). O objetivo é saber como no nível doméstico se formam os diferentes interesses nacionais, quais os fatores relevantes, por que esse processo ocorre e, por fim, como essa questão se sucede no nível internacional.

Para Milner (1997:9), a cooperação entre as nações é menos afetada pelos constrangimentos provindos de outros Estados, do que pelas conseqüências da distribuição de poder no nível interno. As negociações internacionais com a finalidade de alcançarem cooperação sempre falham devido às políticas domésticas. E, ao mesmo tempo, as negociações internacionais se iniciam devido a essas políticas internas.

O conceito de poliarquia examina bem essa questão, pois oferece uma idéia de movimento. O termo sugere que os atores domésticos se movem em uma estrutura mais complexa do que a hierarquia e a anarquia. Assim, eles partilham diferentes tipos de poderes, e ora um sobressai ao outro. Esse cenário poliárquico da política doméstica é identificado por três fatores: a estrutura de preferências, as instituições do processo decisório e a distribuição de informações.

Seguindo a mesma autora (op. cit.: 12), na política doméstica existem três tipos de atores os quais são capazes de definir a política externa: 1. Executivo: presidente, primeiro ministro, ditador; 2. Legislativo: burocracias, departamentos e ministérios dos governos; 3. Grupos de interesse social ou grupos de interesse.

Vale ressaltar que os dois primeiros grupos são classificados como atores políticos, enquanto o terceiro é considerado ator social. A classificação que abrange as preferências dos atores políticos foi uma das inovações trazidas pela autora na literatura sobre processo decisório em política externa. Partindo do pressuposto de que as preferências entre esses três atores diferem, propõe-se então analisá-los em uma escala unidimensional, na qual o local onde cada um se posiciona em relação ao outro ator é capaz de determinar a política externa. Então, é necessário saber qual é o ator mais dovish (conciliatório em relação ao governo) e mais hawkish (posição mais hard em relação ao governo). Por fim, chega-se a conclusão de que quanto mais

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um ator doméstico dovish apoiar o governo, maiores são as chances de haver uma cooperação internacional.

As contribuições formuladas neste artigo considerando Hudson são baseadas no capítulo 5: Domestic Politics and Opposition, do livro Foreign Policy Analysis: Classic and Contemporary Theory (2007). Vale ressaltar que a autora é a que oferece maior ênfase nas questões afetas à mídia no processo de tomada de decisão em política externa.

Em um diálogo com Milner, Hudson (2007: 126) igualmente tenta solucionar à seguinte pergunta: “Como o poder é distribuído nas instituições políticas domésticas?” Para responder a essa questão é preciso explorar a contestação política presente na sociedade e como isso afeta as decisões em política externa. A diferença entre as autoras é que nesta abordagem, os atores domésticos não são separados em categorias políticas e sociais. Para Hudson eles se incluem em uma mesma categoria que abrange: o executivo, legislativo, os partidos políticos, os grupos religiosos, os grupos terroristas, as comunidades epistêmicas, a mídia e outros. Há também um esforço em identificar os atores não domésticos que influenciam na política interna. Estes seriam: outros Estados, ONGs, corporações multinacionais, tratado de alianças, a mídia internacional, entre outros.

Nesse capítulo 5, a relevância dos atores domésticos é analisada em dimensões. A primeira delas – e que se assemelha à classificação de Milner – aborda a posição desses atores em relação ao tomador de decisão em política externa. Assim, quanto mais próximo do tomador de decisão, mais influente no jogo doméstico. Em uma escala de exemplos (op. cit.: 128) a posição da mídia nessa dimensão ficaria em quarto lugar. A sua frente estariam: o Departamento de Estado, os Senadores Republicanos, e o Partido Democrata. A segunda dimensão enfatiza o quão coesivo ou fragmentado são esses atores. Em harmonia com Milner, Hudson defende que quanto mais fragmentado o ator, menos habilidade existe para a cooperação internacional. Em uma tabela, a mídia estaria um pouco mais próxima da fragmentação do que da coesão. A terceira dimensão considera o número de pessoas representadas por esse ator doméstico. Essa dimensão tem a ver com o tamanho do ator e sua influência em um determinado assunto de política externa. E por último, a quinta dimensão busca informar o quão ativo é um ator em determinada questão

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de política externa. A reprodução da tabela abaixo (2007: 131) coloca essas cinco dimensões em uma perspectiva comparada:

Como já afirmado, Hudson é autora que mais relevância oferece ao papel da mídia. Em seu artigo escrito na revista Foreign Policy Analysis (2005:19), ao considerar os atores sociais, ela afirma que o efeito da mídia na política externa vem sendo estudado, principalmente, no que se refere a teoria do “CNN effect”, a qual propõe que a cobertura da mídia em conflitos internacionais explorando as emergências humanitárias são capazes de influenciar na tomada de decisão em política externa:

There has been an increasing effort to combine theoretical perspectives on international communication and the role of the news media in foreign policy decision making. This involves both policy effects from the mediates flow of information between foreign policy actors and the way that the media influences the domestic politic context of foreign policy decision making.

No quinto capítulo, a autora (2007: 127) afirma que os tomadores de decisão em política externa lamentam o “efeito CNN”, pois, ele é capaz de empurrar a atenção da opinião pública de um determinado assunto da política externa, para outro totalmente diferente. Isso afetaria os tomadores de decisão que, preocupados com os votos, precisariam tomar iniciativas a curto prazo para responder aos anseios da população. Acerca do recente conflito no Iraque, a autora assevera

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que a mídia foi um dos três atores domésticos relevantes que influenciaram na tomada de decisão em invadir o país. Os outros dois foram: o Departamento de Estado e o Partido Democrata.

A última abordagem utilizada para avaliar o papel da mídia como uma variável relevante é a influência dos atores transnacionais na política interna dos Estados, formulada por Risse-Kapen (1995). As relações transnacionais são aquelas em que pelo menos um dos atores é um agente não governamental, o qual não opera sob um governo nacional e que é capaz de causar impacto na difusão global de normas, idéias e valores.

Segundo o autor, o conceito de estruturas domésticas abrange três dimensões: 1. instituições políticas dos Estados (relacionamento entre o poder executivo e legislativo); 2. estruturas da formação da demanda da sociedade (grau de centralização da sociedade civil); 3. redes políticas envolvendo Estado e sociedade (processo de formação de coalizão).

O impacto dos atores transnacionais varia nos Estados devido a dois fatores. O primeiro considera as diferenças nas estruturas domésticas dos Estados, os arranjos normativos organizacionais e a estrutura da sociedade. Já o segundo aborda o grau de institucionalização internacional, a extensão em que a área é regulada por acordos bilaterais, regimes multilaterais e organizações internacionais. Risse-Kapen, então, conclui que a estrutura doméstica é determinante. Quanto mais o Estado domina a estrutura doméstica, mais difícil seria para os agentes transnacionais penetrarem no sistema político e social.

A partir da reflexão desses autores, independentemente das nuances teóricas de cada um, nota-se a tendência de trazer as políticas domésticas de volta aos estudos das Relações Internacionais. Essa necessidade mostra-se extremamente relevante, uma vez que procura incluir novas variáveis explicativas para o fenômeno da tomada de decisão em política externa. No pequeno estudo de caso sobre o papel da mídia como um ator influente na decisão em intervir no Iraque, utilizou-se os conceitos formulados por esses autores para classificar sua atuação. Porém, antes é necessário expor como a relação entre política externa e a mídia é vista pelos autores da Comunicação Internacional.

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O primeiro estudioso a considerar o papel da mídia como um ator relevante no processo de tomada de decisão em política externa foi Bernard Cohen em sua obra: The Press and the Foreign Policy (1969). Cohen (op cit, 4) formula a seguinte pergunta em seu trabalho: “What are the consequences for the foreign policy-making environment, of the way that the press defines and performs its job, and the way that its output is assimilated by the participants in the process?”

Pode-se observar que a pouca literatura existente sobre a relação entre mídia e a tomada de decisão em política externa, formulada pelos estudiosos da Comunicação Internacional, são bastante limitadas e se desenvolvem a partir de duas teorias que se chocam: CNN Effect e Manufacturing Consense. A primeira analisa a capacidade da mídia, com a transmissão diária de discursos e imagens, influenciar diretamente no processo da tomada de decisão. Já a segunda, baseada na obra de Herman e Chomsky (1988) 3, considera que a mídia não intervém no processo político. Ao contrário, a mídia é que é mobilizada com o intuito de apoiar as políticas governamentais ou as elites. A fragilidade dessas propostas se encontra na caracterização passiva e maniqueísta dada à mídia, pois ambas buscam apenas posicionar sua atuação em uma escala na qual a influência versus não-influência são as duas variáveis principais.

Estudos mais recentes da Comunicação Internacional demonstram que o processo pelo qual a mídia interage na esfera da política externa é muito mais complexo, e sua atuação ocorre de maneiras diversas. Para Gilboa (2002:731) os efeitos que a comunicação internacional exerce na condução e formulação da política externa devem ser entendidos tanto na possibilidade de constranger os lideres políticos, quanto podem provê-los com oportunidades para alcançar seus objetivos: “The global news media have affected both the policy-making and the interactive phase of foreign policy” (2002: 732).

O autor cria uma taxonomia com quatro papéis para a mídia, a qual é vista como um ator da política externa com diferentes atributos, tipos de atividades, contexto e conceito. O papel da mídia como controladora (efeito CNN) sugere que a comunicação global dominou o processo de tomada de decisão no que tangencia à intervenção militar. A Guerra do Golfo em 1991, a

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intervenção na Somália (1994), no Kosovo (1999) e em Ruanda (1994), seriam os exemplos desse efeito. Como um ator constrangedor, a mídia é vista como mais um elemento que influencia no processo de tomada de decisão e que constrangeria o líder político a tomar atitudes a curto prazo. O autor cita como exemplo o fato de que durante a Guerra do Golfo, em 1991, Bush informou os membros da coalizão contra o Iraque por meio da CNN e não por canais diplomáticos. O terceiro papel considerado é a mídia como interventora das mediações internacionais. Essa categoria considera que muitas vezes os repórteres agem como intermediadores nos conflitos. Por exemplo, o caso de Peter Arnett, único repórter a entrevistar Saddam Hussein na última Guerra do Golfo. À época, a atuação do jornalista foi bastante criticada. Muitos questionaram a sua parcialidade e o consideraram um advogado do governo norte-americano. E por fim, o quarto papel é a mídia como um ator instrumental utilizado pela diplomacia como uma ferramenta para mobilizar suporte e lograr acordos. Essa classificação está direcionada à conquista da opinião pública mundial. Os exemplos citados por Gilboa são: o acordo de Camp David em 1978, a visita de Sadat a Jerusalém em 1977, a Conferência de Paz de Madri em 1991.

Vale ressaltar, também, nesse artigo o estudo de Robinson (2000, 614-641) sobre o impacto da cobertura da mídia na tomada de decisão, especificamente nas intervenções em crises humanitárias. O autor defende que a influência da mídia só ocorre quando: 1. Existe uma incerteza política a respeito de determinada intervenção. 2. A cobertura é enfatizada mostrando sofrimentos humanos. Por outro lado, quando o tomador de decisão possui certeza política em relação à intervenção (ou não intervenção), o papel da mídia não se mostra relevante e, muitas vezes, atua complacente com política adotada pelo governo. Para demonstrar essa crítica à teoria do efeito CNN, o autor realiza dois estudos de caso: a intervenção norte-americana na Bósnia, em 1995, para proteger Gorazde, (área para os refugiados), na qual a pressão da mídia somada à indeterminação política causaram a intervenção. E o segundo estudo de caso aborda a intervenção, também norte-americana, em Kosovo, em 1999, e a decisão da administração Bill Clinton em não enviar tropa e força aérea para proteger a população albanesa. Nesse caso, o autor demonstra que o governo possuía objetivos claros e o papel da mídia mostrou-se irrelevante no processo de tomada de decisão.

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Nota-se, que no campo da Comunicação Internacional, as teorias explicativas sobre o papel da mídia na tomada de decisão em política externa possuem, ainda, um alcance bastante limitado e concentram-se, em sua maioria, em apenas um fenômeno das relações internacionais: a intervenção em conflitos. Por outro lado, observa-se avanços na necessidade de se refletir a mídia como um ator de múltiplos papéis. Essa última tarefa dilui um pouco o maniqueísmo das duas teorias (CNN effect e manufacturing consent) dominantes nos estudos da Comunicação Internacional. É sob essa perspectiva que se adotou algumas análises dessa área para complementar o pequeno estudo de caso sobre o papel da mídia na intervenção do Iraque.

Um pequeno estudo de caso: a mídia como um ator doméstico relevante para a tomada de decisão do governo Bush em intervir no Iraque (2003)

O pequeno estudo de caso proposto nesse artigo analisou a mídia como um ator doméstico relevante na tomada de decisão do governo-norte americano em invadir o Iraque, em março de 2003. Considerando as classificações e reflexões propostas pelos autores analisados na primeira e segunda partes desse artigo, formulou-se a seguinte pergunta: Que tipo de ator a mídia representou nessa tomada de decisão específica?

Muitos autores concordam que durante o período da deflagração da Guerra no Iraque, entre março e maio de 2003, a atuação da mídia anglo-americana foi parcial e nacionalista (FONTENELLE, 2004; TAYLOR, 2003; TUMBER e PALMER, 2004). A causa dessa atuação está diretamente relacionada ao abalo coletivo sofrido pela sociedade norte-americana devido aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 (SILVA, 2005). Desse modo, durante o período de deflagração do conflito raramente a mídia questionou a argumentação do governo norte-americano de que o Iraque comprara urânio enriquecido do Níger, com o propósito de fabricar armas de destruição em massa.

É possível afirmar que a administração Bush esteve atenta à atuação da mídia nesse conflito. Além de limitar a atuação dos jornalistas em território iraquiano, com a implementação da cobertura dos embeddings, não foram raras as vezes em que a insatisfação com a imprensa se mostrou notória. A citação abaixo é parte de um depoimento do então secretário da Defesa, Donald Rumsfield:

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Temos visto muita alteração no humor e percepção da mídia. Muitos altos e baixos, às vezes no mesmo dia. A cobertura maciça da guerra pode ser desorientadora. Felizmente, o povo americano sabe discernir o que vê e ouve. Perguntas sobre o quanto a guerra vai durar são legítimas. Mas há uma diferença entre perguntar isso e questionar, como vem sendo feito, a razão pela qual esta guerra não acabou. (Donald Rumsfield, 2003)

Quando surgiram os primeiros escândalos políticos da guerra e demonstrou-se a inexistência das armas de destruição em massa, a imprensa norte-americana admitiu sua postura parcial. Entre maio e agosto de 2004, jornais e redes de TV que possuem um peso político histórico nos Estados Unidos publicaram editoriais admitindo falha na cobertura da Guerra no Iraque. Algumas dessas considerações, por exemplo, foram publicadas pelo jornal A Folha de S. Paulo (2004), a qual trouxe as seguintes manchetes: “Erramos em tudo diz ancora da CNN”; “Post admite falha na cobertura anterior à Guerra no Iraque” e “NYT faz mea-culpa sobre sua cobertura”.

De acordo com Silva (2003:5), devido ao predomínio que as empresas de comunicação anglo-americana exercem no mercado da mídia, a percepção que parte dos países obteve da guerra foi construída pelo viés nacionalista e parcial que essa imprensa foi acusada de produzir em seus textos. A assertiva de que foram as grandes empresas de comunicação que exerceram uma maior influência na produção das reportagens sobre o conflito deve ser entendida no contexto da globalização da informação. Thussu (2001:163) enfatiza que, nesse contexto, as empresas de comunicação ocidentais lideradas pelos Estados Unidos - que emergiram como uma potência mundial no campo da informação na pós II Guerra Mundial - representam os maiores atores globais nos setores da mídia.

Em entrevista feita por mim, em 2004, Sérgio Dávila, único repórter brasileiro a cobrir in loco a ação no Iraque, confirma a dependência da mídia brasileira (no que concernem os assuntos internacionais) com relação às matérias publicadas pelas grandes empresas de comunicação:

As principais agências internacionais, que abastecem os principais diários brasileiros, são ou norte-americanas (caso da Associated Press, que está em 99% dos nossos jornais) ou baseadas em Nova Iorque (caso da Reuters, idem, ibidem). Além disso, os quatro maiores diários brasileiros assinam os serviços noticiosos do "New York Times", do "Washington Post", "Los Angeles Times", "Wall Street Journal", "USA Today", para ficar em apenas alguns. Nossa principal revista semanal de informações é praticamente uma caixa de ressonância das norte-americanas Times e Newsweek no que tange à cobertura internacional, de tendência, comportamento, ciência e saúde. Segundo porque a crise que atinge o jornalismo mundial, aliada à alta do dólar no Brasil

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e ao particular endividamento das empresas de comunicação brasileiras, fez com que estas tivessem de reduzir sua presença no exterior, cortando cargos de correspondentes e gastos com viagens de enviados especiais. Assim, a visão norte-americana é não só mais acessível quanto mais barata. (DÁVILA, on-line, 2005)

Com a finalidade de analisar a atuação da mídia norte-americana sob as perspectivas apresentadas pelos autores das primeira e segunda partes, formulamos três hipóteses:

1)No período da deflagração do conflito, a mídia norte-americana atuou complacente com o governo norte-americano.

2)É possível afirmar que o governo norte-americano pressionou a mídia para apoiá-lo em sua decisão.

3)A atuação da mídia norte-americana refletiu nos periódicos brasileiros, mas sob nenhuma possibilidade influiu na tomada de decisão do Governo Lula, que se posicionou contra a intervenção.

Para explicar a primeira hipótese seguimos Milner (2007) e classificamos a mídia como um ator doméstico pertencente à categoria dos “grupos de interesse social”. Nesse contexto da deflagração da guerra, a mídia norte-americana representou um ator social dovish, uma vez que a seu posicionamento com relação ao conflito se mostrou bastante conciliatório com as decisões do stablishment da administração Bush.

Como Hudson já analisou em seu texto o papel da mídia nesse conflito, manteremos concordância com suas reflexões. Por conseguinte, quanto mais próximo do tomador de decisão, mais influente o ator é no jogo doméstico. A autora assevera que a mídia foi um dos três atores domésticos relevantes que influenciaram na tomada de decisão em invadir o Iraque. Os outros dois foram: o Departamento de Estado e o Partido Democrata. Portanto, a proximidade ao tomador de decisão tornou a mídia, nesse contexto, um ator influente.

As contribuições de Gilboa nos desafiaram a encontrar em uma de suas quatro classificações (controladora, constrangedora, interventora e instrumental) o papel exercido pela mídia. A pressão sobre os meios de comunicação exercida pelo governo norte-americano possibilitou classificá-los na categoria denominada de “ator instrumental”. Nesse caso, argumenta-se que o governo norte-americano utilizou a mídia como uma ferramenta com a

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finalidade de apoiá-lo em sua tomada de decisão e, conseqüentemente, mobilizar o suporte da opinião pública nacional e internacional, como explicado na segunda hipótese.

E por fim, a última análise se desvinculou do nível doméstico e procurou saber se a posição adotada pela mídia norte-americana exerceu influência no Brasil. Seguindo a abordagem formulada por Risse-Kapen sobre a influência dos atores transnacionais nas políticas interna dos Estados, concordamos que o posicionamento da mídia norte-americana teve reflexo nos periódicos brasileiros. Entretanto, isso não influenciou na tomada de decisão do Governo Lula em apoiar a decisão de intervir no Iraque. A diplomacia brasileira posicionou-se contra a guerra. Nesse aspecto, não corrobora o papel da mídia internacional como um ator transnacional influente na tomada de decisão do governo brasileiro. Assim, igualmente não cabem nessa análise as considerações de Hudson acerca da influência da mídia internacional como um ator não doméstico intervindo no processo decisório dos Estados.

Portanto, nesse pequeno estudo de caso o papel da mídia como um ator doméstico pertencente à classificação dos grupos sociais, mostrou-se relevante na decisão do governo norte-americano com relação ao Iraque. A mídia foi considerada um ator dovish e instrumental, porém seu efeito nas relações transnacionais, como por exemplo, no caso do Brasil, não surtiu.

Conclusão

A revolução tecnológica no campo da informação-comunicação, ocorrida no século XX, modificou o significado de poder nas Relações Internacionais e no processo político. Nye (2001) explica que o soft power, capacidade de conseguir resultados por meio da atração e não coerção, requer eficácia na utilização dos meios de comunicação. Em entrevista feita por mim, em 2004, por correio eletrônico, o autor explica a relevância da mídia no cenário internacional: To the extent that the media is read across borders and gathers news across borders, I would consider it a transnational actor. (NYE, 2004, online)

Esse papel e seus efeitos no processo de tomada de decisão em política externa necessitam de uma maior atenção por parte dos pesquisadores. Se por um lado os estudiosos do processo da tomada de decisão em Relações Internacionais não aprofundam em suas análises o papel da

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mídia; por outro, os pesquisadores em Comunicação Internacional negligenciam a evolução das teorias e análises sobre tomada de decisão desenvolvidas pelos autores de Relações Internacionais. É mister que haja um diálogo entre esses estudos. Por fim, acredita-se que “a abertura da caixa preta do Estado” somada à relevância dos atores domésticos fazem da mídia uma variável interessante cuja atuação deve ser incluída nos estudos da tomada de decisão em Relações Internacionais.

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Referências

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