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Reestruturação do sistema lacteo mundial : uma analise da inserção brasileira

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Economia

REESTRUTURAÇÃO DO SISTEMA LÁCTEO MUNDIAL:

UMA ANÁLISE DA INSERÇÃO BRASILEIRA

Vera Regina Ferreira Carvalho

Tese de Doutoramento apresentada ao Instituto de Economia da UNICAMP para obtenção do título de Doutor em Ciências Econômicas – área de concentração: Teoria Econômica, sob a orientação do Prof. Dr. Célio Hiratuka.

Este exemplar corresponde ao original da tese defendida por Vera Regina Ferreira Carvalho em 25/07/2008 e orientada pelo Prof. Dr. Célio Hiratuka.

CPG, 25 / 07 / 2008

____________________________

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A minha família,

pelo amor, paciência e compreensão, que tornou esse trabalho possível

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[obrigado por todos os olhares]

o seu olhar O seu olhar lá fora, O seu olhar no céu, O seu olhar demora, O seu olhar no meu, O seu olhar, seu olhar melhora Melhora o meu. Onde a brasa mora e devora o breu Como a chuva molha o que se escondeu. O seu olhar, seu olhar melhora, melhora o meu. O seu olhar agora, o seu olhar nasceu, o seu olhar me olha, o seu olhar é seu. O seu olhar, seu olhar melhora, melhora o meu...

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Agradecimentos

Nada se constrói sozinho, ainda mais quando essa construção se estende por muito tempo. Assim, agradeço a todos àqueles que de uma maneira ou de outra, na maioria das vezes até sem saberem, ajudaram para que esse trabalho chegasse ao fim. Aqueles que incentivaram, que me ajudaram a não desistir de vez, quando tudo parecia tão difícil.

Agradeço primeiramente a minha filha, a Ana Carvalho Herrlein, por me lembrar todos os dias, por meio de um sorriso, de um resmungo, de um abraço, a alegria que é viver. Quando tudo ficava muito difícil era no seu olhar que eu encontrava forças para continuar.

Ao amigo e companheiro Ronaldo Herrlein Jr, sem sua entrada na minha vida, provavelmente essa tese não existiria. A Vera também seria outra. Faltam palavras para agradecer a esse companheiro que me deu asas para voar e ainda ficou cuidando da sogra e da avó emprestada, entre outras tantas coisas. Obrigado sobretudo pelos momentos difíceis em que esteve ao meu lado. Agradeço também pelo pai tão dedicado que é para a Ana, dedicação essa que me deixou livre, em vários momentos, para que eu pudesse me dedicar a esse trabalho. Uma presença fundamental, não só nessa tese, mas na vida que construí para mim.

Simone Silva de Deos, qualquer escrito sobre essa amiga é pouco pra representar a importância dela na minha trajetória. Obrigada pelas incontáveis acolhidas em São Paulo, aqui estendo também meus agradecimentos ao Eduardo e a querida Tereza. Quando Campinas ficava distante demais dos pampas era na sua casa que eu encontrava aconchego. Mas sobretudo meu obrigada é por ter me ajudado no momento mais difícil, quando pressenti a possibilidade de fraquejar e sua mão me ajudou a sair do poço em que me encontrava. Minha eterna gratidão.

Ao meu derradeiro orientador Célio Hiratuka, que aceitou orientar alguém em pleno processo depressivo. Agradeço a sua disponibilidade, sua franqueza em

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nossas conversas, sua seriedade. Pela compreensão e dedicação, meu muitíssimo obrigado. Também sou imensamente grata ao professor Luciano Coutinho, pelo apoio, pelas conversas sobre o tema e sobretudo por acreditar nesse trabalho.

Lembranças deixam laços para sempre. Quando nos deparamos com um trabalho dessa natureza, muitos problemas aparecem, sem os amigos, sem os amores, essa superação teria sido ainda mais difícil. Com um trabalho de longa duração corremos o risco de perder alguns pelo caminho. Alguns amigos que nem estavam mais por aqui, mas que suas presenças pretéritas ajudaram a ir em frente. Jura, sempre a Juracy, o Tio Marcello, e o colega e amigo Dinizar Becker, obrigado por terem feito parte da minha vida.

Um agradecimento especial ao apoio da minha mãe, sua postura perante a vida ajudou-me, e muito, a não desistir de tudo em muitos momentos. Meu muito obrigado ao apoio logístico das avós da Ana, nos inumeráveis finais-de-semana que se ocupavam da pitoca para que eu pudesse avançar mais um pouco no trabalho.

No Instituto de Economia passei momentos memoráveis, grandes aulas, grandes conversas. Através do professor Mariano Laplane agradeço a todos os professores que me abriram ainda mais os olhos e que brindaram, a mim e a meus colegas, com aulas memoráveis. Agradeço através da Cida e do Alberto a todos os funcionários que tornam o Instituto uma referência na vida da gente.

Agradeço também a Gisele, um anjo presente nesses últimos tempos, e a Malu, que me apresentou essa amiga e tudo o mais que ela representou na minha construção.

Obrigado também aos meus alunos, pelos diálogos possíveis, pelas omissões de alguns momentos, pelo apoio e sobretudo pela última turma de economia remanescente da UNIVATES que indiretamente me ajudaram a não desistir de tudo nos momentos em que Lajeado ficava pesado demais. Também agradeço as instituições que me financiaram, a CAPES e a UNIVATES.

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Enfim, agradeço a todos, que direta ou indiretamente, tornaram essa caminhada possível. Por razões de tempo, e também para não cometer injustiças, não foi possível nomear cada um deles, mas finalizo agradecendo a todos aqueles que me apoiaram e que compreenderam que diante de situações imprevistas as respostas, entre elas as emocionais, nem sempre são iguais.

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Índice

Introdução...1

1. A produção de lácteos em escala global: aspectos cruciais e o contexto dos blocos regionais ...5

1.1 Panorama geral ...6

1.2 Aspectos da cadeia produtiva na Europa ...25

1.3 Aspectos da cadeia produtiva nos Estados Unidos da América ...27

1.4 Aspectos da cadeia produtiva na Oceania...33

2. Indústria láctea mundial: uma análise dos principais atores...37

2.1 Nestlé...38

2.2 Lactalis ...47

2.3 Danone ...50

2.4 Dean Foods Company...53

2.5 Arla Foods...57

2.6 Cooperativa Fonterra ...61

2.7 Dairy Farmers of America (DFA) ...64

2.8 Kraft Foods ...67

2.9. Algumas considerações preliminares ...70

3. Setor lácteo brasileiro: transformações e permanências na nova ordem econômica mundial ...77

3.1 Panorama produtivo primário da cadeia láctea brasileira ...79

3.2. Indústria processadora brasileira: um destaque para as mudanças patrimoniais e a mudança de paradigma produtivo...84

3.3 Mudanças na perspectiva do comércio varejista e do mercado consumidor...97

3.4 Balança comercial láctea brasileira...101

3.5 Outras considerações preliminares ...103

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4.1 Dairy Partner Américas (DPA) & Nestlé...107 4.2 Perdigão ...116 4.3 Itambé...121 4.4 Parmalat ...125 4.5 Danone ...129 4.6 Considerações preliminares ...132 Conclusão ...135 Referências ...143

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Índice de figuras

Figura 01 – Desenho geral das inter-relações na cadeia produtiva láctea ...8 Figura 02 – Distribuição da produção de leite, segundo classificação

sócio-econômica dos países...9 Figura 03 – Comércio internacional de lácteos, em 2000 ...23

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Índice de gráficos

Gráfico 01 – Distribuição da produção mundial de leite por continente – 2005 ...11

Gráfico 02 - Projeção da produção de leite no mundo, segundo países-membros e não-países-membros da OCDE...16

Gráfico 03 – Exportações de lácteos em 2005, segundo países de origem...20

Gráfico 04 – Principais exportadores mundiais de derivados lácteos ...21

Gráfico 05 – Importações de lácteos, em 2004-06 e previsão para 2016...22

Gráfico 06 – Distribuição das vendas mundiais da Nestlé, por grupo de produtos, em 2006 ...42

Gráfico 07 – Distribuição das vendas mundiais da Nestlé, por região produtora, em 2006...43

Gráfico 08 – Distribuição da vendas mundiais da Danone, por grupo de produto, em 2006 ...51

Gráfico 09 – Distribuição das vendas mundiais de lácteos da Danone, por região, em 2006 ...52

Gráfico 10 – Distribuição da vendas mundiais da Arla, por grupo de produto, em 2006...58

Gráfico 11 – Distribuição das vendas mundiais de lácteos da Arla Foods, por região, em 2006 ...59

Gráfico 12 – Distribuição do faturamento do grupo Fonterra, por região, no ano de 2006 ...63

Gráfico 13 – Distribuição da vendas mundiais da DFA, por grupo de produto, em 2006...66

Gráfico 14 – Distribuição da vendas mundiais da Kraft, por grupo de produto, em 2006...68

Gráfico 15 – Distribuição das vendas mundiais da Kraft, por segmento de negócio, em 2006 ...69

Gráfico 16 - Distribuição regional da produção de leite no Brasil no ano de 2006...80

Gráfico 17 - Produtividade de leite do rebanho bovino no Brasil, no período 1980-2007 (litros/vaca/ano) ...81

Gráfico 18 - Evolução da produção de leite e rebanho ordenhado no Brasil - 1980/2007 (milhões litros e mil cabeças) ...82

Gráfico 19 - Curva de concentração para as dez maiores empresas em captação de leite no Brasil - 2007...88

Gráfico 20 – Destino do leite inspecionado no Brasil segundo produto final – 2002...90

Gráfico 21 – Operações de fusões e aquisições envolvendo empresas industriais pertencentes à cadeia produtiva láctea no Brasil por ano e por tipo de operação – período 1986/2008 ...92

Gráfico 22 – Mercado total de leite fluído – leite longa vida X outros leites fluídos Brasil 1991/2005 ...98

Gráfico 23 – Saldo da balança comercial brasileira de lácteos de 2000-2007 em milhões de US$ ...101

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Gráfico 24 – Composição da pauta de lácteos exportados pelo Brasil, em 2007...102

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Índice de quadros

Quadro 01 – Custos de produção mundial de leite (US$/litro) ...13 Quadro 02 – Operações de fusões e aquisições realizadas pela Nestlé, no

período 1985-2006...41 Quadro 03 – Operações de fusões e aquisições realizadas pela Lactalis, no

período 1985-2006...48 Quadro 04 – Operações de fusões e aquisições realizadas pela Dean Food, ...56 Quadro 05 – Operações realizadas pela Arla Food no período 1985-2006...60 Quadro 06 - Fusões e aquisições realizadas pela Parmalat no período

1989-2002...93 Quadro 07 – Investimentos anunciados no Brasil a partir de 2005 para o

segmento lácteo...95 Quadro 08 - Operações de fusões e aquisições realizadas pelo grupo Nestlé

no Brasil durante período 1989/2008 ...112 Quadro 09 - Vendas de operações realizadas pelo grupo Nestlé no Brasil no

período 1989/2006...113 Quadro 10 - Fusões e aquisições realizadas pela Perdigão no período

2005-2008...117 Quadro 11 – Unidades produtoras da Parmalat em 2007 e seus respectivos

produtos ...126 Quadro 12 – Operações realizadas pela Danone no período 1989-2002 ...130 Quadro 13 – Vendas de ativos realizadas pela Danone no período 1989-2002 ...131

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Índice de tabelas

Tabela 01 – Distribuição da produção mundial de leite, segundo as espécies animais (em %)...9 Tabela 02 – Produção de leite nos principais países produtores mundiais e

suas participações na produção mundial, 1990 e 2005 (em mil ton) ...10 Tabela 03 – Produtividade em países selecionados (litros/vaca/dia) ...12 Tabela 04 – Principais empresas de lácteos no mundo, ranqueamento

segundo o valor das vendas (somente lácteos) no ano de 2006 (em bilhões de €)...38 Tabela 06 – Recepção de leite por parte das maiores empresasde laticínios

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Índice de anexos

ANEXOS 151

Anexo A1 - Evolução da produção de leite mundial em 1.000

toneladas(1990-2005) ...151

Anexo A2 – Mudança no consumo mundial per capta de leite e produtos lácteos (kg/hab/ano)...151

Anexo A3 - Mudanças nos padrões de consumo de alimentos conforme evolução da renda...152

Anexo A4 – Tendências no consumo de alimentos mundial ...153

Anexo A5 – Produção de leite de vaca em 2005...153

Anexo A6 – Produção de leite em pó nos maiores países produtores europeus em 1.000 toneladas, no período 1995-2005...154

ANEXO A7 – Marcas utilizadas nos produtos de origem láctea da Nestlé ...155

ANEXO A8– Marcas propriedade da Lactalis...156

ANEXO A9 – Marcas utilizadas pela Danone ...157

Anexo A10 – Marcas utilizadas pela Dean Foods nos produtos lácteos ...158

ANEXO A11 - Marcas utilizadas pela Fonterra...159

ANEXO A12 - 159 ANEXO A13 – Desenho clássico da cadeia produtiva láctea ...160

ANEXO A14 - Cadeia Produtiva do Leite – Quantificação Brasil ...161

ANEXO A15 - Operações de fusões e aquisições envolvendo a indústria de laticínios brasileira no período 1985-2008 ...163

ANEXO A16 - Distribuição das vendas da Perdigão, por grupo de produto, em 2006 ...171

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Resumo

Essa tese tem como objetivo analisar a inserção brasileira na reestruturação do sistema lácteo global a partir das mudanças produtivas do final do século XX. Diversas evidências apontam para uma redistribuição da produção mundial de leite, a matéria-prima básica. Além disso, tem ocorrido um aumento do consumo mundial per capita de lácteos e derivados e também um aumento no número dos consumidores, expandindo-se por duas vias a demanda mundial. Na medida que a produção de lácteos alcançou um nível técnico de produtos e processos que permitiu superar a estreiteza territorial dos vínculos entre o mercado consumidor e uma base produtora local da matéria-prima, novas possibilidades estão colocadas. O mapa global da produção se altera e os interesses das grandes empresas nas regiões onde é possível expandir a produção condiciona novas estratégias de atuação. As transformações setoriais que encaminham a formação de uma nova cadeia produtiva global são o objeto de investigação do presente trabalho. Segundo este, a produção realizada no Brasil tende a estar inserida em uma cadeia mais integrada globalmente e, portanto, conforme uma nova divisão internacional do trabalho.

Palavras-chaves: leite; cadeia produtiva láctea – Brasil; cadeia produtiva láctea – mundo; economia de empresas;

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Abstract

This thesis aims to analyze the Brazilian insertion in the restructuring of the global dairy production changes from the end of the XX century. Various evidences point to a redistribution of world production of milk, the raw material base. Moreover, there has been an increase in world per capita consumption of milk and derivatives and also an increase in the number of consumers, is expanding in two ways world demand. To the extent that the production of milk reached a level of technical products and processes that allow overcome the narrow territorial ties between the consumer market and a local production base of raw materials, new possibilities are raised. The global map of production changes and the interests of large companies in regions where it is possible to expand the production determine new strategies of action. The processing sectors that forward the formation of a new global production chain are the subject of this research work. According to this, the production in Brazil tends to be inserted into a chain more integrated globally and, therefore, as a new international division of labor.

(19)

Introdução

A partir de 1988, quando da eliminação de controles quantitativos e administrativos sobre as importações, a economia brasileira iniciou um processo de liberalização, que se intensificou em 1990 com a abertura comercial, integrando-se de forma mais efetiva à economia mundial. Dentro dessa lógica de maior integração à economia global, a indústria de alimentos brasileira passou por um processo de concentração e de desnacionalização após a abertura econômica. As transformações experimentadas pela economia brasileira – resultantes, sobretudo, da intensificação dos fluxos de capitais estrangeiros – estabeleceram também novas formas de atuação dos agentes integrantes do complexo agroindustrial de laticínios e deflagraram uma intensa mudança patrimonial na estrutura da indústria processadora, desencadeada inicialmente pelo capital externo. Parte significativa das mudanças patrimoniais verificadas se relacionava diretamente com a estratégia de crescimento das principais empresas.

Assim, a estrutura produtiva brasileira transformou-se intensamente no final do século XX, reflexo em parte das mudanças mais amplas verificadas em escala global, em parte das especificidades da economia nacional. Tais transformações da estrutura produtiva nacional romperam seu relativo isolamento, inserindo-a dentro de uma lógica que passa a sofrer influência, de maneira cada vez mais evidente, de mudanças ocorridas no cenário internacional, ainda que a produção ainda seja fortemente orientada para o mercado interno. De uma maneira ou de outra, todos os segmentos industriais foram afetados por essas transformações. No entanto, no caso da indústria láctea, objeto do presente estudo, algumas mudanças recentes no cenário mundial do setor têm acelerado esse processo.

Diversas evidências apontam para uma redistribuição da produção mundial de leite, a matéria-prima básica. Além disso, tem ocorrido um aumento do consumo mundial per capita de lácteos e derivados e também um aumento no número dos consumidores, expandindo-se por duas vias a demanda mundial. Atualmente existe um consenso entre os analistas de que a produção de leite é

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inferior a demanda mundial. A composição das fontes de matéria-prima vem se alterando, com o crescimento da oferta de outros tipos de leite, mas a produção de leite de vaca continua a ser a principal fonte de matéria-prima para essa indústria. Na medida que a produção de lácteos alcançou um nível técnico de produtos e processos que permitiu superar a estreiteza territorial dos vínculos entre o mercado consumidor e uma base produtora local da matéria-prima, novas possibilidades estão colocadas. As transformações setoriais que encaminham a formação de uma nova cadeia produtiva global respondem às condições de: (i) um mercado consumidor em ampliação, principalmente em países emergentes, e (ii) possibilidades de aumento da produção somente em algumas regiões (incluindo-se o Brasil). Isso por um lado redimensiona o potencial de acumulação de capital pelas empresas que atuam na indústria em nível mundial. Por outro, o mapa global da produção se altera e os interesses das grandes empresas nessas regiões onde é possível expandir a produção condiciona novas estratégias de atuação.

Segundo as hipóteses deste trabalho, o setor está passando por uma nova fase, em que a produção realizada no país tende a estar inserida em uma cadeia mais integrada globalmente e, portanto, conforme a uma nova divisão internacional do trabalho.

Assume-se aqui o papel central da grande empresa na articulação da cadeia produtiva e admite-se que o dinamismo dessa cadeia está amplamente determinado pelas suas ações. A hipótese enunciada desdobra-se nas seguintes hipóteses secundárias – (i) está ampliando-se o espaço ocupado pelo capital nacional na divisão de tarefas em nível mundial, mas, ainda assim, (ii) os agentes econômicos de capital nacional brasileiro assumem um papel subordinado e conseqüentemente com menores graus de liberdade.

Isso significa que a produção nacional sob controle da grande empresa deve crescentemente inserir-se em uma lógica global de organização da produção, independentemente da destinação de sua produção final. Portanto, um entendimento correto dessa cadeia requer um enfoque diferenciado do geralmente

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adotado. Nesse sentido, essa tese investiga a cadeia produtiva láctea no Brasil do ponto de vista da configuração da cadeia em termos mundiais e da atuação das empresas enquanto players globais.

O presente estudo, portanto, compreende a economia capitalista contemporânea segundo a tradição dos grandes autores que apontaram a tendência inerente da acumulação capitalista em promover um revolucionamento contínuo de suas bases técnicas, promovendo a concentração e a centralização dos capitais. Nesse sentido, a grande empresa capitalista moderna – compreendida como “grupo financeiro com predominância industrial” (Chesnais, 1995) e unidade de valorização de capital – destaca-se como principal agente das transformações que periodicamente destroem as próprias estruturas estabelecidas de produção, distribuição, circulação e consumo.

O presente trabalho está estruturado em seis partes: esta introdução mais quatro capítulos e uma conclusão. Tendo presente a importância do contexto global para compreensão das estratégias e desempenhos empresariais, no Capítulo 1 é são descritos e analisados diversos aspectos relevantes das cadeias produtivas estruturadas em três blocos econômicos ou macro-regiões (Europa, EUA e Oceania), com destaque para o comércio internacional de produtos lácteos. No Capítulo 2, o foco da investigação está nas empresas, os agentes que assumem propriamente uma perspectiva global na cadeia em conformação, sendo as principais responsáveis pela coordenação setorial estabelecida nos diversos territórios. São analisadas oito empresas (com maior faturamento em 2006, conforme Rabobank Internacional, 2007) que se constituem nos principais atores globais dos blocos que se destacam na produção e comércio mundial de lácteos. No presente trabalho, o foco das análises está nas estratégias e no desempenhos revelados das grandes empresas, assumindo-se que sua consideração como unidade básica de análise permite explicar em larga medida a transformação das estruturas de produção e comércio.

No Capítulo 3 é analisada a dinâmica da cadeia produtiva do leite no Brasil, dando destaque para as mudanças ocorridas nos distintos elos

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constitutivos desta cadeia, após as transformações mais recentes. Ainda que o foco de nossa tese seja a indústria láctea, um entendimento mais adequado do setor só é possível a partir de uma análise no âmbito da cadeia produtiva.

A trajetória das grandes empresas no Brasil é investigada do Capítulo 4. Para tanto, são apresentadas de forma analítica as histórias contemporâneas das empresas mais significativas no território brasileiro. Busca-se, assim, um entendimento sobre os fatores desencadeadores e/ou intensificadores do processo de transformação que afetou a indústria láctea brasileira. A compreensão de como esses capitais nacionais se inserem na cadeia produtiva global em conformação e sobre o papel desempenhado por eles, vale dizer, a forma ativa ou passiva dessa inserção, é o propósito último desse capítulo.

Finalmente, na conclusão, são apresentados os resultados do estudo e a interpretação dos movimentos da indústria láctea mundial e da inserção dos agentes nacionais. Esses resultados servem então de base para sugestões de políticas setoriais para a cadeia láctea no Brasil, visando uma inserção positiva da indústria brasileira na constituição da cadeia láctea global. Pretende-se, com esse trabalho, fornecer subsídios aos formuladores de políticas públicas e privadas, para a tomada de decisões e para o estabelecimento suas linhas de atuação quanto as principais transformações e tendências da cadeia produtiva do leite. Qualquer decisão, corporativa ou de governo, necessita de uma visão sistêmica que apóie as tomadas de decisão. Esse trabalho pretende contribuir para que se alcance tal visão sistêmica na compreensão da cadeia produtiva láctea e nas estratégias privadas e políticas públicas que afetam seus diferentes elos constitutivos.

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1. A produção de lácteos em escala global:

aspectos cruciais e o contexto dos blocos regionais

Em vista da mundialização do capital e das conseqüências advindas desse processo, com destaque para a intensificação da concorrência, as cadeias produtivas passam a operar numa dimensão mais global, na qual os blocos regionais desempenham papéis distintos e hierarquizados. O entendimento da lógica imperante na cadeia láctea inicia-se pela abordagem de uma importante mudança institucional que desencadeia o processo de conformação de uma cadeia global no setor de lácteos. A instituição do sistema de cotas produtivas para os países integrantes da Comunidade Européia, na década de 1980, afetou em graus diferenciados os países produtores e provocou uma mudança de estratégias por parte das empresas atingidas.

A Política Agrícola Comum (PAC) da União Européia constituiu-se num mecanismo de coordenação internacional para a cadeia produtiva láctea mundial quando, em 1982, estabeleceu o sistema de cotas de produção para os seus países membros.1 Esse sistema acabou por impactar a produção em todas as regiões produtoras e resultou num regime de contenção da produção na Europa. Assim, a expansão das empresas européias passou a ser circunstanciada pela PAC. Portanto, desde a sua instituição, em 1984, as estratégias empresariais de crescimento e as ações das grandes empresas produtoras de leite e derivados levaram a um novo arranjo produtivo, com um aumento gradativo da lógica global dentro de suas decisões de expansão.

No presente capítulo, faz-se inicialmente um resgate dessa mudança institucional e de outros aspectos relativos à produção da matéria-prima, ao consumo de lácteos e ao comércio internacional. Posteriormente, são apresentados os contextos regionais dos principais blocos a partir dos quais se organiza a cadeia láctea global. O argumento é que as grandes empresas têm

1 Os países membros, quando da constituição do sistema de cotas eram Alemanha, Bélgica,

França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Dinamarca, Irlanda, Reino Unido e Grécia. Efetivamente esse sistema foi colocado em prática em 1984.

(24)

estabelecido estratégias e organizado sua atuação com vistas às condições do mercado em escala cada vez mais global e, embora integrem suas atividades além das fronteiras nacionais, as mesmas estão seletivamente distribuídas, de sorte que permanecem centralizadas as atividades de pesquisa e desenvolvimento e, portanto, a concepção de novos processos e produtos, bem como os conceitos de marketing relacionados.

1.1 Panorama geral

A cadeia produtiva láctea guarda traços análogos com os movimentos apresentados por diversas outras cadeias produtivas. Porém, as especificidades do leite – inclusive o grande volume de água presente na matéria-prima principal e a existência de subsídios à produção – conduzem a formas específicas de relacionamento entre produtores e processadores nas diferentes regiões.2 A produção primária, ainda que tenha um papel economicamente subordinado, nesse caso é fundamental, pois as diferenças nos seus rendimentos físicos e custos de produção podem ser o diferencial para inclusão de regiões produtivas nas operações de uma produção em escala global. Devido às características próprias do leite fluido, o primeiro tipo de processamento deve ser realizado próximo da base produtora. A produção da matéria-prima leite está disseminada em todo o território mundial e as formas de produção são muito díspares, apresentando realidades muito distintas quanto a produtividade e custos. Essa disseminação da produção relaciona-se com a importância nutritiva do leite, mas também com o fato de ser um dos poucos produtos agropecuários que propicia uma renda mensal ao produtor.

2 A especificidade da matéria-prima e das formas de relacionamento entre os elos da cadeia

produtiva láctea implicam também um maior grau de especificidade dos ativos produtivos, pois o grau de especificidade do ativo relaciona-se com o grau de especialização de determinada transação (Williamson, 1989). Ativos com maior grau de especificidade requerem arranjos produtivos do mercado e da firma, que assegurem maior estabilidade das condições de uso desses ativos.

(25)

Tanto a produção de leite quanto a indústria processadora integram a cadeia produtiva láctea.3 Uma cadeia produtiva representa um modo específico de organização das atividades econômicas, compostas por diferentes etapas, concatenadas e relativamente interdependentes, a partir de uma lógica cujo elemento principal é de hierarquia e comando (Furtado, 2003:7). A cadeia como um todo consiste numa rede de trabalho e de processo produtivo, incluindo os sistemas produtivos, os fornecedores de insumos e serviços, as indústrias de processamento e de transformação, os agentes de distribuição e de comercialização e consumidores finais (Figura 01), não apenas dentro de um contexto nacional, mas sim internacional. Conforme essa abordagem é necessário operar um corte vertical no sistema econômico e também considerar os fluxos entre os agentes integrantes, assim como as relações de causalidade entre esses e suas influências sobre os demais elos.

3

O conceito de cadeia produtiva utilizado é derivado de Gereffi (2001) que é uma rede de trabalho e de processo produtivo cujo resultado é uma mercadoria final. De acordo com essa concepção, um melhor entendimento das cadeias produtivas pressupõe, além das investigações de desempenho e características econômicas, um estudo sobre o padrão e a natureza das relações dentro de cada elo e também entre os elos. Dentro da literatura econômica, diversos conceitos congêneres são utilizados para a designação de cadeia produtiva, tendo como pontos comuns a constituição do mesmo a partir do produto final e privilegiando as relações que se estabelecem entre e dentro dos elos constitutivos de cada cadeia.

(26)

Figura 01 – Desenho geral das inter-relações na cadeia produtiva láctea

Fonte: Relatório Perdigão (2006).

Uma compreensão da dinâmica das cadeias produtivas, sobretudo naquelas em que a matéria-prima básica é um produto agropecuário, deve principiar pelas questões relativas à produção primária. No caso do leite, em decorrência das especificidades e também da importância deste insumo agropecuário, a abordagem o setor primário deve considerar as condições diferenciadas dos marcos regulatórios, dos custos, da produtividade, do ambiente natural, etc.

Desde 1990 até 2005, a produção mundial expandiu-se em 22,8% (cerca de 1,4% a.a.). No mesmo período, a produção dos países em desenvolvimento cresceu 72,2%, alterando, significativamente e num breve período, a distribuição mundial da produção (Figura 02).

(27)

Figura 02 – Distribuição da produção de leite,

segundo classificação sócio-econômica dos países

1990

66%

34%

países desenvolvidos países em desenvolvimento

2005

53%

47%

Fonte dos dados brutos: FAOSTAT (2007)

Os dados apresentados dizem respeito à produção de diversos tipos de leite, englobando leites de vaca, de cabra e de búfala. Com o aumento do consumo de leite nos países asiáticos ampliou-se também a matriz produtiva láctea, incluindo outras fontes tradicionais, além do leite de vaca. Nos países desenvolvidos, 99% do leite produzido é de vaca, enquanto nos países em desenvolvimento 33% do leite provêm de outros animais (búfalo, ovelhas, cabra e camelo). Atualmente, com referência à produção mundial, 84% do leite total é de vaca (Tabela 01).

Tabela 01 – Distribuição da produção mundial de leite, segundo as espécies animais (em %)

Espécie 1970 1980 1990 2000 2005 Vaca 91,71 90,71 88,32 84,75 84,20 Búfala 5,00 5,91 8,12 11,63 12,25 Cabra 1,65 1,66 1,84 2,01 1,98 Ovelha 1,40 1,46 1,47 1,39 1,36 Camelo 0,24 0,26 0,25 0,22 0,21 Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

(28)

No ano de 2005, os principais produtores mundiais foram Índia, EUA e Rússia (Tabela 02). A produção brasileira ocupou a oitava posição no ranqueamento mundial.4 Nos últimos anos está ocorrendo uma mudança dentre os principais países produtores, sendo que China, Índia, Paquistão, Brasil, Nova Zelândia e México apresentaram taxas de crescimento acima da média, aumentando assim a sua participação na produção mundial.

Tabela 02 – Produção de leite nos principais países produtores mundiais e suas participações na produção mundial, 1990 e 2005

(em mil ton)

Fonte dos dados brutos: FAOSTAT(2007)

As regiões que intensificaram a sua produção de leite também são aquelas onde se verifica um maior aumento de consumo de produtos lácteos, tais

4 Caso se considere apenas a produção de leite de vaca a posição ocupada pelo Brasil é a sétima

(Anexo A5). Produção % Produção % 1990 1990 2005 2005 Índia 53.678 10% 95.619 15% EUA 67.005 --- 13% 80.264 13% Federação Russa --- 31.144 5% Paquistão 14.723 3% 29.672 5% China 7.037 1% 29.403 5% Alemanha 31.342 6% 28.488 4% França 26.807 5% 26.133 4% Brasil 15.076 3% 25.468 4% Nova Zelândia 7.509 1% 14.498 2% Itália 11.956 2% 11.831 2% Holanda 11.226 2% 10.532 2% México 6.456 1% 10.338 2% outros países 268.771 52% 246.956 39% Mundo 521.586 100 % 640.346 100% País

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como Ásia e América Latina. Conforme será considerado adiante, nessas regiões o aumento do consumo está associado à intensificação da urbanização e a um incremento da renda. E também é nessas regiões que se faz possível um incremento produtivo futuro (Gráfico 02, adiante).

Conforme se pode presumir pelos dados da Tabela 02, a produção de leite encontra-se dispersa geograficamente (Gráfico 01). Porém, as condições de custos e rendimentos físicos da produção são bastante distintas.

Gráfico 01 – Distribuição da produção mundial de leite por continente – 2005

África 5% Oceania 4% Am éricas 24% Ásia 33% Europa 34%

Fonte dos dados brutos: FAOSTAT (2007)

Nossa análise dos dados internacionais, em comparação com a realidade brasileira, chama a atenção para o baixo índice de produtividade apresentado pelo Brasil frente a outros importantes produtores mundiais. Estas diferenças derivam da utilização de sistemas de produção distintos e também do grau de especialização do rebanho. Sistemas em confinamento (produção intensiva de leite) tendem a apresentar maior produtividade, entretanto apresentam também maiores impactos ambientais (Tabela 03). Rebanhos especializados, por sua vez, apresentam produtividade maior.

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Tabela 03 – Produtividade em países selecionados (litros/vaca/dia)

Fonte: USDA (2007)

Obs: * dados preliminares; ** previsão.

Como não poderia deixar de ser, essas disparidades nos níveis de produtividade estão relacionadas com os diversos custos de produção apresentados pelas diferentes regiões produtoras. Nesse aspecto, o Brasil se destaca por apresentar custos de produção baixos, quando comparados aos demais produtores mundiais importantes (Quadro 01).

Ano 2002 2003 200 4 2005 2006* 2007** América do Norte Canadá 7.35 7.26 7.49 7.32 7.41 7.43 México 1.41 1.44 1.45 1.44 1.46 1.47 Estados Unidos 8.44 8.51 8.60 8.87 9.05 9.37 América do Sul Argentina 3.95 3.98 4.63 4.52 4.79 4.95 Brasil 1.45 1.49 1.53 1.59 1.64 1.69 União Européia - 25 5.21 5.39 5.45 5.63 5.68 5.89

Antiga União Soviética

Rússia 2.75 2.82 2.86 3.08 3.14 3.23 Ucrânia 2.82 2.84 3.20 3.25 3.36 3.45 Sul da Ásia Índia 1.01 1.00 1.01 0.99 1.02 1.04 Ásia China 3.80 3.91 4.14 4.05 4.05 4.10 Japão 8.68 8.71 8.90 9.10 9.04 9.04 Oceania Austrália 4.90 5.19 5.10 5.11 5.08 5.02 Nova Zelândia 3.71 3.73 3.83 3.65 3.71 3.77

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Quadro 01 – Custos de produção mundial de leite (US$/litro)

Custo de

Produção Países/Regiões

< 0,18 US$ Polônia, Argentina, Paquistão, Vietnã, Austrália (oeste), Brasil (centro-oeste), 5Chile, Índia (grandes fazendas), China (norte)

0,18 - 0,23 US$

Ucrânia, Bangladesh, República Tcheca (fazendas modernas), Brasil (fazendas de custo elevado), Chile (fazendas de custo elevado), Índia (fazendas de custo elevado), Nova Zelândia (fazendas de custo elevado)

0,23 - 0,30 US$ República Tcheca (fazenda antiga), Estados Unidos (grandes fazendas), Peru, China (sul), Tailândia, Austrália

0,30 - 0,37 US$ Reino Unido, Irlanda, Hungria, Israel, Estados Unidos (fazendas pequenas), Alemanha (grandes fazendas), Espanha, Dinamarca

> 0,37 US$ Suíça, Áustria, Holanda, Luxemburgo, França, Itália, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Noruega, Canadá, Alemanha (pequenas fazendas) Fonte: International Farm Comparison Network (2005) in Agroanalysis (2007)

O protecionismo e a presença de subsídios produtivos são aspectos que se vinculam à sustentação econômica de produções tão díspares e são muito relevantes na explicação do desenho da cadeia produtiva em nível mundial. O leite é o produto agropecuário que recebe o maior volume de subsídios em todo mundo e as pressões para um relaxamento desse quadro regulatório são intensas (IATRC,1998 apud Martins & Araújo, 2002). Os acordos de 1994 do GATT, a chamada Rodada Uruguai, marcaram o início de uma abertura acelerada do mercado mundial de lácteos e levaram a uma diminuição dos grandes superávits de produtos lácteos gerados pelos principais países produtores europeus (Bortoletto & Wilkinson, 1999). Uma mudança dessa ordem, no marco regulatório que afeta diretamente o setor primário, conduziu também a uma reavaliação, por parte de empresas processadoras sobre a sua fontes de captação e as perspectivas de crescimento nos locais originários.

5

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Gradativamente, a redução dos subsídios e do protecionismo explicita as maiores diferenças de custos. Essas diferenças podem adquirir ainda maior relevância com a extinção das práticas protecionistas, sobretudo pelos países desenvolvidos.6 Entretanto, esse quadro de subsídios não sofrerá alterações antes da conclusão da Rodada de Doha. De todo modo, com a redução e/ou extinção dos subsídios, ampliam-se as possibilidades de comercialização internacional de produtos lácteos.

Ainda com referência aos aspectos vinculados à produção leiteira, cabe considerar que a mesma vem acompanhada de impactos ambientais, assim como as demais produções animais. Assim, um fator que impacta mundialmente a cadeia produtiva láctea é que os problemas ambientais derivados da pecuária leiteira estão se ampliando nos países onde a produção de leite ocorre de forma mais intensiva. Em tempos de agravamento do aquecimento global, as questões ambientais acabam por restringir o crescimento da produção primária em uma série de países e contribuem para reconfigurar a cadeia produtiva em nível mundial.

Entre as questões ambientais, destaca-se a poluição do solo com nitrogênio, na qual o estrume de vacas leiteiras pode adquirir uma dimensão importante.

“Os países podem ser reunidos em quatro grupos distintos, em função do nível de risco tal como foi medido pela estimativa global de nitrogênio no solo, e da importância da gestão de estrume de vaca enquanto fonte de nitrogênio. O risco é maior na Bélgica, República Tcheca, Dinamarca, França, Alemanha, Irlanda, Japão, Países Baixos, Noruega, Portugal,

6

Diversos movimentos estão sendo realizados, no sentido de reduzir o protecionismo. Dentro dessas iniciativas destaca-se a constituição da Aliança Láctea Global (GDA) que organizou-se para fazer lobby na rodada de Doha. Essa aliança congrega empresas nacionais da Argentina, Austrália, Brasil, Chile, Nova Zelândia e Uruguai, com a finalidade é estabelecer um sistema comercial justo no âmbito do leite e seus derivados, evitando assim as distorções regulatórias atuais. Segundo a GDA “[a]s tarifas aplicadas no mercado mundial de lácteos estão entre as mais altas do mundo; [m]ercados desenvolvidos aplicam tarifas bem acima de 100%; [a] tarifa nas importações japonesas de manteiga está acima de 500%; [o] Canadá aplica tarifas entre 200% a 300% em suas importações de lácteos; [n]um mercado de 7 milhões de toneladas, as importações intracota européias de queijo giram em torno de 100 mil toneladas; [d]ecisões européias sobre subsídios à exportação têm repercussões negativas na renda dos produtores de leite das regiões onde não há subsídios (FAEP, 2005)”.

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Suíça e Reino Unido. Na Austrália, Canadá, Itália, Nova Zelândia, Espanha e Estados Unidos, o risco de poluição com nitrogênio ocasionado pelo estrume de vacas leiteiras é fraco a nível nacional, embora estudos indiquem que o risco a nível regional pode ser tão importante quanto nos países de maiores riscos. Na Áustria, Polônia, Portugal e Suécia, a estimativa global dos nutrientes é baixa, mas a contribuição das vacas leiteiras à produção total de nitrogênio é superior a 10%, enquanto na Coréia a estimativa global dos nutrientes é alta, embora o estrume das vacas leiteiras contribua em menos de 10% (OECD, 2004)”.

As atuais projeções mundiais para a produção de leite apontam para a continuidade de um crescimento maior nos países que não integram a OECD, o que está relacionado com os níveis de poluição gerados e com as mudanças regulatórias que afetam subsídios e cotas de produção. As projeções para a produção de leite, apresentadas no Brasil pelo Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento e derivadas de estudos do

Food and Agricultural Policy

Research Institute (FAPRI, 2007)

, são as seguintes:

“Segundo o FAPRI na próxima década a produção de leite aumentará 18,5% com a maior parte do crescimento sendo decorrentes por ganhos de produtividade por vaca. A produção mundial projetada para 2015 é de 586,80 milhões de toneladas de leite. Das 91,8 milhões de toneladas acrescidas à produção entre 2005 e 2015, 28,5% ocorrem nas Américas e 60% ocorrem na Ásia, principalmente na China e na Índia. O continente asiático segundo o FAPRI será o maior produtor de leite em 2015, com 181,4 milhões de toneladas, seguido pela Europa com 154,32 milhões de toneladas e pelos Estados Unidos, com uma produção projetada de 110,45 milhões de toneladas de leite.

Segundo o FAPRI, a Índia produzirá em 2015, 68% da produção do continente asiático. Na América do Norte, os Estados Unidos serão os maiores produtores de leite. Na América do Sul, o Brasil deverá produzir em 2015, 31,3 milhões de toneladas e a Argentina 14,0 milhões de toneladas.

Entre os derivados do leite, o queijo é o que apresenta o maior volume de produção. A produção mundial deverá aumentar de 16,5 milhões de toneladas em 2005 para 19,0 milhões em 2015. Os maiores produtores mundiais de queijo serão a Europa, 9,43 milhões de toneladas e América do Norte 4,9 milhões de toneladas. Na produção de queijo a Argentina deverá se tornar mais importante que o Brasil em 2015. Na Oceania, a Austrália e Nova Zelândia serão os grandes produtores do continente em 2015 (FAPRI) (MAPA/AGE, 2006:31)”.

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Torna-se evidente que, em face de diversas questões – como os custos relativos de produção, as limitações legais à expansão da produção de leite e os problemas ambientais a ela associados – o aumento da produção de leite só será possível nos países em desenvolvimento, como o Brasil. Estudo como o OCDE/FAO (2007) já projeta essa tendência (Gráfico 02), e também aponta para um aumento dos preços dos lácteos e derivados em face do descompasso entre o crescimento da demanda e da oferta, que tende a se acentuar.

Gráfico 02 - Projeção da produção de leite no mundo, segundo países-membros e não-membros da OCDE

Fonte: OCDE/FAO(2007)

No que se refere à oferta, a produção mundial apresenta tendência de crescimento, tendo crescido, como vimos, à taxa anual de 1,4% entre 1990 e 2005, com projeção de 1,7% a.a. para a década subseqüente (Anexo A1). Ainda que essa tendência se mantenha, essa taxa é menor que as taxas projetadas para o crescimento do consumo nos próximos anos (Anexo A2). São muitos e diversos os fatores que apontam para um aumento do consumo de lácteos e derivados nas próximas décadas.

Sabe-se que um grau maior de desenvolvimento econômico repercute diretamente no aumento consumo de lácteos e derivados. Isso ocorre, em primeiro lugar, devido a elevada elasticidade-renda dos produtos lácteos. O

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aumento da renda per capita e outras transformações associadas ao processo de desenvolvimento, como a crescente urbanização e a entrada da mulher no mundo do trabalho, fazem com que os países em desenvolvimento apresentem um grande potencial de crescimento. Assim, as previsões apontam que, nas regiões menos desenvolvidas o incremento do consumo deverá ocorrer tanto devido à inclusão de consumidores quanto ao incremento de renda. Nesse contexto, destacam-se a China e a Índia, países com elevada população e cujas rendas per capita têm crescido em níveis muito superiores aos dos países desenvolvidos.

Por outro lado, tem crescido a procura por produtos com baixo teor de gordura e dietéticos, assim como a intensificação do consumo dos alimentos funcionais (Anexo A3).7 O avanço científico na área de alimentos já indicaram que os derivados do leite apresentam um elevado potencial nutracêutico.8 Estudos já realizados comprovam que frações do leite9 podem ser eficazes em tratamentos contra o câncer de cólon, AIDS, entre outras doenças. Essas frações apresentaram efeito antimicrobiano e também efeito anti-viral e já existe tecnologia para produção dessas frações em escala comercial. (Brandão, 2002; Hasler, 2001).

Nas últimas décadas, o consumo de alimentos vem apresentando modificações mais intensas devido às mudanças nos hábitos alimentares, motivadas por questões relacionadas à saúde e à qualidade de vida. Essa mudanças encontram um potente vetor nas ações das grandes empresas processadoras, que conduzem o processo de inovação de produto, transformando em mercadorias os conhecimentos científicos sobre os derivados lácteos. Surgem assim uma série de produtos funcionais e nutracêuticos, que estão longe de

7 Alimentos funcionais, segundo uma definição que surgiu no Japão nos anos 1980, são “alimentos

similares em aparência aos alimentos convencionais, usados como parte de uma dieta normal, e que, demonstraram benefícios fisiológicos e/ou reduzem o risco de doenças crônicas, além de suas funções básicas nutricionais (Brandão, 2002)”. O leite constitui-se em um alimento funcional por natureza e cientificamente é comprovado sua atuação na imunologia passiva, na modulação do sistema imunológico, proteção contra hipertensão, proteção contra osteoporose, prevenção do câncer e prevenção de cáries.

8 Denominação utilizada para nutrientes com uso farmacêutico. Para efeitos de ilustração tem-se o

soro do leite, rico em cálcio (Hasler, 2001).

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esgotar as potencialidades nutritivas e farmacêuticas já apontadas para esses derivados. Nesse campo, as ações das grandes empresas não se limitam à formulação dos novos produtos (com uso de ingredientes lácteos), pois o apelo em favor de um “consumo saudável” ocupam lugar destacado em suas estratégias de marketing.

Os dados da FAO, utilizados no estudo de Nassar (2007), apontam para uma substituição gradativa de cereais e amidos por carnes, lácteos, doces, frutas e alimentos processados, com crescente incorporação dos produtos dietéticos e funcionais (Anexo A4). Por isso, em vista da diversidade de produtos derivados do leite e de suas propriedades, o aumento do consumo de lácteos ocorre também nas regiões com maior grau de desenvolvimento, refletindo a incorporação de novos produtos à dieta alimentar. No mesmo sentido, concorre o aumento mundial da demanda por queijos, cuja contrapartida é a ampliação e diversificação da oferta, pois as especialidades regionais na elaboração de queijos passam a ser comercializadas no mundo todo. Devido também às propriedades dos produtos lácteos e às mudanças de hábitos, o envelhecimento da população, seja em escala nacional, seja em escala global, acaba por se refletir no aumento do consumo de alimentos derivados do leite.

Além desses aspectos mais estruturais, que permitem vislumbrar tendências expansivas de médio e longo prazo, a recente conjuntura também reforça a percepção de uma tendência generalizada de aumento do consumo de lácteos. Na última década, sobretudo devido à entrada de novos consumidores asiáticos no mercado, esse passou gradativamente a apresentar insuficiência de oferta, conduzindo a uma elevação de preços.10

Todas essas considerações, que afetam a oferta e a demanda de produtos lácteos em escala global, vêm redefinindo as condições dos mercados

10 Por exemplo, no ano de 2006 esse mercado apresentou tendência de alta, sendo inclusive

comparado ao petróleo. (i) a seca na Austrália e conseqüente redução da produção que se destina principalmente ao mercado externo; (ii) tendência de queda da produção européia, sendo que com o fim dos subsídios essa tendência se acentua; (iii) aumento do consumo de lácteos e derivados na América Latina, em função de aumento de renda real, visto que os lácteos e seus derivados apresentam uma elevada elasticidade-renda.

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lácteos nacionais e as possibilidades do comércio internacional (Figura 03). Do total de leite produzido, entretanto, apenas 5% é objeto do comércio mundial, sendo a parcela principal da produção consumida internamente.

Figura 03 – Mapa mundial do balanços Produção x Consumo nos mercados lácteos nacionais, 2005

Surplus countries (positive balance >2% of production)

Deficit countries (negative balance <2% of production) Balance countries

Surplus countries (positive balance >2% of production)

Deficit countries (negative balance <2% of production) Balance countries

Fonte: Jachnik (2006)

No comércio mundial de produtos lácteos, quatro produtos respondem por mais de 90% dos valores transacionados: manteiga, queijo, leite em pó integral e desnatado. Tendencialmente, esse comércio se intensifica devido às restrições que vão se apresentando nos atuais principais países produtores, sobretudo restrições ambientais ou redução de área destinada aos rebanhos em face da expansão da urbanização. Entretanto, como se viu, os indicadores de produtividade apresentados pelos países são bem diversos (Tabela 03).

No comércio internacional de produtos lácteos, os países que se destacam pertencem à União Européia e à Oceania. Os maiores exportadores de

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lácteos são países pertencentes a esses blocos econômicos (Gráfico 03). Os produtos exportados de maior valor adicionado provêm da Europa e os de menor valor adicionado provêm da Oceania.

Gráfico 03 – Exportações de lácteos em 2005, segundo países de origem

EUA 4% Austrália 16% Outros 15% Europa 31% Nova Zelândia 34%

Fonte dos dados brutos: Saez (2006)

O estudo da OCDE/FAO (2007) mostra uma mudança nos principais países exportadores. Para os próximos anos, as projeções apontam para um aumento das exportações realizadas por países da América Latina, mais especificamente da Argentina, que deve aumentar a sua participação no ano de 2016 (Gráfico 04). Esse estudo também identifica uma tendência de alta no preço do leite e de seus derivados, caso se concretize a redução dos subsídios.

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Gráfico 04 – Principais exportadores mundiais de derivados lácteos 0 600 1200 1800 2400 3000 2004-2006 2016 manteiga 2004-2006 2016 queijo 2004-2006 2016 leite em pó desnatado 2004-2006 2016 leite em pó integral 1 .0 0 0 t o n e la d a s

Argentina Austrália União Européia - 27 Nova Zelândia EUA resto do mundo Fonte:OECD/FAO(2007)

Quanto às importações, pode-se dividir os países em dois blocos, um bloco que importa produtos com maior agregação de valor: queijos e manteigas e outro que importa sobretudo leite em pó, muitas vezes utilizado como ingrediente em outras formulações alimentícias.11 O maior importador de queijos e manteiga é a Rússia (Gráfico 05). Essa tendência se mantêm para o ano de 2016. O fornecimento desses produtos provém da União Européia e da Nova Zelândia, principalmente. Quanto às importações de diferentes formas de leite em pó, o país que mais se destaca é a Argélia e, na projeção das importações de leite para 2016, a China aumenta sua participação, por conta do crescimento no consumo per capita de leite, associada com a crescente urbanização que reduz as possíveis áreas de produção. Esse crescimento da importância da China nas importações mundiais traz no seu bojo o crescimento da demanda de produtos lácteos mais elaborados em alguns países em desenvolvimento, que apresentam uma classe média crescente, que demanda alimentos mais sofisticados e processados. Ocorre que a China exerce um controle sobre as importações dos ingredientes

11 Como forma de ilustração, no ano de 1998 os principais produtos comercializados

internacionalmente foram o leite em pó (54% do total de lácteos exportados), os queijos (25%) e a manteiga (20%) (Nofal & Wilkinson, 1999).

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lácteos (produtos comoditizados, como o leite em pó desnatado e integral), exigindo que sejam utilizados como insumos e que o processamento final ocorra em território chinês.

Gráfico 05 – Importações de lácteos, em 2004-06 e previsão para 2016

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 2004-2006 2016 manteiga 2004-2006 2016 queijo 2004-2006 2016 leite em pó desnatado 2004-2006 2016 leite em pó integral m il t o n e la d a s

Rússia Argélia China Japão México Arábia Saudita

Fonte:OECD/FAO(2007)

Uma visão panorâmica do comércio mundial de lácteos pode ser observada na Figura 03. Os volumes e os perfis dos produtos não estão perfeitamente definidos, mas pode-se perceber o papel singular da Europa, tanto como importadora, quanto exportadora, além da ausência da América do Sul nos fluxos assinalados.

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Figura 03 – Comércio internacional de lácteos, em 2000

Fonte: Rabobank International (2006)

A partir dos elementos abordados, é possível observar que a mundialização da cadeia produtiva láctea é um fenômeno bastante complexo e incipiente, dois aspectos que dificultam a percepção mesma do fenômeno. Isso porque o volume de lácteos objeto do comércio mundial é reduzido e o mercado global de lácteos se apresenta como uma soma de mercados nacionais/regionais, de diferentes dimensões, acrescidos dos mercados de exportação, que, por enquanto, são importantes apenas para poucos países. Como se viu, essa configuração é fortemente determinada pelas características de produção e mesmo físicas da matéria-prima básica, que também condicionam uma necessária proximidade geográfica das primeiras etapas do processamento. Essas condições de produção são afetadas por circunstâncias nacionais (sócio-econômicas, institucionais e técnicas) muito distintas na atividade primária. A evolução da demanda global é explicada em larga medida por determinantes estabelecidos nacionalmente, como o crescimento demográfico e o grau de urbanização, o crescimento da renda per capita e sua distribuição, além das tradições culturais nacionais e hábitos eventualmente em mudança. Isso tudo confere ao mercado

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global um aspecto pouco integrado, com crescimento relativamente certo, embora lento e progressivo, em um movimento mais determinado por tendências (evolutivas) de longo prazo do que por perturbações cíclicas ou oscilações bruscas.

Nessas condições, a perspectiva global está nas grandes empresas processadoras, pouco mais de uma dezena de grandes corporações, que dominam as tecnologias de processo e desenvolvem novos produtos (mudam hábitos e criam novas necessidades), além de concentrar expressivo poder financeiro. Tais ativos as colocam em condições de explorar os mercados nacionais e de exportação para seus fins de valorização. Como será possível notar pela análise das trajetórias empresariais (Capítulo 2), isso vem ocorrendo em grau crescente, através de operações patrimoniais, de alianças e parcerias e de ações internacionais de comercialização, enquanto parecem inexploradas as possibilidades já referidas de geração de novos produtos lácteos a partir de conhecimentos científicos estabelecidos e suas prováveis respectivas tecnologias de produção.

Após um panorama mais geral do setor em escala mundial, o estudo prossegue a uma apresentação do contexto das cadeias produtivas lácteas nos blocos regionais. Tendo em vista a especificidade da indústria alimentar, pela qual a localização da empresa está fortemente relacionada com a produção da matéria-prima, torna-se importante de investigar preliminarmente as configurações das cadeias produtivas lácteas com referência aos territórios dos blocos econômicos regionais, considerando, posteriormente, a atuação das grandes empresas do setor no contexto daquelas configurações, elas mesmas sujeitas ao impacto da atuação empresarial.

Um entendimento mais aprofundado da dinâmica internacional só se faz possível no âmbito da cadeia produtiva. Analisar a agroindústria processadora sem levar em consideração os segmentos à jusante e à montante dessa indústria não permite uma avaliação correta da competitividade da cadeia produtiva, visto

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que aspectos relativos à competitividade só podem ser avaliados por meio da análise da cadeia de suprimentos.

1.2 Aspectos da cadeia produtiva na Europa

A indústria láctea européia constitui-se num oligopólio misto. Apesar do número expressivo de empresas atuantes no setor, três empresas são responsáveis por mais de 80% da produção européia, operando com produtos diferenciados e com o uso de marcas fortes. Dentre os principais players globais com sede em países europeus destacam-se Nestlé, Lactalis e Danone, cujas trajetórias são abordadas no capítulo seguinte.

A produção leiteira em que se apóia a indústria processadora encontra-se disseminada em todo o território europeu e é considerada a principal atividade agropecuária da Europa, estando sujeita a um marco regulatório comum no âmbito da União Européia . Segundo sua participação na geração de renda agrícola, essa produção responde por 18,4% do total. Justifica-se, dessa forma, o fato do leite ser o produto primário mais protegido, sobre o qual recai o maior volume de subsídios e incentivos sendo alvo de diversas políticas públicas.

Em face a disseminação da produção em território europeu, os cinco maiores países produtores – Rússia, Alemanha, França, Ucrânia e Reino Unido – foram responsáveis por 53% da produção de leite de vaca europeu no ano de 2005 (Embrapa Gado de Leite, 2007).

No tocante à produção industrial, a União Européia é a principal região produtora de leite em pó – integral ou desnatado –, de queijos e de manteiga (Anexo A6). Essa produção industrializada incorpora os subsídios dados à produção primária, o que aumenta seu grau de competitividade. Diversos indicativos apontam para uma mudança dessa realidade, com a suspensão gradativa desses subsídios, incluindo-se nesse movimento de redução do protecionismo do setor a própria instituição do sistema de cotas. A incógnita é sobre quando essa redução irá se concretizar.

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Como afirmado na introdução desse capítulo, o sistema de cotas de produção de leite,12 em vigor desde 1984, teve uma contribuição decisiva para as transformações setoriais verificadas nos países integrantes da Comunidade Econômica Européia, refletindo-se sobre os demais países e constituindo-se em um ponto de inflexão dessa cadeia produtiva.

Até o começo dos anos 1960, a Comunidade Européia era um importador líquido de leites e derivados. No ano de 1962 a Política Agrícola Comum (PAC) foi instituída. O objetivo da PAC era de estabilizar os mercados e assegurar um melhor nível de vida à população agrícola. As metas a serem alcançadas para o setor leiteiro incluíam: retorno justo para os produtores, mercados estáveis, garantia de oferta, preços razoáveis aos consumidores e introdução de políticas visando incremento da produção e da produtividade. No ano de 1968 é estruturado o mercado comum do leite na Europa e, nos anos 1970, a mesma torna-se exportadora líquida de leite. Essa inversão foi decorrente da utilização de subsídios, que implicou em aumento de produção. Gradativamente, a Comunidade Européia passou a aumentar seus estoques de produtos lácteos e, igualmente, conseqüentemente os gastos com subsídios à produção de leite.

Buscando reduzir os custos crescentes com o subsídio à produção, foi estabelecido um sistema de cotas de produção de leite no ano de 1984. A introdução dessa prática levou a um decréscimo quase que imediato da produção leiteira na Europa. Com a adoção desse sistema, a concentração da produção primária acentuou-se, devido sobretudo à saída dos pequenos produtores.13

O estabelecimento do sistema de cotas, ao restringir a oferta, objetivou a sustentação dos preços pagos aos produtores via mercado, mantendo, dessa

12 O sistema de cotas, além de limitar a produção de leite em cada país, é individualizado, pois

cada produtor tem a sua quantidade de referência individual. Cabe a cada produtor, por meio de seus compradores, identificar aos organismos responsáveis a sua situação frente à sua cota de produção. Cada produtor tem que produzir pelo menos 70% da sua cota. Quantidades produzidas inferiores implicam em penalidades para os mesmos.

13 Foram excluídos principalmente os produtores com plantel de até 10 vacas, sendo compensada

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forma, o seu poder aquisitivo. De certo modo, esse sistema de contingenciamento buscava a redução dos estoques de produtos lácteos, pois o setor lácteo estava absorvendo parte significativa dos recursos destinados à agricultura – em torno de 10%. Os subsídios acabavam destinando-se à produção e também às exportações, reduzindo seus preços. Com a instituição das cotas, evitou-se o círculo vicioso de mais produção e maiores gastos com subsídios. Também passou-se a limitar uma produção que trazia no seu bojo uma série de impactos ambientais.

Assim, desde a implementação do sistema de cotas, inicia-se um processo que desestimula a expansão das empresas em território europeu, limitando-a pelas restrições à captação da matéria-prima. As posições no ranqueamento de captação de leite das empresas então atuantes estavam garantidas automaticamente, pois as cotas resultaram em um "engessamento" na captação da matéria-prima. As alternativas possíveis de crescimento da produção de lácteos foram a expansão em outros territórios ou a utilização de matéria-prima já processada, como o leite em pó, na preparação de lácteos. Nessa trajetória de crescimento destacaram as operações de fusões e aquisições, que asseguraram a expansão em outros territórios, sobretudo na América Latina e na Ásia, continentes que experimentaram um aumento do consumo per capita de leite e derivados.

1.3 Aspectos da cadeia produtiva nos Estados Unidos da América

Como características mais marcantes da cadeia produtiva láctea norte-americana destacam-se a elevada concentração, que perpassa todos os elos da cadeia, a presença predominante das cooperativas de produtores na indústria processadora, a elevada produtividade e os altos custos na produção primária, o pequeno grau de abertura do mercado nacional de produtos lácteos e uma forte presença dos mecanismos de regulação estatal. Os Estados Unidos são o maior produtor mundial de leite de vaca e a trajetória do setor lácteo nesse país está fortemente condicionada pelas ações deliberadas do Estado e dos organismos

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institucionais relacionados, que intervêm no direcionamento que é conferido ao setor (Bailey, 2002).

As políticas públicas atuaram no sentido de direcionar e acelerar o processo de concentração, em diversos sentidos. A concentração acentuada na produção primária resulta da diminuição do número de propriedades envolvidas na atividade leiteira, associada a um aumento no tamanho dessas, que absorveram propriedades menores. Em 2001, as propriedades com mais de 200 vacas eram responsáveis por 57% do leite produzido nos EUA, contra 36,3% em 1993 (Bailey, 2002).14 A concentração na produção primária tem também uma dimensão espacial, pois houve um processo de especialização regional.15

A redução no número de propriedades e também a concentração espacial são reflexos de políticas mais amplas e de programas setoriais anteriores. Parte dessa redução pode ser explicada pelo Government Dairy Termination Program, implementado em 1986-87, contemplando com pagamentos os produtores que abdicassem da produção de seus rebanhos durante cinco anos. A Lei Agrícola de 1996, que objetivava a redução das regiões de comercialização de 32 para um máximo de 10 a 14 regiões no ano de 1999, também explica parcialmente a concentração apresentada.

Houve um movimento de concentração e centralização na produção de leite e, conseqüentemente da captação para a indústria processadora. Isso ocorreu de forma continuada e gradativa, resultando numa elevada produtividade média – os EUA detêm o posto de maior produtividade leite/vaca (Tabela 01) - assim como num aumento da oferta de leite, reflexo da maior especialização obtida. Entretanto, esse maior rendimento, derivado de uma produção intensiva

14

Esse é uma tendência que já se verificava na segunda metade dos anos 1980, quando ocorreu uma queda no número de produtores da ordem de 22,1%. No período 1993-2001, com exceção das propriedades com plantel de vacas superior a 200 cabeças, todas as demais sofreram um decréscimo de produção.

15

No começo do século XXI, a produção está centrada em três grandes regiões - a Nordeste, a Meio-Oeste e a Oeste – caracterizadas por grandes propriedades, com número de cabeças superior à média americana. Essas regiões foram responsáveis por 76,8% da produção de leite nos EUA em 2001 (Bailey, 2002).

Referências

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