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Ela é quase da família: percepções sobre a personagem Zefa de Segundo Sol 1

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Ela é quase da família: percepções sobre a personagem Zefa de

Segundo Sol

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NUNES, Lucas (Mestrando)2 MARÃO, Marco (Mestrando)3 LISBOA FILHO, Flavi (Doutor)4 Universidade Federal de Santa Maria /RS

Resumo: O presente artigo busca identificar os elementos culturais residuais, emergentes e

dominantes que constituem a personagem Zefa, (uma empregada doméstica presente na novela Segundo Sol). O percurso metodológico se deu por meio das estruturas de sentimento de Raymond Williams (2003). Para isso, fez-se um apanhado sobre o trabalho doméstico no Brasil e a caracterização da personagem. Do ponto de vista teórico, baseia-se nos conceitos de cultura identidades e representações. Ao final da pesquisa foi identificado que alguns elementos de origem escravocrata ainda se fazem presentes nos dias atuais; o preconceito racial é amplamente perceptível; e a relação de submissão entre empregada e seus patrões também se faz presente, além de indícios de envolvimento sexual entre eles; um fato positivo é o modo como a empregada se faz de importância na trama, característica que só começou a ser explorada nos últimos anos.

Palavras-chave: representações; empregadas domésticas; estereótipos; Zefa.

Introdução:

O presente artigo aborda as questões que envolvem as representações das empregadas domésticas no cenário da teledramaturgia brasileira. Para isso, faz-se um recorte sobre a personagem Zefa de “Segundo Sol”, interpretada pela atriz Claudia Di Moura. A trama apresenta seu enredo centrado nas cidades de Salvador e na fictícia vila de Boiporã, ambas na Bahia. Este fato colaboraria para que a novela (exibida da segunda a sábado na faixa das 21 horas) apresentasse um grande contingente de atores

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Trabalho apresentado no GT de história da mídia e audiovisualidades, integrante do VII Encontro Regional Sul de História da Mídia – Alcar Sul, 2018.

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Estudante do programa de Pós Graduação em comunicação midiática da UFSM , e-mail: lucasnunespp@gmail.com.

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Estudante do programa de Pós Graduação em comunicação midiática da UFSM , e-mail: marcomarao@gmail.com.

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Professor do programa de Pós Graduação em comunicação midiática da UFSM , e-mail , e-mail: flavi@ufsm.br.

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negros. Porém o que se nota em observações empíricas é que a grande maioria dos personagens de destaque são brancos. Salvaguardando algumas exceções, como é o caso de Zefa e um de seus filhos (Roberval).

Este trabalho se justifica pela trama tratar-se de uma produção de horário encarado como nobre dentro da grade de programação da Rede Globo. E porque ao falarmos deste tema, devemos salientar que o sistema de trabalho doméstico estabelece uma relação hierárquica e submissão entre as empregadas e seus patrões. E que na esmagadora maioria das vezes, este papel é desempenhado por mulheres pobres, sem relações de parentesco com seus empregadores, em um sistema altamente estratificado de gênero, classe e cor (BRITES, 2007) o intuito então é verificar se isto se faz presente na trama e de que forma é abordado.

O percurso metodológico é definido pelas estruturas de sentimento (WILLIAMS, 2003) e ancorado nas teorias sobre cultura e identidades defendidas por Williams (1992) e Hall (2016). Esta pesquisa trata o conceito de representações proposto com Jodelet (2002) e para contextualizar o leitor faz-se um panorama sobre o trabalho doméstico no Brasil e após foca-se na personagem Zefa de Segundo Sol, para extrair as características explícitas e implícitas na obra sobre a personagem.

Os Estudos Culturais como abordagem teórica

Para melhor compreender como o percurso metodológico se desenvolveu devemos admitir que a pesquisa está inserida dentro da vertente conhecida como Estudos Culturais (EC), que desde seu surgimento via as classes populares como produtoras de cultura, além de ver nos produtos midiáticos fatores que influenciavam a sociedade. Pois para eles ela era encarada como todo tipo de modo de vida, dotado de simbologias e ritos compartilhados socialmente (inclui-se as artes em geral). Eles negavam que somente a produção artística de grupos dominantes da sociedade poderia ser caracterizada como cultura. Para estes autores o termo constitui uma luta de poderes e caracterizar os elementos populares como culturais contribuía para legitimar este estrato social (Williams, 2007).

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As primeiras manifestações dos EC têm origem na Inglaterra, no final dos anos 50, especialmente em torno do trabalho de Richard Hoggart, Raymond Williams e Edward Palm Thompson” (ESCOSTESGUY, 2010, p. 27). Onde o primeiro, em 1957 escreveu “The uses of literacy”, o segundo em 1958 contribuiu com “Culture and society” e em 1963, Thompsom abordou a formação da classe operária inglesa em há making of the english working class. Mais tarde, juntou-se aos três autores Stuart Hall.

Os Estudos Culturais, desta sua formação, receberam importantes influências do marxismo, principalmente quando tratam das relações de poder e dominação. Eles posicionavam-se contrários, questionadores e resistentes aos valores dominantes da sociedade - encarados como hegemonia e eram caracterizados por uma relação de subordinação e consentimento, onde alguns grupos e/ou indivíduos ditam algumas regulações e estas passam a ser encaradas com valor de verdade para a população em geral (KATZ, 2007).

Podemos qualificar, portanto, a emergência dos Cultural Studies como a de um paradigma, de um questionamento teórico coerente. Trata-se de considerar a cultura em sentido mais amplo, antropológico, de passar de uma reflexão centrada sobre o vínculo cultura-nação para uma abordagem da cultura dos grupos sociais. Mesmo que ela permaneça fixada sobre uma dimensão política, a questão central é compreender em que a cultura de um grupo, e inicialmente a das classes populares, funciona como contestação da ordem social ou, contrariamente, como modo de adesão às relações de poder (NEVEU, 2004, p. 13-14)

Escosteguy (2010) fala que a partir dos anos 80 as questões identitárias foram incluídas com maior ênfase nas investigações dos EC, assim como as indagações sobre gêneros e outras pautas minoritárias.

A identidade, assim como o termo cultura, pode ser compreendida a partir de várias óticas, como a visão essencialista que a define a partir de vinculações genéticas, e/ou territoriais e a visão não-essencialista, a qual liga a identidade às praticas de reconhecimento entre indivíduos não necessariamente conectados pelo mesmo espaço geográfico e/ou biologia em comum. (CUCHE, 2002).

Castells (1999, p. 23) diz que a identidade “[...] vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de

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cunho religioso.” Vale ressaltar que esta abordagem admite que os processos identitários por serem constituídos por várias fontes de identificação, tornam-se mutáveis, além disso, acrescenta-se a mídia como processo formador de identidades.

Por fim Hall (2001) também diz que as identidades variam de indivíduo para indivíduo, dependendo do modo como são representadas e percebidas. Neste ponto que as pesquisas em comunicação atuam nas questões que envolvem as representações. Porque as representações se dão por meio de imagens e dentro de determinados contextos são capazes de produzir subjetividades e entendimentos sobre o objeto/grupo/pessoa que está sendo representado. Para Hall (2016) as representações estão intimamente ligadas à associação de sentidos entre os indivíduos.

Considerando que o objeto empírico da pesquisa trata-se de um material audiovisual e os questionamentos sobre identidades e representações abrangem várias perspectivas teóricas, busca-se estas conceituações através das teorias acerca da cultura. Os Estudos Culturais vêem nela um importante processo de formação social. E a encaram como fator importante na definição de vida e significados partilhados entre indivíduos. Williams (2003) atribui a ela (cultura) o papel de influenciar os modos de pensar, incidindo não só sobre as questões que envolvem as classes sociais, mas também outras instituições, como a indústria, a política, família, etc. e a intersecciona com as áreas da sociologia, da religião, da educação e do conhecimento.

Justamente por ter este aspecto questionador este tipo de pesquisa se preocupa em levantar o que são e quais são os traços presentes dentro dos materiais midiáticos. Sendo assim, na próxima sessão, o contexto do trabalho doméstico brasileiro é abordado, para após exercermos tensionamentos destas informações com o percurso metodológico.

O trabalho doméstico no Brasil

Mesmo após 130 anos da aprovação da lei que colocava um fim no período da escravidão brasileira, podemos definir o trabalho doméstico como um resquício desta época. Pois para Araújo (2008), ele em sua grande maioria é realizado por mulheres inseridas em uma estrutura de opressão e subalternidade que envolve três características

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básicas: sexo, classe e etnia. A autora ainda salienta que após o fim do período escravocrata, as escravas sem ter para onde ir, tornaram-se trabalhadoras domésticas e assim, continuavam submetendo-se a trabalhos, muitas vezes, tão degradantes quanto na escravidão, em troca de baixo ou nenhum pagamento.

Ao falarmos desta classe trabalhadora, também salientamos que de acordo com Brites (2007), este sistema de trabalho estabelece uma relação hierárquica e de submissão entre as empregadas e seus patrões. Ela ainda diz que na esmagadora maioria das vezes, este papel é desempenhado por mulheres pobres, sem vínculo parental com seus empregadores e acaba reproduzindo um sistema altamente estratificado de gênero, classe e cor.

Ávila (2009) estabelece que a hierarquização estabelecida entre patrões e empregadas seja fruto da dominação originada por uma herança escravocrata, classicista e racial, presentes desde a formação de nosso país. Por serem fatores que tratam da nossa história e da sociedade, observa-se que este tema é um ponto importante a ser questionado quanto à caracterização destes indivíduos nas produções midiáticas.

Bernardino-Costa (2001) ainda salienta que na maioria das vezes as trabalhadoras domésticas ficam sujeitas à subjetividade da família empregadora. Mendonça e Jordão (2011, p. 103) também colaboram com esta linha de pensamento, pois segundo elas, delineou-se o que se tornou a imagem e a ocupação de doméstica: uma pessoa que lida com os serviços domésticos, com tudo o que há de delicado em uma casa, mas que é desvalorizada como trabalhadora, que carrega um estigma de inferioridade, o qual parece deixar ainda mais desigual as relações entre dominador e dominado. Com o intuito de verificar se estas características se fazem presentes na trama a próxima sessão deste artigo caracteriza o objeto desta pesquisa, a personagem Zefa de Segundo Sol.

Zefa: um membro “quase da família”

Na sociedade brasileira, pode-se dizer que a telenovela adquiriu um importante papel e grande alcance. Ela, para De Lima ( 2001, p. 98)

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pretende representar a moderna sociedade brasileira, discutir temáticas sociais candentes dessa sociedade, mas não parece incluir nessas temáticas a veiculação de uma imagem mais moderna das relações entre brancos e negros ou da situação social real desse segmento nem muito menos um questionamento mais corajoso da questão racial, a não ser esporadicamente e com equívocos.

Sobre a personagem em análise de acordo com as informações presentes no site Observatório da televisão5 e Gshow 6a biografia ficcional da personagem conta que ela e seu patrão (Severo Athaíde) eram amigos de infância, pois ela morava na fazenda dos patrões de seus pais, que por ventura eram pais de Severo. Com o passar do tempo, Zefa acabou envolvendo-se com ele, tornando-se amante enquanto ele era casado com Claudine. Ela deu luz a dois meninos, um branco e um negro. O branco foi adotado como filho legítimo de Severo e sua esposa (Claudine, interpretada por Cássia Kiss), que era estéril, sendo batizado posteriormente de Edgar (Caco Ciocler). O negro, Roberval (Fabricio Boliveira) ficou sob os cuidados da empregada, e tornou-se motorista do casarão. Logo nos primeiros capítulos da novela, a esposa de Severo acaba falecendo, mas antes ela revela toda verdade a Roberval e pede a Zefa que cuide de Severo e de toda sua família.

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Disponível em: <

observatoriodatelevisao.bol.uol.com.br/capitulo-da-novela/segundosol/2018/05/conheca-zefa-personagem-de-claudia-di-moura-em-segundo-sol/>. Acesso em 25/09/2018

6

Disponível em: <http:// gshow.globo.com/novelas/segundo-sol/personagem/zefa/>. Acesso em 25/09/2018

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Figura 1: Claudia Di Moura caracterizada como a personagem

Fonte: Gshow

Podemos observar pela imagem acima que a personagem é retratada como uma mulher negra, de idade entre 50 e 55 anos, assim como a atriz que a interpreta. Ao longo da trama ela apresenta um comportamento pacato e obediente para com seus “superiores”. Ela chega até a abrir mão de seu salário quando seus patrões decretam falência e em nenhum momento ela reivindica a maternidade de seu filho mais velho (Edgar), mesmo este a tratando como uma segunda-mãe (fato a ser explorado no decorrer das próximas seções).

Percurso metodológico

A abordagem metodológica se dá através da análise cultural levantada por Williams (2003), onde o autor diz que a cultura seja compreendida pelo conjunto de leis e aspectos gerais que se estabelecem para se compreender e criar correlações entre a sociedade. Partindo disto, estudá-la, então busca a compreensão do comportamento humano, das normas sociais e valores compartilhados. A análise cultural então busca elaborar indagações sobre as formas e signos disseminados na sociedade sobre determinados temas e aspectos de dado grupo social.

O entendimento da análise da cultura para Williams (2003) é feito por meio da investigação dos valores e simbologias que compõem os modos de vida representados nas esferas midiáticas. O autor define, então, que ela serve como modelo para a concepção dos produtos culturais e organizações sociais. Para ele as culturas se dão em

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determinado tempo e espaço geográfico. Sendo assim, poderíamos dizer que elas são fixas e imutáveis. Porém, admite-se que ocorrem diferenciações entre os aspectos culturais de diferentes regiões e épocas e com o passar dos anos novas simbologias acabam surgindo e causando confrontos com a cultura existente. Para conceituar estes tensionamentos entre o “novo” e o “antigo” dentro do processo cultural Williams (2003) elabora a teoria denominada como estruturas de sentimento.

A estrutura de sentimento proposta por Williams (2003) se faz válida como metodologia, pois contempla estas simbologias ao classificá-las em três aspectos:

dominantes residuais e emergentes. Para o autor, a palavra “estrutura” é “tão firme e

definido como sugere a própria palavra, “ainda que opere nos espaços mais delicados e menos tangíveis de nossa atividade.” (WILLIAMS, 2003, p. 57)”. E ao usar a palavra sentimento para determinar alguns elementos nos lembra de que “as relações entre eles e as crenças formais ou sistemáticas são, na prática, variáveis (inclusive historicamente variáveis), em relação a vários aspectos.” (WILLIAMS, 2003, p. 134). Com estas categorias, ele busca entender elementos culturais e suas correlações em determinado tempo histórico. Pois para o autor a temporalidade altera alguns significados ao longo dos anos.

Os valores dominantes podem ser caracterizados por aqueles que assumem o valor de verdade e em sua maioria são controlados pelos grupos hegemônicos dos estratos sociais. Sendo assim, eles são aqueles que na maioria das vezes adquirem valor de verdade. No caso do objeto em análise, percebemos a empregada Zefa foi idealizada por um autor homem, branco e de classe superior à da personagem. Vale ressaltar que a novela em questão é exibida pela emissora Rede Globo, um dos principais veículos de comunicação brasileira.

Mesmo a personagem tendo grande importância na casa e na vida dos seus patrões, Kofes (2001, p. 163) evidencia que as empregadas que moram no trabalho são acometidas por “diferenças de classe, de relações familiares, de comportamentos culturais, de experiências individuais, de dimensões do público e do privado. E finalmente de gênero, compartilhado, mas diferentemente e desigualmente vivenciado”. Ou seja, mesmo residindo no mesmo espaço físico, as disparidades ficam evidenciadas

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dentro do ambiente doméstico, pois as empregadas não partilham das mesmas “liberdades” que os integrantes da família que a contrata, “trata-se, portanto, um processo amplo de reprodução da desigualdade” (BRITES, 2007, p. 91).

A estrutura do trabalho doméstico é constituída pela convivência familiar caracterizada pela presença diária de uma terceira pessoa, normalmente de classe subalterna; outro fator que caracteriza este tipo de trabalho é a relação de mando e obediência combinada com envolvimentos afetivos (BRITES, 2007). Neste caso a afetividade trata-se da relação entre Zefa e sua patroa, que ao falecer pede que ela cuide de sua família.

O elemento residual é aquele que “por definição, foi efetivamente formado no passado, mas ainda está ativo no processo cultural” (WILLIAMS, 2003, p. 125). Ou seja, é caracterizado pelas simbologias que existem no tempo presente, porém são oriundas de épocas anteriores. Ele é composto por experiências, significados e valores que não se podem expressar, ou verificar substancialmente, em termos da cultura dominante, mas que ainda são vividos e praticados a base do resíduo – cultural bem como social – de uma instituição ou formação social e cultural anterior (WILLIAMS, 2003).

O autor descreve a personagem como uma mulher negra, maternal, submissa e totalmente ligada aos seus patrões7. Além disso, no decorrer da trama, quando a família perde sua fortuna e ela se submete a trabalhar sem receber salário. Esta característica retoma o processo histórico de inicio do trabalho doméstico no Brasil e se compara ao explicitado na obra “Casa grande e Senzala”, onde ao retratar o negro no Brasil, o autor Gilberto Freyre afirma que o imaginário que ainda temos dos negros está associado à sua posição como escravo e às ideias de uma tal “inferioridade racial” por muito tempo defendida e que até hoje reverbera no nosso cotidiano (FREYRE, XXXX) de maneira implícita.

Outra característica residual encontrada é o preconceito com a etnia da personagem, neste caso evidenciada na predileção por um de seus filhos. Ao dar a luz a

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Disponível em: <http:// gshow.globo.com/novelas/segundo-sol/personagem/zefa/>. Acesso em 25/09/2018

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um menino branco e outro negro. O primeiro foi adotado como filho legítimo dos patrões e o segundo (negro) foi criado no quarto da empregada e contratado como motorista da família.

Outro ponto a se destacar nesta instância é o fato de que a empregada teve dois filhos com o patrão reforça a ideia de que as empregadas oferecem “favores sexuais” para os seus empregadores. Comparando-se às mulheres que eram escravizadas e serviam à casa dos seus patrões e aos seus filhos sem reclamarem de suas condições de trabalho. Além do fato de Zefa ter se envolvido sexualmente com Severo (seu patrão), seu filho Edgar a Chama e “ segunda-mãe” mesmo sem saber que ela é realmente a mãe biológica. Tratando-se assim do que Hall (xxxx) chama de “Mommy” ou mãe-preta, uma das tipificações sobre as representações dos negros na esfera midiática, onde esta é ligada à maternidade e oriunda da ideia de amas de leite do período escravocrata. Este discurso deixa implícito o racismo ao afirmar que mesmo ela é alguém quase da família, ao invés de realmente ser vista como pertencente ao grupo familiar, neste caso mesmo sendo mãe dos filhos de Severo, apenas o branco é filho legítimo.

Os elementos emergentes são retratados como as novas significações e valores que surgem no decorrer da história e em sua maioria “são alternativos ou até mesmo opostos aos valores dominantes” (WILLIAMS, 2003, p.127). Aqui percebemos certo avanço quanto ao papel das empregadas na trama. Contrapondo ao que De Lima (2001) pensa sobre o negro nas tramas televisivas, para ela esta presença nas tramas é marcada pela subserviência e docilidade de alguém

quase ausente, ou referido ocasionalmente como parte da cena doméstica. Era personagem mudo, desprovido de uma caracterização que fosse além da referência racial. Ou então personagem presente nos contos que relatavam o período escravocrata, como na obra: Contos pátrios , de Olavo Bilac e Coelho Neto, de 1906, em que os autores descrevem com ternura a figura submissa de Mãe Maria.

Percebemos então que ela ganhou destaque nas produções, principalmente nos últimos anos, porque agora a empregada desempenha papel importante dentro das narrativas, o que não ocorria em produções anteriores. Tomando como objeto a

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personagem Zefa de Segundo Sol, podemos perceber que se trata de uma mulher negra sendo retratada em um papel de destaque.

Considerações finais:

Dentro dos EC, as questões dos grupos minoritários adquirem grande importância, principalmente porque como eles na maioria das vezes não recebem o devido reconhecimento e voz diante da sociedade, a mídia em suas produções, aborda muitos de seus temas. Normalmente atrás de um discurso de inclusão e responsabilidade social. Porém, o grande problema disso é o fato de ser utilizada uma linguagem que busque o entendimento de todos. Assim os significados produzidos não contemplam totalmente de acordo com os vastos aspectos culturais e identitários de seus públicos. Produzindo e reproduzindo imagens superficiais de forma massiva dentro de suas representações (Freire Filho, 2005).

Podemos ainda afirmar que a cultura da mídia além de apresentar elementos para a construção de suas narrativas também apresenta elementos que contribuem para a construção de nossa visão de mundo sobre deferentes assuntos, entre eles o modo como classificamos os indivíduos dentro do meio social. As representações de acordo com Bernardino-Costa (2012) proporcionam conflitos culturais, pois elas tem a finalidade de apresentar semelhanças com o “mundo externo” para gerar entendimento e compreensão. Porém, o trabalho doméstico em suma é classificado como não valoroso e encarado como sendo um trabalho racializado, feminizado, simples e reprodutivo. Por isso é importante contestar as representações sobre este tema e se este imaginário está sendo reproduzido pela mídia e/ou produzido por ela.

Muniz Sodré, na obra Claros e Escuros: identidade, povo e mídia no Brasil, diz que “a mídia funciona, no nível macro, como um gênero discursivo capaz de catalisar expressões políticas e institucionais sobre as relações inter-raciais, (...) que, de uma maneira ou de outra, legitima a desigualdade social pela cor da pele.” (1999, p. 243). Características identificadas dentro da trama, onde os elementos apresentados adquirem sentidos que envolvem questões como a exploração da sexualidade e submissão.

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Com isso, Roncador (2002 e 2008) afirma que a mulher negra é uma das pessoas mais vulneráveis dentro da pirâmide e que a representação da figura da doméstica está inserida dentro de um processo de manutenção da hegemonia do homem branco e rico perante grupos socialmente minoritários.

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