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Roteiros televisivos: contribuição para o registro da produção brasileira 1

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Academic year: 2021

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Roteiros televisivos: contribuição para o registro da produção brasileira

1 SOARES, Astréia2 (Doutora)

Universidade FUMEC/MG

PEIXOTO, Maria Cristina Leite 3 (Doutora) Universidade FUMEC/MG

CUNHA Junior, Ismar Madeira4 (Mestre) Universidade FUMEC/MG

MAGALHAES, Amanda5 (Graduanda) Universidade FUMEC/MG SILVA, Janderson 6 (Graduando)

Universidade FUMEC/MG

Resumo: O artigo é resultado da primeira fase de uma pesquisa cujo objeto são os roteiros televisivos

1 Trabalho apresentado no GT História da Mídia Audiovisual e Visual, integrante do 10º Encontro Nacional

de História da Mídia, 2015.

2 Astréia Soares (astreia@fumec.br) é doutora em Sociologia pelo IFCS/UFRJ, Professora do Mestrado em

Estudos Culturais Contemporâneos e do curso de Jornalismo da Universidade FUMEC. É líder do Grupo de Pesquisa sobre Comunicação, Cultura e Mudança Social e integra o Grupo de Pesquisa sobre Roteiros Televisivos da Universidade FUMEC, que tem apoio da Fapemig.

3 Maria Cristina Leite Peixoto (mcrislep@fumec.br) é doutora em Sociologia pelo IFCS/UFRJ, Professora do

Mestrado em Estudos Culturais Contemporâneos e do curso de Jornalismo da Universidade FUMEC. É vice-líder do Grupo de Pesquisa sobre Comunicação, Cultura e Mudança Social e integra o Grupo de Pesquisa sobre Roteiros Televisivos da Universidade FUMEC, que tem apoio da Fapemig.

4 Ismar Madeira Cunha Junior (ismarmadeira@fumec.br) é jornalista, mestre em Comunicação Social pela

UFMG, repórter especial da TV Globo/BH e coordenador do curso de Jornalismo da Universidade FUMEC e integra o Grupo de Pesquisa sobre Roteiros Televisivos da mesma Universidade, que tem apoio da Fapemig.

5 Amanda Magalhaes (amanda2magalhaes@gmaisl.com) é graduanda em Jornalismo pela Universidade

FUMEC, bolsista de iniciação científica da Fapemig e integra o Grupo de Pesquisa sobre Roteiros Televisivos da mesma Universidade.

6 Janderson Silva (silva2janderson@gmail.com) é graduando em Jornalismo pela Universidade FUMEC,

bolsista de iniciação científica da Fapemig e integra o Grupo de Pesquisa sobre Roteiros Televisivos da mesma Universidade.

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nacionais, seu histórico, autores e processos criativos, tendo como objetivo a recuperação e o registro histórico da produção de roteiros no Brasil, bem como das estratégias adotadas por roteiristas no desenvolvimento de seus trabalhos para a mídia visual. O panorama que apresentamos pretende discutir o papel do roteiro no contexto da televisão brasileira, o perfil dos roteiristas e os tipos de roteiros que produzem, a partir do estudo de dois importantes atores neste contexto que são os roteiristas Doc Comparato e Meg Cunha. Os dois casos em pauta foram escolhidos por sua importância no cenário em questão, por atuarem em áreas diferentes da produção televisiva (dramaturgia e jornalismo) e por terem concepções distintas sobre a construção de roteiros para TV. Isto nos permite uma análise comparativa original, a partir de entrevistas em profundidade com os roteiristas. Buscou-se reunir elementos para conhecer como se dá a produção de roteiros, bem como a trajetória de seus produtores. A segunda parte desta pesquisa será desenvolvida entre 2015 e 2016 e terá como objeto roteiros que abordam a diversidade cultural brasileira.

Palavras chave: Roteiros; Memória; TV brasileira.

1- O lugar social da TV

Pode-se dizer que a televisão ocupa lugar de ponta no que se refere ao acesso à informação, cultura e lazer de grande parte da população brasileira. Mesmo no contexto contemporâneo que viu surgir novas mídias com grande vigor, o papel social da TV permanece com destacada relevância, principalmente no que se refere à promoção do debate público sobre os mais diversos temas. Sendo assim, os roteiros, hoje, são peças chave na produção televisiva, uma vez que expressam a concepção histórica, o planejamento das relações entre personagens, definindo os conceitos dos programas e norteando sua estética, o ritmo e a coerência narrativa.

Entendemos que o roteiro é fundamental no processo de produção audiovisual, contribuindo decisivamente para a consolidação de padrões estéticos, narrativos e visuais, inovando tanto na forma quanto no conteúdo das mensagens. Entretanto, a produção acadêmica sobre esta atividade na TV brasileira, em especial, é ainda escassa, apresentando lacunas que necessitam ser preenchidas se queremos registar e resguardar a memória desta atividade no país. São poucos os estudos sobre o tema no Brasil, apesar da centralidade da TV no cotidiano do brasileiro e da demanda por roteiros no contexto da digitalização dos meios.

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A pesquisa em Comunicação Social tem mostrado que mesmo levando-se em conta as capacidades de intervenção e julgamento crítico dos indivíduos, os processos comunicacionais são elementos constitutivos do imaginário social, dando importante contribuição para a disseminação de referências, valores, limitando ou expandindo as possibilidades de intervenções sociais e criações valorativas.

Como se sabe, ao constituir-se como fator importantíssimo na configuração da sociedade moderna e ganhar cada vez mais importância, a presença da mídia adquiriu um caráter transversal em todas as dimensões da vida social contemporânea. Uma dessas dimensões, a cultural, adquiriu centralidade, validada pela enorme expansão de tudo que está associado a ela, sobretudo a partir da segunda metade do século XX (cf. HALL, 1997). Num mundo em que os processos midiáticos estão presentes de forma tão ostensiva, a cultura, entendida como uma contínua produção de sentidos, não pode ser analisada separadamente da comunicação. A mídia estende sua ação sobre as formas culturais e as expande, tornando-as presentes na vida social. E as culturas veiculadas pela mídia tornam-se uma força de socialização, subjetivação, formação identitária e de orientação nas interações sociais; tornam-se uma força que constrói modelos de identificação e inserção social.

Nesse contexto, dentre os veículos da mídia, na sociedade brasileira destaca-se a TV e os conteúdos por ela transmitidos. Seus efeitos são analisados de diferentes formas, sendo apontada como responsável, por exemplo, pelo rebaixamento dos padrões de gosto; pela diminuição do tempo dedicado a outras atividades consideradas de maior importância, como a leitura, por exemplo; pelo estímulo ao comportamento nocivo às instituições estabelecidas e pela decadência cultural. Dado o tempo de exposição dos brasileiros à televisão, a ela é também atribuído o papel de agente de formação, de difusão de conhecimento e informação, de estimuladora de mudanças nos padrões culturais,

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transformando valores e costumes. Assim, os roteiros produzidos para TV têm papel importante na produção e difusão de conteúdos simbólicos diversos.

Segundo Thompson, os produtos da mídia se tornaram no mundo moderno uma atividade rotineira e prática, o que significa que a recepção não deve ser vista como algo passivo e sim como uma atividade pelo meio da qual os indivíduos elaboram os conteúdos simbólicos que recebem. Para ele: “no processo de recepção, os indivíduos usam as formas simbólicas para as suas próprias finalidades, em maneiras extremamente variadas e relativamente ocultadas, uma vez que estas práticas não estão circunscritas a lugares particulares.” (1998, p.42).

O autor observa também que a recepção é uma atividade situada, uma vez que os produtos da mídia são recebidos por sujeitos situados em específicos contextos sócio históricos. Entretanto, ele ressalva que esta atividade é capaz também de permitir aos sujeitos o distanciamento dos contextos práticos de sua vida cotidiana: “Ao receber matérias que envolvem um substancial grau de distanciamento espacial (e talvez temporal), os indivíduos podem elevar-se acima de seus contextos de vida e, por um momento, perder-se em outro mundo.” (Idem ibidem, p.43).

Sem desconsiderar as críticas apresentadas, é inegável que no país o trabalho televisivo de construção e divulgação das imagens e temas brasileiros foi essencial para a formação de uma cultura e identidades nacionais. Assim, o veículo atuou também decisivamente para a existência de condições essenciais para o exercício da cidadania. Grande parte destes efeitos devem-se ao trabalho de roteiristas que escreveram diretamente para um espaço e tempo contextualizados na realidade brasileira.

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O Brasil é um dos maiores consumidores de televisão do mundo. O bom nível técnico das produções brasileiras é reconhecido mundialmente, ao passo em que a qualidade do conteúdo dessas produções é avaliada muitas vezes como duvidosa. Esta ambiguidade, ao que podemos supor, é característica constitutiva da televisão brasileira, voltada para um público diversificado social, econômica e culturalmente. Escrever para um público interno com interesses muitas vezes excludentes e ainda produzir programas para o mercado internacional não é uma equação simples. É surpreendente, entretanto, que o trabalho dos roteiristas, os processos de formação para esta função, estilos, etc., não sejam largamente pesquisados pela academia, a não ser, por razões óbvias, pela prevalência do interesse pela dramaturgia. Pode-se dizer sobre o tema que as preocupações com os aspectos técnicos dos roteiros se sobrepõem às análises da qualidade dos programas, estilos ou à sua inserção sociocultural.

A introdução da TV no Brasil ocorreu nos anos de 1950, passando a ser objeto de pesquisa acadêmica na década seguinte, com a realização das primeiras pesquisas sobre o conteúdo de sua programação e seus efeitos sociais (cf. Mattos, 1990). Nestes trabalhos verifica-se a controvérsia dos efeitos sociais do meio. Baccega observa que

a televisão [...] compartilha com a escola e a família o processo educacional, tendo-se tornado um importante agente de formação. Ela até mesmo leva vantagem em relação aos demais agentes: sua linguagem é mais ágil e está muito mais integrada ao cotidiano: o tempo de exposição das pessoas à televisão costuma ser maior do que o destinado à escola ou à convivência com os pais. (2000, p.95).

A televisão encontra na sociedade brasileira grande aceitação. Estima-se que 95,1% das residências brasileiras têm pelo menos um aparelho de TV (IBGE, 2010, p.64).

Segundo análise de Pierre Bourdieu (2005) a televisão não é um instrumento de comunicação autônomo. Grande parte das imposições às quais está submetida decorrem das

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relações sociais entre os jornalistas. Ampliando a afirmação de Bourdieu sobre os jornalistas para os produtores de material televiso em geral, podemos dizer que a televisão reflete as relações de concorrência que se estabelecem entre seus produtores, as relações de conivência e as relações de cumplicidade baseada em interesses comuns. Estes interesses estão “ligados à sua posição no campo de produção simbólica e no fato de os jornalistas terem em comum estrutura cognitivas, categorias de percepção e de apreciação ligadas à sua origem social e à sua formação.” (BOURDIEU, 2005, p.34).

A suposição de que a “chegada” deste meio de comunicação de massa iria massificar, nivelar, homogeneizar pouco a pouco os telespectadores, lembra Bourdieu, “subestimou a capacidade que a televisão teve de transformar aqueles que a produzem e, mais geralmente, os outros jornalistas e o conjunto dos produtores culturais (através do fascínio irresistível que exerceu sobre alguns dentre eles). O fenômeno mais importante e que era de previsão bastante difícil, foi a extensão da influência da televisão ao conjunto das atividades de produção cultural, incluindo as de produção científica ou artística.” (2005, p.35).

Devido ao seu poder e presença social, a pesquisa sobre o papel sociocultural da televisão no Brasil se mantêm relevante também pelas novas configurações do cenário midiático mundial em transformação e pela aquisição de centralidade da cultura na vida contemporânea (HALL, 2000), fazendo com que países em desenvolvimento atuem como exportadores de equipamentos e produtos culturais, contribuindo para os chamados “contrafluxos”, conforme discutido no relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO intitulado “Investir na diversidade cultural e no diálogo intercultural” (2009). Neste documento, observa-se que

a emergência de mercados locais de conteúdos midiáticos e de novos centros midiáticos regionais, a importância mundial do setor audiovisual latino-americano (telenovelas) e a expansão das redes de informação pan-regionais e internacionais, são os sinais visíveis de uma “globalização pela base”, que faculta novas possibilidades de expressão a vozes alternativas

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(minorias, comunidades indígenas, diásporas ou grupos de interesses particulares) .

De acordo com o relatório mencionado, há três desafios para que os conteúdos culturais e comunicacionais consigam contribuir para a sociedade: há que responder aos imperativos da produção de conteúdos inovadores (nos roteiros, por exemplo); ampliar o acesso; construir uma representação mais equilibrada, garantindo a integração da diversidade cultural à mídia e às indústrias culturais, privilegiando os conteúdos locais.

A TV é um poderoso meio difusor do imaginário sociocultural que, no Brasil, atua decisivamente na construção da ideia de identidade brasileira (PRIOLLI, 2000), mesmo que muitas vezes desconsidere ou represente de modo equivocado as múltiplas identidades de um país conhecido mundialmente pela sua diversidade. Por isso, o foco na qualidade dos conteúdos televisivos disponibilizados torna-se central nas pesquisas acadêmicas, fazendo com que a TV seja “levada a sério”, de acordo com a proposta de Machado (2000).

2- Roteiristas: roteiros pela ótica de Doc Comparato e Meg Cunha

O Brasil tem importantes representantes na área de produção de roteiros o que faz do registro de suas trajetórias por meio de depoimentos se constituir em material original e pertinente para o conhecimento desta atividade e de seu papel na constituição da mídia brasileira. Este trabalho enfoca como casos emblemáticos dois grandes e reconhecidos roteiristas brasileiros, ambos nascidos no Rio de Janeiro: Doc Comparato (Luís Filipe Loureiro Comparato) e Meg Cunha (Margareth Barros de Andrade Cunha).

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Doc Comparato, 65 anos, é um dramaturgo que já escreveu roteiros para diversas emissoras brasileiras. Formado em Medicina, assina um dos maiores, e mais rentáveis, roteiros da Rede Globo: a minissérie "Lampião e Maria Bonita7". É autor do livro “Roteiro” (1982), primeiro livro publicado na América Latina sobre técnicas de roteiro, se tornando referência no assunto. Em 1984, publicou “Da Criação ao Roteiro”, se notabilizando como um roteirista voltado para a formação de profissionais para esta atividade.

Além da Rede Globo, emissora a qual seu nome está historicamente vinculado, tem passagens pela Rede Record e por emissoras internacionais, na Espanha e em Portugal. Destacam-se entre seus trabalhos na Rede Globo o seriado “Malu Mulher” (1979), as minisséries “O Tempo e o Vento” (1985), “Padre Cícero” (1984), “Bandidos da Falange” (1983) e “Plantão de Polícia” (1979). Na TV Record atuou como colaborador dos roteiros das novelas “Caminhos do Coração” (2007) e “Os Mutantes – Caminhos do Coração” (2008).

Meg Cunha, roteirista do "Globo Repórter", programa apresentado semanalmente na Rede Globo, atua em outra vertente: o roteiro jornalístico. A comunicóloga, que já passou por diversos jornais dentro da própria emissora, comanda o roteiro do “Globo Repórter” desde 1997, além de contribuir nos roteiros das retrospectivas anuais da Globo.

Para Doc Comparato o processo criativo começa com uma imagem, muito simples, e dificilmente há uma visão prévia do trabalho completo. O processo criativo é longo e depende basicamente de pesquisa, de concentração, de solidão, de autoconfiança e talento. É um exercício de memória, de busca das inúmeras referências do roteirista, tais como a mídia e as conversas cotidianas. No entanto, há uma seleção de referências, uma vez que o

7 Minissérie de oito episódios exibida de 24/06/1982 a 05/05/1982 de autoria de Aguinaldo Silva e Doc

Comparato. Direção: Paulo Afonso Grisolli e Luís Antônio Piá. Produção do núcleo: Paulo Afonso Grisolli. O enredo se baseia nos últimos seis meses de vida de Virgulino Ferreira da Silva (Nelson Xavier), o Lampião, personagem mítico do cangaço brasileiro, na década de 1920. (Cf. Memória Globo, disponível em

http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/minisseries/lampiao-e-maria-bonita/trama-principal.htm. Acessado em 10/02/2015.

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interesse na construção de roteiros se volta para histórias “diferentes”, para coisas anormais, patológicas, dramáticas, mesmo no caso da comédia. Isso porque, de acordo com o roteirista, “a vida normal das pessoas no dia-a-dia é muito chata.”.

O roteiro audiovisual tem uma função informativa, fazendo com que o telespectador entre em um novo mundo. De acordo com o roteirista,

nesse instante você passa uma porção de informações para as pessoas, porque se elas entram em um novo mundo, elas tem que aprender essas informações novas para acompanhar a história. Nesse processo de “tirar ela do mundo”, e colocar informações, você forma uma terceira pessoa, ou seja, há uma formação. (...) Essa transformação tem uma repercussão social, principalmente se for massiva, como televisão. Em um país pobre como o nosso, onde toda a cultura é baseada na televisão, e basicamente na telenovela, realmente é uma cultura baixo nível. De todas as formas, se vende poucos livros, se lê pouco, vai pouco ao teatro e ao cinema, se vê mais televisão. Mas o sentido social é de transformação, a pessoa ver o mundo com outros olhos.8

Em geral, a criatividade não é uma das atividades mais valorizadas da mídia, de acordo com Comparato. Porém, na contramão desse processo, foi construída a Casa de Criação da Rede Globo (1985), na tentativa de formar novos roteiristas e estimular sua criatividade; nela, Comparato foi professor do primeiro curso de formação de roteiristas de novelas, dentre os quais Ana Maria Moretzsohn, Ricardo Linhares e Sérgio Marques.

A avaliação de Comparato sobre a evolução da produção televisiva é pessimista. Mesmo reconhecendo a existência de tentativas de renovação dos roteiros, o foco ainda está nas telenovelas. O audiovisual brasileiro é considerado pobre pelo autor, com exceção da Rede Globo que, segundo sua opinião, mantém o padrão de qualidade. No entanto, exerce uma espécie de monopólio televisivo num cenário em que as outras emissoras dedicam parte considerável de sua programação a conteúdos religiosos. Nem mesmo a estatal TV Brasil

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investe na produção de roteiros, diferentemente das TVs estatais de outros países (EUA, Canadá, Portugal, França).

Outro fator merecedor de atenção é o não reconhecimento da profissão de roteirista no Brasil. Comparato foi autodidata e diz ter aprendido as técnicas com a leitura de outros roteiros. Dentre seus trabalhos, considera "Lampião e Maria Bonita" o mais surpreendente por ter sido a primeira minissérie nacional, ganhando o primeiro prêmio internacional da Rede Globo, no New York Film Festival.

Comparato observa que atualmente o ritmo da vida contemporânea vem limitando o tempo que as pessoas se dedicam a ver televisão. Por isso, tem investido em roteiros para produções mais curtas, sem que isto signifique perda de qualidade.

A gente vive uma época de Samuel Beckett, que fazia aquela literatura em que a mão fala, o pé fala, o olho falava, aquela pulverização, e ele acertou completamente, porque a dramaturgia foi por esse caminho e as coisas são mais rápidas, mas isso não quer dizer que sejam mais rasantes(sic), (...), porque você vai ter profundidade e tempo dramático mesmo em uma coisa curta.9

A experiência internacional de Comparato é vasta. Escreveu roteiros em Portugal, na Espanha, nos EUA, na Rússia, e trabalhou com Gabriel Garcia Márquez. A experiência com outras culturas levou à conclusão de que o ser humano é muito parecido e as principais diferenças dos roteiros estão no tempo dramático e nos diálogos.

O processo de criação de Meg Cunha, no campo jornalístico, surge da pauta. A partir da pauta se dá a ida ao campo para gravar o programa durante duas ou três semanas. O processo de captação de imagem e áudio é sempre surpreendente e a direção do processo vai do campo à roteirização.

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Olha só, ai eu vou e descrevo mais ou menos o que foi gravado, clipe por clipe. Anoto também as sonoras; geralmente as pessoas gostam de anotar tudo, eu gosto de brincar com a minha memória, então eu prefiro anotar só o que eu acho interessante nas entrevistas e, também, no que for captado. Ai, depois de tudo visto eu volto a pensar “como que eu vou juntar lecra-com-lecra-com-cré, e essas associações talvez seja a parte mais gostosa que é o roteiro, como que eu vou ligar uma coisa à outra.10

Para a roteirista, o segredo da televisão é fazer a pessoa ficar atraída pela história. Em geral, a “cereja do bolo” é apresentada no início do programa, de modo a criar um impacto sobre o telespectador, diluindo a história ao longo dos outros blocos.

Meg Cunha acredita que a pauta é um dos elementos mais desafiadores para o roteirista porque, pelo fato do público ser fiel, sempre quer novidades. O público gosta de conhecer lugares novos, de dicas econômicas, de comportamento, de qualidade de vida ou de histórias exemplares, como as de personagens brasileiros determinados que conseguiram suplantar as dificuldades da vida. Ela observa que esse tipo de programa causa impacto positivo na vida dos telespectadores.

As surpresas são parte do fazer jornalístico; mesmo com a troca prévia de informações com o produtor, sempre há novidades que provocam um novo olhar sobre o material disponível, o que, de acordo com a entrevistada, contribui fortemente para a roteirização.

Para ela, ver todo o material é a base da produção de roteiros jornalísticos. Também o jeito de contar a história é fundamental. A narrativa da história, no jornalismo, é algo vivo e deve ser feita de forma envolvente, impactante. As histórias se repetem mas o jeito de narrá-las é o desafio da profissão.

É o jeito de contar que eu acho fundamental, claro que a captação tem que ser linda, criativa, inovadora, envolvente, mas o roteiro eu acho que é

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o funil disso, entendeu? A gente tem o recurso da música, do ruído, e isso é muito importante. Ajuda também a contar a história.

A interconexão mundial contemporânea fez com que a ideia do novo fosse modificada. Em um mundo cada vez mais ligado, o novo não está tão distante assim. O papel do roteirista, na opinião de Meg Cunha, é dar outros sentidos para os fatos observados e isso pode ser “o fio da meada” para transformar a sociedade. “Quanto mais a gente vir as coisas, tanto as novidades quanto as que custam a melhorar, isso nos faz refletir. (...) A notícia faz a gente pensar melhor, as histórias fazem a gente se abrir, crescer, isso a literatura já mostrou tanto poesia quanto prosa”, conclui.

3- Considerações finais

Na visão dos dois autores, os roteiros dão importante contribuição para a disseminação de referências, valores, limitando ou expandindo as possibilidades de intervenções sociais e criações valorativas. Cumprem pois um papel formativo na sociedade.

A criação de roteiros televisivos foi descrita por Doc Comparato como marcada basicamente pela pesquisa, concentração, solidão e pela pressão institucional para a criação de novas histórias. Mesmo assim, a demanda de trabalho de roteirista tem aumentado, sobretudo pela expansão dos meios digitais. Meg Cunha destaca as funções (trans)formadoras dos roteiros e a necessidade de atribuir novos sentidos aos fatos familiares. A surpresa é, no trabalho jornalístico, elemento essencial e instigante.

O trabalho do roteirista, de acordo com os entrevistados, não se limita apenas a criar algo novo; o mais importante é a capacidade de escolher temas de interesse geral e apresentá-los ao público de maneira criativa, dando novos sentidos aos fatos e adequando-os à realidade

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dos diversos públicos. Esses sentidos permitem que a TV, por meio dos roteiros, capture o telespectador e proporcione novas experiências, capazes de informar e formar. Referências

BACCEGA, Maria Aparecida. Comunicação/educação: aproximações. In: BUCCI, Eugenio. A tv aos 50 anos: criticando a televisão brasileira no seu cinquentenário. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.

BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Oeiras: Celta Editora, 2005. COMPARATO, Doc. Roteiro. Rio de Janeiro: Ed. Nórdica, 1982.

COMPARATO, Doc. Da criação ao roteiro. Rio de Janeiro, Ed. Rocco, 1995.

HALL, Stuart. The centrality of culture: notes on the cultural revolutions of our time. In.: THOMPSON, Kenneth (ed.). Media and cultural regulation. London, Thousand Oaks, New Delhi: The Open University; SAGE Publications, 1997. (Cap. 5).

IBGE. Censo demográfico 2010: Resultados gerais da amostra. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/00000008473104122012 315727483985.pdf>. Acessado em 08/03/2015.

MATTOS, Sérgio. Um perfil da TV Brasileira; 40 anos de história: 1950-1990. Salvador: editado pelo Capítulo Bahia da Associação Brasileira de Agências de Propaganda e

Empresa Editora A TARDE S/A, 1990. Disponível em

<http://www.andi.org.br/sites/default/files/legislacao/02.%20Um%20perfil%20da%20TV% 20brasileira.%2040%20anos%20de%20hist%C3%B3ria.pdf>. Acessado em 08/03/2014. MACHADO, Arlindo. A Televisão levada a sério. São Paulo: SENAC, 2000.

PRIOLLI, Gabriel. 2000. Antenas da brasilidade. In: HAMBURGER, Esther. A TV aos 50: criticando a TV brasileira no seu cinquentenário. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.

THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade; uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes, 1998.

UNESCO. Investir no diálogo cultural e na diversidade cultural. Disponível em: <unesdoc.unesco.org/images/0018/001847/184755por.pdf>. Acesso em 08/03/2014.

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