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Cap´ıtulo 21 O Teorema do Ponto Fixo de Banach e Algumas de Suas Conseq¨

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(1)

O Teorema do Ponto Fixo de Banach e Algumas de

Suas Conseq¨

encias

Conte´

udo

21.1 O Teorema de Ponto Fixo de Banach . . . 993

21.1.1 Generaliza¸c˜oes do Teorema de Ponto Fixo de Banach . . . 995

21.2 Aplica¸c˜ao a Equa¸c˜oes Num´ericas. O M´etodo de Newton . . . 997

21.3 Aplica¸c˜ao `as Equa¸c˜oes Integrais de Fredholm e de Volterra . . . 1001

21.4 Aplica¸c˜oes `a Teoria das Equa¸c˜oes Diferenciais Ordin´arias . . . 1007

21.4.1 O Teorema de Picard-Lindel¨of . . . 1007

21.4.2 Generalizando o Teorema de Picard-Lindel¨of. Solu¸c˜oes Globais . . . 1011

21.4.3 Um Teorema de Compara¸c˜ao de Solu¸c˜oes de EDO’s . . . 1012

21.5 O Teorema da Fun¸c˜ao Impl´ıcita e o Teorema da Fun¸c˜ao Inversa . . . 1015

21.5.1 O Teorema da Fun¸c˜ao Impl´ıcita . . . 1015

21.5.2 O Teorema da Fun¸c˜ao Inversa . . . 1019

AP ˆENDICES . . . 1020

21.A O Lema de Gr¨onwall . . . 1020

S

ejaX um conjunto n˜ao-vazio e f :X →X uma fun¸c˜ao deX emX. Muitas vezes, em problemas pr´aticos e te´oricos, estamos interessados em encontrar os pontosx∈X que s˜ao levados em si mesmos pela fun¸c˜aof, ou seja, os pontosx∈X tais que

x = f(x).

Os pontos que satisfazem essa equa¸c˜ao s˜ao chamados depontos fixosda transforma¸c˜aof e a equa¸c˜ao acima ´e denominada equa¸c˜ao de ponto fixo. Veremos abaixo v´arios exemplos de equa¸c˜oes desse tipo, tanto no contexto de equa¸c˜oes num´ericas quanto no de equa¸c˜oes integrais e diferenciais.

Na pr´atica, dada uma fun¸c˜ao f, pode afigurar-se dif´ıcil saber se sequer existe um ponto fixo para ela. Muitas vezes estamos interessados em saber quantos pontos fixos h´a e, freq¨uentemente, gostar´ıamos de garantir que h´a um e apenas um ponto fixo de uma dada fun¸c˜ao (a chamada “unicidade da solu¸c˜ao”).

Teoremas que nos garantam existˆencia e, por vezes, unicidade de solu¸c˜oes de equa¸c˜oes de ponto fixo s˜ao chamados de teoremas de ponto fixo. H´a v´arios teoremas de tal tipo na literatura matem´atica, como por exemplo, o Teorema de Ponto Fixo de Banach1, o Teorema de Ponto Fixo Brouwer2, o teorema do ponto fixo de Schauder3 e v´arios outros, todos com pressupostos distintos sobre o conjuntoX e sobre a fun¸c˜aof.

Seja por exemplo o disco fechado Dn deRn:

Dn:=

(x1, . . . , xn)∈Rn

q

x2

1+· · ·+x2n ≤ 1

.

O chamadoTeorema do Ponto Fixo de Brouwerafirma que toda fun¸c˜ao cont´ınua (na topologia usual) deDn emDn tem

pelo menos um ponto fixo. Aqui a unicidade nem sempre pode ser garantida: pense no exemplo das rota¸c˜oes emR3em torno de um eixo que passa pela origem. Todo ponto ao longo do eixo de rota¸c˜ao ´e levado em si mesmo pela rota¸c˜ao e ´e, portanto, um ponto fixo da mesma.

O Teorema do Ponto Fixo de Schauder afirma que seX ´e um subconjunto convexo e compacto4 de um espa¸co de Banach ent˜ao toda fun¸c˜ao cont´ınua (na topologia da norma) deX emX tem um ponto fixo (n˜ao-necess´ariamente ´unico).

1

Stefan Banach (1892–1945).

2

Luitzen Egbertus Jan Brouwer (1881–1966).

3

Juliusz Pawel Schauder (1899–1943).

4

Para a defini¸c˜ao da no¸c˜ao de compacidade e suas propriedades, vide Se¸c˜ao 28.3, p´agina 1252.

(2)

Aqui trataremos de um teorema de ponto fixo extremamente ´util conhecido comoTeorema de Ponto Fixo de Banach, que ´e v´alido em espa¸cos m´etricos completos. De fato, este ´e de longe o teorema de ponto fixo com mais aplica¸c˜oes, sendo que sua influˆencia se estende aos dom´ınios das equa¸c˜oes integrais, das equa¸c˜oes diferenciais, das equa¸c˜oes num´ericas em

C, da An´alise Num´erica e de muitas outras ´areas da Matem´atica pura e aplicada. Na Se¸c˜ao 21.4, p´agina 1007, tratamos

de aplica¸c˜oes do Teorema de Ponto Fixo de Banach `a teoria das equa¸c˜oes diferenciais ordin´arias. Na Se¸c˜ao 16.10, p´agina 781, tratamos de uma importante aplica¸c˜ao do Teorema de Ponto Fixo de Banach `a teoria das equa¸c˜oes diferenciais parciais, a saber, usamos o mesmo para obter a solu¸c˜ao geral de equa¸c˜oes diferenciais parciais de tipo hiperb´olico com coeficientes constantes em duas dimens˜oes.

O Teorema de Ponto Fixo de Banach foi estabelecido por Banach em 19225. Uma das raz˜oes de sua importˆancia reside no fato de fornecer, junto com seu enunciado, um m´etodo iterativo aproximativo para a determina¸c˜ao do ponto fixo, m´etodo este que ´e muito eficiente. Outra raz˜ao ´e o fato de o teorema reunir condi¸c˜oes que garantem unicidade do ponto fixo. Vamos ao seu enunciado.

21.1

O Teorema de Ponto Fixo de Banach

Teorema 21.1 (Teorema de Ponto Fixo de Banach) Seja M um conjunto dotado de uma m´etrica de suponhaM

completo em rela¸c˜ao ad. SejaAum subconjunto fechado deM e seja T :A→A uma fun¸c˜ao deA emA. Vamos ent˜ao supor que exista um n´umero qcom0≤q <1 tal que para todos os pontosxe y deA valha

d(T(x), T(y)) ≤ q d(x, y). (21.1)

Ent˜ao, a equa¸c˜ao de ponto fixo

x = T(x), (21.2)

tem solu¸c˜ao em A e essa solu¸c˜ao ´e ´unica. Al´em disso, para qualquer x0∈A, a seq¨uˆencia xn =T(xn−1),n≥1, obtida aplicando-se repetidamente T a partir de x0, converge (rapidamente) ao ponto fixoxna m´etricad. A saber, tem-se que

d(xn, x) ≤

qn

1−q d(x1, x0). (21.3)

2

Uma fun¸c˜ao T : A → A tal que existe um n´umero q com 0 ≤ q < 1 e tal que para todos os pontos x e y de A

valha a desigualdade (21.1) ´e dita ser uma contra¸c˜aoem rela¸c˜ao `a m´etrica d. O teorema acima afirma ent˜ao que toda contra¸c˜ao em um espa¸co m´etrico completo tem um e somente um ponto fixo. Esse teorema fornece um m´etodo iterativo de determinar aproximadamente o ponto fixo, sendo que, por (21.3), a aproxima¸c˜ao ´e tanto melhor quanto mais itera¸c˜oes forem feitas. Mais adiante aperesentaremos um teorema an´alogo ao Teorema 21.1 na qual a condi¸c˜ao de contra¸c˜ao ´e enfraquecida. Vide Teorema 21.2, p´agina 995.

Vamos primeiro provar o teorema e depois veremos v´arios exemplos de seu uso.

Prova do Teorema 21.1. ComoA´e um subconjunto fechado de um espa¸co m´etrico completo, ent˜aoA´e tamb´em completo em rela¸c˜ao `a mesma m´etrica (vide Proposi¸c˜ao 20.7, p´agina 961, ou equivalentemente, a Proposi¸c˜ao 22.11, p´agina 1041).

Para simplificar a nota¸c˜ao denotaremos por Tn a n-´esima composi¸c˜ao de T consigo mesma: T◦ · · · ◦T

| {z }

n

. Definimos

ent˜ao para umx0∈Aarbitr´arioxn=Tn(x0),n∈N.

Vamos agora provar que {xn} ´e uma seq¨uˆencia de Cauchy em A. Para isso sejam m e n dois n´umeros naturais

5

(3)

quaisquer tais que m < n. Ent˜ao, usando a desigualdade triangularn−mvezes temos o seguinte:

d(xm, xn) ≤ d(xm, xm+1) +d(xm+1, xn)

≤ d(xm, xm+1) +d(xm+1, xm+2) +d(xm+2, xn)

.. .

≤ d(xm, xm+1) +d(xm+1, xm+2) +· · ·+d(xn−1, xn).

Pela propriedade de contra¸c˜ao, temos que

d(xa, xa+1) = d(T(xa−1), T(xa)) ≤ q d(xa−1, xa) ≤ · · · ≤qad(x0, x1). Da´ı

d(xm, xn) ≤ qm+qm+1+. . .+qn−1d(x0, x1) e, portanto,

d(xm, xn) ≤ qm 1 +q+. . .+qn−1−m

d(x0, x1) ≤ qm

X

a=0

qa

!

d(x0, x1) =

qm

1−q d(x0, x1).

Isso prova que {xn} ´e uma seq¨uˆencia de Cauchy, pois qm pode ser feito arbitrariamente pequeno tomando m grande,

para qualquern > m.

Como{xn}´e uma seq¨uˆencia de Cauchy emAeA´e completo, deve haverxemAunico ao qual a seq¨´ uˆencia converge.

Temos sempre, usando a desigualdade triangular, que

d(x, xm) ≤ d(x, xn) +d(xn, xm).

Tomandon > m, temos

d(x, xm) ≤ d(x, xn) +

qm

1−qd(x0, x1).

Comoxn se aproxima dexparangrande, podemos fazer o termod(x, xn) arbitrariamente pequeno, tomandongrande,

sem alterar os demais. Da´ı, conclu´ımos que

d(x, xm) ≤ q

m

1−qd(x0, x1). (21.4)

Essa ´ultima desigualdade mostra quexmde fato se aproxima exponencialmente r´apido dex.

Vamos agora provar quex, o limite da seq¨uˆencia{xn}, ´e um ponto fixo. Para isso calculemosd(x, T(x)). Teremos,

pela desigualdade triangular

d(x, T(x)) ≤ d(x, xm+1) +d(xm+1, T(x)),

para todo m. Usando (21.4) e a contratividade deT teremos,

d(x, T(x)) < q

m+1

1−qd(x0, x1) +q d(xm, x) < qm+1

1−qd(x0, x1) + qm+1

1−qd(x0, x1) = 2 qm+1

1−qd(x0, x1).

Comom´e arbitr´ario podemos fazerm→ ∞e obtemosd(x, T(x)) = 0, o que implica quex=T(x).

Por fim, resta-nos provar que x´e o ´unico ponto fixo de T. Para tal, vamos supor que haja um outro: x′ =T(x′). Ter´ıamos, usando a contratividade, que

d(x, x′) = d(T(x), T(x′)) ≤ q d(x, x′),

ou seja, (1−q)d(x, x′)0. Comoq <1 isso implicad(x, x) = 0, que implicax=x. Isso completa a prova do Teorema

(4)

21.1.1

Generaliza¸

oes do Teorema de Ponto Fixo de Banach

Nesta se¸c˜ao trataremos de duas exten¸c˜oes do Teorema de Ponto Fixo de Banach, uma tratando de um caso onde a condi¸c˜ao de contratividadeq <1 n˜ao ´e estritamente satisfeita e outro onde a aplica¸c˜ao T n˜ao ´e contrativa, mas alguma potˆencia deT o ´e.

A condi¸c˜ao que q < 1 ´e crucial para a demonstra¸c˜ao do Teorema 21.1 e sem ela suas conclus˜oes podem n˜ao mais ser v´alidas. Vejamos o seguinte exemplo, citado em diversos livros-texto. Seja M = [1, ∞) com a m´etrica usual

d(x, y) =|x−y| e sejaT :M →M dada porT(x) =x+x−1. Ent˜ao vale para todoxeyM,x6=y,

d(T(x), T(y)) < d(x, y).

De fato, para 1≤x < y,

T(y)−T(x) =

Z y

x

T′(t)dt =

Z y

x

1−t12

dt <

Z y

x

dt = y−x ,

pois 1−t−2<1 parat >1, sendo essa a melhor estimativa poss´ıvel. Assim,

|T(y)−T(x)| < |y−x|,

como quer´ıamos provar. Note agora, por´em, queT n˜ao tem nenhum ponto fixo. De fato,T(x) =xsignificax+x−1=x, ou seja,x−1= 0, o que n˜ao ´e poss´ıvel se x[1, ).

Em espa¸cos m´etricos compactos, por´em, a condi¸c˜ao de contra¸c˜aoq <1 pode ser enfraquecida preservando essencial-mente os mesmos resultados do Teorema 21.1. Esse ´e o conte´udo do Teorema 21.2, adiante.

• Enfraquecendo a condi¸c˜ao de contratividade. Aplica¸c˜oes em compactos

SejaM um conjunto dotado de uma m´etricad. Recordemos6queAM ´e dito ser compacto se e somente se possuir a propriedade de Bolzano7-Weierstrass8: toda seq¨uˆencia emApossui uma sub-seq¨uˆencia convergente emAem rela¸c˜ao `a m´etricad. Por um teorema geral (Teorema 28.11, p´agina 1264), o fato deAser compacto em um espa¸co m´etrico implica queA´e fechado, completo e limitado.

O seguinte teorema ´e devido a Edelstein9.

Teorema 21.2 Seja M um conjunto dotado de uma m´etrica d. Seja A⊂ M compacto (na topologia induzida em M

pela m´etrica d) e seja T :A→A uma fun¸c˜ao de Aem A. Vamos supor que valha a condi¸c˜ao

d(T(x), T(y)) < d(x, y) (21.5)

para todos x, y∈A comx6=y. Ent˜ao, a equa¸c˜ao de ponto fixo x=T(x) tem solu¸c˜ao emA e essa solu¸c˜ao ´e ´unica. 2

Coment´ario. O fato de A ser suposto compacto faz com que seja dispens´avel supor que M seja completo, pois A o ´e. Vide Teorema 28.11, p´agina 1264.

Prova. Observemos em primeiro lugar que seT possuir um ponto fixo, este ´e ´unico. De fato, sejam x, y∈A tais que

T(x) =xeT(y) =y. Se x6=y, valeria d(x, y) =d(T(x), T(y))< d(x, y), o que ´e uma desigualdade imposs´ıvel. Logo

x=y.

Pelas hip´oteses, parax0∈Aa seq¨uˆenciaxn =Tn(x0) de elementos deAtem ao menos uma subseq¨uˆencia convegente a um elemento x∗ ∈ A. Vamos provar que esse x∗ ´e um ponto fixo de T, ou seja, x∗ = T(x∗). Vamos supor que

T(x∗)6=x∗ e mostrar que isso leva a uma contradi¸c˜ao.

Sejaxnk,k∈N, uma sub-seq¨uˆencia que converge ax∗da seq¨uˆenciaxn=T n(x

0), ou seja, que satisfaz a propriedade: para todo ǫ >0 existeK(ǫ) tal qued(xnk, x∗)≤ǫpara todo k≥K(ǫ).

6

Para a defini¸c˜ao da no¸c˜ao de compacidade e suas propriedades, vide Se¸c˜ao 28.3, p´agina 1252.

7

Bernard Placidus Johann Nepomuk Bolzano (1781–1848).

8

Karl Theodor Wilhelm Weierstrass (1815–1897).

9

(5)

Por (21.5), d(T(x∗), T(xnk)) ≤ d(x∗, xnk) (a igualdade se dando apenas se x∗ = xnk), o que implica que

(xnk, T(xnk)) converge a (x∗, T(x∗)) emA

2A×Asex

nk converge ax∗.

Seja r0:=d(T(x∗), (x∗))/3. Para todok≥K(r0) valed(x∗, xnk)≤r0 e pela desigualdade triangular,

3r0 = d(T(x∗), x∗) ≤ d(T(x∗), T(xnk)) +d(T(xnk), xnk) +d(xnk, x∗)

(21.5)

≤ 2d(x∗, xnk) +d(T(xnk), xnk) ≤ 2r0+d(T(xnk), xnk).

Logo, para todok≥K(r0),r0≤d(T(xnk), xnk), ou seja,

d(T(x∗), x∗) ≤ 3d(T(xnk), xnk). (21.6)

Seja agoraD:={(x, x), x∈A} ⊂A2, o conjunto diagonal deA2e defina-se emA2\Da fun¸c˜aoF:A2\D[0, ) dada por

F(x, y) := d(T(x), T(y))

d(x, y) .

Provemos em primeiro lugar queF ´e cont´ınua emA2\D. De fato, da desigualdade triangular segue qued(T(x), T(y))

d(T(x), T(x′)) +d(T(x), T(y)) +d(T(y), T(y)) Portanto,

d(T(x), T(y))−d(T(x′), T(y′)) ≤ d(T(x), T(x′)) +d(T(y′), T(y)) (21.5)

≤ d(x, x′) +d(y′, y).

Analogamente, prova-se qued(T(x′), T(y))d(T(x), T(y))d(x, x) +d(y, y). Ambas as rela¸c˜oes mostram que

d(T(x′), T(y))d(T(x), T(y))

≤ d(x, x′) +d(y, y),

o que prova que d(T(x), T(y)) ´e cont´ınua emA2, pois se o par (x, y) converge ao par (x, y), ent˜aod(T(x), T(y))

converge a d(T(x), T(y)). Demonstra-se analogamente (tome T = id) que a fun¸c˜ao d(x, y) ´e cont´ınua emA2 e isso mostra queF ´e cont´ınua emA2\D.

Pela hip´otese (21.5) valeF(x, y)<1 para todos (x, y)∈A2\D. Como, por hip´oteseT(x

∗)6=x∗, o par (x∗, T(x∗))

n˜ao pertence aD e, portanto,F(x∗, T(x∗)) est´a definido.

Seja r >0 eBra bola fechada de raio remA2\D centrada em (x∗, T(x∗)):

Br :=

n

(x, y)∈A2\D d(x, x∗)≤r e d(y, T(x∗))≤r

o

.

Por ser cont´ınua, F assume um valor m´aximof emBr. Escolhendo r pequeno o suficiente, podemos garantir que

f <1 (pararpequenof vale aproximadamenteF(x∗, T(x∗))<1). Assim, para todo (x, y)∈Br tem-se

d(T(x), T(y)) ≤ f d(x, y). (21.7)

Como (xnk, T(xnk)) converge a (x∗, T(x∗)), conclu´ımos que para todol grande o suficiente, digamos l ≥ L, vale

(xnl, T(xnl))∈Br. Assim, por (21.7) devemos ter

dT(xnl), T T(xnl)

≤ f d(xnl, T(xnl)),

ou seja,

d(xnl+1, xnl+2) ≤ f d(xnl, xnl+1). (21.8)

Temos, assim, que

d(xn(l+1), T(xn(l+1))) = d(T n(l+1)(x

0), Tn(l+1)+1(x0))

(21.5)

≤ d(Tnl+1(x

0), Tnl+2(x0)) = d(xnl+1, xnl+2)

(21.8)

(6)

Acima, na passagem da primeira para a segunda linha, usamosn(l+1)−nl−1 vezes a condi¸c˜ao (21.5).

Provamos, portanto, que d(xn(l+1), T(xn(l+1))) ≤f d(xnl, T(xnl)) para todo l ≥L. Por indu¸c˜ao, isso implica que

para todo k≥l≥L vale

d(xnk, T(xnk)) ≤ f k−ld(x

nl, T(xnl)).

Fixando l, isso implica que lim

k→∞d(xnk, T(xnk)) = 0, poisf < 1. Por (21.6), isso implica que d(T(x∗), x∗) = 0,

completando a prova.

• Enfraquecendo a condi¸c˜ao de contratividade. Potˆencias contrativas

Antes de tratarmos das importantes aplica¸c˜oes do Teorema de Ponto Fixo de Banach a equa¸c˜oes integrais vamos a uma outra pequena generaliza¸c˜ao do mesmo. Esta nos ser´a ´util, por exemplo, quando tratarmos da equa¸c˜ao integral de Volterra. Ocorre por vezes que uma aplica¸c˜aoT, como discutida acima, n˜ao ´e uma contra¸c˜ao, mas alguma de suas potˆencias o ´e. Nesse caso, podemos tamb´em garantir os mesmos resultados do Teorema de Ponto Fixo de Banach. Temos o seguinte:

Proposi¸c˜ao 21.1 Seja M um conjunto dotado de uma m´etrica de suponha M completo em rela¸c˜ao a d. Seja A um subconjunto fechado em M e sejaT uma fun¸c˜ao deAemA,T :A→A. Vamos supor que exista um n´umerom∈N tal

que a aplica¸c˜ao Tm seja uma contra¸c˜ao, cujo ponto fixo ´unico ´exA (a existˆencia e a unicidade de tal ponto fixo s˜ao

garantidas pelo Teorema de Ponto Fixo de Banach, Teorema 21.1). Ent˜ao,T tamb´em tem um ponto fixo ´unico, a saber,

o mesmo x. 2

Prova. Para provar quex´e tamb´em ponto fixo deT, notemos que, comox=Tm(x), temos tamb´em que

T(x) = Tm+1(x) = Tm(T(x)).

Isso diz queT(x) ´e ponto fixo deTm. Pelo Teorema de Ponto Fixo de Banach este ´ultimo ´exe ´e ´unico. Da´ıT(x) =x.

Ora, isso diz precisamente quex´e ponto fixo deT.

Provemos agora que x´e tamb´em o ´unico ponto fixo deT. Para tal, suponha que haja um outro: y. Ent˜aoy=T(y). Daqui tiramos que T(y) = T2(y). Juntando as duas vemos que y = T(y) = T2(y). Repetindo esse procedimento, chegamos a y=T(y) =T2(y) =· · ·=Tm(y). Isso diz quey ´e ponto fixo deTm. Agora, pelas hip´oteses, o ´unico ponto

fixo deTm´ex. Logoy =x.

21.2

Aplica¸

ao a Equa¸

oes Num´

ericas. O M´

etodo de Newton

• Equa¸c˜oes num´ericas

Vamos a alguns exemplos simples de aplica¸c˜oes do Teorema de Ponto Fixo de Banach. Seja a reta real e a seguinte equa¸c˜ao de ponto fixo emR:

x = λcos(x),

onde 0< λ <1 ´e uma constante dada. Ter´a essa equa¸c˜ao uma solu¸c˜ao? Ser´a ela ´unica? Como T(x) :=λcos(x) ´e uma fun¸c˜ao de Rem R, podemos adotar em R a m´etrica usual em rela¸c˜ao `a qual R ´e completo. Em face do Teorema de

Ponto Fixo de Banach a quest˜ao natural ´e saber seT ´e uma contra¸c˜ao. Vamos provar que isso ´e verdade.

d(T(x), T(y)) = λ|cos(x)−cos(y)| = λ

Z y

x

sen (t)dt

≤ λ|x−y| = λ d(x, y),

pois|sen (t)| ≤1. Assim, vemos queT ´e uma contra¸c˜ao comq=λ.

O Teorema de Ponto Fixo de Banach nos afirma ent˜ao que, partindo-se de qualquer n´umero real x0, as iteradas sucessivas deT convergem ao n´umerox, ponto fixo deT:

xn = λcos (λcos (λcos (· · ·λcos(x0)· · ·)))

| {z }

nvezes

(7)

No caso λ= 1/2, o estudante que tenha uma simples calculadora ´e estimulado a determinar que o ponto fixo ´e x ≃

0,450183611. . ..

E. 21.1 Exerc´ıcio. Nesse caso, tomando por exemplox0= 0, estime o erro da aproxima¸c˜ao se pararmos ap´os 30 itera¸c˜oes.

6

E. 21.2 Exerc´ıcio. O que acontece na equa¸c˜ao de ponto fixo acima seλ >1? A solu¸c˜ao permanece ´unica? Fa¸ca gr´aficos

das fun¸c˜oesa(x) =xeb(x) =λcos(x)para esclarecer essa quest˜ao. 6

E. 21.3 Exerc´ıcio. Use o Teorema de Ponto Fixo de Banach para mostrar que, em R, a equa¸c˜aox =e−x tem uma e

somente uma solu¸c˜ao. Qual ´e ela, aproximadamente? Estime o erro ap´os40itera¸c˜oes. 6

• O mapa log´ıstico

Seja M =Rcom a m´etrica usuald(x, y) =|xy|e sejaA= [0, 1]. Considere a fun¸c˜aoT(x) =ax(1x).

´

E f´acil ver que paraa∈[0, 4] a fun¸c˜aoT leva pontos deAem pontos deA, pois, parax∈[0, 1] vale 0≤T(x)≤a/4. A equa¸c˜ao de ponto fixoT(x) =x´eax(1−x) =x, que tem como solu¸c˜oesxa = 0 exb= (a1)/a. A primeira solu¸c˜ao

pertence a A, mas a segunda s´o pertence aA sea >1. Conclu´ımos que a fun¸c˜ao T tem um ´unico ponto fixo em A se

a∈[0, 1] e dois pontos fixos sea∈(1, 4].

Paraa∈[0, 4] analisemos essa aplica¸c˜ao sob o ponto de vista de Teorema de Ponto Fixo de Banach. ´E f´acil ver que

|T′(x)|=a|12x| ≤aparaxA. Logo, com 0xy1,

d(T(x), T(y)) = |T(x)−T(y)| =

Z y

x

T′(t)dt

Z y

x |

T′(t)|dt < a|x−y| = ad(x, y).

Logo, para a∈ [0, 1) a fun¸c˜ao T ´e uma contra¸c˜ao e, pelo Teorema de Ponto Fixo de Banach, tem um e somente um ponto fixo, que vimos serxa = 0. O fato deT possuir tamb´em apenas um ponto fixo quando a= 1 (o mesmo xa = 0), quanto temos d(T(x), T(y))< d(x, y) parax6=y, n˜ao ´e explicado pelo Teorema de Ponto Fixo de Banach, mas sim pelo Teorema 21.2. Paraa >1 n˜ao podemos mais garantir contratividade e, de fato, constatamos queT tem dois pontos fixos em Aparaa∈(1, 4].

Consideremosa∈[0, 4]. Partindo de um pontox0∈Apodemos definir uma seq¨uˆencia de pontosxn+1=T(xn)∈A.

A evolu¸c˜aoxn 7→T(xn) =xn+1,n∈N0, ´e freq¨uentemente denominadamapa log´ıstico. O mapa log´ıstico foi originalmente introduzido como um modelo para evolu¸c˜ao de popula¸c˜oes sob certos fatores limitantes de crescimento.

Na regi˜ao contrativa 0 ≤ a < 1 a seq¨uˆenciaxn converge ao ponto fixo xa = 0. Na regi˜ao 1 ≤ a < 2, j´a fora da

contratividade e da validade do Teorema do Ponto Fixo de Banach, a seq¨uˆencia converge ao ponto fixoxb (xa torna-se

um ponto fixo repulsivo). Para 3< a <1 +√6≈3,45 a seq¨uˆencia torna-se oscilante, oscilando entre dois valores fixos. Dai para frente, a oscila¸c˜ao se d´a sucessivamente entre 4, 8, 16 etc. pontos, `a medida queacresce. A partir de a≈3,57 estabelece-se um regime ca´otico, com a seq¨uˆenciaxnpreenchendo densamente subconjuntos de Cantor do intervalo [0, 1].

O mapa log´ıstico ´e prot´otipo de um sistema dinˆamico discreto exibindo comportamento ca´otico. Para mais detalhes sobre o mapa log´ıstico, vide e.g. [80] ou [3].

• O m´etodo de Newton para zeros de fun¸c˜oes

O bem conhecido m´etodo de Newton de determina¸c˜ao de zeros de fun¸c˜oes reais10 pode ser estudado sob a luz do Teorema de Ponto Fixo de Banach. Sejaf : RR uma fun¸c˜ao da qual desejamos determinar um zero, ou seja, uma

solu¸c˜ao da equa¸c˜aof(χ) = 0. Notemos que essa equa¸c˜ao equivale (trivialmente) `a equa¸c˜aoχ=χ−ff′((χχ)), pelo menos se

f′(χ)6= 0. Colocado dessa forma o problema torna-se um problema de ponto fixo para a aplica¸c˜aoT :RRdefinida

por

T(x) := x−ff′((xx)) .

Isso motiva a seguinte proposi¸c˜ao.

10

(8)

Proposi¸c˜ao 21.2 Sef for pelo menos duas vezes diferenci´avel, ent˜aof possuir´a um zero χ, ´unico, num dado intervalo [a, b] se existirλcom0≤λ <1 tal que

f(x)f′′(x)

(f′(x))2

≤ λ , para todox∈[a, b], (21.9)

e se

f(x)

f′(x)

≤ (1−λ)α , (21.10)

ondex:= a+2b eα:= b−2a. Nesse caso, tem-seχ= limn→∞xn, onde a seq¨uˆenciaxn∈[a, b]´e determinada iterativamente

por

xn+1 = xn− f(xn)

f′(x

n), n≥0,

sendox0∈[a, b], arbitr´ario. Ter-se-´a,

|χ−xn| ≤ λ n

1−λ|T(x0)−x0| ≤ λn

1−λ(b−a), n≥0. (21.11)

Se adotarmos x0=xteremos ainda |χ−xn| ≤αλn,n≥0, por (21.10). 2

Nota. A condi¸c˜ao (21.9) pressup˜oe f′(x) 6= 0 em [a, b]. Como veremos abaixo, a condi¸c˜ao (21.9) ´e importante por

garantir a contratividade de T, enquanto que (21.10) ´e suficiente para garantir que T leve pontos de [a, b] em [a, b], podendo ser eventualmente substitu´ıda por outra condi¸c˜ao que garanta o mesmo. Notemos, por fim, que o m´etodo de Newton funciona mesmo sob condi¸c˜oes mais fracas sobre a fun¸c˜ao f, nesse caso fora do contexto do Teorema de Ponto Fixo de Banach. A convergˆencia das itera¸c˜oes pode, ent˜ao, ser mais lenta que aquela garantida em (21.11). Vide para tal qualquer bom livro de C´alculo Num´erico.

Prova. Sejamx, y∈[a, b]. Tem-se

T(y)−T(x) = y−ff′((yy))−x+

f(x)

f′(x)

= Z y x d dt

t−ff′((tt))

dt =

Z y

x

f(t)f′′(t)

(f′(t))2 dt .

Assim, (21.9) garante que

|T(y)−T(x)| ≤ λ|y−x|.

Isso estaria dizendo-nos queT ´e um contra¸c˜ao. Precisamos, por´em, garantir queT leve pontos de [a, b] em [a, b]. Isso equivale a garantir que |T(x)−x| ≤αpara todox∈[a, b], ou seja, para todo xtal que|x−x| ≤α. Uma maneira de impor isso usando (21.9) ´e supor v´alida a condi¸c˜ao (21.10). De fato,

|T(x)−x| =

T(x)−T(x) +

f(x)

f′(x)

≤ |T(x)−T(x)|+

f(x)

f′(x)

por (21.9)

≤ λ|x−x|+

f(x)

f′(x)

por (21.10)

≤ λ|x−x|+ (1−λ)α

poisx∈[a, b]

≤ λα+ (1−λ)α

= α .

(9)

E. 21.4 Exerc´ıcio-Exemplo. Usando o m´etodo de Newton determine um valor aproximado para √2 calculando o zero positivo def(x) =x22. As itera¸c˜oes ser˜aox

n+1=T(xn)comT(x) = x 2+2

2x . Que intervalo[a, b]´e conveniente adotar? O que ocorre pr´oximo ax= 0e por que?

Partindo-se, por exemplo, de x0= 2 obtem-se os valores sucessivos3/2,17/12,577/408. Esse ´ultimo valor aproxima

2

com um erro de2×10−6. Note que esse procedimento fornece aproxima¸c˜oes de2 por n´umeros racionais. 6

E. 21.5 Exerc´ıcio-Exemplo. Fa¸ca o mesmo para√3. 6

O m´etodo de Newton pode ser motivado geometricamente pela Figura 21.1. A linha reta que passa pelo ponto (xn, f(xn)) tangencia o gr´afico da fun¸c˜aof. Sua inclina¸c˜ao ´e, portanto,f′(xn). Assim, o pontoxn+1indicado na figura vale xn+1=xn−ff′((xxn)

n) (verifique!). Repetindo-se o procedimento a partir do pontoxn+1 aproximamo-nos mais ainda

do zeroχ def.

xn xn+1

f(x)

f(x )n

χ

Figura 21.1: Itera¸c˜ao no m´etodo de Newton. O pontoχ´e um zero def. A linha reta tangencia o gr´afico de f no ponto (xn, f(xn)) e sua inclina¸c˜ao ´ef′(xn). O ponto em que essa reta corta o eixo horizontal determinaxn+1.

xn f(x )n

χ xn+2 xn+1

f(x )n+1

n+2

f(x )

f(x)

arctanγ

(10)

No m´etodo de Newton usual, a reta tangente tem uma inclina¸c˜ao diferente a cada passo: f′(x

n). Um m´etodo

alternativo, por vezes denominadom´etodo de Newton simplificado, consiste em usar retas de inclina¸c˜ao fixa, tal como na Figura 21.2. Nessa situa¸c˜ao, o problema de determinar o zeroχ def equivale ao problema de ponto fixox=T(x) com

T(x) = x−1

γf(x).

E. 21.6 Exerc´ıcio. Usando o Teorema de Ponto Fixo de Banach estude esse problema de ponto fixo e determine condi¸c˜oes suficientes sobre a fun¸c˜aof e sobre a inclina¸c˜aoγpara garantir a existˆencia de um zero ´unico def em um intervalo[a, b]. 6

O m´etodo de Newton simplificado, descrito acima, pode ser empregado mesmo em situa¸c˜oes nas quais f n˜ao ´e diferenci´avel na regi˜ao de interesse.

E. 21.7 Exerc´ıcio-desafio. Generalize o m´etodo de Newton usando par´abolas tangentes, ao inv´es de retas tangentes.

Assuma, se o desejar, que a fun¸c˜aof a ser considerada ´e ao menos duas vezes diferenci´avel. 6

O m´etodo de Newton descrito acima pode ser generalizado para fun¸c˜oes de Rn em Rn, mas n˜ao trataremos disso

aqui.

21.3

Aplica¸

ao `

as Equa¸

oes Integrais de Fredholm e de

Vol-terra

No Cap´ıtulo 15, p´agina 709, introduzimos algumas equa¸c˜oes integrais de interesse e discutimos alguns m´etodos de solu¸c˜ao. Na presente se¸c˜ao discutiremos m´etodos iterativos de solu¸c˜ao de dois tipos de equa¸c˜oes integrais, as chamadas equa¸c˜oes integrais de Fredholm11 de segundo tipo e as equa¸c˜oes integrais de Volterra12 de segundo tipo. Ambas surgem em problemas de F´ısica-Matem´atica (a equa¸c˜ao integral de Fredholm, por exemplo, surge no problema de Sturm-Liouville. Vide Cap´ıtulo 14, p´agina 665) e trataremos de exemplos de aplica¸c˜oes adiante. A raz˜ao de tratarmos das mesmas aqui est´a na possibilidade de utilizarmos o Teorema de Ponto Fixo de Banach para estudar a existˆencia de solu¸c˜oes. O mesmo teorema fornece, tamb´em neste caso, um poderoso m´etodo iterativo de solu¸c˜ao, de grande importˆancia pr´atica. Para uma introdu¸c˜ao `a teoria das equa¸c˜oes integrais, vide tamb´em [136] e [176]. Para um tratamento extensivo da equa¸c˜ao integral de Volterra, vide [122].

Antes de tratarmos dessas equa¸c˜oes integrais, vamos discutir uma condi¸c˜ao que usaremos adiante.

• A condi¸c˜ao de Lipschitz

Sejaf :RRuma fun¸c˜ao.f ´e dita satisfazer acondi¸c˜ao de Lipschitz13 em toda a reta real se existir uma constante

M ≥0 tal que, para todosxex′ emRtenhamos

|f(x′)−f(x)| ≤ M|x′−x|.

Note que toda fun¸c˜ao que satisfaz a condi¸c˜ao de Lipschitz para algum M ´e necessariamente uma fun¸c˜ao cont´ınua (por que?).

Para que uma fun¸c˜ao satisfa¸ca a condi¸c˜ao de Lipschitz h´a uma condi¸c˜ao suficiente que ´e ´util. Seja f :RRuma

fun¸c˜ao diferenci´avel e tal que |f′(y)| ≤ M, para algum M 0 e para todo y R. Ent˜ao f satisfaz a condi¸c˜ao de

Lipschitz. Para provar isso, notemos que, pelo teorema fundamental do c´alculo, vale

f(x′)−f(x) =

Z x′

x

f′(y)dy .

Da´ı,

|f(x′)−f(x)| =

Z x′

x

f′(y)dy

Z x′

x |

f′(y)|dy ≤

Z x′

x

M dy = M|x′−x|.

11

Erik Ivar Fredholm (1866–1927).

12

Vito Volterra (1860–1940).

13

(11)

(Aqui tomamosx < x′, sem perda de generalidade).

E. 21.8 Exerc´ıcio. Mostre que as fun¸c˜oes sen ecossatisfazem a condi¸c˜ao de Lipschitz. QualM pode ser adotado para

ambas? 6

E. 21.9 Exerc´ıcio. Mostre que a fun¸c˜ao f(y) = y2 n˜ao pode satisfazer a condi¸c˜ao de Lipschitz em toda a reta real.

Sugest˜ao: |x2−y2| ≤M|x−y|implica|x+y| ≤M parax6=y. 6

E. 21.10 Exerc´ıcio. Mostre que a fun¸c˜aof(y) = y1/3 n˜ao pode satisfazer a condi¸c˜ao de Lipschitz em toda a reta real. Sugest˜ao: tomex′= 0 e mostre que a rela¸c˜ao|x1/3| ≤M|x|n˜ao pode ser v´alida para todoxRcomM 0fixo qualquer.

6

Uma fun¸c˜ao que satisfaz a condi¸c˜ao de Lipschitz ´e dita serLipschitz-cont´ınua. Para a demonstra¸c˜ao de resultados ´e muito ´util, por vezes, (veremos exemplos adiante) mostrar-se que uma fun¸c˜ao dada ´e Lipschitz-cont´ınua.

A condi¸c˜ao discutida acima tem, ali´as, uma generaliza¸c˜ao da qual n˜ao faremos uso aqui. Uma fun¸c˜aof :RR´e

dita serH¨older14-cont´ınuase existiremM 0 eγ >0 tais que para todosxexemRvalha

|f(x′)−f(x)| ≤ M|x′−x|γ .

A condi¸c˜ao de ser Lipschitz-cont´ınua ´e o caso particular deste quandoγ= 1.

• As equa¸c˜oes integrais de Fredholm

Seja Io intervalo [a, b] da reta real (comaebdados ea < b) e sejam duas fun¸c˜oesf :I→ReK:I×I×RR

que consideraremos cont´ınuas em seus dom´ınios de defini¸c˜ao. Sejaλ∈R, constante.

A chamadaequa¸c˜ao integral de Fredholmde segundo tipo, ou simplesmente equa¸c˜ao integral de Fredholm, ´e a seguinte equa¸c˜ao integral:

u(x) = f(x) +λ

Z b

a

K(x, y, u(y))dy .

Acimau:I→R´e a fun¸c˜ao inc´ognita. Note queK, que ´e chamada deucleoda equa¸c˜ao integral, ´e uma fun¸c˜ao de trˆes

vari´aveis e que a inc´ognitau(y) aparece na posi¸c˜ao de seu terceiro argumento, dentro da integral.

SejaC0(I) a cole¸c˜ao de todas as fun¸c˜oes cont´ınuas deIemR. J´a vimos anteriormente (Proposi¸c˜ao 20.6, p´agina 954) queC0(I) ´e um espa¸co m´etrico completo em rela¸c˜ao `a m´etrica

d∞(h, l) = sup

x∈I|

h(x)−l(x)|,

ondehel pertencem aC0(I).

Seja T a aplica¸c˜ao que leva C0(I) em si mesmo dada por

T(h)(x) = f(x) +λ

Z b

a

K(x, y, h(y))dy .

Note que se h´e uma fun¸c˜ao cont´ınua em I ent˜ao T(h) tamb´em ´e uma fun¸c˜ao cont´ınua em I. A equa¸c˜ao integral de Fredholm pode ser ent˜ao entendida como a equa¸c˜ao de ponto fixo emC0(I) dada por

u = T(u).

´

E natural, portanto, procurar condi¸c˜oes que fa¸cam deT uma contra¸c˜ao no espa¸co m´etrico completoC0(I), pois assim poderemos evocar o Teorema de Ponto Fixo de Banach. ´E neste momento que a condi¸c˜ao de Lipschitz se faz ´util. Vamos supor que a fun¸c˜aoK satisfa¸ca a condi¸c˜ao de Lipschitz para a terceira vari´avel: vamos supor que existeM ≥0 tal que para todo x,y∈I e todosz ez′Rvalha

K(x, y, z′)−K(x, y, z) ≤ M|z′−z|. (21.12)

14

(12)

Ent˜ao, pelo menos no caso em que M(b−a)<1, a aplica¸c˜aoT ´e uma contra¸c˜ao em C0(I) com rela¸c˜ao `a m´etricad∞

dada. Para provar isso, usamos que, para duas fun¸c˜oesh,l∈C0(I) temos

T(h)(x)−T(l)(x) = λ

Z b

a

h

K(x, y, h(y))−K(x, y, l(y))idy ,

donde tiramos que

|T(h)(x)−T(l)(x)| ≤ |λ|

Z b

a

K(x, y, h(y))−K(x, y, l(y))dy

≤ |λ|M

Z b

a |

h(y)−l(y)|dy

≤ |λ|M(b−a) sup

y∈I|

h(y)−l(y)| = |λ|M(b−a)d∞(h, l) . (21.13)

Logo,

d∞(T(h), T(l)) = sup

x∈I|

T(h)(x)−T(l)(x)| ≤ |λ|M(b−a)d∞(h, l).

Assim, vimos que, sob as hip´oteses acima, T ´e uma contra¸c˜ao se |λ| < 1/M(b−a). Essa condi¸c˜ao, se satisfeita, garante, pelo Teorema de Ponto Fixo de Banach, que h´a uma e somente uma fun¸c˜ao u em C0(I) que ´e solu¸c˜ao da equa¸c˜ao integral de Fredholm. Com isso, a solu¸c˜ao pode ser aproximada (exponencialmente, na m´etricad∞) partindo-se

de qualquer u0∈C0(I) atrav´es da seq¨uˆencia iteradaun =T(un−1),n∈N.

A condi¸c˜ao suficiente para termos contratividade M(b−a)<1 ´e, em suma, uma condi¸c˜ao sobre a fun¸c˜aoK e sobre o intervaloI. Note-se que n˜ao h´a qualquer restri¸c˜ao `a fun¸c˜aof, al´em da que seja cont´ınua.

E. 21.11 Exerc´ıcio. Mostre que a equa¸c˜ao integral de Fredholm

u(x) = 2 cos(x) +

Z 1

0 sen

x+yu(y) 2

dy , x∈[0, 1],

tem uma solu¸c˜ao ´unica em C0([0, 1]). Sugest˜ao: neste caso a fun¸c˜ao K ´eK(x, y, z) = sen

x+yz

2

(certo?). Mostre que a mesma ´e Lipschitz-cont´ınua em rela¸c˜ao az com M = 1/2. Para tal estude a derivada parcial deK em rela¸c˜ao a z e

mostre que|∂zK(x, y, z)| ≤1/2para todox, y∈Ie todo z∈R. 6

• As equa¸c˜oes integrais de Volterra

A chamadaequa¸c˜ao integral de Volterrade segundo tipo, ou simplesmente equa¸c˜ao integral de Volterra, ´e a seguinte equa¸c˜ao integral:

u(x) = f(x) +

Z x

a

K(x, y, u(y))dy .

Acima u : I → R, I := [a, b] com b > a ´e a fun¸c˜ao inc´ognita e f e K ao definidas tal como no caso das equa¸c˜oes

integrais de Fredholm. Note queK, que ´e chamada den´ucleoda equa¸c˜ao integral, ´e uma fun¸c˜ao de trˆes vari´aveis e que a inc´ognitau(y) aparece na posi¸c˜ao de seu terceiro argumento, dentro da integral. Note tamb´em que a equa¸c˜ao integral de Volterra difere da equa¸c˜ao integral de Fredholm pelo aparecimento de mais uma dependˆencia emx, a saber, no limite superior do intervalo de integra¸c˜ao.

Seja T a aplica¸c˜ao que leva C0(I) em si mesmo dada por

T(h)(x) = f(x) +

Z x

a

K(x, y, h(y))dy .

Note que se h´e uma fun¸c˜ao cont´ınua em I ent˜ao T(h) tamb´em ´e uma fun¸c˜ao cont´ınua em I. A equa¸c˜ao integral de Volterra pode ser ent˜ao entendida como a equa¸c˜ao de ponto fixo emC0(I) dada por

(13)

Como no caso da equa¸c˜ao integral de Fredholm, poder´ıamos procurar condi¸c˜oes que fa¸cam deT uma contra¸c˜ao no espa¸co m´etrico completoC0(I) pois, assim, poder´ıamos novamente evocar o Teorema de Ponto Fixo de Banach. Todavia, como veremos, podemos aqui proceder de um modo diferente do caso da equa¸c˜ao de Fredholm e obter condi¸c˜oes mais fracas para garantir a existˆencia de solu¸c˜ao. O que faremos n˜ao ´e procurar condi¸c˜oes que garantam queT seja uma contra¸c˜ao, mas provaremos queTm o ´e, para algumm >0. Assim, poderemos evocar a generaliza¸c˜ao do Teorema de Ponto Fixo

de Banach fornecida na Proposi¸c˜ao 21.1, p´agina 997.

Para tal, procedemos como antes e assumimos ser a fun¸c˜ao K Lipschitz-cont´ınua em rela¸c˜ao `a terceira vari´avel, ou seja, que valha a condi¸c˜ao descrita em (21.12). Daqui tiramos, parax∈I,

T(h)(x)−T(l)(x) =

Z x

a

h

K(x, y, h(y))−K(x, y, l(y))idy ,

donde segue que

|T(h)(x)−T(l)(x)| ≤

Z x

a

K(x, y, h(y))−K(x, y, l(y))dy

≤ M

Z x

a |

h(y)−l(y)|dy

≤ M(x−a) sup

y∈I|

h(y)−l(y)| = M(x−a)d∞(h, l).

A diferen¸ca entre essa ´ultima express˜ao e a express˜ao correspondente (21.13) para a equa¸c˜ao de Fredholm ´e que aqui surge o fator (x−a), que ainda depende de x, ao inv´es do fator constante (b−a). Como se ver´a no que segue, essa diferen¸ca ´e importante. Vamos agora provar por indu¸c˜ao que para todon∈Ntem-se

Tn(h)(x)−Tn(l)(x) ≤ Mn(x−a)

n

n! d∞(h, l), ∀x∈I . (21.14) Como j´a vimos que isso ´e verdade paran= 1, assumamos que essa rela¸c˜ao ´e v´alida para um certongen´erico. Ent˜ao,

Tn+1(h)(x)−Tn+1(l)(x)

Z x

a

K(x, y, Tn(h)(y))−K(x, y, Tn(l)(y))dy

≤ M

Z x

a

Tn(h)(y)−Tn(l)(y)dy

≤ M

Z x

a

Mn(y−a)

n

n! dy

d∞(h, l)

= Mn+1(x−a)

n+1

(n+ 1)! d∞(h, l) , o que prova (21.14) para todon∈N, por indu¸c˜ao. Assim, temos tamb´em que

d∞(Tn(h), Tn(l)) ≤ Mn

(b−a)n

n! d∞(h, l), ∀n∈N.

Note-se agora que, para quaisquerM,aebfixos, existengrande o suficiente tal que

[M(b−a)]n

n! < 1

(por que?). Assim, para um tal n, Tn ser´a uma contra¸c˜ao. Pela generaliza¸c˜ao do Teorema de Ponto Fixo de Banach

(14)

• Equa¸c˜oes diferenciais de segunda ordem e as equa¸c˜oes integrais de Volterra

Vamos aqui tratar de mostrar algumas aplica¸c˜oes das equa¸c˜oes integrais de Volterra `a resolu¸c˜ao de problemas, muito freq¨uentemente encontrados em F´ısica, envolvendo equa¸c˜oes diferenciais de segunda ordem com certas condi¸c˜oes iniciais dadas.

Para tal, faremos uso da seguinte identidade, v´alida para qualquer fun¸c˜ao φ que seja pelo menos duas vezes dife-renci´avel em R:

φ(t) = φ(t0) + ˙φ(t0)(t−t0) +

Z t

t0

(t−t′) ¨φ(t′)dt′ . (21.15)

E. 21.12 Exerc´ıcio. Prove essa identidade. Sugest˜ao: use as identidades

φ(t) = φ(t0) +

Z t

t0

˙

φ(t′)dt′ e φ˙(t′) = ˙φ(t0) +

Z t′

t0

¨

φ(t′′)dt′′

e use integra¸c˜ao por partes. 6

Para ilustrar o uso que podemos fazer da identidade (21.15), vamos considerar a bem conhecida equa¸c˜ao do pˆendulo simples

¨

θ(t) = −gl sen (θ(t))

(parag >0 e l >0) com condi¸c˜oes iniciaisθ(0) =θ0 e ˙θ(0) =ω0. Substituindo o lado direito em (21.15) temos

θ(t) = θ0+ω0t−

g l

Z t

0

(t−t′) sen (θ(t′))dt′, (21.16) que ´e uma equa¸c˜ao integral de Volterra n˜ao-linear paraθ.

E. 21.13 Exerc´ıcio. Constate que o n´ucleo dessa equa¸c˜ao integral

K(t, t′, z) = −gl (t−t′) sen (z)

satisfaz a condi¸c˜ao de Lipschitz na terceira vari´avel paratet′ contidos em qualquer intervalo finito[T, T],0< T <. 6

Deste ´ultimo exerc´ıcio conclu´ımos que a equa¸c˜ao do pˆendulo simples, com as condi¸c˜oes iniciais dadas, tem solu¸c˜ao ´

unica em qualquer intervalo finito [−T, T], 0< T <∞.

E. 21.14 Exerc´ıcio. Calcule as duas primeiras aproxima¸c˜oes para a solu¸c˜ao da equa¸c˜ao integral (21.16) seguindo o procedimento iterativo. Tome como ponto de partida a fun¸c˜ao identicamente nula: θ0(t) ≡0. Vocˆe consegue, olhando o

resultado do cˆomputo das duas primeiras aproxima¸c˜oes, interpretar fisicamente o que elas representam? 6

E. 21.15 Exerc´ıcio. Seja a conhecida equa¸c˜ao do pˆendulo simples no limite de pequenas oscila¸c˜oes:

¨

θ(t) = −gl θ(t),

com condi¸c˜oes iniciaisθ(0) =φ0 eθ˙(0) =ω0. Usando (21.15) transforme-a em uma equa¸c˜ao integral de Volterra e resolva-a pelo m´etodo iterativo, tomando como ponto de partida a fun¸c˜ao identicamente nula: θ0(t)≡0. Para tal, determine an-´esima

iteradaθn exatamente e mostre que a mesma converge a uma certa combina¸c˜ao linear decos(ωt)e sen (ωt), ondeω=

r

g l.

Para tal vocˆe precisar´a lembrar-se da s´erie de Taylor das fun¸c˜oes sen ecos. 6

Uma outra ilustra¸c˜ao do uso das equa¸c˜oes integrais de Volterra, e sua resolu¸c˜ao via Teorema de Ponto Fixo de Banach, pode ser encontrada no estudo das equa¸c˜oes diferenciais lineares de segunda ordem n˜ao-homogˆeneas com coeficientes n˜ao necessariamente constantes

¨

(15)

com condi¸c˜oes iniciais dadas do tipo u(0) = u0 e ˙u(0) =v0. Tais equa¸c˜oes s˜ao muito freq¨uentemente encontradas em problemas de F´ısica-Matem´atica e o estudante certamente j´a as viu surgir, por exemplo, em Mecˆanica Cl´assica.

Nosso objetivo ´e transformar o problema de determinar a solu¸c˜ao u da equa¸c˜ao diferencial com condi¸c˜oes iniciais acima no problema de resolver uma equa¸c˜ao integral de Volterra equivalente.

H´a mais de uma maneira de se obter uma tal equa¸c˜ao integral a partir de (21.17). Para o prop´osito de demonstrar existˆencia e unicidade da solu¸c˜ao, com condi¸c˜oes pouco exigentes sobre as fun¸c˜oes a, b e c, vamos considerar primeiro uma equa¸c˜ao integral para ¨u. Uma outra equa¸c˜ao integral diretamente parauser´a vista depois.

Vamos supor aqui que haja um intervalo fechado finito I = [−T, T], 0 < T < ∞, onde as fun¸c˜oes a, b e c que aparecem acima sejam cont´ınuas. Pelo teorema fundamental do c´alculo e pela identidade (21.15), temos que

˙

u(t) = v0+

Z t

0 ¨

u(t′)dt′, (21.18)

u(t) = u0+v0t+

Z t

0

(t−t′) ¨u(t′)dt′ . (21.19) Substituindo-se em (21.17)ue ˙upelo lado direito de (21.18) e (21.19), respectivamente, teremos

¨

u(t) = f(t) +

Z t

0

K(t, t′) ¨u(t)dt, (21.20)

onde

f(t) := c(t)−(b(t)t+a(t))v0−b(t)u0 (21.21)

e

K(t, t′) := −a(t)−b(t)(t−t′). (21.22)

E. 21.16 Exerc´ıcio. Verifique tudo isso. 6

A equa¸c˜ao (21.20) ´e claramente uma equa¸c˜ao de Volterra linear para ¨uque, pelas hip´oteses de continuidade sobre as fun¸c˜oesa,b ec, possui solu¸c˜ao ´unica no intervaloI, dado que nesse intervaloK´e limitado (por que?). A fun¸c˜ao upode ser ent˜ao obtida integrando-se duas vezes a solu¸c˜ao ¨uda equa¸c˜ao (21.20) ou usando-se novamente a identidade (21.15).

O que vimos acima pode ser ent˜ao resumido no seguinte teorema:

Teorema 21.3 Sejam as fun¸c˜oesa,b eccont´ınuas no intervalo I= [−T, T],T >0. Ent˜ao, nesse intervalo, a solu¸c˜ao da equa¸c˜ao diferencial linear de segunda ordem n˜ao-homogˆenea

¨

u(t) +a(t) ˙u(t) +b(t)u(t) = c(t), (21.23)

com condi¸c˜oes iniciais dadas do tipou(0) =u0 eu˙(0) =v0, existe e ´e ´unica. 2

´

E not´avel que seja suficiente exigir t˜ao pouco (s´o continuidade dos coeficientes) para garantir-se existˆencia e unicidade da equa¸c˜ao acima. H´a fun¸c˜oes cont´ınuas que n˜ao s˜ao diferenci´aveis em parte alguma (vocˆe conhece um exemplo?) ou mesmo algumas que s˜ao crescentes mas tˆem derivada nula quase em toda parte (a fun¸c˜ao de Cantor tratada no cap´ıtulo de teoria da medida ´e um exemplo) e mesmo com tais fun¸c˜oes nos coeficientes de (21.17) tem-se garantida existˆencia e unicidade da solu¸c˜ao. Para um outro tratamento da equa¸c˜ao (21.17) usando a chamada s´erie de Dyson, vide Cap´ıtulo 8. A equa¸c˜ao integral (21.20) ´e uma equa¸c˜ao para ¨u. O leitor pode estar se perguntando se n˜ao podemos ter uma equa¸c˜ao integral diretamente parau. A resposta ´e positiva. Fazendo mais uma vez uso da identidade (21.15), temos

u(t) = u0+v0t+

Z t

0

(t−t′)h−a(t′) ˙u(t′)−b(t′)u(t′) +c(t′)idt′ . (21.24) Integrando-se por partes o termo com−(t−t′)a(t) ˙u(t), obtemos

u(t) = f(t) +

Z t

0

(16)

onde agora

f(t) := u0+t(v0+a(0)u0) +

Z t

0

(t−t′)c(t′)dt′ (21.26) e

K(t, t′) := −a(t′) + (t−t′) a′(t′)−b(t′). (21.27)

E. 21.17 Exerc´ıcio. Verifique isso. 6

Novamente, se a, a′ e bforem cont´ınuas no intervalo I, assim como a fun¸c˜ao

Z t

0

(t−t′)c(t′)dt′, ent˜ao a existˆencia e a unicidade da solu¸c˜ao da equa¸c˜ao tratada estar˜ao garantidas no mesmo intervaloI. Note-se que aqui podemos admitir

tamb´em casos em quecn˜ao ´e cont´ınua, desde que

Z t

0

(t−t′)c(t′)dt′ o seja.

E. 21.18 Exerc´ıcio. Seja a equa¸c˜ao do pˆendulo simples for¸cado no limite de pequenas oscila¸c˜oes

¨

θ(t) +ω02θ(t) = f(t)

onde f representa (a menos de uma constante) uma for¸ca externa dependente do tempo. Considere o caso em que f ´e

peri´odica de per´ıodoT >0,f(t) =f(t+nT),∀n∈Z, comf dada no intervalo[0, T)por

f(t) =

      

f0, se 0≤t≤T /2,

0, se T /2< t < T .

Transforme essa equa¸c˜ao em uma equa¸c˜ao integral de Volterra equivalente e mostre como a mesma pode ser resolvida

iterativamente. 6

E. 21.19 Exerc´ıcio. O mesmo para a equa¸c˜ao do pˆendulo simples for¸cado

¨

θ(t) +ω2senθ(t) = f(t)

com a mesmaf dada acima. 6

21.4

Aplica¸

oes `

a Teoria das Equa¸

oes Diferenciais Ordin´

arias

Iremos agora tratar de algumas das mais importantes aplica¸c˜oes do Teorema de Ponto Fixo de Banach, a saber, `a teoria das equa¸c˜oes diferenciais ordin´arias (EDO’s). O principal resultado que obteremos ´e o c´elebre Teorema de Picard-Lindel¨of que fornece condi¸c˜oes suficientes para existˆencia e unicidade de solu¸c˜oes de EDO’s. Obteremos tamb´em resultados sobre a dependˆencia de solu¸c˜oes com rela¸c˜ao a condi¸c˜oes iniciais e a parˆametros. Trataremos de equa¸c˜oes diferenciais de uma classe bastante geral, a saber, equa¸c˜oes diferenciais em espa¸cos de Banach, de modo a incluir sistemas de equa¸c˜oes diferenciais ordin´arias definidas emRn eCn. O leitor ´e convidado a uma leitura pr´evia do Cap´ıtulo 6, p´agina 292, que

trata de tais assuntos de forma introdut´oria.

21.4.1

O Teorema de Picard-Lindel¨

of

Esta subse¸c˜ao foi escrita conjuntamente com Daniel A. Cortez

(17)

o Teorema de Ponto Fixo de Banach ´e crucial para a demonstra¸c˜ao de um famoso teorema sobre existˆencia e unicidade de solu¸c˜oes para EDOs devido a Picard15e Lindel¨of16.

Antes de entrarmos nos detalhes t´ecnicos, gostar´ıamos de fazer uma pequena nota hist´orica: originalmente, a de-monstra¸c˜ao de existˆencia e unicidade de solu¸c˜oes para EDOs se deve a Lindel¨of. Entretanto, o m´etodo que aplicaremos aqui para a sua demonstra¸c˜ao, fazendo uso expl´ıcito do Teorema de Ponto Fixo de Banach, deve-se a Picard17. Esses trabalhos datam da d´ecada de 90 do S´eculo XIX.

No que segue procuraremos apresentar uma vers˜ao bastante geral do teorema sobre existˆencia e unicidade de solu¸c˜oes para EDOs v´alido para equa¸c˜oes definidas em espa¸cos de BanachB. Consideremos, a saber, o seguinte tipo de equa¸c˜ao diferencial de primeira ordem

˙

x(t) = f(t, x(t)), (21.28)

onde t ∈ R e x : R B representa uma fun¸c˜ao de uma vari´avel real assumindo valores em um espa¸co de Banach

B. Acima, f : R×B B ´e uma fun¸c˜ao de t ∈R e x B sobre a qual suporemos certas hip´oteses convenientes de continuidade etc.

O leitor deve ter em mente o caso em que B=R(ouB=C), quando a equa¸c˜ao acima representa uma equa¸c˜ao de

primeira ordem de uma fun¸c˜ao real (complexa) desconhecidax(t), ou o caso em queB =Rn (ou B =Cn), quando a

equa¸c˜ao acima representa um sistema de equa¸c˜oes de primeira ordem de um vetor real (complexo) desconhecido de n

componentes: x(t) = (x1(t), . . . , xn(t)). Tais sistemas foram discutidos no Cap´ıtulo 6, p´agina 292.

Umproblema de valor inicialconsiste de uma equa¸c˜ao diferencial ordin´aria, como a dada acima, mais umacondi¸c˜ao inicial

x(t0) = x0, (21.29)

ondet0∈Rex0∈Bs˜ao dados. Com essa pequena defini¸c˜ao, estamos prontos para enunciar o teorema de existˆencia e unicidade de Picard-Lindel¨of:

Teorema 21.4 (Teorema de Picard-Lindel¨of. Existˆencia e unicidade de solu¸c˜oes de EDO’s) Sejaf :R×B B n˜ao-identicamente nula e cont´ınua na regi˜ao fechada

R Ra, b, t0, x0 := {(t, x)∈R×B: |t−t0| ≤ a, kx−x0k ≤ b}, (21.30)

para certos valores a >0 eb >0, onde k · k representa a norma do espa¸co de BanachB. Claro ´e quef ´e limitada em

R. Sejac >0definida por

c := sup

(t, x)∈Rk

f(t, x)k. (21.31)

Suponha ainda quef seja Lipschitz-cont´ınua emRcom rela¸c˜ao ao seu segundo argumento, ou seja, existe uma constante

k≥0 tal que para todos (t, x)e(t, y)∈R valha

kf(t, x)−f(t, y)k ≤ kkx−yk. (21.32)

Ent˜ao, pelo menos no intervalo fechado[t0−β, t0+β], onde

β := min

a, b

c

, (21.33)

o problema de valor inicial descrito pelas rela¸c˜oes x˙(t) =f(t, x(t)) com x(t0) = x0 apresenta uma solu¸c˜ao, a qual ´e ´

unica.

Uma condi¸c˜ao suficiente para que a condi¸c˜ao de Lipschitz acima se cumpra ´e que ∂yf(t, y) exista em todo R e l´a

seja limitada, em cujo caso a constante de Lipschitz seria dada por k:= sup (t, y)∈Rk

∂yf(t, y)k. 2

Antes de apresentarmos a demonstra¸c˜ao, gostar´ıamos de notar que existem diversos outros teoremas que garantem existˆencia e unicidade de solu¸c˜ao de problemas de valor inicial como os discutidos acima com condi¸c˜oes distintas, mas eventualmente mais espec´ıficas, sobre a fun¸c˜aof. Para uma lista mais ampla de diversos teoremas sobre existˆencia e/ou

15

Charles ´Emile Picard (1856–1941).

16

Ernst Leonard Lindel¨of (1870–1946).

17

(18)

unicidade de solu¸c˜ao para EDOs, vide [1]. Na Se¸c˜ao 6.3, p´agina 303, apresentamos exemplos de aplica¸c˜ao do Teorema de Picard-Lindel¨of e exemplos nos quais o mesmo n˜ao se aplica, tendo por conseq¨uˆencia a inexistˆencia ou n˜ao-unicidade da solu¸c˜ao.

Descrevamos agora a t´ecnica a ser utilizada em nossa demonstra¸c˜ao. O primeiro passo consiste em convertermos a equa¸c˜ao diferencial (21.28) em uma equa¸c˜ao integral, definindo-se para isso uma transforma¸c˜aoT. Em seguida, sob as hip´oteses do teorema, mostraremos que existe uma certa potˆencia da transforma¸c˜aoT, digamosTm,m1, tal queTm

´e uma contra¸c˜ao. Feito isso, utilizando o Teorema de Ponto Fixo de Banach em sua vers˜ao generalizada (Proposi¸c˜ao 21.1, p´agina 997), concluiremos a existˆencia e a unicidade do ponto fixo para a transforma¸c˜aoT, o qual ser´a justamente a solu¸c˜ao de nosso problema. Faremos uso nessa demonstra¸c˜ao, de dois resultados pr´evios, que escrevemos sob a forma de dois lemas. O primeiro deles, ´e a Proposi¸c˜ao 20.6, p´agina 954, que recordamos aqui.

Lema 21.1 Seja C([a, b], B) o espa¸co das fun¸c˜oes cont´ınuas definidas no compacto [a, b]⊂R assumindo valores no

espa¸co e Banach B. Ent˜ao,C([a, b], B)´e um espa¸co de Banach em rela¸c˜ao `a m´etrica do supremo, definida por

d∞(f, g) := sup

t∈[a, b]k

f(t)−g(t)k,

paraf, g∈C([a, b], B). 2

Isso segue do Corol´ario 20.1, p´agina 967. A demonstra¸c˜ao ´e tamb´em idˆentica `a da Proposi¸c˜ao 20.6, p´agina 954, e n˜ao precisa se repetida aqui. O segundo lema que utilizaremos ´e o seguinte.

Lema 21.2 Sejam [a, b] ⊂ R e para κ > 0 fixo, seja Ce C([a, b], B) o subespa¸co de C([a, b], B) formado pelas fun¸c˜oesx: [a, b]→Btais que

kx(t)−x0k ≤ κ , ∀t∈[a, b]. (21.34)

Ent˜ao,Ce´e um subespa¸co fechado de C([a, b], B). 2

Prova. Tudo o que precisamos fazer ´e mostrar que qualquer seq¨uˆencia convergente (xn) de elementos deCe converge para

umx∗ que tamb´em est´a emCe (se vocˆe n˜ao entendeu a raz˜ao dessa afirma¸c˜ao, confira a Proposi¸c˜ao 20.7 da p´agina 961,

ou, equivalentemente, a Proposi¸c˜ao 22.11, p´agina 1041). De fato, comoxn∈Ce para todon∈N, temos kxn(t)−x0k ≤ κ , ∀t∈[a, b].

J´a que essa express˜ao n˜ao depende de t, podemos escrever

d∞(xn, x0) = sup

t∈Ik

xn(t)−x0k ≤ κ . (21.35)

Por outro lado, como por hip´otese a seq¨uˆencia (xn) converge parax∗, ent˜ao, dadoε >0, existeNε>0 tal que para todo

n > Nεvale:

d∞(xn, x∗) ≤ ε . (21.36)

Vamos agora utilizar a desigualdade triangular:

d∞(x∗, x0) ≤ d∞(x∗, xn) +d∞(xn, x0) ≤ ε+κ , (21.37) onde, na ´ultima desigualdade, fizemos uso das rela¸c˜oes (21.35) e (21.36). Uma vez que (21.37) ´e verdadeira para qualquer

ε >0, conclu´ımos ent˜ao que

kx∗(t)x

0k ≤ sup

t∈[a, b]k

x∗(t)x

0k = d∞(x∗, x0) ≤ κ , ∀t∈[a, b], mostrando quex∗ tamb´em pertence a Ce.

Prova do Teorema 21.4. SejaJ o intervalo [t0−β, t0+β]⊂Re considere o espa¸coC(J, B) das fun¸c˜oes cont´ınuas em

J assumindo valores emB, dotado com a m´etrica do supremo. Considere ainda o subespa¸coCe⊂C(J, B) formado pelo conjunto das fun¸c˜oesx(t) tais que

(19)

Pelo Lema 21.1, sabemos queC(J, B) ´e um espa¸co de Banach. Por outro lado, do Lema 21.2 vemos que o subespa¸co

e

C ´e fechado em C(J, B). Logo, da Proposi¸c˜ao 20.7 da p´agina 961 (ou equivalentemente, da Proposi¸c˜ao 22.11, p´agina 1041), conclu´ımos imediatamente queCe tamb´em ´e um espa¸co m´etrico completo. Essa ´e uma conclus˜ao importante da qual faremos uso adiante.

Definamos agora uma transforma¸c˜aoT pela seguinte rela¸c˜ao:

(T x)(t) := x0+

Z t

t0

f(τ, x(τ))dτ . (21.39)

Vamos mostrar que T ´e uma aplica¸c˜ao que leva Ce emCe, ou seja, T :Ce →Ce. De fato, para τ ∈J ex(τ) ∈Ce, como

cβ≤b, conclu´ımos de (21.30) que (τ, x(τ))∈R. Logo a curvaJ ∋τ7→(τ, x(τ))∈R×B´e cont´ınua e est´a inteiramente contida na regi˜ao R, onde f ´e cont´ınua por hip´otese. Assim,J ∋τ7→f(τ, x(τ))∈B ´e cont´ınua e a sua integral estar´a bem definida. Conclu´ımos da´ı que T pode ser aplicada a fun¸c˜oes de Ce. Agora vamos mostrar que T x´e novamente um elemento emCe.

Utilizando a rela¸c˜ao (21.31) de limita¸c˜ao da fun¸c˜aof no retˆanguloR, tem-se parax∈Ce,

k(T x)(t)−x0k =

Z t

t0

f(τ, x(τ))dτ

Z t

t0k

f(τ, x(τ))kdτ ≤ c|t−t0| ≤ cβ ,

provando que T xdista de x0 menos quecβ, uma das condi¸c˜oes definidores do conjuntoCe. Resta-nos provar queT x´e cont´ınua casox∈Ce. Para tal, j´a vimos que parax∈Cefixo,J ∋τ7→f(τ, x(τ))∈B´e igualmente cont´ınua e, portanto, limitada, ou seja, existeNx>0 tal quekf(τ, x(τ))k ≤Nxpara todoτ∈J. Logo, parat, t′ ∈J, comt′≥t

k(T x)(t′)−(T x)(t)k =

Z t′

t

f(τ, x(τ))dτ

Z t′

t k

f(τ, x(τ))kdτ ≤ Nx|t′−t|.

Como o lado direito vai a zero parat→t′ provou-se que (T x)(t) ´e cont´ınua como fun¸c˜ao de tJ. Assim, T xCe se

x∈Ce.

Chegamos agora ao ponto crucial de nossa demonstra¸c˜ao. Observe que sex(t)∈Cesatisfaz o nosso problema de valor inicial (rela¸c˜oes (21.28) e (21.29)), ent˜ao certamentex(t) pode ser escrita como

x(t) = (T x)(t) = x0+

Z t

t0

f(τ, x(τ))dτ . (21.40)

Para tal, procedemos como no tratamento da equa¸c˜ao integral de Volterra, p´agina 1004, assumindo que a fun¸c˜aof

seja Lipschitz-cont´ınua em rela¸c˜ao `a segunda vari´avel, ou seja, que valha a condi¸c˜ao descrita em (21.32). Parat∈J, e

h, l∈Ce,

(T h)(t)−(T l)(t) =

Z t

t0

f(τ, h(τ))−f(τ, l(τ))dτ ,

donde segue que (assumimos sem perda de generalidade que t≥t0)

k(T h)(t)−(T l)(t)k ≤

Z t

t0k

f(τ, h(τ))−f(τ, l(τ))k dτ

(21.32)

≤ k

Z t

t0k

h(τ)−l(τ)kdτ

≤ k|t−t0| sup

τ∈Jk

h(τ)−l(τ)k = k|t−t0|d∞(h, l).

Vamos agora provar por indu¸c˜ao que para todo n∈Ntem-se

k(Tnh)(x)(Tnl)(x)k ≤ kn|t−t0|n

(20)

Como j´a vimos que isso ´e verdade paran= 1, assumamos que essa rela¸c˜ao ´e v´alida para um certongen´erico. Ent˜ao,

(Tn+1h)(t)−(Tn+1l)(t) ≤

Z t

t0k

f(τ, (Tnh)(τ))−f(τ, (Tnl)(τ))k dτ

Z t

t0

kk(Tnh)(τ)−(Tnl)(τ)kdτ

≤ k

Z t

t0

kn|τ−t0|

n

n! dτ

d∞(h, l)

= kn+1|t−t0|

n+1

(n+ 1)! d∞(h, l) ,

o que prova (21.41) para todon∈Ne todotJ, por indu¸c˜ao. Assim, temos tamb´em que

d∞(Tnh, Tnl) ≤ (kβ)

n

n! d∞(h, l), ∀n∈N. (21.42) Note-se agora que, para quaisquer k e β fixos, existe n grande o suficiente tal que [kβn!]n < 1. Assim, para um tal

n, Tn ser´a uma contra¸c˜ao do espa¸co completo Ce e si mesmo. Nessas condi¸c˜oes, podemos certamente evocar a vers˜ao

generalizada do Teorema de Ponto Fixo de Banach fornecida pela Proposi¸c˜ao 21.1, p´agina 997, garantindo a existˆencia e a unicidade de x(t) ∈ Ce, satisfazendo (21.40). Mas isso implica justamente a existˆencia e unicidade de solu¸c˜ao em

C(J, B) do problema de valor inicial considerado, demonstrando o Teorema 21.4.

*

No Cap´ıtulo 6, especialmente na Se¸c˜ao 6.3.1, p´agina 305 e seguintes, s˜ao discutidos exemplos de equa¸c˜oes diferenciais ordin´arias que violam as condi¸c˜oes do Teorema de Picard-Lindel¨of.

21.4.2

Generalizando o Teorema de Picard-Lindel¨

of. Solu¸

oes Globais

Nesta sub-se¸c˜ao demonstraremos um teorema que fornece condi¸c˜oes suficientes para a existˆencia de solu¸c˜oes globais de problemas de valor inicial. O primeiro teorema abaixo ´e um resultado preparat´orio que estende o Teorema de Picard-Lindel¨of, Teorema 21.4, p´agina 1008.

Em toda esta se¸c˜ao, B denota um espa¸co de Banach com norma k · k e, para a > 0 e t0 ∈ R, denotamos por

Fa, t0 ⊂R×Ba faixa de larguraacentrada emt0 definida por

Fa, t0 := {(t, y)∈R×B: |t−t0| ≤ a , y∈B arbitr´ario} .

Teorema 21.5 Suponhamos que para um certo a > 0 e para t0 ∈ R tenhamos uma fun¸c˜ao f : Fa, t0 → B que seja

cont´ınua. Suponhamos tamb´em quef ´e Lipschitz-cont´ınua em rela¸c˜ao `a segunda vari´avel, ou seja, existe uma constante

ka (denominada constante de Lipschitz) tal que para todos (t, y), (t, v)∈Fa, t0 vale kf(t, y)−f(t, v)k ≤kaky−vk.

Ent˜ao, para qualquerx0∈B, o problema de valor inicial x˙(t) =f(t, x(t))comx(t0) =x0 apresenta uma solu¸c˜ao ´unica v´alida para todot∈[t0−a, t0+a].

Uma condi¸c˜ao suficiente para que a condi¸c˜ao de Lipschitz acima se cumpra ´e que∂yf(t, y)exista em todo ponto de

Fa, t0 e l´a seja limitada, em cujo caso a constante de Lipschitz pode ser escolhida como ka:= sup

(t, y)∈Fa, t0

k∂yf(t, y)k. 2

(21)

Prova. A demonstra¸c˜ao segue passos semelhantes aos da prova do Teorema de Picard-Lindel¨of. SejaJo intervalo fechado [t0−a, t0+a]. Considere o espa¸coC(J, B) das fun¸c˜oes cont´ınuas emJ assumindo valores emB, dotado com a m´etrica do supremo. Pelo Lema 21.1, sabemos queC(J, B) ´e um espa¸co de Banach. Como na prova do Teorema de Picard-Lindel¨of, definimos a transforma¸c˜ao

(T x)(t) := x0+

Z t

t0

f(τ, x(τ))dτ . (21.43)

Vamos mostrar que T ´e uma aplica¸c˜ao que leva C(J, B) em C(J, B). De fato, para τ ∈ J e x ∈ C(J, B) tem-se obviamente que (τ, x(τ))∈Fa, t0. Logo, a curvaJ ∋τ 7→(τ, x(τ))∈R×B´e cont´ınua e est´a inteiramente contida na

regi˜ao Fa, t0, ondef ´e cont´ınua por hip´otese. Assim, J ∋τ 7→f(τ, x(τ))∈ B´e cont´ınua e a sua integral estar´a bem definida. Conclu´ımos da´ı queT pode ser aplicada a fun¸c˜oes deC(J, B). Agora vamos mostrar queT x´e novamente um elemento emC(J, B) e para tal ´e preciso provar queT x´e cont´ınua casox∈C(J, B). Parax∈C(J, B) fixo, vimos que

J ∋τ 7→f(τ, x(τ))∈B´e igualmente cont´ınua e, portanto, limitada, ou seja, existeNx>0 tal que kf(τ, x(τ))k ≤Nx

para todo τ∈J. Logo, parat, t′J, comtt

k(T x)(t′)−(T x)(t)k =

Z t′

t

f(τ, x(τ))dτ

Z t′

t k

f(τ, x(τ))kdτ ≤ Nx|t′−t|.

Como o lado direito vai a zero parat→t′ provou-se que (T x)(t) ´e cont´ınua como fun¸c˜ao detJ. Assim,T xC(J, B)

sex∈C(J, B).

Para provar queT possui um ponto fixo ´unico emC(J, B) segue-se os mesmos passos da demonstra¸c˜ao do Teorema de Picard-Lindel¨of que conduziram `a (21.42), que no presente caso assume a forma

d∞(Tnh, Tnl) ≤

(aκa)n

n! d∞(h, l), ∀n∈N. (21.44) Note-se agora que, para quaisquera eκa fixos, existengrande o suficiente tal que [aκa]

n

n! < 1. Assim, para um taln,

Tn ser´a uma contra¸c˜ao do espa¸co completoC(J, B) e si mesmo. Nessas condi¸c˜oes, podemos certamente evocar a vers˜ao

generalizada do Teorema de Ponto Fixo de Banach fornecida pela Proposi¸c˜ao 21.1, p´agina 997, garantindo a existˆencia e a unicidade de x(t)∈C(J, B), satisfazendo (21.40). Mas isso implica justamente a existˆencia e unicidade de solu¸c˜ao emC(J, B) do problema de valor inicial considerado, demonstrando o Teorema 21.5.

Chegamos finalmente ao

Teorema 21.6 (Existˆencia e unicidade de solu¸c˜oes globais) Seja f :R×BB cont´ınua em todoR×B. Supo-nhamos tamb´em que para todo a >0, f seja Lipschitz-cont´ınua em rela¸c˜ao `a segunda vari´avel na faixa Fa, t0, ou seja, para cada a >0 existe uma constanteka (eventualmente dependente de ae denominada constante de Lipschitz) tal que

para todos(t, y), (t, v)∈Fa, t0 valekf(t, y)−f(t, v)k ≤kaky−vk. Ent˜ao, para qualquer x0∈B, o problema de valor inicial x˙(t) =f(t, x(t))comx(t0) =x0 apresenta uma solu¸c˜ao ´unica v´alida para todot∈R.

Uma condi¸c˜ao suficiente para que a condi¸c˜ao de Lipschitz acima se cumpra ´e que ∂yf(t, y) exista em todo R×B

e seja limitada em cada faixa Fa, t0, a > 0, em cujo caso as constantes de Lipschitz podem ser escolhidas como ka :=

sup (t, y)∈Fa, t0

k∂yf(t, y)k. 2

Prova. A prova ´e imediata pelo Teorema 21.5.

Sugerimos aqui os exerc´ıcios da p´agina 310 e os coment´arios que se lhes seguem.

21.4.3

Um Teorema de Compara¸

ao de Solu¸

oes de EDO’s

Imagem

Figura 21.2: Alternativa ao m´etodo de Newton. As linhas retas n˜ ao s˜ ao tangentes ao gr´afico de f , s˜ao todas paralelas, todas com inclina¸c˜ ao fixa γ

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