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Introdução

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Academic year: 2021

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HISTORIOGRAFIA E RES PUBLICA

Lisboa

Centro de História da Universidade de Lisboa

Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais da Universidade Aberta 2017

Sérgio Campos Matos & Maria Isabel João (orgs.)

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Título | Title

Historiografia e Res Publica Nos dois últimos séculos

Direcção da Colecção | Series Editors Sérgio Campos Matos & Covadonga Valdaliso Organização | Organisation

Sérgio Campos Matos & Maria Isabel João Editor | Editor

Sérgio Campos Matos

Assistentes de Edição | Editorial Assistants Gonçalo Matos Ramos, Ricardo de Brito Comissão Editorial | Editorial Board Luís Filipe Barreto, Valdei Araújo Capa | Frontcover

Detalhe da representação da Divina Comédia de Dante Alighieri. Almada Negreiros, 1961. Pórtico da entrada da Faculdade de Letras. Arte parietal, gravuras incisas coloridas sobre parede revestida a cantaria de calcário, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Fotografia de Armando Norte.

Frontispício | Frontispiece

Detalhe de Cabeça Mecânica (O Espírito da Nossa Era). Raoul Hausmann, c. 1920. Montagem. Paris, Musée National d’Art Moderne, Centre Pompidou.

Contra-capa | Backcover

Musa (Clio?) lendo um uolumen. Pintor de Klügmann, c. 435-425 BCE (Beócia?). Lekythos, cerâmica ática de figuras vermelhas, Museu do Louvre, CA 220.

Historiografia – História Contemporânea – Memória | 930(469) MAT,S Editora | Publisher

Centro de História da Universidade de Lisboa & Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais da Universidade Aberta | 2017

Concepção Gráfica | Graphic Design Bruno Fernandes

Impressão Gráfica | Printing Shop Sersilito-Empresa Gráfica Lda. ISBN 978-989-8068-22-4 Tiragem 300 exemplares P.V.P. 15.00€

Centro de História da Universidade de Lisboa | Centre for History of the University of Lisbon

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa | School of Arts and Humanities of the University of Lisbon Cidade Universitária - Alameda da Universidade,1600-214 LISBOA / PORTUGAL

Tel.: (+351) 21 792 00 00 (Extension: 11610) | Fax: (+351) 21 796 00 63 URL: http://www.centrodehistoria-flul.com

This work is funded by national funds through FCT – Foundation for Science and Technology, under project UID/HIS/04311/2013 and project PEST-OE/SADG/UI0289/2014. This work is licensed under the Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International License. To view a copy of this license, visit http://creativecommons.org/ licenses/by-nc/4.0/ or send a letter to Creative Commons, PO Box 1866, Mountain View, CA 94042, USA. Copyright for authors and editors remain as reserved according to the afore-mentioned license and complying with the FCT directive “Política sobre Acesso Aberto a Publicações Cientificas resultantes de Projectos de I&D Financiados pela FCT (05/05/2014)”.

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Í N D I C E

SOBRE A ESCRITA DA HISTÓRIA NOS DOIS ÚLTIMOS SÉCULOS

Sérgio Campos Matos e Maria Isabel João

I – HISTÓRIA, TEMPO, CIDADANIA

O HISTORIADOR NA CIDADE: HISTÓRIA E POLÍTICA

Fernando Catroga

HISTOIRE GLOBALE, HISTOIRE NATIONALE?

COMMENT RÉCONCILIER RECHERCHE ET PÉDAGOGIE

Christophe Charle

AS FORMAS DO PRESENTE.

ENSAIO SOBRE O TEMPO E A ESCRITA DA HISTÓRIA

Temístocles Cezar

CONTINUIDADES E RUPTURAS HISTORIOGRÁFICAS:

O CASO PORTUGUÊS NUM CONTEXTO PENINSULAR (C.1834 - C.1940)

Sérgio Campos Matos

II – DIRECÇÕES DE ESTUDO

MODERNIZAÇÃO E BLOQUEIOS:

PROBLEMAS DO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO NA MEMÓRIA HISTÓRICA

José Luís Cardoso

A HISTÓRIA SOCIAL EM PORTUGAL (1779-1974) ESBOÇO DE UM ITINERÁRIO DE PESQUISA

Nuno Gonçalo Monteiro

ESPIRITUALIDADE E RELIGIÕES:

UNIVERSOS DE MOTIVAÇÃO E DE CRENÇA

António Matos Ferreira

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AS MIGRAÇÕES NA HISTORIOGRAFIA PORTUGUESA (1779-1974)

Jorge Fernandes Alves

O IMPÉRIO E AS SUAS METAMORFOSES NA HISTORIOGRAFIA

Diogo Ramada Curto

A HISTORIOGRAFIA NO ÂMBITO DOS ESTUDOS REGIONAIS

Maria Isabel João

III – PERIODISMO E HISTÓRIA

HISTÓRIA, OPINIÃO PÚBLICA E PERIODISMO

José Augusto dos Santos Alves

DIVULGAR O CONHECIMENTO HISTÓRICO

AS PUBLICAÇÕES COLECTIVAS DA ACL SOB O LIBERALISMO (1820-1851)

Daniel Estudante Protásio

O CONTRIBUTO D’O PANORAMA NA DIVULGAÇÃO HISTÓRICA EM PORTUGAL NO SÉCULO XIX (1837-68)

Ricardo de Brito

DIFERENTES CONCEPÇÕES DE HISTÓRIA NA VÉRTICE DURANTE O ESTADO NOVO (1942-1974)

José de Sousa

OS ARQUIVOS DO CENTRO CULTURAL PORTUGUÊS (1969-1993): UMA “COLECTÂNEA ERUDITA” AO SERVIÇO DA HISTÓRIA

Andreia da Silva Almeida

A HISTÓRIA DE PORTUGAL NA SEARA NOVA:

A BUSCA NO TEMPO PASSADO PARA A CONSTRUÇÃO DE UM PRETENDIDO FUTURO

Joaquim Romero Magalhães

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S O B R E A E S C R I T A D A H I S T Ó R I A

N O S D O I S Ú L T I M O S S É C U L O S

Desde os finais do século XX, em Portugal e por esse mundo fora têm-se intensificado os trabalhos sobre historiografia e teoria da história. O que leva os historiadores a investigarem e estudarem o passado da sua actividade profissional, quer no plano teórico quer no da aplicação concreta, em domínios específicos? Será a necessidade de conhecer os seus antecedentes e de reflectir sobre o ofício? A consciência de que a escrita da história tem a sua historicidade, é marcada de um modo ou doutro pelo tempo presente do historiador? A noção de que as meta-histórias transportam consigo estádios de um saber acumulado? Sem dúvida, por tudo isso. Ora a historiografia é também um dos modos de os humanos lidarem com a ausência, um dos modos de a representar, mas sobretudo um lugar plural de fixação da experiência humana. Tal como em qualquer conjuntura histórica passada há sempre uma multiplicidade de caminhos possíveis, também sempre houve uma diversidade de escritas da história – o que bem exprime a irredutibilidade de diferentes modos de fixação da memória social e de expectativas de futuro. A memória histórica vai-se fixando em camadas sucessivas, sempre sujeita a

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revisão e incorporando novidades. Alarga-se o conhecimento, mudam os pontos de vista, constroem-se novos conceitos operatórios, rasgam-se novos horizontes de compreensão do passado. Revisitar periodicamente historiografias e teorias da história é sempre um indispensável desafio para aqueles que trabalham na investigação científica e na comunicação dos seus resultados: convocam-se outros olhares a partir de diferentes pontos de observação no tempo e no espaço. Evita-se assim frequentemente a presunção (ou ignorância?) dos que julgam ter descoberto a pólvora ou a imprensa – quando estas eram há muito conhecidas noutras paragens.

Mas a ideia de que toda a história é contemporânea (Croce) não é unânime. Pelo contrário, quando na segunda metade do século XIX se afirmava um conceito de história ciência e a Idade Média e os tempos modernos mobilizavam maioritariamente os interesses dos historiadores, era muito comum a resistência ao contemporâneo como objecto de estudo. Dominava então a noção de uma história ciência pura, comparável às ciências da natureza, distanciada dos problemas do presente (lembre-se Fustel de Coulanges ou a Revue Historique que, todavia, não foram indiferentes à causa do ressurgimento nacional). E um perfil de historiador passivo, próximo dos registos documentais, um historiador frequentemente ligado às práticas do arquivista e do bibliotecário que preferia apagar-se e deixar falar o passado através das suas vozes. Insistia-se na ideia de que história contemporânea era política ou jornalismo: o contemporanista não teria a distanciação necessária para estudar o passado próximo. Esse passado recente e esse presente eram entretanto centro da atenção do romance realista e do trabalho também ele então bem recente dos fotógrafos. Não surpreende pois que, em 1900, só cerca de 2% dos historiadores europeus se dedicasse à história dita contemporânea. E que só desde meados do século XX o tempo recente começasse a merecer uma maior atenção. A partir dos anos 70, a aceleração motivada pelo processo de mundialização e pelas novas tecnologias da informática e da comunicação, viria acentuar esta tendência.

Nos séculos XIX e XX a historiografia atravessou profundas mudanças que só podem entender-se nas suas conexões com transformações da modernidade ocidental, que apontavam no sentido da autonomização, individualização e secularização do Estado, das sociedades e da escola pública. Da época umbral a que se referiu R. Koselleck – as últimas décadas do século XVIII e as primeiras

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do século seguinte – até ao tempo em que vivemos, também ele um tempo de aceleração, a experiência histórica passada esteve presente em diferentes momentos e foi assumindo funções diferenciadas. Em que medida a atenção conferida ao tempo recente esteve relacionada com a perturbação suscitada por estes momentos de maior velocidade? É que nem sempre a aceleração da história se traduziu num alargamento pelo interesse dos historiadores pelo passado imediato: se nos finais de Setecentos e na primeira metade do século XIX ela é acompanhada por uma desvalorização da história do tempo presente, nos finais do século XX, quando parece dominar o presentismo (essa “omnipresença do presente” que todavia não exclui uma crescente atenção em relação ao passado), assistiu-se a uma verdadeira explosão do contemporâneo.

*

Desde os finais do século XVIII, verificara-se a erosão de um cânone de história centrada na figura do príncipe e foi emergindo um outro em que a personagem central é a nação, por vezes identificada com povo. Os historiadores oitocentistas invocaram a nação como referente identitário, mas não só, também como princípio estruturante da política, fonte de soberania legitimadora do sistema moderno de representação parlamentar. Paralelamente foi-se afirmando um conceito de história-crítica por oposição à história fabulosa tão vulgarizada nos séculos XVI e XVII e às filosofias da história herdadas de Setecentos; uma história da civilização por oposição a uma história centrada nas “raças” reais e uma história universal ainda centrada na Europa e nos seus império-mundo, num tempo que era já de mundialização. No século XIX, a História foi progressivamente introduzida em todos os graus de ensino, do então chamado ensino primário ao ensino superior, passando pelos liceus (criados no caso português em 1836). O que mostra bem o reconhecimento do Estado na relevância da disciplina para a formação cívica dos cidadãos – sobretudo das elites, já que a esmagadora maioria das populações do sul da Europa era iletrada até finais da centúria. O patrocínio estatal a uma série de corpus documentais relativos à história medieval, à história do regime liberal

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e à história diplomática ao longo de séculos assinala como as elites no poder valorizavam a dimensão histórica, também evidentemente por razões instrumentais: a preparação de políticos e diplomatas para exercerem as suas funções na posse de um conhecimento útil dos antecedentes das suas práticas.

Uma retórica da imparcialidade e depois da cientificidade da história foi usada para legitimar a autonomia do trabalho historiográfico e da figura de um novo profissional – o historiador -, já distanciado do perfil do cronista. A construção deste conceito de história-ciência não foi um processo isento de tensão com a intencionalidade de submeter a historiografia à lógica do estado-nação e da sua necessidade de coesão. E a profissionalização dos historiadores esteve longe de ser um processo rápido e linear. Neste domínio – tal como no que respeita à modernização da universidade, instituição que foi central nesse processo - a Alemanha precedeu as outras nações do continente. A introdução na Universidade de Königsberg, em 1833, no campo da História, do tipo de aula que ficou conhecido como seminário (onde se lançam sementes) acabou por ser, mais cedo ou mais tarde, adoptado por toda a Europa. Portugal só o introduziu tardiamente, em meados do século XX. O que não surpreende se lembrarmos que também noutros países europeus – incluindo a Grã-Bretanha - os historiadores profissionais tardaram em diferenciar-se dos seus pares amadores.

Dominavam, quer no plano de uma história nacional quer da história regional e local, os intelectuais que cultivavam o interesse erudito pelo passado ou a simples vontade de difundirem a memória dos heróis e das glórias nacionais. No caso português eram sobretudo homens das classes médias, jornalistas, funcionários públicos, militares e eclesiásticos para quem o valor da independência nacional, o culto dos sucessos nacionais e a resistência ao ideal em voga das grandes nações e estados era um empenho no seu futuro profissional e numa expectativa de futuro da pátria (mas não só).

Num tempo marcado pelo autodidactismo e o eruditismo exteriores à Universidade, mas já influenciado pelo trabalho das academias, foram-se multiplicando instituições que contribuíram decisivamente para a formação de novos públicos e de novos historiadores: academias, periódicos generalistas (caso d’ O Panorama, da Seara Nova ou de Vértice), arquivos nacionais e regionais e museus.

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Hoje vivemos num tempo de descontinuidade com o passado, de descontinuidade na escrita de uma história, que rompe com modos tradicionais de narrar o passado – a história problema, a história conceptual, a história global. Torna-se evidente que é o Autor que escolhe e constrói o seu objecto de trabalho com uma ferramenta específica – um quadro conceptual. Por outro lado, retomam-se esses modos tradicionais, mais eficazes aliás no plano da comunicação pública: vejam-se tantas das biografias que entretanto proliferaram no mercado, sem esquecer que algumas delas, de grande consistência, inovaram nos modos de representar o singular na sua relação com o geral. No século XIX e em boa parte do século XX os historiadores foram também mentores da nação e depois deixaram de o ser. Era o caso dos historiadores liberais e republicanos, mas também daqueles que fizeram a apologia das ditaduras. De que lugar falam os historiadores, que lugar passaram a ocupar hoje em dia quando intervêm como comentadores políticos e por vezes assinam como profissionais da história? Respostas para outra ocasião.

Desde os finais do século XX, sob o efeito do processo da globalização e quando os horizontes de futuro de uma União Europeia ainda pareciam promissores para muitos, os parâmetros da história nacional foram-se revelando cada vez mais insuficientes para compreender os problemas específicos de cada nação. Grandes desafios transnacionais como o empobrecimento, as epidemias, o aquecimento global, a poluição, o narcotráfico ou as vagas de refugiados revelaram a exiguidade da escala nacional para dar resposta a tais problemas. Também no campo historiográfico a reafirmação de uma história transnacional (não tão recente como por vezes se supõe), da história comparativa e dos estudos transculturais alargavam o horizonte de compreensão das experiências históricas nacionais. Não deixa de ser significativo que a chamada história conectada e uma por vezes equívoca “história do presente” entrassem na ordem do dia precisamente no tempo em que cada vez mais o espaço se restringia e, sob a pressão do imediato, o presente se diluía no seu excesso: um presente que simultaneamente é passado e é já futuro. Desde o linguistic turn multiplicaram-se teorias e ângulos de visão, tudo se relativizou no espaço público, incluindo o próprio estatuto da história enquanto ciência social. E se este processo foi produtivo no plano do debate teórico, também não deixou de minar a relevância social e cultural da história (até na sua relação com as outras

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ciências do homem) e corroer uma ética da veracidade. O que não é contraditório com o movimento de imenso interesse que o passado desperta, a par da obsessão memorial que atravessa o nosso tempo. É que, com o investimento nas memórias, coexiste nas sociedades hipermodernas a produção de esquecimento em massa . E a erosão da memória sucede a par de um recuo das expectativas dos cidadãos em projectos políticos supranacionais e da reafirmação de nacionalismos étnicos que há algumas décadas atrás pareciam adormecidos.

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O presente livro estrutura-se em três partes: I. História, cidadania, tempo; II. Direcções de estudo e III. Periodismo e história. Em todos eles lidamos com diversas escalas de incidência do trabalho dos historiadores - o local, o nacional, o transnacional – diferentes temporalidades (embora mais centradas nos séculos XIX e XX), diferentes ângulos de compreensão dos problemas.

A abrir a secção I, uma questão central como ponto de partida: em que termos se pode estabelecer a relação entre história e a cidade política ou, por outras palavras, como coexistiu a intenção dos historiadores de busca da veracidade com a sua intervenção na cidade? Fernando Catroga reflecte sobre a função da história nas sociedades, da antiguidade grega à emergência da modernidade, passando pelas filosofias da história cristãs e a afirmação do método histórico-filológico – designadamente no que respeita à relação presente-passado-futuro e ao tópico historia magistra vitae. Permite-nos assim alargar a compreensão das raízes das políticas de memória e das historiografias nacionais enquanto instrumentos de consenso social nos dois últimos séculos. É que desde a antiguidade, a historiografia nasceu como ars memoriae, um dos meios de combater o esquecimento. Se na polis da tradição clássica a investigação do passado tinha também um papel pragmático, ético-cívico, na modernidade ocidental, herdeira deste paradigma, viriam a erguer-se políticas da memória e historiografias empenhadas em socializar novos contratos políticos.

Das revoluções liberais oitocentistas à actualidade, a história centrada na nação sofreu profundas metamorfoses e deslocações. Compreende-se no entanto

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que no caso francês estudado por Christophe Charle, apesar de a história comparada e de a história global se terem afirmado nas últimas décadas, ela continue a ocupar a esmagadora maior parte dos historiadores (em contraste com o que se tem passado no Reino Unido ou nos EUA). Na verdade, nada é linear na afirmação de perspectivas transnacionais e comparadas. Mas não deixa de surpreender o facto de serem raras as teses de doutoramento que em França se aventuram nesses sentidos. Resistência galocêntrica e constrangimentos de um sistema que impõe prazos relativamente curtos de execução dos trabalhos explicam essa situação. Por outro lado, a história global suscita problemas no campo da comunicação pública: como tornar acessível uma história “sem fronteira, sem território, sem cronologia, sem heróis”, que se afasta destes parâmetros da história tradicional? Como difundir entre um público médio esta história global e a história comparativa, uma história que exige da parte do leitor conhecimentos mais diversificados e por vezes improváveis? Trata-se de um desafio exigente e nada fácil. Tanto mais que nos situamos num tempo em que o multiculturalismo e as tentativas de resolução dos problemas humanos de um modo pactuado e à escala global têm sofrido fortes reacções, como se se tratasse de ameaças a “identidades” nacionais feridas.

Estamos no contexto de uma problemática que também se prende com as recentes experiências do tempo, com a relação entre passado e presente. Como bem observa Temístocles Cezar, na nossa época, o presente é omnipresente e como que impõe uma resposta aos historiadores, a partir do exterior à sua disciplina. O seu texto é uma reflexão sobre o presentismo, convocando exemplos literários e a relação dos historiadores e da sua escrita com o tempo. Se é certo que há momentos em que a interpretação do passado é sujeita a revisões mais profundas, também é verdade que na historiografia se vai operando um processo cumulativo em que as continuidades parecem dominar. Mas, como lembra o historiador brasileiro, o presente é o tempo de todos os historiadores “de qualquer época ou lugar” - compreende-se assim que, em momentos de intempestiva aceleração (como recentemente no Brasil), a escrita da história sofra profundas mutações. Estas parecem por vezes abalar em termos radicais a sua legitimidade enquanto disciplina autónoma: caso do linguistic turn, nos anos 60 - mas a palavra turn tem-se multiplicado para designar muitas outras viragens historiográficas (cultural turn,

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memorial turn, global turn, etc.) num tempo ”desorientado” em que a própria actividade dos historiadores se torna omnívora e fragmentada.

O modo como os historiadores se relacionam com o passado e com o presente pode ser observado no caso português em dois momentos que se sucederam a tempos de aceleração da experiência histórica, convocados por Sérgio Campos Matos. Esses dois momentos lidos numa perspectiva das suas conexões transnacionais - o de Herculano que coincide com a revolução liberal e a estruturação de um novo estado (decénio de 1840) e o momento do Integralismo Lusitano, de crise e distanciação em relação ao modelo liberal (1920/30) – revela duas leituras bem diversas da modernidade em que a uma interpretação liberal do passado das nações peninsulares se contrapôs, tardiamente mas de um modo sistemático, já no século XX, um cânone tradicionalista. Em conjunturas históricas bem diferenciadas, estruturaram-se dois modos de conviver com a perda, isto é com a decadência. Mas em ambas as narrativas há marcas de inspirações transnacionais e a presença de uma inspiração cristã.

Na secção II – Direcções de estudo -, torna-se bem evidente a historicidade do trabalho historiográfico em diversos campos. Como as primeiras aproximações à história económica remontam em Portugal aos finais do século XIX para já nos primeiros decénios da centúria seguinte surgirem os primeiros tentâmes de sistematização por parte de autores hoje quase esquecidos e uma obra tão significativa como a de João Lúcio de Azevedo. José Luís Cardoso destaca depois os contributos mais inovadores de Vitorino Magalhães Godinho e Jorge Borges de Macedo, a partir dos anos 50. No pós-guerra e nos 30 anos de boom de desenvolvimento, o ponto de vista da história económica assumia então nos países ocidentais grande relevância. Mais lenta foi em Portugal a definição conceptual de uma história social quando dominaram até tão tarde – como bem mostra Nuno Gonçalo Monteiro - interpretações doutrinárias marcadas por teorias da decadência e a definição de uma “história popular de Portugal”, que se podem rastrear no tempo longo, sedimentando-se depois nos séculos XIX e XX nas narrativas liberal, republicana e marxista. Destaque-se a este respeito a ideia de que teria sido o povo (categoria não raro abstracta e oscilante, é bom lembrar) a comandar os grandes momentos de transformação histórica, especialmente na resistência aos

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inimigos externos, enquanto os grupos dominantes se teriam bandeado com o estrangeiro. Noutro ângulo de leitura, percebe-se como a uma história das religiões que valorizava as instituições (caso da Igreja católica e os seus dignitários) tendeu mais recentemente a dar lugar a uma história religiosa que envolve o humano na sua complexidade social, mental, simbólica e nas suas dinâmicas próprias. Outro terreno? Não necessariamente: como esclarece António Matos Ferreira, espiritualidades e religiões, por si só, podem não ser suficientes para captar a “historicidade de muitas sociedades e culturas”. Compreende-se pois que a história religiosa seja indissociável da história social. E que o ponto de vista institucional seja insuficiente para conhecer em profundidade os problemas que dizem respeito às religiões num sentido amplo. Não menos recente é o interesse dos historiadores portugueses pelo estudo da temática das migrações, como mostra Jorge Fernandes Alves: com raras excepções como Herculano ou Oliveira Martins, ela remonta aos anos 70 (até aí mobilizava maior atenção de outras ciências humanas), quando os comportamentos demográficos despertavam o interesse dos historiadores em Portugal e no estrangeiro. Percorrendo os trabalhos que remontam à Academia das Ciências, nos finais do século XVIII é patente a mobilização de diferentes modos de designar o mesmo fenómeno: emigrantes, colonos, emigrar, expatriar-se, emigração, que evidentemente não têm todos os mesmos sentidos (note-se, a propósito, que em vários dos textos que se incluem neste livro é bem evidente a atenção conferida a uma conceptualização que permite por vezes captar totalidades unitárias: civilização, nação, raça, progresso, decadência). Outra temática – a do império e da colonização portuguesa -, foi ao invés da anterior, muito esquecida durante os decénios que se seguiram à revolução de 1974-75, ressurgindo desde finais do século passado, ultrapassada que foi uma certa má consciência do passado neste campo. Centrando-se nos anos 40, a partir de uma marcante reflexão crítica de Vitorino Magalhães Godinho – Comemorações e história, 1947 -, Diogo Ramada Curto, propõe-nos uma incursão sobre as fontes – periódicos, e colectâneas documentais publicadas nessa época -, considerando também algumas das instituições cujo estudo será indispensável para caracterizar a historiografia que se dedicou ao império. A encerrar esta secção, adoptando um conceito lato de historiografia e considerando diversas escalas, Maria Isabel João dá-nos um balanço crítico de um campo de estudos que,

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desde meados do século XIX (mas sem esquecer os seus antecedentes), foi sendo intensamente cultivado por amadores e eruditos locais e, mais recentemente, por historiadores profissionais: os tão variados estudos regionais e locais.

Tendo em conta o lugar central que tantas vezes tiveram os periódicos na afirmação dos historiadores, nos debates públicos, na divulgação científica e, não menos relevante, na construção da cidadania, a secção III - Periodismo e história - inclui uma reflexão geral sobre o tema assente no conhecimento da imprensa da primeira metade de Oitocentos, a cargo de José dos Santos Alves. Numa época em que se enriquece extraordinariamente o “mercado da comunicação e da informação”, abrindo-se a esfera pública a categorias sociais que ultrapassam meios mais restritos burgueses e aristocráticos, afirmava-se a autonomia de uma ética e de uma estética críticas em relação aos poderes. Nesse periodismo a história ocupa lugar proeminente ao serviço de múltiplos usos estratégicos, enquanto instrumento pedagógico, convocando acontecimentos passados, justificando situações políticas no presente, anunciando futuros.

Seguem-se diversos estudos monográficos sobre periódicos generalistas em que a história teve função cognitiva e formativa de grande relevância, a começar por uma análise das séries de publicações colectivas da Academia das Ciências de Lisboa sob as primeiras décadas do regime o liberal (1820-1851), da autoria de Daniel Estudante Protásio, que deixa clara a função decisiva que teve esta instituição, num tempo em que a disciplina de História não existia ainda de um modo autónomo na Universidade de Coimbra. Entre os mais marcantes periódicos portugueses que contribuíram para a renovação da paisagem editorial no Portugal de Oitocentos, O Panorama, a revista fundada por Herculano e ligada à Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis, inspirada num modelo publicado em Inglaterra, viria a marcar vários outros periódicos portugueses - nota Ricardo Brito. Um século mais tarde, já em plena Guerra Mundial (1942), Vértice, como mostra José de Sousa, daria a conhecer novas propostas metodológicas e conceptuais – ao invés do que poderia supor-se nem sempre convergentes - de historiadores que eram também oposicionistas do Estado Novo. Já os Arquivos do Centro Cultural Português (1969-1993), uma publicação ligada à Fundação Calouste Gulbenkian e fundada por Joaquim Veríssimo Serrão, deram a conhecer estudos de historiadores

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portugueses e lusitanistas estrangeiros, contribuindo, desde os finais do Estado Novo para a internacionalização dos estudos sobre Portugal, com mostra Andreia da Silva Almeida. Last but not least, Joaquim Romero Magalhães revela como a história ocupou um lugar destacado nos primeiros tempos da Seara Nova (1921-1930) sobretudo em textos de António Sérgio e de Jaime Cortesão, o primeiro num registo ensaístico, o segundo dando já a conhecer os seus primeiros trabalhos de investigação no campo da história dos descobrimentos e sobre a “formação democrática de Portugal”.

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A construção do Dicionário de Historiadores Portugueses (1779-1974) [http://dichp. bnportugal.pt/index.htm], publicado na página digital da BNP, projecto editorial que já conta mais de 150 entradas on line, levou-nos a tomar iniciativa conexa de, periodicamente, e no âmbito dos trabalhos do grupo de investigação Usos do Passado do Centro de História da Universidade de Lisboa, com a colaboração do CEMRI, organizar seminários internacionais em que se foram dando a conhecer estudos desenvolvidos nesta área: História, Memória e Historiografia (Janeiro de 2011), Faces de Mudança - Historiografia e Historiadores em Portugal no século XX (Abril de 2012), ambos na Universidade de Lisboa e, em colaboração com o Núcleo de Estudos em História da Historiografia e Modernidade da Universidade Federal de Ouro Preto), Discurso histórico e política: perspectivas luso-brasileiras (Julho de 2015). E mais recentemente (Primavera de 2017), Passados próximos. Memória e História.

Na Biblioteca Nacional de Portugal, teve lugar o encontro Historiografia e Res publica - a escrita da história nos dois últimos séculos (Abril de 2014), em que se inscreveram os temas dos textos agora reunidos. Visou-se então aprofundar o conhecimento acerca das historiografias e dos historiadores dos séculos XIX e XX na sua relação com o espaço público e a cidadania, problematizar a sua função social e cultural, tendo em atenção os tempos e lugares em que produziram as suas obras; construir balanços críticos sectoriais sobre a historiografia e a cultura histórica portuguesas, dos problemas económicos à dimensão religiosa passando

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pela história social, a história do Império, do periodismo e opinião pública, etc. Tudo isto tendo em consideração as relações transnacionais, os modos de recepção de debates históricos além-fronteiras, os lugares e redes de historiadores e a forma como nas suas escritas, da revolução liberal à actualidade, se estruturaram olhares sobre Portugal na sua relação com outros povos. Também nos propusemos revisitar tópicos-chave que serviram de suporte à historiografia, tais como: nação, Império, povo, raça, revolução, decadência, atraso ou subdesenvolvimento - bem como os preconceitos que condicionaram o discurso sobre a transformação social. O estudo dos modos como no passado se fez história é da maior relevância para ponderar os caminhos possíveis da disciplina, no presente no futuro.

Neste tempo marcado pela pressão do imediato, pelo excesso de informação e desinformação, excesso de crise e de sentimento de crise, excesso de ruído, excesso de publicações de todo o tipo, um produtivismo que sobrevaloriza a quantidade em detrimento da qualidade, profusão de índices de curto prazo de desempenho económico e financeiro, com que somos confrontados no dia-a-dia, contaminação do vocabulário das ciências humanas pela língua de pau da política e dos negócios (empreendedorismo, excelência, alavancagem, competividade [sic], e tantos outros exemplos poderíamos dar), a dimensão histórica introduz um efeito de necessária e salutar distanciação e relativização. É certo que a história continuará (como sempre foi) a ser instrumentalizada para fins políticos e de propaganda, de um sinal ou outro. Mas o estudo da historiografia mostra-nos que sempre houve quem cultivasse uma história dotada de espessura crítica. Em última análise, a triagem entre os diversos registos historiográficos depende da qualificação dos seus leitores.

Agradecemos à Biblioteca Nacional de Portugal na pessoa da sua directora, Doutora Maria Inês Cordeiro, o apoio que sempre deu às nossas iniciativas, e aos comentadores de algumas das conferências apresentadas no referido seminário - os professores Jaime Reis, Fátima Sá e Melo Ferreira, José Damião Rodrigues, Tiago Pires Marques e Jorge Macaísta Malheiros – a valiosa colaboração crítica. E ao José Guedes de Sousa e ao Ricardo de Brito a valiosa ajuda.

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H I S T O R I O G R A F I A E R E S P U B L I C A

Em contacto com as suas congéneres europeias e muito marcada pela herança clássica e cristã, a historiografia portuguesa foi até meados do século XX um campo privilegiado de expressão de concepções organicistas, centradas na dicotomia progresso e outros pré-conceitos que têm permeado os discursos sobre a transformação social. Historiadores liberais e positivistas de diversos matizes contribuíram para acentuar estes enfoques. Foram-se entretanto afirmando visões críticas do evolucionismo, assinalando-se continuidades mas também rupturas, diferentes expressões de resistência ao positivismo, mediante um debate transdisciplinar que envolveu abertura a outras ciências humanas e múltiplas orientações teóricas: Annales, interpretações marxistas, estruturalismo, linguistic-turn. Pretende-se nesta obra alargar o conhecimento acerca das historiografias e dos historiadores dos séculos XIX e XX - sem esquecer os seus antecedentes e tendências recentes como a história global - nas suas relações com o espaço público e a cidadania, problematizar a sua função social e cultural, tendo em atenção as relações transnacionais e os contextos em que produziram as suas obras. A partir de tópicos-chave, tecem-se balanços críticos sectoriais sobre a historiografia portuguesa, os modos de recepção de debates históricos internacionais, o lugar dos historiadores e a forma como nas suas escritas, da Revolução liberal à actualidade, se estruturaram olhares sobre Portugal na sua relação com outros povos. Em que medida presente e futuro condicionaram a construção social do passado? Qual o horizonte diferencial que os historiadores reconheceram ao passado? Como lidaram com a aceleração das experiências do tempo?

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A colecção Historiographica dá a conhecer estudos sobre

historiografias e historiadores, a construção de memórias sociais e

individuais e usos instrumentais do passado - a sempre complexa

relação entre presente, passado e futuro, nas suas relações

contextuais com problemas sociais e políticos. Abrange múltiplos

tempos e geografias e incentiva a aproximação entre diversas

ciências sociais e humanas.

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Direcção de

Sérgio Campos Matos & Covadonga Valdaliso

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Sérgio Campos Matos e Maria Isabel João (orgs.) 2017

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Daniel Estudante Protásio (coord.) 2018

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Referências

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