• Nenhum resultado encontrado

A Gazeta da Restauração ( ) e a dinastia de Bragança: a imprensa a serviço da nova Coroa

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A Gazeta da Restauração ( ) e a dinastia de Bragança: a imprensa a serviço da nova Coroa"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

“A Gazeta da Restauração (1641-1647) e a dinastia de Bragança: a imprensa a serviço da nova Coroa”

Caroline Garcia Mendes (doutoranda em História Social – FFLCH/USP)

Esta comunicação tem o intuito de apresentar a pesquisa de doutorado que se inicia acerca dos periódicos produzidos na Península Ibérica na segunda metade do século XVII, contribuindo com a crescente historiografia acerca da cultura escrita na época moderna. Para tanto, utilizaremos a Gazeta ‘da Restauração’, publicada em 1641 em Portugal, para discutirmos a importância que uma publicação periódica como essa adquiria naquela sociedade, especificamente para a nova Coroa que acabara de ascender ao poder no ano de 1640.

Maria Lúcia Pallares-Burke entende que os periódicos foram por muito tempo considerados obras menores nas análises historiográficas do período moderno. Concordamos com a autora quando ela afirma que nas últimas décadas essas publicações têm sido consagradas como vias privilegiadas de acesso ao pensamento coletivo de uma época. Ainda que para o século XVII português devamos reduzir o impacto da dita Gazeta devido ao analfabetismo da população e ao valor cobrado pelos exemplares – ainda não podemos mensurar qual era o volume de impressões mensais –, teremos em mente que o periódico foi publicado durante seis anos (entre os anos de 1641 e 1647), com aval da Coroa de Bragança e que portanto possuía importância dentro daquela sociedade.

Enquanto no mundo atual compreendemos os jornais como publicações efêmeras, na época moderna os periódicos eram considerados fragmentos de livros, “vendidos inicialmente em edições avulsas (diárias, semanais, quinzenais, mensais, etc.), diretamente ou por subscrição.” 1 Os periódicos eram, assim, disponíveis posteriormente em volumes e encadernados, conferindo maior respeitabilidade e durabilidade ao novo gênero que começava a fazer parte da vida de parte da população. Não foi diferente com

1 PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. The spectator. O Teatro das Luzes: diálogo e imprensa no século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1995. p. 14.

(2)

a Gazeta que iremos analisar: a publicação periódica está encadernada e disponível para consulta online no site da Biblioteca Nacional de Portugal.2

A Gazeta ‘da Restauração’

A Gazeta em que se relatam as novas todas, que ouve nesta corte, e que vieram de varias partes no mês de Novembro de 1641, começou a circular em Lisboa no mesmo ano de seu título, através de privilégio real conferido a Manuel de Galhegos, tendo sido encarregado para sua redação, de acordo com alguns autores, Miguel Mascarenhas de Azevedo. Segundo o jornalista Matías Martinez Molina, o periódico foi um fiel porta-voz da casa real até o ano de 1642 quando um decreto real proibiu a circulação de gazetas no reino. 3 A Gazeta voltou a ser produzida meses depois, editada por João Franco Barreto e contou ainda com a redação de Frei Francisco Brandão a partir de julho de 1645.4 Se antes sua divisão era entre notícias do reino e de fora do reino – cujas primeiras enfatizavam as batalhas contra Castela nas fronteiras portuguesas e a segunda se preocupava com as relações que Portugal estabelecia em outras localidades – agora apenas novas de outras partes da Europa eram publicadas 5. Este periódico foi publicado por diferentes impressores e possuía entre oito dezesseis páginas, seu preço variando conforme essa quantidade. Neste trabalho focaremos principalmente na primeira fase da Gazeta, cujas notícias também tratam do reino português.

A organização deste periódico é bastante diferente de como as notícias são distribuídas em publicações atuais. Em primeiro lugar, as novas não são divididas por assuntos como batalhas, nomeações, ou mesmo por regiões portuguesas. Elas são

2 www.bnportugal.pt

3 MOLINA, Matías M. História dos jornais no Brasil: da era colonial à Regência (1500-1840). São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 62.

4 TEIXEIRA, Patrícia Oliveira. Os sistemas jornalísticos europeus no século XVII e a gênese do jornalismo – Uma comparação entre Portugal, Espanha e França. Porto: Universidade Fernando Pessoa, 2013. p. 122-3. Teixeira explica que não há consenso entre os pesquisadores sobre quem de fato escrevia o material publicado na Gazeta. Há dúvidas se, em sua primeira fase, o próprio Manuel de Galhegos não fosse também um dos redatores, e se João Franco Barreto não poderia ter contado com ajuda para escrever as notícias publicadas a partir de outubro de 1642.

5 Naquele momento o nome da Gazeta passa a ser Gazeta Segunda do mês de Outubro de Novas de fora do Reyno. A partir de Abril de 1643, seus títulos costumam apresentar resumos dos assuntos que seriam tratados no decorrer do periódico.

(3)

elencadas no decorrer da Gazeta cronologicamente, ou seja, desde os primeiros dias do mês anterior até o fechamento da edição, cuja ansiedade em publicar uma notícia podia fazer surgir trechos como esse:

No mesmo ponto em que se acabou de imprimir este papel, veio da Ilha Terceira Jorge de Mesquita, e que trouxe aviso de que a fortaleza se havia rendido, e estava já por el Rei Nosso Senhor. Por ser nova de grande alegria para este Reino se pôs nesta Gazeta, não obstante que pertence a do mês de Abril. 6

Nota-se que de fato a nova foi inserida ao fim da publicação, após uma linha que fechava a Gazeta de março de 1642.

Esta Gazeta é considerada pelos pesquisadores como o primeiro periódico português, tendo surgido no mesmo período em que outras publicações semelhantes começavam a circular no restante da Europa. José Tengarrinha afirma que o progresso da tipografia, a melhoria das comunicações e o crescente interesse da população por notícias estão por trás do surgimento desse material em meados do século XVII em parte do continente europeu7.

As notícias dos anos iniciais da Gazeta referem-se basicamente às batalhas contra Castela nas fronteiras portuguesas. Os nomes dos comandantes portugueses, a quantidade de soldados envolvidos e especialmente suas vitórias tem destaque no periódico, que também faz menção aos embaixadores enviados pela Coroa a diferentes locais da Europa para assegurar a soberania brigantina. Mario Infelise afirma que a guerra normalmente alimentava o desejo de informação e entende que eram estes conflitos que também estavam por trás do surgimento do periodismo impresso. Para este autor, a autorização para publicar gazetas impressas tinha o objetivo de proporcionar uma informação controlada pelo poder, como era o caso da nossa Gazeta8. Carlos Alberto González Sánchez explica ainda que a escrita, sendo uma ferramenta de

6 Gazeta do mês de março de 1642; in: Gazeta, em que se relatam as novas todas, que ouve nesta corte, e que vieram de varias partes do mês de Novembro de 1641. Na Officina de Domingos Lopez Rosa. Lisboa, 10 de abril de 1642. p. 27v.

7 TENGARRINHA, José. História da Imprensa periódica portuguesa. (2ª edição) Lisboa: Editora Caminho, 1989. p. 35

8 INFELISE, Mario. El mercado de las noticias en el siglo XVII: las tipologías de la información. In: GÓMEZ, Antonio Castillo. AMELANG, James S. (coord.) .Opinión pública y espacio urbano en la Edad Moderna. Gijón: Trea, 2010. P. 160.

(4)

ordenação mental, é um meio empregado para garantir a adesão a um sistema de valores e utilizada para perpetuar a coesão social. A aliança entre governo e escrita, para o historiador, está ligada às origens do Estado Moderno.9

Quais eram as novas e como chegavam a Lisboa

As notícias relacionadas às batalhas contra castelhanos são grande maioria nos números iniciais da Gazeta. São comuns ainda menções aos nomes de quem liderou os exércitos vencedores, quem morreu nas batalhas ou realizou algum feito importante. Na Gazeta de junho de 1642 há quatro páginas tratando da ida do general Fernão Telles de Menezes para Almeida “por ter aviso de q’ o inimigo pretendia fazer alguas entradas por aquellas partes (...)”. Na mesma publicação encontramos notícia bastante detalhada, na qual um oficial da cavalaria das fronteiras do Alentejo saiu da cidade de Elvas “a 2 deste mês com 11 companhias de Cavallo, e foy para Olivença, donde chegou as 4 da tarde, e logo dahi a 2 horas foi de Olivença a correr a campanha (...)”10. Nesse momento, devemos ter em mente o que Diogo Ramada Curto denomina de “literatura da Restauração”, ou seja, a escrita de livros – mas não só, como demonstramos aqui – inserida em outra lógica que não apenas a de informar sobre as batalhas e mesmo enaltecer a nova dinastia. Essa literatura exercia a função de nomear aqueles que por suas ações eram merecedores de fama, uma lógica em que integrar uma lista de nomes e elaborar petições tendo em vista mercês era preocupação constante. 11 Esta Gazeta está inserida, obviamente, nesse pensamento. Quando analisa a Gazeta de Lisboa, periódico manuscrito que circulou na primeira metade do século XVIII, André Belo, explica que também naquele momento, “ao reproduzir (...) um ambiente e uma hierarquia palacianos, a Gazeta tinha para a Corte o valor político de prolongar essa atmosfera, oferecendo-se aos leitores com um discurso noticioso muito condicionado” 12. Um

9 SÁNCHEZ, Carlos Alberto González. Homo Viator, Homo Scribens. Cultura gráfica, información y gobierno en la expansión atlántica (siglos XV-XVII). Madrid: Marcial Pons, 2007. p. 128.

10 Gazeta do mês de junho de 1642; in: Gazeta, em que se relatam as novas todas, que ouve nesta corte, e que vieram de varias partes do mês de Novembro de 1641. Em Lisboa, 15 de julho de 1642.P. 39 e 40v. 11 CURTO, Diogo Ramada. A Restauração de 1640: nomes e pessoas. In: Península. Revista de Estudos Ibéricos. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Instituto de Estudos Ibéricos, n.o 0, 2003, p. 323.

12 BELO, André. As Gazetas e os Livros. A Gazeta de Lisboa e a vulgarização do impresso (1715-1760). Lisboa: Instituto de Ciências Sociais, 2001. p. 46-7.

(5)

desses condicionamentos seria inclusive, segundo Belo, os constrangimentos colocados pela própria elite que o lia. Citando Habermas, Belo conclui que os “‘jornais políticos’ não eram feitos para as referidas elites, mas, inversamente, eram ‘fabricados’ por elas”13.

Em seu segundo número (dezembro de 1641), antes de apresentar as informações das licenças concedidas para a publicação, o periódico informa que

as mais destas novas são colhidas de cartas, e pessoas dignas de credito, que vierão de varias partes. E o que se diz do Bispo de Lamego, se sabe por via da nao de Inglaterra, que veyo o mes passado; e de Italia avia já aqui carta, em que se diz, que ficava em Leorne, de donde se vay a Roma em pouco mais de tres dias14.

A rede de informações que se formava para que as notícias chegassem a Lisboa era bastante extensa, como demonstra trecho na Gazeta de março de 1642, que informa que

o primeiro Domingo da quaresma na Igreja de S. Antão, o nono, dixe o Padre Pregador aos ouvintes, que dessem graças a Deos pelas boas novas,

que tivemos da India Oriental, por hum correo que veio a Italia por via da Percia: o qual não somente dizia, que el Rey nosso Senhor estava já

naquellas partes acclamado por Rey, com grande aplauso até dos príncipes Mouros, mas também que andavão mui prósperas as armas portuguezas. 15

Segundo João Luis Lisboa e Tiago C. P. Miranda, os correspondentes dos editores da Gazeta também possuíam um interesse inserido na lógica proposta por Diogo Ramada Curto, tendo em vista que também poderiam ser beneficiados na busca por mercês:

O interesse da correspondência era mútuo, mesmo tratando-se de uma relação entre um redator de um periódico impresso e o pouco importante intelectual de província. Havia sempre a possibilidade de estabelecer um esquema de reciprocidades, quer no que diz respeito a informações, a livros, a produções literárias variadas, a objetos de coleção, ou a favores. Podiam estar envolvidas terceiras pessoas a quem se queria fazer passar uma

13 Idem. p. 48.

14 Gazeta do mês de dezembro de 1641; in: Gazeta, em que se relatam as novas todas, que ouve nesta corte, e que vieram de varias partes do mês de Novembro de 1641. Em Lisboa: na Officina de Lourenço de Anvers. Anno de 1641. p 11v.

15 Gazeta do mês de março de 1642; in: Gazeta, em que se relatam as novas todas, que ouve nesta corte, e que vieram de varias partes do mês de Novembro de 1641. Em Lisboa: na Officina de Domingos Lopez Rosa. Anno de 1642. p. 23. Itálico nosso.

(6)

informação útil, por exemplo, ou a quem se queria pedir que publicasse uma notícia 16.

Além dessa correspondência que é de grande interesse para nossa pesquisa, é importante ressaltar que os editores da Gazeta utilizavam ainda periódicos de outras localidades para enriquecer as notícias publicadas em Lisboa, como no trecho em que se lê que “na Gazeta que veyo de França, estão as propostas, que os Irlandezes agora fazem a el Rey Carlos de Inglaterra, as quaes traduzidas ao pé da letra são as seguintes.”17

Ao analisar a Gazeta de Lisboa, André Belo explica que Portugal pode inserir-se no chamado “Antigo Regime Tipográfico”, conceito cunhado por Roger Chartier, cuja definição seria a de um regime editorial de longa duração vigente em toda a Europa entre o século XVI até início do XIX 18. A Gazeta analisada por Belo possui semelhanças com o periódico do século anterior que é objeto de nossa pesquisa, como a questão da circulação restrita e, principalmente, o que era ou não publicado:

Se é certo que não se pode negar o caráter restrito da sua circulação nesta época, gostaria de pôr em causa a ideia de que ela veiculasse informações de caráter sobretudo utilitário.(...) Ela não se rege por puros critérios de novidade. Melhor dito: a definição de ‘novidade’ ou ‘notícia’ para um periódico como a Gazeta depende do seu caráter ‘histórico’. Como tal, ela é aproximada das regras que presidem à escrita dos relatos históricos, as quais não coincidem com as concepções jornalísticas de notícia que nos são hoje familiares.19

É certo que havia o interesse de informar à população que o lia, mas assim como a Gazeta do século XVIII, as notícias de nosso periódico pós-Restauração fogem das concepções jornalísticas que são contemporâneas a nós. O objetivo claro desta Gazeta era enaltecer a dinastia de Bragança que acabava de chegar ao poder. As notícias das vitórias portuguesas nas batalhas contra Castela possuíam, assim, o mesmo valor de

16 LISBOA, João Luís. MIRANDA, Tiago C. P. dos Reis. OLIVAL, Fernanda. Gazetas manuscritas da Biblioteca Pública de Évora vol. 1 (1729-1731). Lisboa: Edições Colibri, 2002. p. 26.

17 Gazeta do mês de abril de 1642; in: Gazeta, em que se relatam as novas todas, que ouve nesta corte, e que vieram de varias partes do mês de Novembro de 1641. Em Lisboa: na Officina de Domingos Lopez Rosa. Anno de 1642. p. 32.

18 BELO, André. Ibidem. p. 30. 19 BELO, André. Ibidem. p. 45.

(7)

novas cujo tema eram milagres que aconteciam em todo o Reino, que comprovariam a aprovação divina diante da nova dinastia.

A exaltação da Coroa de Bragança

Em dezembro de 1641 – data da segunda publicação deste periódico – um ano após a Coroa de Bragança ter assumido o trono português, a Gazeta se iniciava exaltando a importante data: “Domingo, o primeiro dia do venturoso mês, tem que Deus nosso Senhor pôs seus olhos de misericórdia no miserável estado de Portugal, e foi servido de o restituir seu legítimo sucessor, o Sereníssimo Rei D. João o IV” 20. Declarações como esta são frequentes no decorrer do periódico, cuja autorização de publicação constava ao final de cada publicação “com todas as licenças necessárias” ou “visto estar conforme com o original, pode correr esta Gazeta”.

A Gazeta é permeada por diversas menções a Dom João IV e seu primogênito e sucessor do trono, Dom Teodosio. Todas as cerimônias em que a família aparecia eram descritas com grande quantidade de detalhes, inclusive sendo mencionados os vassalos presentes nesses acontecimentos. A cerimônia em que Dom Teodosio recebeu o Sacramento da Crisma, por exemplo,

Dia de Sam Joseph [19 de março] fez annos el Rey Nosso Senhor: ouve muita gala, e grande festa na capella Real pela manhã e à tarde recebeo o Sacramento da Chrisma o Serenissimo Principe D. Teodosio. Veyo abaxo ao lado del Rey Nosso Senhor, acompanhado com toda a regia casa (...) e o ilustríssimo Senhor D. Rodrigo da Cunha Arcebispo Metropolitano se vestio de Pontificial deo lhe água às mãos o Bisconde de Villa Nova da Serveira, e servio a toalha o Conde Regedor.21

Como se vê, não apenas os feitos realizados nas batalhas inseriam-se na “literatura da Restauração” de que trata Curto, mas também a proximidade com a Casa de Bragança era descrita com riqueza de detalhes, fundamentais no interior de uma sociedade

20 Gazeta do mês de dezembro de 1641; in: Gazeta, em que se relatam as novas todas, que ouve nesta corte, e que vieram de varias partes do mês de Novembro de 1641. Em Lisboa: na Officina de Lourenço de Anvers. Anno de 1641. p. 5.

21 Gazeta do mês de março de 1642; in: Gazeta, em que se relatam as novas todas, que ouve nesta corte, e que vieram de varias partes do mês de Novembro de 1641. Em Lisboa: na Officina de Domingos Lopez Rosa. Anno de 1642. p. 24v-25.

(8)

baseada na corte e na busca por mercês junto ao rei. Eram prestadores de serviços membros de Casas importantes do Reino, que teriam a honra de dar água ou passar a toalha ao príncipe na sua cerimônia de Crisma. E de ter essa cerimônia e participação descritas nas páginas da Gazeta.

Os milagres também são tema muito frequente neste periódico, em sua maioria relacionados à Casa de Bragança e à aprovação divina da Restauração. Segundo João André de Araujo Faria, a aclamação de Dom João, um “rei natural”, possibilitou a circulação de um conjunto de imagens que serviriam para glorificar a monarquia e os reis brigantinos. De acordo com Faria “este conjunto de interpretações se constituiu, para nós, em um programa político de propaganda da Restauração, que se apropriou dos milagres supostamente ocorridos na época e, a nosso ver, promoveu e determinou a apreensão da crença em um ‘Restauração Prodigiosa de Portugal.’”22

Em nossa Gazeta podemos encontrar a descrição de milagres relacionados especificamente com a aclamação, como o Cristo que despregou um braço do crucifixo para “dar ânimo aos zelosos da pátria” no dia da aclamação de Dom João IV 23 e mesmo de uma parede que caiu em cima de um homem que duvidou que de fato esse milagre tivesse ocorrido:

Num lugar da Beira se afirma que ouve hum home, que ouvindo dizer numa coversação de amigos que na felice aclamação del Rey nosso Senhor fizera o crucifixo da Sè o milagre, que a todos é notório. disse que podia a caso a imagem do Senhor despregar o braço; e assim como acabou de dizer estas palavras cahio huma parede junto da qual estavão todos os da conversação, e só a elle matou.24

Há ainda milagres descritos no periódico ocorridos em localidades distantes, como a notícia publicada em fevereiro de 1642 que dizia que “na Comarca de Miranda falou

22 FARIA, João André de Araujo. A Restauração de Portugal Prodigiosa, 1640-1668. Dissertação. Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Seropédica- RJ, 2010. p. 18.

23 A descrição da cerimônia e da festa da aclamação está no segundo número do periódico (dezembro de 1641), publicado um ano após o acontecimento.

24 Gazeta do mês de novembro de 1641; in: Gazeta, em que se relatam as novas todas, que ouve nesta corte, e que vieram de varias partes do mês de Novembro de 1641. Em Lisboa: na Officina de Lourenço de Anvers. Anno de 1641. p. 1. É a terceira notícia publicada no primeiro número da Gazeta, vem portanto antes da descrição da aclamação, publicada no mês seguinte.

(9)

hum menino mudo e disse VIVA EL REY DOM JOAM IIII. Isto se sabe de certo; e agora se está fazendo hu instrumeto de testemunhas por ordem da Sè de Miranda.”25

Dessa forma, a Gazeta foi um instrumento importante para a Restauração no intuito de enfatizar a aclamação de Dom João IV de diferentes maneiras, seja informando acerca de milagres que ocorriam para confirmar a Casa de Bragança no poder, seja para demonstrar o apoio que eles recebiam para além das fronteiras, como a chegada do Bispo de Lamego em Roma, que mesmo entrando na cidade às duas da manhã “ne por isso deixou o povo de se alvoroçar, que homes e mulheres andavão como doudos pellas ruas gritando VIVA’L RE D. GIOVANNE’L quarto”. Ou a notícia que consta no mesmo número e página de que “Pozse hu retrato del Rey N. S. numa sala do Palacio do Embaixador de França: despovoavase Roma pera o ver: e todos os pintores fazião infinitas copias, q se copravão para adornar as casas em Roma, e para mandar a outras partes”. 26 Além disso, é bastante frequente no decorrer do periódico as vitórias portuguesas diante do exército inimigo, mesmo que os primeiros estivessem em menor número, ou que ocorresse a perda de um vassalo importante: “(...) ao entrar num reduto derão com hua bala pela testa ao Capitão Alonso de Tovar, e lhe tirarão a vida, sendo geralmente sentido por ser de muito valor e esperanças: forão os nossos por diante, ganharam e saquearam o lugar.”27

A aclamação de Dom João IV e a Restauração provocou um conjunto de interpretações assimiladas pela sociedade portuguesa de que a Providência Divina teria sido atuante e decisiva em todo o processo. Nesse período, a imagem de uma tutela sobrenatural era historicamente aceita, sendo que “os milagres atribuídos a Deus, aos santos e à Virgem Maria em favor de Portugal foram divulgados por indivíduos de diferentes estratos sociais, no Reino e no Império”28. Quando analisa os sermões de padre Antônio Vieira, Alcir Pécora explica que já em 1641 havia em Portugal uma

25 Gazeta do mês de fevereiro de 1642. ; in: Gazeta, em que se relatam as novas todas, que ouve nesta corte, e que vieram de varias partes do mês de Novembro de 1641. Em Lisboa: na Officina de Domingos Lopez Rosa. Anno de 1642. p. 19.

26 Gazeta do mês de fevereiro de 1642. ; in: Gazeta, em que se relatam as novas todas, que ouve nesta corte, e que vieram de varias partes do mês de Novembro de 1641. Em Lisboa: na Officina de Domingos Lopez Rosa. Anno de 1642. p. 21 e 22.

27 Gazeta do mês de junho de 1642. In: Gazeta, em que se relatam as novas todas, que ouve nesta corte, e que vieram de varias partes do mês de Novembro de 1641. Em Lisboa: na Officina de Domingos Lopez Rosa. Anno de 1642. p. 40v.

(10)

efervescência visionária, numa confluência do messianismo sebastianista e a Restauração. A crença de que Portugal seria a nação eleita não era apenas de Vieira, mas o padre estaria “acompanhado de muita gente a seu tempo”29. Segundo Ana Isabel Buescu, o despregar do braço da cruz foi um dos múltiplos sinais que mostrariam a legitimidade de Dom João IV frente a Coroa portuguesa, “herdeiro das promessas de Cristo a Afonso Henriques.”30

Ainda que estejamos no início de nossa análise, conseguimos demonstrar a importância da Gazeta para o fortalecimento da Casa de Bragança nos anos seguintes à Restauração. Mesmo que o intuito fosse de fato informar aos leitores sobre acontecimentos ocorridos no Reino e em outras partes da Europa, é notória a exaltação de Dom João IV de diferentes maneiras no decorrer do periódico. A Providência Divina está presente em toda a publicação, protegendo a nova Casa e dando sinais de que os Bragança eram parte dos desejos divinos para a história de Portugal.

29 PÉCORA, Alcir. Teatro do Sacramento. A unidade teológico-retórico-política dos sermões de Antonio Vieira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Campinas: Editora da Universidade de Campinas, 1994. p. 224-225.

30 BUESCU, Ana Isabel. Memória e Poder. Ensaios de história cultural (séculos XV-XVIII). Lisboa: Edições Cosmos, 2000.

Referências

Documentos relacionados

de lôbo-guará (Chrysocyon brachyurus), a partir do cérebro e da glândula submaxilar em face das ino- culações em camundongos, cobaios e coelho e, também, pela presença

Diversos métodos foram usados para avaliar a fertilidade masculina, inclusive desprendimento, coloração e germinação de pólen e formação de sementes após "sib-matings";

São eles, Alexandrino Garcia (futuro empreendedor do Grupo Algar – nome dado em sua homenagem) com sete anos, Palmira com cinco anos, Georgina com três e José Maria com três meses.

b) Execução dos serviços em período a ser combinado com equipe técnica. c) Orientação para alocação do equipamento no local de instalação. d) Serviço de ligação das

O candidato deverá apresentar impreterivelmente até o dia 31 de maio um currículo vitae atualizado e devidamente documentado, além de uma carta- justificativa (ver anexo

Realizar a manipulação, o armazenamento e o processamento dessa massa enorme de dados utilizando os bancos de dados relacionais se mostrou ineficiente, pois o

patula inibe a multiplicação do DENV-3 nas células, (Figura 4), além disso, nas análises microscópicas não foi observado efeito citotóxico do extrato sobre as

Finally,  we  can  conclude  several  findings  from  our  research.  First,  productivity  is  the  most  important  determinant  for  internationalization  that